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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O arrazoado


© 2008 Coast (design) & Eurodad (campanha “Fight Capital Flight”)

Fiscalistas, economistas, advogados parafiscalistas e multi-usos, politólogos, comentadores da estirpe pau-para-toda-a-colher, e só ficaram a faltar os obstetras para ajudar a dar à luz, ou melhor, para explicar o bê-á-bá do mercado livre e da livre circulação dos capitais nesta entidade amorfa e fragmentária que se chama União Europeia. De todos se ouviu: não é irregular; não vai contra a lei; pois, está claro, com esta carga fiscal as empresas, sem contrariar a lei, note-se ou que fique bem claro, procuram outros sítios fiscalmente mais (argumentário adjectival):
  1. estáveis,
  2. favoráveis,
  3. leves,
  4. sólidos,
  5. benéficos,
  6. ligeiros,
  7. firmes,
  8. vantajosos,
  9. suaves,
  10. todas as anteriores, porque as hipóteses 1, 4 e 7 significam o mesmo, tal como as 2, 5 e 8, e as 3, 6 e 9; e cada conjunto forma os vértices do triângulo do éden fiscal para onde se expulsam os plutocratas cujas taxas efectivas de imposto sobre o rendimento, devido a determinadas benesses e ao chamado planeamento fiscal, é muitíssimo inferior àquela que recai sobre os lucros das PME.

Curvas de Laffer, votar com os pés E, já agora (não vá o diabo tecê-las), que tal um pouco de Canesten? Deixemo-nos de teorias e vamos à vidinha
Será que aqueles liberais de pacotilha, de colarinho branco e dentes branqueados, cujas televisões deram a imperdível oportunidade de mostrar os quadros dos seus escritórios sumptuosos, pretendiam fazer coincidir legalidade com legitimidade?
Mas eu assevero: o negócio Zoete Druppel é simultaneamente legal e ilegítimo. Acrescento, à laia de explicação, é soez, bárbaro e indecoroso, de uma boçalidade prototípica de um cacique de sertão do século XIX, que respeita mais o gado que alimenta, que a família que sustenta ou os “colaboradores” que fustiga com salários de miséria.
Neste momento, nesta conjuntura, neste cenário de sacrifício nacional, é imoral. Desde quando se pode legitimar ou concordar com uma imoralidade apoiando-se na lei?
É antinómica a coabitação dos vocábulos “justo” e “imoral” para qualificar um mesmo nome, uma lei imoral destrói os princípios basilares da decência formulados pela sociedade: os seus valores, as suas crenças.

Sou um liberal, com uma forte vocação libertária, sou até um fervoroso partidário da revolução capitalista há tantas décadas professada por Louis Kelso – o que hoje temos não pode ser chamado de capitalismo, mas de ganância e cobiça congenitamente necrófagas dos mais débeis –, mas sei que, tal como alguém propunha para a democracia, há momentos em que esse fulgor libertário – fundado num liberalismo cego – tem de ser suspenso em nome de uma causa maior, sob pena da sua autoderrogação ao tornar-se iníquo. Esta cedência não é significado de capitulação, é sobretudo um sinal de inteligência, quando entendemos que aquela, por haver ocorrido, actuará pelo bem comum, pelas paz e coesão sociais, pela solidariedade, pela justiça, em suma, pela tão apregoada, como não praticada, responsabilidade social. Lavem-me essa boca!

Termino com uma frase de alguém que, embora distante da minha ideologia, perfilha, através das suas arte e intervenção cultural, a ideia comum e basilar de jamais transigir com a injustiça: Jean-Luc Godard. E como ele quis no seu filme mais recente, «No Comment»:
«Quand la loi n’est pas juste, la justice passe avant la loi.»

quarta-feira, 24 de março de 2010

Fiat Justitia, pereat mundus (act.)



(Sugestão: regressar ao título do texto – que, infelizmente, não se refere à estreia de um novo modelo da conhecida marca de automóveis sedeada em Turim; trata-se de coisa mais séria, animada por matéria mais inflamável –, apelando-se, neste caso, a uma acção enérgica por parte dos dirigentes do meu clube – fundamentada na opinião corroborada pela esmagadora maioria dos juristas instados a pronunciar-se sobre a matéria – grupo em que se inclui José Manuel Meirim, adepto do clube da Luz, e o único doutorado em Direito do Desporto em Portugal –, indo até às últimas consequências compensatórias e indemnizatórias perante uma sentença injusta, desproporcionada, revoltante e que manchou indelevelmente, por muito que se tente esconder com justificações de forma física, o rumo dos acontecimentos desportivos da época 2009/2010).

[Actualização, 25/03, às 15:47]: comentário do dia (da decisão), por André Sousa, de Coimbra, em reacção à sanha justiceira vermelha e à cegueira da clubite exibida por outros nos comentários que postaram sobre a mesma notícia do jornal Público:

«Os tribunais Civis ilibaram o Pinto da Costa... e a Comissão Disciplinar é que era isenta!!... O TAS não deu razão às queixinhas do SLB e Guimarães... e a Comissão Disciplinar é que era isenta!! ... a FPF deliberou a favor da pretensão do FCP nas penas EXCEPCIONAL e PROPOSITADAMENTE aplicadas ao Hulk e Sapunaru, e a Comissão Disciplinar é que continua a ser a entidade isenta!! IRRA... quem acredita ainda na CD Liga ou é cego ou Lampião... só pode!! O Herminio Loureiro, perdeu uma boa oportunidade de dar outra entrevista à SIC a expressar a sua mágoa pelas decisões da CD Liga... enfim... é o SISTEMA!!» [sic]

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

4 meses, 23 jogos e o 25 de Abril


Há uns tempos prometi a mim mesmo que não voltaria a escrever aqui sobre futebol, porquanto, na maioria das vezes, a paixão na análise dos factos tolda alguma racionalidade asseguradora de um mínimo de imparcialidade. Rompi a promessa, porém não me penitencio. Mesmo que ninguém leia os textos que para aqui – e cada vez mais espaçadamente – vou publicando, senti que deveria exteriorizar a minha raiva, que se contida provocaria maiores danos, perante a actual VERGONHA camuflada de regulamentos espúrios.
O contador que permaneceu neste blogue até sexta-feira passada – o dia da decisão – assinalava 61 dias de suspensão preventiva de dois jogadores do meu clube, que impediu a participação dos mesmos em 12 jogos para competições oficiais de futebol.
Hoje, sabe-se que para o mais destacado da dupla de castigados – Hulk – serão 23 os jogos em que aquele predestinado – quiçá por artes mágicas ou por um sopro olímpico à nascença – foi arredado dos relvados por um “Pavão” de Canelas, Gaia – conhecido pela sua cor clubística rubra, imprimida pelo pai desde os tempos de meninice –, estribado cegamente em regulamentos que, pasme-se, considerou injustos. Todavia, Costa como principal zelador do seu cumprimento nunca tomou a iniciativa formal para propor a sua alteração. Ficam-lhe mal as lágrimas de crocodilo, o excesso de linguagem que procurou exalar a imagem de um homem agrilhoado à lei disciplinar, esquecendo-se que, com esse comportamento, cometeu o erro de praticar um acto conscientemente imoral, derrogando a génese e o sustentáculo de qualquer forma de Direito, o sentimento de justiça, transversal ao comportamento humano. Em suma, permitiu-se a ratificar o “mal” deixando-se vencer por uma lei sem moral.
Curiosamente, quis o destino que a 25 de Abril de 2010, Givanildo Vieira de Souza regresse do seu degredo, 36 anos depois do dia em que a liberdade voltou às ruas deste país de misérias.
Com estas palavras, termino o assunto, e em definitivo, não me coibindo de deixar mais outras que, pela insuspeita clubite, deveriam ser motivo de reflexão:
«Deixo a minha opinião sobre os castigos de Hulk e Sapunaru já no início do texto: são desproporcionados.
Os actos dos dois futebolistas não mereciam semelhante pena, que considero de uma violência sem sentido. Se pensarmos que os jogadores têm, em média, dez anos de carreira ao melhor nível, este castigo significa, por exemplo, que o lateral romeno acabou de perder 5 por cento da sua vida desportiva. É brutal.
Arrumada a minha opinião sobre a dimensão do castigo, sobram três perguntas: o processo foi bem conduzido, o desfecho podia ter sido diferente, os regulamentos disciplinares do futebol português são bons?
1. Depois de ouvidas as explicações de Ricardo Costa fiquei convencido de que o processo foi bem conduzido. Respeitou os prazos, fez o que tinha a fazer. No entanto, o final foi desastroso. A conferência de imprensa na sede da Liga é desajustada e constituiu um triste e lamentável espectáculo. Se pretendia ser claro, Ricardo Costa deveria ter-se limitado a colocar online um acórdão contido, correcto e claro. O dia em que jogadores são condenados a castigos tão pesados não pode ser promovido a espectáculo televisivo. Muito menos por pessoas com responsabilidades disciplinares e na sede do organismo que representa os clubes.
2. Acho que a Comissão Disciplinar valorizou muito pouco duas questões fundamentais: o comportamento dos stewards indicados pelo Benfica e o facto de os jogadores estarem sujeitos a uma pressão que resultava de terem terminado um jogo de futebol intenso minutos antes. Ou seja, os stewards não deviam simplesmente estar naquele sítio, quanto mais optar por um comportamento que a CD considerou «provocatório». Faltou à Comissão Disciplinar algo essencial a quem aplica regulamentos: bom senso. Os clubes mal intencionados ficaram a saber que sai muito barato provocar os jogadores adversários nos túneis. Com 1500 euros pode conseguir-se provocar um sério dano na concorrência.
3. A resposta à terceira pergunta é fácil. É evidente que os regulamentos são maus. Mas antes de serem maus, são demasiados. Os regulamentos devem garantir que todos podem defender-se, mas, em simultâneo, permitir a aplicação da justiça em tempo útil. Porque, como se viu, o tempo de quem julga é bem diferente do tempo de quem joga. Aqui, mais uma vez, a Comissão Disciplinar da Liga esteve mal. Os anos que leva no futebol são mais do que suficientes para lhe exigir que tivesse conseguido uma acção activa na alteração dos regulamentos. É fraca desculpa alegar, nos momentos mais delicados, que a culpa é das leis, que são más. Sobretudo quando no resto do tempo se assobia para o lado.
O facto de discordar do desfecho deste caso não me leva a dar o passo seguinte: colocar em causa a honra e o equilíbrio de quem integra a Comissão Disciplinar. Reconheço na acção de Ricardo Costa rigor, trabalho e esforço honesto na alteração das práticas anteriores. E todos sabemos como funcionava a CD antes da direcção de Hermínio Loureiro.
Dito isto, era tempo de os clubes, sobretudo os maiores, contribuírem para a elevação do futebol em Portugal. E isso faz-se nos momentos complicados, como este. O F.C. Porto tem todo o direito de recorrer, mas perde respeito quando o faz utilizando linguagem imprópria.
P.S.: Só mais um ponto: face à dimensão do castigo aplicado a um jogador tão importante como Hulk, é evidente que a Comissão Disciplinar poderá sempre ser acusada de ter contribuído para decidir o campeão em 2009/10.»
Luís Sobral, in MaisFutebol, “Castigos a Hulk e Sapunaru: obviamente são excessivos”, 20 de Fevereiro de 2010. [destaques meus]

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Uma história de violência… perdão, de 65 milhões

[via Reflexão Portista; perfilados na imagem, com os cargos que ocupavam na altura, (04/Março/2002, na campanha eleitoral do PSD para as Legislativas de 17 de Março, no denominado “jantar-comício do desporto”) da esquerda para a direita, temos: Fernando Seara (presidente da Câmara de Sintra); Luís Filipe Vieira (director de futebol do Benfica e grande higienista paliteiro pós-repasto – uma adivinha: em que comício se apresentou o homem do palito nas Autárquicas de Outubro de 2009? E contra quem?) Pedro Santana Lopes (presidente da Câmara de Lisboa); António Rola (ex-árbitro, funcionário do Benfica, de pé); e Manuel Vilarinho (presidente do Benfica, que no calor da festividade se estatelou ao comprido ao tentar chutar uma bola – homem que nos habitou mal (porque agora resta o vazio) a uma regularidade de momentos de diversão, por exemplo, sete anos volvidos foi protagonista desta excelente intervenção em directo para a RTP, e ainda eram 9 da manhã…)]
Recomendação: Antes da leitura da notícia completa do JN, convém dar um pequeno destaque sobre um novo conceito, a “im(p)unidade vermelho-desportiva” (de facto, como diz o pobre cântico, ninguém os pára):

«A outra parcela dos 18 milhões resulta do compromisso da Câmara de pagar, através da EPUL, os ramais de ligações às infra-estruturas de subsolo para o estádio. Isto valeu ao Benfica oito milhões de euros, sendo que 80% das facturas que cobrou à EPUL respeitavam a serviços de consultoria: só 20% tinham a ver com os ramais. De resto, parte das facturas tinha data anterior ao contrato-programa (…)
Nenhuma irregularidade detectada nas facturas do Benfica foi valorizada, para efeitos de responsabilização criminal dos dirigentes do clube.»
in Jornal de Notícias, 28/Janeiro/2009.

domingo, 12 de julho de 2009

Divagação apartidária + John Berger

Porque é que deixamos que um grupo compacto, homogéneo na mediocridade dos seus elementos - meros veneradores de uma insígnia infame -, nos maltrate, humilhe e despedace até ao nível da indigência intelectual?
Despojos da prostituição do poder político. A ditadura dos partidos aniquilou de vez a hipótese de alcance de uma qualquer visão remota de Democracia. E eles que nos enchem os ouvidos com o "dever cívico"… votai!… dever cívico…
Mas existe "bem comum" para que possa considerar-se o voto como um gesto altruísta a favor do bem-estar da comunidade em que, sem voto, nos inseriram? Grupos de interesse… gentalha arrivista… chusma de necrófagos que se aproveita dos pedaços da alma que se vão extinguindo com a implacável voragem da desesperança que se assenhoreou de um povo exânime.
As leis por encomenda, por John Berger (título de minha autoria, convenientemente adequado ao ambiente político de podridão, cujo cheiro nos tolhe o discernimento):
«Por muito boa que seja uma lei, ela é invariavelmente inapta. É por isso que a sua aplicação deveria ser disputada ou questionada. E a prática de fazer isto corrige a sua inépcia e serve a justiça.
Existem leis más que legalizam a injustiça. Tais leis não são inaptas, porque elas reforçam, quando aplicadas, exactamente aquilo que se pretendia que reforçassem. E é preciso resistir-lhes, é preciso que sejam ignoradas, desafiadas. Mas é claro, compañeros, que o nosso desafio a elas é inapto!»
John Berger, De A para X. Cartas de Amor, pág. 36
[Porto: Civilização, Abril de 2009, 207 pp; tradução de Isabel Baptista; obra original: From A to X. A Story in Letters, 2008]

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Se7en – Sete no Mercado de Capitais

[Imagem: ©Jornal de Negócios (15/12/2008); da esquerda para a direita: Jorge Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto, Filipe Pinhal, Alípio Dias, Christopher de Beck, António Castro Henriques, António Rodrigues.]
O regulador reactivo reagiu. Com lentidão e parcimónia, sete, mágico. Espera-se por sangue, momentos difíceis, trágicos.
Não, não se trata dos tercetos dramáticos de Conrad, a que Roth se referia no seu penúltimo romance; Zuckerman rememorando a Linha de Sombra (The Shadow Line, 1917). E, então, que se cite a obra do excelso viajante polaco-britânico Józef Teodor:

«Só os jovens passam por momentos assim. Não quero dizer os novos demais; esses não conhecem, para falar verdade, momentos propriamente difíceis. É dado à adolescência o privilégio de viver antecipadamente os dias da sua vida na plena continuidade admirável de uma esperança» (p. 13)

E prossegue:
«O tempo também continua para diante – até que avistamos, mergulhando mais fundo, uma linha de sombra que nos previne de que o país da adolescência terá igualmente que ser deixado para trás.» (p. 14)
[ed. port. Relógio D’Água, 1984; tradução de Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira.]
Mas aqui a Linha de Sombra é mais difusa, longe da costa, offshore… longe do coração e da supervisão.
(Já nem se fala sequer dos empréstimos concedidos a familiares e amigos ou a comparsas noutras empresas sem garantias…)

Por outro lado, será difícil invocar, a não ser por recurso a um trocadilho de baixo nível literário (ver título), a obra cinematográfica de Fincher, ou o épico divino de Dante, guiado por Virgílio, e a visão dos apocalípticos círculos do Inferno, porque a amálgama pecadora não permite uma discriminação e posterior classificação dos vícios: não se trata, apenas e só, de avareza. É muito mais que isso, é toda uma cultura que se foi enraizando pelas condições meteorológicas favoráveis: impunidade perene a soprar de todos os quadrantes, até mesmo inabalável por um furacão qualquer… sistema inafrontável, eterno, massacrante, iníquo.

(Os Estados Unidos, esse conglomerado gigante e proselítico do capitalismo, o império de todos os males, o paraíso da ganância e dos miseráveis à laia de Hugo, vai dando exemplos ao mundo – embora, tenha de convir, ainda bem longe da perfeição – das reais consequências dos homólogos perpetradores de crimes económicos e financeiros: Enron, WorldCom & C.ª)

Por cá, paradoxalmente, continua a ser muita parra para um país produtor de vinhos de qualidade e de um ímpar licoroso, suave e generoso, do Porto, bem na linha da costa.

domingo, 30 de novembro de 2008

Solidarizo-me...

«Jornalistas despedidos assinalam aniversário do jornal O Primeiro de Janeiro»

Não só porque nesse grupo estão pessoas que muito estimo e admiro profissionalmente, mas também pela impunidade do despotismo dos pequenos régulos que, assim que abocanham o poder, governam um espaço que julgam só seu – qual púbere irascível agarrado ao seu brinquedo – derrogando a ética e a responsabilidade empresariais.
Stakeholders, já alguém ouviu falar?...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Coisas Simples

É desta forma, abrupta, que Pacheco Pereira entra pela tarde, reproduzindo um raríssimo exemplar de um quadro pintado a óleo sobre zinco, neste caso de François Bonvin uma natureza morta e alguns objectos de scriptorium.
Hoje, ontem, não há, não houve, “milieu”, ou «o ambiente miasmático em que tudo se passa».

Ficam as imagens para mais tarde recordar (onde até houve um corajoso agente da autoridade que pretendia deter o operador de câmara da RTP – o agredido – depois de deixar fugir o agressor):



Nota: os mesmos indivíduos (oito homens e duas mulheres) já de cara destapada – ao que chega a impunidade… – e mais um grupo que se lhes juntou após os primeiros incidentes retratados no vídeo, permaneceram a tarde inteira em frente do TIC intimidando e ameaçando jornalistas e as respectivas famílias nas barbas da polícia e da segurança privada do DCIAP.

Prevê-se um Quadratura do Círculo alargado para discutir este tema.

domingo, 9 de novembro de 2008

Dos fracos (ao ou pelo poder)

Friedrich Nietzsche«Para uma filosofia da força ou da vontade, parece difícil explicar como é que as forças reactivas, como é que os “escravos”, os “fracos” levam a melhor. Porque, se todos em conjunto formam uma força maior que a dos fortes, não vemos muito bem o que mudou, e sobre que se funda uma avaliação qualitativa. Mas, na verdade, os fracos, os escravos não triunfam por adição das suas forças, mas por subtracção da força do outro: separam o forte daquilo que ele pode. Eles triunfam, não pela composição do seu poder, mas pelo poder do seu contágio. Acarretam um devir-reactivo de todas as forças. É isso a “degenerescência”. Nietzsche mostra já que os critérios da luta pela vida, da selecção natural, favorecem necessariamente os fracos e os doentes enquanto tais, os “secundários” (chama-se doente a uma vida reduzida aos seus processos reactivos). […] As forças reactivas, ao levarem a melhor, não deixam de ser reactivas. Porque, em todas as coisas, segundo Nietzsche, trata-se de uma tipologia qualitativa, trata-se de baixeza e de nobreza. Os nossos senhores são escravos que triunfam num devir-escravo universal [...] Nietzsche descreve os Estados modernos como formigueiros, em que os chefes e os poderosos levam a melhor devido à sua baixeza, ao contágio desta baixeza e desta truanice. Qualquer que seja a complexidade de Nietzsche, o leitor adivinha facilmente em que categoria (quer dizer, em que tipo) ele teria colocado a raça dos “senhores” concebidos pelos nazis. Quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de poder deixa de querer dizer “criar”, mas significa: querer o poder, desejar dominar (portanto, atribuir-se ou fazer com que lhe atribuam os valores estabelecidos, dinheiro, honras, poder...). Ora, esta vontade deste poder é precisamente a do escravo, é a maneira como o escravo ou o impotente concebe o poder, a ideia que dele faz, e que ele aplica quando triunfa. Acontece que um doente pode dizer: ah! se eu estivesse bom, faria isto – e talvez o fizesse –, mas os seus projectos e as suas concepções são ainda as de um doente, e nada mais que as de um doente. Passa-se o mesmo com o escravo e com a sua concepção do domínio ou do poder. Passa-se o mesmo com o homem reactivo e com a sua concepção de acção. Por toda a parte, é a inversão dos valores e das avaliações, por toda a parte são as coisas vistas do lado pequeno, as imagens invertidas como numa clarabóia. Uma das grandes frases de Nietzsche é: “Temos sempre de defender os fortes contra os fracos.» [destaque meu]
Gilles Deleuze, Nietzsche, pp. 25-26
[Lisboa: Edições 70, 1.ª edição, Agosto de 2007, 107 pp.; tradução de Alberto Campos; obra original: Nietzsche, 1965]

Sem mais comentários (como quase sempre nas citações dominicais neste blogue).

sábado, 8 de novembro de 2008

A intimidação dos poderosos

A Destruição do Leviatã, de Gustave Doré, 1865Intróito
Depois de ter lido
isto e isto do Eduardo Pitta no seu blogue Da Literatura, germinou em mim uma vontade incomensurável de falar, de gritar, de exteriorizar a revolta que casos como este e similares me provocam, me revolvem as entranhas e me fazem, por vezes, estiolar em palavras de desprezo perante este país de capelinhas e sacristias, onde uma pequena turba de oligarcas dedilha os fios que fazem mover os nossos braços e pernas como se fôssemos marionetas.
Irei falar um pouco das vicissitudes de um processo desta natureza, eminentemente persecutória, que está escrito nos seus contornos quase kafkianos. E, de seguida, recupero um texto – cujo título original deu o nome ao de hoje –, à laia de ensaio, passe o possível pretensiosismo, que havia escrito, por catarse (outros queriam-no para publicação, a que resisti com alguma veemência, dada a minha indisponibilidade física e mental, não literal, para servir de Martim Moniz), em Fevereiro de 2004. Hoje, ao ler os textos do Eduardo, sabia que o houvera escrito e que estaria arrumado com centenas de outros numa das pastas abandonadas do disco rígido do meu computador; apenas cheguei lá pelo título – neste caso aparece com o subtítulo “Do Poder: a incubação dos medíocres”.

Do Processo
É esta a resignação perante uma coisa cuja denominação há muito deixou de corresponder à sua etimologia (percebe-se no final, pela circularidade).
Um exemplo cabal desse desfasamento materializa-se no processo disciplinar consubstanciado no direito do trabalho. A putativa protecção do trabalhador nestes casos, não passa disso mesmo, de uma presunção de atribuição de determinados direitos de defesa que jamais poderão ser exercidos, quer no campo meramente interno – na condução do processo disciplinar tout court, que cabe única e exclusivamente à empresa dirigir, com um instrutor parcial (de partidário) nomeado para o efeito –, quer no plano externo quando a decisão de despedimento é tomada e se recorre aos tribunais para recuperação do vínculo e de todas as prerrogativas anteriores que a mera existência desse vínculo englobava.
A lei obriga a manifestação expressa do desejo de despedir na, usualmente rocambolesca, “Nota de Culpa”. Findo o processo de inquérito, segue-se o tribunal, com a interposição do procedimento cautelar de suspensão do despedimento. A vitória aí alcançada poderá, segundo dizem, ser um prenúncio para a vitória final, mas quase sempre se trata de um presente envenenado, uma vez que nada mais repõe que não seja o direito à retribuição.
Depois chega a acção declarativa (a chamada de "principal"), o processo de impugnação desse despedimento: a verdadeira tortura. Advogados, petições, juízes, requerimentos, audiências preliminares, tentativas de conciliação, audiência de partes, arrolamento de testemunhas, adiamentos por falta de douta agenda, expedientes dilatórios, etc. Custas, taxas de justiça, preparos, honorários, telefonemas, deslocações… dois anos, na melhor das hipóteses. Em suma, o despedido via processo disciplinar é condenado a pelo menos dois anos de tortura enquadrada nos beneplácitos e nas concessões da monstruosa máquina judicial portuguesa.
Todavia, o pior chega com o impedimento de entrada do visado nas instalações onde durante anos, talvez décadas, exerceu a sua actividade profissional; onde deixou todo o seu suor, as suas ideias, a sua dedicação e natural socialização dentro de um ambiente controlado que, fatalmente, criou uma teia de relações pessoais. É precisamente aí que se inicia a tortura chinesa da difamação e da injúria: dentro das instalações, “no escurinho do cinema” (sem dropes de anis), longe da vista e do coração do terrível aviltador do status quo, sem qualquer hipótese de defesa, inicialmente difundida pelos donos do poder e perpetrada diariamente nos corredores através do boato e da inócua maledicência, e depois propagada até por aqueles que um dia havíamos reputado como colegas de trabalho dignos da nossa confiança e até, em alguns casos, como amigos fora do círculo restrito das relações profissionais. É precisamente aí que ficamos a conhecer, sem hipótese de remissão, a mesquinhez da natureza humana, a baixeza, a vileza, o grau de maleabilidade moral de seres intrinsecamente reptilários.
Já não me recordo de quem o disse, mas louvo-lhe a coragem por haver proferido a seguinte frase: «frequento muito pouco a natureza humana». Atribuo, hoje em dia, um valor imensurável à independência e à sujeição mínima perante uma hierarquia. Como diz o Miguel Esteves Cardoso na última Ler, prefiro ser «autor de mim próprio» nem que isso faça de mim materialmente mais pobre.
Sem conhecer a visada, e tão-pouco vislumbrar a hipótese de algum dia a poder vir a conhecer; sem conhecer o processo em causa, mas divisando, infelizmente, os contornos que por ora assume e que, mais tarde, irá decerto assumir, gostaria de manifestar a minha solidariedade a Joana Morais Varela, que de um momento para outro se viu despojada de um projecto que erigiu e ajudou a retirar, em definitivo, a Colóquio/Letras dos escombros da ociosa intelectualidade lusa.

Do Poder: a incubação dos medíocres
Muitas vezes, a forma mais vil de se obter o poder, ao contrário do popularmente determinado, não é aquela onde se o conquista pela força. Ela advém de um sistema genericamente considerado como o mais “humanamente benigno”, a democracia.
Winston Churchill disse, mais ou menos por estas palavras, que «a democracia é o pior de todas as formas de governo, com excepção de todos as outras que a História já deu a conhecer ao mundo».
A inquietação implícita nesta frase leva-nos ao reconhecimento cabal das falhas dos sistemas democráticos.
Arriscar-me-ia a afirmar que a democracia, na sua fase de maturidade, conduz à alienação das massas, ao triunfo dos medíocres e à permanente insatisfação das franjas populacionais que lutam por ideias de transparência, honestidade e de desenvolvimento sustentado da condição humana.
Cada acto eleitoral deveria corresponder a um acto de renovação da esperança dos eternos insatisfeitos com a classe governativa. Quando falo de classe governativa não me circunscrevo àquela que administra e representa os destinos da nossa pátria, seja ela qual for. O conceito é mais abrangente, incluindo as micro-relações de poder que vamos enfrentando na nossa vivência quotidiana.
O respeito pela democracia plena determinaria “1 Homem – 1 voto”. Empiricamente, afigura-se-nos como a solução mais generosa no sentido de garantir a participação plural de todos os membros que compõem uma dada comunidade ou uma dada organização no processo de tomada de decisão. Todavia, o somatório das vontades individuais não é igual à vontade colectiva, na medida em que o jogo da procura pela solução consensual implica, à partida, cedências de alguns desejos de cariz pessoal para benefício da colectividade.
Parece um simples truísmo, mas convém salientar que é impossível conciliar posições individuais quando estas se revelam antagónicas, sob pena de o próprio sistema democrático não funcionar. Logo, os grupos formam-se por pessoas que têm valores, comportamentos, atitudes e objectivos similares. Agrupam-se, em primeiro lugar, pela identificabilidade.
Depois de constituídos os grupos, que normalmente se arrogam de representativos de determinadas franjas sociais, há a definição da acção comum de forma a seduzir os indecisos e engrossar fileiras para a conquista da vitória final, que se poderá facilmente traduzir pela conquista do poder – é todo um léxico marcial que mais bem se adequa à explicação da génese do poder.
Inicia-se o processo de governação, normalmente começa-se por satisfazer as clientelas políticas, distribuem-se os poleiros, hierarquizados pela notoriedade, poder de influência e pelo pretenso grau de operacionalidade ou mais-valia técnico-científica. Posteriormente, tomam-se decisões de fundo e afastam-se algumas vozes críticas que, potencialmente, pelas suas integridade e idoneidade, podem constituir um entrave à governação. Arrebanham-se os volúveis e os medíocres com promessas vãs de status social, de engrandecimento da reputação e/ou com estabilidade governativa, já que geralmente o seu valor de mercado é acessível.
Quem detém o poder governa para si e para os seus e intimida os oponentes que, de forma resistente, ainda perduram, quais obstáculos, no horizonte de poder dos dirigentes.
Ao ostracismo são votados os que permanecem com as suas convicções e, o pior de tudo, são apontados a dedo, pelos neodominados partidários da elite governamental, como destruidores da instituição ou da comunidade a que pertencem e das suas vidinhas conformistas.
Usualmente, vigora a tese da intimidação pelo bem colectivo – que para os poderosos significa a eternização no poder, manutenção do status quo e conservação ou expansão do açambarcamento de privilégios extraordinários –, que é divulgada, amedrontando: "o bem colectivo" poderá ser destruído pelos, por si denominados, com direito a comunicação explícita usando os gratuitos megafones do poder, “difamadores” e/ou “sequiosos de poder”, de forma a garantirem a imposição das suas vontades individuais.

Confesso. Não sei quem de mim merece um maior sentimento de comiseração, se os medíocres que sabem que são medíocres, ou aqueles que, devido à ignorância, se acham autorizados a intervir pelo bem comum. Estes últimos são os coitados que interferem nas nossas vidas com a consciência tranquila de que contribuíram de forma decisiva para a comunidade. Os primeiros são os parasitas da sociedade, aqueles que cedem, que recuam, que deambulam neste mundo esquecendo amigos, parentes, vizinhos, colegas de profissão, e, mais grave ainda, os valores mais nobres e elevados da sinceridade, honradez, amizade, compaixão, integridade e, acima de tudo, da lealdade nas relações humanas, que deveriam ser orientadores do seu comportamento nas suas mesquinhas vidas.
A democracia emprenha intimidadores, concebe medíocres e afasta aqueles com opiniões próprias.

Mas haverá melhor sistema!? (voltar a "Do Processo")

(Imagem:A Destruição do Leviatã” gravura de Gustave Doré, 1865, para a Bíblia Sagrada: Isaías, 27)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Miss Congeniality

A Arquivadoria… perdão, a Procuradoria-Geral da República representada pela equipa especial da Super Magistrada MJM, especialmente atenta aos furacões do mundo do futebol, decidiu arquivar o inquérito relativo às agressões perpetradas por desconhecidos contra o vereador da Câmara de Gondomar Ricardo Bexiga em pleno parque da Alfândega em 25 de Janeiro de 2005.

Já agora, que se me permita a formulação de uma ingénua pergunta:
Mas, então, não houve uma emergente escritora – o vórtice aglutinador de todas as simpatias da Procuradoria, do Correio da Manhã (Cofina), da Dom Quixote e da mais fina nata artístico-opinativa lisboeta – que confessou, sem que fosse alegada falta ou vício na formação da vontade, haver ordenado a um conjunto de caridosos capangas uma valente tareia no dito vereador?

Com este arquivamento, passou-se, assim e sem qualquer tipo de decoro ou honradez, um certificado de legitimidade irrevogável à tão lusa impunidade.


Meus caros, este país é uma vergonha!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Pedrada no charco

Repetem-se na televisão os debates políticos anódinos, garantidores de uma bipolaridade geométrica do espectro ideológico, para discutir a justeza das últimas afirmações sobre o estado da justiça em Portugal. Hoje à noite, na Quadratura do Círculo, iremos assistir, por um lado, a uma descomunal zurzidela em António Marinho Pinto pelos discursos (o da semana passada e o de ontem, na abertura do Ano Judicial) e explicações subsequentes sobre a impunidade e os crimes de colarinho branco em Portugal e, por outro, a um ligeiro, porém doloroso, puxão de orelhas ao Presidente da República pela pertinência do discurso também proferido ontem e no mesmo evento, embora esta última reprimenda se vá revelar de menor intensidade (em relação à zurzidela ao primeiro protagonista) para que se sobreleve a falta de legitimidade e, acima de tudo, de carácter do actual bastonário da Ordem dos Advogados – e isto pode parecer que da minha parte há uma obsessão persecutória sobre o referido programa, mas se, de uma forma incessante, o trago à colação neste espaço, isso apenas se fica a dever ao forte impacto do que aí se professa na opinião pública, que lê com alguma dificuldade a redondez do discurso político proferido nos diversos púlpitos dos órgãos de soberania nacionais.

Marinho Pinto não tem medo. Cavaco, apesar da preconizada cooperação estratégica, não se furta ao magistério de influência que os seus poderes presidenciais permitem.
O sistema de comentário político, fortemente delimitado por um dogmatismo de forma do discurso dos titulares de cargos dos órgãos de soberania, apodá-los-á de populistas e de demagogos, emitindo mensagens subliminares sobre a índole difamatória das suas afirmações, porque fogem ao cânone discursivo das falinhas mansas e da vacuidade generalista.
Ontem, na abertura do Ano Judicial, Marinho Pinto reiterou, e bem, as afirmações que havia produzido sobre a impunidade dos poderosos. Cavaco Silva, depois do excelente discurso de tomada de posse de 9 de Março de 2006, voltou a insistir na clarificação e no saneamento dos sistemas judicial e judiciário portugueses, apelando à transparência e à perceptibilidade pelos cidadãos das reformas na justiça, ao envolvimento dos actores judiciários na concepção dessas reformas e ao rigoroso escrutínio dos seus resultados.
O Presidente da República pôs o dedo na ferida, não se limitando a referir em abstracto e de forma genérica os males que enfermam a dita justiça em Portugal. Um desses males foi especialmente salientado: os expedientes dilatórios.

«A justiça não pode estar à mercê daqueles que recorrem a todos os instrumentos processuais como meio dilatório para impedir ou retardar o trânsito em julgado das decisões judiciais. O Estado de direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos.»

Cavaco foi além da já alertada e sentida impunidade dos poderosos na prática reiterada da corrupção e de crimes económicos e financeiros no nosso país. Referiu-se, e muito bem – embora o tenha feito de uma forma subentendida, que em nada prejudicou a inteligibilidade da mensagem –, à complacência e/ou à cumplicidade criminosa entre determinadas indivíduos com a tutela da investigação, da acção penal ou com a autoridade de proferir decisões judiciais e jurisprudenciais, envolvendo os respectivos organismos a que se encontram adstritos pelo exercício das suas funções, e um grupo de pessoas que, pela incomensurabilidade de recursos (financeiros e de acesso privilegiado aos meios de justiça por uma longa e espúria teia de relacionamentos, vulgo compadrio ou tráfico de influências) se serve da justiça para aniquilar aqueles que, de forma estrutural, jamais os possuirão ou, no caso de os possuírem, estes são-lhes incomparavelmente inferiores, de uma desproporcionalidade gritante que anula qualquer hipótese de equidade na administração da justiça.

Que, uma vez mais, não se procure transformar a pedra com que se pretende abanar o charco num irrisório e solúvel grão de areia, rápida e inexoravelmente absorvido pela sua podridão.

Os dados foram lançados. E, ao contrário da aparência reflexiva (ou de apelo à reflexão) com que a classe política sói apodar e interpretar estes efectivos gritos de alerta, criando comissões de estudo bem remuneradas que normalmente se extinguem sem resultados práticos, chegou a altura de agitar as águas que, pela tão conveniente inacção, se vão tornando cada vez mais inquinadas, fétidas e opacas, insusceptíveis de purificação num futuro próximo.
Neste momento e de forma urgente, este país necessita de uma acção firme e incisiva, sob pena de já não ter remedeio, transformando-se em definitivo e com indulgência numa oligarquia dificilmente sanável nas próximas décadas, a não ser pela força, pelo sangue, por uma revolução profunda e dolorosa, de todo não desejável, mas cuja conjectura já esteve mais longe das mentes dos denominados portugueses anónimos, o povo – a rocha.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Da (triste) realidade

VII
[O rei vai nu ou a história de alguém que, de hoje em diante, irá percorrer o alcantilado, duro e tortuoso caminho da justiça portuguesa; grotesca e aviltante, kafkiana; promotora da desonra e do assassinato de carácter para os que não lhe conhecem as entranhas, nauseabundas, pútridas e ignominiosamente retorcidas; escorraçados do sistema pelo peristaltismo cúpido do poder.
Imperativo categórico: fiat justitia et pereat mundus.]

«Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português.»
António Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados (declarações à Antena 1, 25/01/2008) [destaques meus]

VIII
[Da arrogância à ignorância. A sobranceria como afiguração de uma debilidade intelectual e espiritual percebida e insanável. Estreiteza. Apedeutismo. Filistinismo. Mediocridade. As duas faces da mesma moeda.]


«Aprendemos mais do que ensinamos, e os arrogantes vão continuar a sofrer de achaques, a contorcer-se, a espumar de raiva, a empalidecer, a esticar o nariz até tocar no tecto, como focas, a modular a voz até se assemelhar a um trombone, uma longa nota, estridente e cava, que não tem maneira de acabar. Deixemos a purulência arrogante refastelar-se na sua própria bílis.»
Sérgio Lavos, “
Os Outros”, Auto-Retrato

[Lema de vida: jamais serei arrogante, mas ignoro ser ignorante. Ainda agrilhoado na caverna, assistindo ao teatro de sombras onde se projectam os detentores da verdade suprema.]

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Ludicrous, They Say

Ludicrous (Ing.) = Lúdrico (Port.), que por metátese passou a Lúdicro:

«adjetivo
1. relativo a divertimento público; espetáculo
2. Derivação: por extensão de sentido. Uso: pejorativo.
maneira cômica, risível de se expor; merecedor de escárnio; ridículo»
Do lat. ludìcrus,a,um ‘dos jogos públicos, de jogo, de divertimento’»
in Dicionário Houaiss da língua portuguesa

Esta será a primeira vez – e provavelmente a última – que irei mencionar neste blogue o dito Caso Madeleine – classifico-o como grotesco desde o seu início…
E se só agora a ele me refiro, isso deve-se ao constatado efeito de enriquecimento da língua portuguesa ao possibilitar o alargamento do campo lexical no seu uso corrente. Veja-se o exemplo acima.
Ponto final.

Engrimanço ânglico? Veremos…

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Mais uma…

E de que maneira!
Desta feita foi a Universidade Independente:
«Tráfico de diamantes, fraude fiscal e falsificação de assinaturas e de documentos na Universidade Independente (UNI), em Lisboa, estão a ser investigados pela Polícia Judiciária.» [in
Correio da Manhã, 27/02/2007]

Mas já foram outras, umas com
casos já julgados em forma de rato parido por uma prometedora e incomensurável montanha, outras caíram no olvido do imbricado da Arquivadoria-Geral da República e outras ainda caminham de negação em negação.

Porém, em jeito de prognóstico, uma vez mais o Apito Dourado tudo ofuscará, como convém à súcia das correntes subterrâneas do crime de colarinho branco em Portugal. Aliás, a impunidade – que resulta na obnubilação das relações perigosas entre estas instituições, o poder político e judicial, partidos, seitas, bancos financiadores e agentes representantes de interesses imobiliários – tem sido o seu melhor predicado.

Apetecia-me terminar este com um kizomba, mas venceu uma vontade inaudita de trautear um sambinha (talvez em tom de modinha) nesta vasta e multicolor Aquarela que contrasta, e muito, com o branco dos colarinhos:
«Brasil, terra boa e gostosa / Da morena sestrosa / De olhar indiscreto / O Brasil verde que dá / Para o mundo se admirar / O Brasil do meu amor / Terra de Nosso Senhor / Brasil! Brasil!» [Ary Barroso, excerto de Aquarela do Brasil]

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Do pé para o chinelo

Ou vice-versa. Com tranquilidade.

O Mustang, memorável cigano das grandes noites europeias, ia pondo o Special One, agora a sério!, de cabeça à roda na sua desmedida incapacidade de reconhecimento do brilhantismo alheio… «Já a seguir não perca…» E o que me interessa isso a mim? Dragão hipnotizado por uma paixão que não se explica – como todas, não será assim? – a ver o “7” da sorte, das maravilhas e das partidas do mundo, a pôr a cabeça em água àquele que veio a sério – terá sido desta? – e o jovem francês com nome de soltura, como se diz em terras transmontanas... «a primeira entrevista do senhor Procurador…» Foda-se!

Glosando blogger recatado, em nome de D. Pedro IV – algures por essa imensa blogosfera – «é a Elisabete!» Elisabete, com “s” ou com “z”, corruptela da virgem, a primeira, e da mãe infortunada, a segunda, ou quiçá uma terceira, a manicure do Cabeleireiro Soraia na rua direita, mais esconsa, de Rio Tinto.

E sai poema (para descontrair):
À Câmara Elisabete vai
Sindicar o Carmona,
A ver se em esquecimento cai
O processo Furacão (?)

«E a Operação Furacão? Já ninguém fala nela!»
Ele, o Especial à boa maneira do estrelato em solo luso, não gosta dos “Megas”, se Ferreira, apoio, se bytes – mas é f... – é imperdoável na sociedade da informação.
O homem criador da "Bete" quer transformar O Furacão em Furacõezinhos… Homessa, ao menos essa – rima estúpida e voluntariamente pobre – porque quisera ele mudar de laços e de filhos passasse à mãe… o desastre deixaria de ser apenas a impunidade que se espera, aditar-se-lhe-ia um lapsus linguae – a introdução do prefixo cunnus não seria despiciendo – que encheria de humor cada esquina, até como sucedâneo do par de salazares para impôr ordem neste país cheio de gajos com tesão, mas tristemente sem concretização.

Descalcei o pé que havia fugido pouco antes para o chinelo. Fui-me deitar e, entre a vigília e o sono solto, só me lembrava daquela em que Cristo chorava, não pela impotência revelada ante a constatação da impossibilidade de cura da malformação através de milagre, mas, por si só, ser-se português já é tristeza que baste.

Apaguei a luz.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Explicativo


A entrevista concedida ontem por Fernando Pinto Monteiro a Judite de Sousa na RTP revelou à saciedade a necessidade que o responsável máximo por uma organização que, devendo acompanhar e proteger os cidadãos, directa ou indirectamente, afectados nos seus direitos, liberdades e garantias por terceiros, se encontra completamente desacreditada aos olhos da opinião pública, em geral, e ante aqueles que, em particular, se socorrem da máquina judicial para que seja responsabilizado criminalmente e, em termos cíveis reparado e/ou compensado, o dano infligido pelos tais terceiros.


Com efeito, a Procuradoria-Geral da República – há quem a cognomine de Arquivadoria ou de Prescritoria – e toda a estrutura do Ministério Público sob o seu domínio, são normalmente rotuladas pelo cidadão comum de nebulosas e ingovernáveis, dada a imbricada estrutura de comando, que por vezes parece atingir contornos notoriamente kafkianos, na estrita medida em que confere o poder absoluto a milhares de funcionários do estado, cujas acções de investigação, no âmbito do processo de inquérito, e de arquivamento ou de acusação no final desse processo, dificilmente serão objecto de escrutínio para que, de forma clara e inequívoca, se responsabilize o funcionário encarregado pelo eventual cometimento de infracção negligente ou dolosa na prossecução das suas tarefas de interesse público.

Por exemplo, no caso de um arquivamento de um crime de acusação particular devido ao não cumprimento dos prazos de investigação pelo magistrado do Ministério Público encarregado do inquérito, ou seja, por prescrição do direito de acção penal sem culpa do queixoso, quem é o responsável?


A resposta a esta pergunta não apela a algum esforço de abstracção: neste caso concreto é o Estado, logo o prejudicado – o queixoso que viu a sua queixa-crime desmoronar por culpa do Ministério Público – só poderá intentar uma acção judicial de ressarcimento contra o Estado que, para além de cara – taxas de justiça, custas, honorários do(s) advogado(s) de defesa –, funciona, na prática, como uma autêntica máquina de tortura já que, por regra, o Estado recorre até ao Supremo Tribunal de Justiça se razão não lhe for dada nas instâncias anteriores. Porém, o que de mais grave resulta num caso desta natureza é a dolorosa impunidade do denunciado que se livra, assim, da acusação do crime de que foi formalmente indiciado e, para além disso, a total impunidade – pelo menos é o que transparece dada a hermeticidade e a prática de protecção corporativa – do funcionário, o magistrado do M. P., responsável pelo não andamento do processo.

Assim só nos resta perguntar ao Sr. Procurador-Geral:

Quem nos protege dos nossos protectores?

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

A Visão Monocular

Torso de Mileto (Louvre, Paris)Pior que um astigmático, míope, hipermetrope, com algum grau de estrabismo – onde se espera uma diligente correcção das malformações congénitas dados os prodígios da oftalmologia –, é um ser que, estando venturosamente privado dessas anomalias oculares ou havendo-as corrigido, dispõe de uma auto-induzida visão monocular.
Não é o impostor que se faz de ceguinho para arrebatar, pelas compaixão e indulgência alheias, uns cêntimos sem esforço. Julgo até tratar-se de um labor suficientemente fastidioso não só pela carga horária acima das quarenta horas semanais – sem direito a Segurança Social – como pela exposição às intempéries meteorológicas e às cruezas da natureza humana.
Também não me refiro ao pobre néscio que – como repete insistentemente A.L.A: coitado! – não pediu para nascer nessa condição, cujo alcance intelectual, por razões manifestamente sobre-humanas, em tempo algum alcançará – por muito que se esforce – o patamar da mediania, sendo a excelência – a la Mário Crespo – um conceito vago e longínquo.
O alvo privilegiado deste texto, apreciavelmente caceteiro, são os autoproclamados intelectuaizinhos da treta, muito hábeis nas palavras, muito certeiros na ociosa arte opinativa, que, com a autoridade de fazedores de rebanhos da incauta carneirada, atira umas pedritas bem amoladas ao telhado do próximo – e isto, claro, quando o próximo está distraído, de cócoras ou de costas voltadas – esquecendo-se que o telhado que ampara o seu corpito franzino e erudito é feito de cristal do mais fino trato.
Süskind falava-nos da terrível doença da Amnésia In Litteris na sua compilação ensaística Um combate e outras histórias. A dado passo diz assim:


«Já há muito tempo que não consigo proferir uma única palavra em debates literários sem me expor terrivelmente ao ridículo, confundindo Mörike com Hoffmannsthal, Rilke com Hölderlin, Beckett com Joyce, Italo Calvino com Italo Svevo, Baudelaire com Chopin, George Sand com Madame de Staël, etc. Se pretendo procurar uma citação da qual tenho uma ideia vaga, passo dias a esquadrinhar livros porque me esqueci do autor e porque, enquanto procuro, me perco em textos desconhecidos de autores que ninguém conhece, até finalmente ter esquecido o que é que procurava inicialmente. Como é que, neste caótico estado de espírito, poderia responder à pergunta: qual foi o livro que mudou a minha vida? Nenhum? Todos? Qualquer um – não sei.
(…) O Leitor que sofre de amnésia in litteris transforma-se indubitavelmente através da leitura, mas não o nota porque quando lê também se alteraram as tais instâncias críticas do seu cérebro que lhe fariam ver que estava a mudar. E para quem escreve, a doença seria provavelmente até uma bênção, sim, quase uma condição necessária, resgatando-o da veneração paralisante que todas as grandes obras inspiram, podendo assim adoptar uma atitude completamente desinibida perante o plágio, sem a qual não se pode desenvolver nada de original.»
Patrick Süskind, “Amnésia in litteris”, Um combate e outras histórias. Porto: Asa, 1.ª edição, Agosto de 2002 (Fnac de bolso), pp. 70-71 (tradução de Mónica Dias; obra original: Drei Geschichten und eine Betrachtung, 1986, artigos escritos entre 1976 e 1986).

Em apenas quatro palavras “precisas mudar de vida” – ou em cinco, “you must change your life” para os anglófilos ou “du musst dein Leben ändern” para os germanófilos – porque, dada a caprichosa enfermidade, «já não podes mergulhar de cabeça num texto, deves agora encará-lo com total objectividade, com consciência crítica e apurada, tens de extrapolar, de memorizar, tens de exercitar a tua memória.» (pág. 71)

E quem falou das letras, ó sociedade amnésica?
Já aqui citei e voltarei a citar um crítico, tão verrinoso como por vezes certeiro – como se chama…? –, que na semana passada – ou terá sido ontem? – proferiu:
«Sucede que a corrupção no futebol é uma ínfima parte da corrupção geral do país. E serve sobretudo para a esconder.»

Para terminar em beleza, aqui vai um leve brisa poética, que até aqui chegar, de mansinho, doce e reconfortante, começou como Furacão e depressa se metamorfoseou numa embirrenta, mediática e dissipada ventania. E depois... isto!

Moral da história: olha mais além, não cegues um olho para te igualares aos demais compatriotas. Vê a beleza que se esconde para além do que viste, claramente visto.

«O torso arcaico de Apolo

Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso brilha ainda como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado

Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.

De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assim, como pele selvagem.

E nem explodiria para além de todas as fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida.»

“Archaischer Torso Apollos” de Rainer Maria Rilke, originalmente em Der neuen Gedichte anderer Teil, 1908 (tradução de Paulo Quintela) dedicado “a mon grand ami Auguste Rodin”.

Imagem: Torso Masculino (vulgo Torso de Mileto), circa 480-470 a.C. (escultura em mármore exposta no Museu do Louvre).

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Aquele que é procurado!?

Apelando ao semiólogos deste país, pergunto: será que Procurador poderá ser considerado como aquele que é procurado?
Nas últimas semanas tem sido um frenesim, a roçar as raias da mais radicada histeria, lá para os lados da Procuradoria (ufa, até rimou!).
Pinto Monteiro recebe dirigentes de futebol, presidentes de conselhos de administração de grupos financeiros e, mais recentemente (ontem), o grupo parlamentar do Partido Social Democrata.
Pinto Monteiro pôs-se a jeito. No seu discurso de posse elegeu o combate à corrupção, que grassa pujantemente no país da impunidade, como principal objectivo da sua magistratura.
As últimas diligências junto da Procuradoria fazem-me lembrar, ad nauseam, a velha e anacrónica anedota do alentejano que, sem as qualificações mínimas exigidas, se apresenta a uma entrevista de emprego e que perante a questão final do entrevistador, feita em total desespero, “então, se não sabe fazer nada, o que o trouxe aqui?”, responde: “Atão, era só para dizer para não contarem comigo” (resposta alternativa e altamente snob: o meu motorista no Jaguar da empresa...)
O que é que tanto preocupa aquela gente nessas deslocações?
Se se trata de um simples apelo para uma maior dotação orçamental para o DIAP e a PJ, qual a razão para tanto alarde e espavento comitivista? Não bastaria a A. R.?
Depois, poderei eu, na minha qualidade de cidadão comum – novamente com blogue, note-se –, pedir uma audiência privada ao Excelentíssimo Sr. Procurador-Geral da República com a finalidade de sancionar os progressos do Ministério Público e da polícia de investigação criminal no combate à corrupção e ao crime económico e financeiro?

Delírios sobre a possível entrevista (obviamente que se exagerou no argumentário, apenas para efeitos dramáticos e puramente ficcionais):

Eu: Nando, folgo em ver-te! Estás mais forte! Eh pá, o cargo de Procurador-Geral faz-te bem à saúde...!
Nando P. M.: Já vi que não perdeste esse teu humor escarninho! Então, o que te traz aqui a esta humilde casa?
Eu: É p’ra dizer que te am… [merda, essa é a Manuela Azevedo!] É só para te dizer que apoio essa tua pertinácia no combate à corrupção!
Nando P. M.: Foda-se… [ligeiro embaraço apontando para os microfones que ainda se encontram escondidos desde os tempos imemoriais de Cunha Rodrigues] Caramba, é só isso!?
Eu: Não! Vê lá se dás mais uns trocos à Judite… Os gajos estão a precisar, pá!
Nando P. M.: Pois! E…?
Eu: Meu espertalhão! Topaste-me logo!
Nando P. M.: Julgavas-me Burro! [risinhos pudicos]
Eu: Eh pá, é que há um processo…


Sic transit gloria mundi!