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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um Pecado Sinonímico


Levantou-se o habitual alarido na imprensa lisboeto-espalhafatosa – mas há-a de outro tipo? A dos bas-fonds do poder – quando o sujeito passivo da epinotícia é o Governo ou as suas instituições, e o activo um dos seus elementos mais próximos.
Na TVI o episódio mereceu maior destaque, em minutos, que a derrapagem nos números de (de)crescimento do PIB ou de acréscimo na taxa de desemprego. No Público gastaram-se 1.700 caracteres para dizer, logo no seu título, que «Ex-secretário de Estado avisa que vai mandar o fisco “tomar no cu”».
A mim preocupa-me apenas a expressão. Eu teria dito “apanhar” ou “levar”, é mais rasteirinha, bem mais portuguesa, vernacular. Mas sendo o Francisco um homem ecuménico por natureza, tão lido por nós, os do rectângulo, como pelos nossos irmãos do outro lado do Atlântico, desculpa-se o “tomar”; e este, é o único pecado detectável no seu texto, venial, apenas susceptível de causar algum tipo de proctalgia aos mais sensíveis.
“Cu” também goza de um riquíssimo campo semântico, mas adequa-se ao contexto, embora “olho” se encaixasse melhor neste baixo ciclópico país, terra em que os dois de cima, há muito, deixaram de ver, e como em tempos disse Vasco Pulido Valente, os que tinham um e poderiam ser reis, tiveram de o vazar, porque a mediocridade reinante a cada esquina não permite esse arrojo.
No entanto, é urgente resolver outra questão que, por analogia, pode traduzir-se em ineficácia fiscalizadora: como será possível mandar esses zelosos e temerários fiscais tomar, apanhar, levar no cu (perdoem-me a exergásia), se quem tem cu tem medo?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O arrazoado


© 2008 Coast (design) & Eurodad (campanha “Fight Capital Flight”)

Fiscalistas, economistas, advogados parafiscalistas e multi-usos, politólogos, comentadores da estirpe pau-para-toda-a-colher, e só ficaram a faltar os obstetras para ajudar a dar à luz, ou melhor, para explicar o bê-á-bá do mercado livre e da livre circulação dos capitais nesta entidade amorfa e fragmentária que se chama União Europeia. De todos se ouviu: não é irregular; não vai contra a lei; pois, está claro, com esta carga fiscal as empresas, sem contrariar a lei, note-se ou que fique bem claro, procuram outros sítios fiscalmente mais (argumentário adjectival):
  1. estáveis,
  2. favoráveis,
  3. leves,
  4. sólidos,
  5. benéficos,
  6. ligeiros,
  7. firmes,
  8. vantajosos,
  9. suaves,
  10. todas as anteriores, porque as hipóteses 1, 4 e 7 significam o mesmo, tal como as 2, 5 e 8, e as 3, 6 e 9; e cada conjunto forma os vértices do triângulo do éden fiscal para onde se expulsam os plutocratas cujas taxas efectivas de imposto sobre o rendimento, devido a determinadas benesses e ao chamado planeamento fiscal, é muitíssimo inferior àquela que recai sobre os lucros das PME.

Curvas de Laffer, votar com os pés E, já agora (não vá o diabo tecê-las), que tal um pouco de Canesten? Deixemo-nos de teorias e vamos à vidinha
Será que aqueles liberais de pacotilha, de colarinho branco e dentes branqueados, cujas televisões deram a imperdível oportunidade de mostrar os quadros dos seus escritórios sumptuosos, pretendiam fazer coincidir legalidade com legitimidade?
Mas eu assevero: o negócio Zoete Druppel é simultaneamente legal e ilegítimo. Acrescento, à laia de explicação, é soez, bárbaro e indecoroso, de uma boçalidade prototípica de um cacique de sertão do século XIX, que respeita mais o gado que alimenta, que a família que sustenta ou os “colaboradores” que fustiga com salários de miséria.
Neste momento, nesta conjuntura, neste cenário de sacrifício nacional, é imoral. Desde quando se pode legitimar ou concordar com uma imoralidade apoiando-se na lei?
É antinómica a coabitação dos vocábulos “justo” e “imoral” para qualificar um mesmo nome, uma lei imoral destrói os princípios basilares da decência formulados pela sociedade: os seus valores, as suas crenças.

Sou um liberal, com uma forte vocação libertária, sou até um fervoroso partidário da revolução capitalista há tantas décadas professada por Louis Kelso – o que hoje temos não pode ser chamado de capitalismo, mas de ganância e cobiça congenitamente necrófagas dos mais débeis –, mas sei que, tal como alguém propunha para a democracia, há momentos em que esse fulgor libertário – fundado num liberalismo cego – tem de ser suspenso em nome de uma causa maior, sob pena da sua autoderrogação ao tornar-se iníquo. Esta cedência não é significado de capitulação, é sobretudo um sinal de inteligência, quando entendemos que aquela, por haver ocorrido, actuará pelo bem comum, pelas paz e coesão sociais, pela solidariedade, pela justiça, em suma, pela tão apregoada, como não praticada, responsabilidade social. Lavem-me essa boca!

Termino com uma frase de alguém que, embora distante da minha ideologia, perfilha, através das suas arte e intervenção cultural, a ideia comum e basilar de jamais transigir com a injustiça: Jean-Luc Godard. E como ele quis no seu filme mais recente, «No Comment»:
«Quand la loi n’est pas juste, la justice passe avant la loi.»