«Por muito boa que seja uma lei, ela é invariavelmente inapta. É por isso que a sua aplicação deveria ser disputada ou questionada. E a prática de fazer isto corrige a sua inépcia e serve a justiça.Existem leis más que legalizam a injustiça. Tais leis não são inaptas, porque elas reforçam, quando aplicadas, exactamente aquilo que se pretendia que reforçassem. E é preciso resistir-lhes, é preciso que sejam ignoradas, desafiadas. Mas é claro, compañeros, que o nosso desafio a elas é inapto!»John Berger, De A para X. Cartas de Amor, pág. 36[Porto: Civilização, Abril de 2009, 207 pp; tradução de Isabel Baptista; obra original: From A to X. A Story in Letters, 2008]
«Glenn Gould said, "Isolation is the indispensable component of human happiness."» [Contraponto] «How close to the self can we get without losing everything?»
Don DeLillo, “Counterpoint”, Brick, 2004.
domingo, 12 de julho de 2009
Divagação apartidária + John Berger
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Se7en – Sete no Mercado de Capitais
Não, não se trata dos tercetos dramáticos de Conrad, a que Roth se referia no seu penúltimo romance; Zuckerman rememorando a Linha de Sombra (The Shadow Line, 1917). E, então, que se cite a obra do excelso viajante polaco-britânico Józef Teodor:
«Só os jovens passam por momentos assim. Não quero dizer os novos demais; esses não conhecem, para falar verdade, momentos propriamente difíceis. É dado à adolescência o privilégio de viver antecipadamente os dias da sua vida na plena continuidade admirável de uma esperança» (p. 13)
«O tempo também continua para diante – até que avistamos, mergulhando mais fundo, uma linha de sombra que nos previne de que o país da adolescência terá igualmente que ser deixado para trás.» (p. 14)[ed. port. Relógio D’Água, 1984; tradução de Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira.]
(Já nem se fala sequer dos empréstimos concedidos a familiares e amigos ou a comparsas noutras empresas sem garantias…)
Por outro lado, será difícil invocar, a não ser por recurso a um trocadilho de baixo nível literário (ver título), a obra cinematográfica de Fincher, ou o épico divino de Dante, guiado por Virgílio, e a visão dos apocalípticos círculos do Inferno, porque a amálgama pecadora não permite uma discriminação e posterior classificação dos vícios: não se trata, apenas e só, de avareza. É muito mais que isso, é toda uma cultura que se foi enraizando pelas condições meteorológicas favoráveis: impunidade perene a soprar de todos os quadrantes, até mesmo inabalável por um furacão qualquer… sistema inafrontável, eterno, massacrante, iníquo.
(Os Estados Unidos, esse conglomerado gigante e proselítico do capitalismo, o império de todos os males, o paraíso da ganância e dos miseráveis à laia de Hugo, vai dando exemplos ao mundo – embora, tenha de convir, ainda bem longe da perfeição – das reais consequências dos homólogos perpetradores de crimes económicos e financeiros: Enron, WorldCom & C.ª)
Por cá, paradoxalmente, continua a ser muita parra para um país produtor de vinhos de qualidade e de um ímpar licoroso, suave e generoso, do Porto, bem na linha da costa.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
Miss Congeniality
Já agora, que se me permita a formulação de uma ingénua pergunta:
Com este arquivamento, passou-se, assim e sem qualquer tipo de decoro ou honradez, um certificado de legitimidade irrevogável à tão lusa impunidade.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
Pedrada no charco
Marinho Pinto não tem medo. Cavaco, apesar da preconizada cooperação estratégica, não se furta ao magistério de influência que os seus poderes presidenciais permitem.
O sistema de comentário político, fortemente delimitado por um dogmatismo de forma do discurso dos titulares de cargos dos órgãos de soberania, apodá-los-á de populistas e de demagogos, emitindo mensagens subliminares sobre a índole difamatória das suas afirmações, porque fogem ao cânone discursivo das falinhas mansas e da vacuidade generalista.
Ontem, na abertura do Ano Judicial, Marinho Pinto reiterou, e bem, as afirmações que havia produzido sobre a impunidade dos poderosos. Cavaco Silva, depois do excelente discurso de tomada de posse de 9 de Março de 2006, voltou a insistir na clarificação e no saneamento dos sistemas judicial e judiciário portugueses, apelando à transparência e à perceptibilidade pelos cidadãos das reformas na justiça, ao envolvimento dos actores judiciários na concepção dessas reformas e ao rigoroso escrutínio dos seus resultados.
O Presidente da República pôs o dedo na ferida, não se limitando a referir em abstracto e de forma genérica os males que enfermam a dita justiça em Portugal. Um desses males foi especialmente salientado: os expedientes dilatórios.
«A justiça não pode estar à mercê daqueles que recorrem a todos os instrumentos processuais como meio dilatório para impedir ou retardar o trânsito em julgado das decisões judiciais. O Estado de direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos.»
Que, uma vez mais, não se procure transformar a pedra com que se pretende abanar o charco num irrisório e solúvel grão de areia, rápida e inexoravelmente absorvido pela sua podridão.
Os dados foram lançados. E, ao contrário da aparência reflexiva (ou de apelo à reflexão) com que a classe política sói apodar e interpretar estes efectivos gritos de alerta, criando comissões de estudo bem remuneradas que normalmente se extinguem sem resultados práticos, chegou a altura de agitar as águas que, pela tão conveniente inacção, se vão tornando cada vez mais inquinadas, fétidas e opacas, insusceptíveis de purificação num futuro próximo.
Neste momento e de forma urgente, este país necessita de uma acção firme e incisiva, sob pena de já não ter remedeio, transformando-se em definitivo e com indulgência numa oligarquia dificilmente sanável nas próximas décadas, a não ser pela força, pelo sangue, por uma revolução profunda e dolorosa, de todo não desejável, mas cuja conjectura já esteve mais longe das mentes dos denominados portugueses anónimos, o povo – a rocha.
quarta-feira, 11 de abril de 2007
Retrato de um Soberano
Não sei se alguém, dos poucos que por aqui passam diariamente e que ainda dispõem de alguma reserva mental para me aturar lendo os textos que por aqui publico, já se perguntou por que razão este blogue está cada vez mais circunscrito aos livros e à literatura. Devaneio meu… Talvez... E quiçá, se alguém houver, pode até nem se questionar sobre essa aparente inflexão, limitando-se a seguir uma hiperligação, à guisa de um reflexo condicionado, assim que se liga ao ciberespaço, e certamente esse não será assunto que se possa afigurar como fonte imediata do meu permanente estado de inquietação.
Um facto indesmentível, que facilmente advém por via empírica, é que a impunidade dos poderosos, sejam eles políticos ou os imaculados senhores magistrados – de direito ou do Ministério Público – recrudesce de dia para dia, em progressão geométrica. E num país onde não se vislumbra a mínima possibilidade de um esforço colectivo e concertado para alterar este estado das coisas, dados os interesses maiores da capelização dos interesses individuais, a vontade de lutar vai-se desvanecendo como o indulgente oxigénio que se esvai para manter acesa a chama. É científico e irrefutável, sem essa massa crítica este país continuará redondo como um ovo, sem ponta por onde se lhe pegue (estou a citar alguém, mas não me lembro quem).
Assim, continuo na literatura, efabulando, a rir e a chorar com mais vontade, folheando páginas à luz de leitura com o televisor ligado, previamente emudecido, à hora do Telejornal, fingindo viver numa espécie de Arcádia. Um autismo auto-infligido, pois bem!
Para dar em definitivo a volta no parafuso jamesiano, consultada as minhas estantes dedicadas à ficção literária, creio serem estas as únicas obras de Henry James disponíveis no mercado nacional, devidamente traduzidas na nossa língua (e assim o vai permitindo a dimensão intelectual deste país, que nem pela língua se faz grande):
- A Fera na Selva (Assírio & Alvim) – The Beast in the Jungle, 1903;
- A Herdeira (Estampa), que poderá surgir sob o título original noutras editoras: Washington Square, 1880;
- A Volta no Parafuso (Relógio D’Água), que poderá surgir sob o título “Calafrio” noutras editoras – The Turn of the Screw, 1898;
- Daisy Miller (Presença) – 1878;
- Infidelidades (Círculo de Leitores) – The Golden Bowl, 1904;
- O altar dos mortos e outras histórias sobrenaturais (Estampa) – The Altar of the Dead, 1895; inclui, para além do conto referido (que empresta o seu nome a parte do título da colectânea), os contos: “O romance dos De Grey” (De Grey – A Romance, 1868); “O último dos Valerii” (The Last of the Valerii, 1875); “Nona Vincent” (1892) e “Sir Dominick Ferrand” (1892);
- O Desenho no Tapete (Relógio D’Água) – The Figure in the Carpet, 1896;
- Os Europeus (Clássica Editora) – The Europeans, 1878;
- Os Manuscritos de Jeffrey Aspern (Relógio D’Água) – The Aspern Papers, 1888;
- Retrato de uma senhora (Relógio D’Água) – The Portrait of a Lady, 1881.
Nota: Como não se prevê a edição em português de mais obras de Henry James da sua vastíssima bibliografia activa, aqui fica não só a sugestão de consulta de alguns textos publicados gratuitamente pelo Projecto Gutenberg, como também as fabulosas edições Penguin Classics, com prefácio de, entre outros, ilustres autores e críticos literários (com especial atenção para o texto de introdução de Gore Vidal em The Golden Bowl).
sexta-feira, 15 de dezembro de 2006
Anotações e Transcrições – 5
«Excelente escolha, a de Maria José Morgado para "coordenar" a investigação ao funesto "apito dourado". Oxalá não lhe faltem meios, pessoas e apoio como lhe faltaram no passado, na PJ, no combate ao crime "de colarinho branco".»E, citando o Vasco Pulido Valente:
«Sucede que a corrupção no futebol é uma ínfima parte da corrupção geral do país. E serve sobretudo para a esconder.»

Desafortunadamente, a corrupção tornou-se um quase ser vivo, com alguma autonomia, que se alimenta parasitariamente do esforço produtivo dos incorruptíveis ou dos incapazes, por vontade própria ou por manifesta falta de competência e/ou de meios, para corromper.
Patologicamente, e isso torna-a mais difícil de combater, propaga-se e desenvolve-se como um vírus, sem metabolismo próprio, logo sem antibióticos eficazes para a sua eliminação depois de instalado no organismo.
A corrupção combate-se, sobretudo, com profilaxia, com acções preventivas, evitando-se ou obrigando-se a evitar os comportamentos de risco.
Ora, esse comportamento de prevenção passa, em primeiro lugar, por uma mudança na estrutura da mentalidade de um povo que, por definição, é dificilmente alterável nos curto e médio prazos, senão mesmo inamovível.
A mentalidade só se altera com um bom sistema de educação, orientado para o civismo, para a civilidade e para o respeito mútuo; para a liberdade individual circunstanciada pela liberdade colectiva; pelos sentimentos de paz e de harmonia induzidos por comportamentos de solidariedade e de coesão social. Esse vírus e a capacidade mutante das suas subespécies só se extinguirão quando se der a interiorização plena daqueles valores como verdades inabaláveis, não conflituantes com a percepção individual da realidade que, decerto, conduziria à infelicidade e finalmente ao incumprimento.
O facilitismo, a indolência, o peso do Estado e a prostração facilitam a sua propagação: não se pede, por exemplo, uma factura pela compra de um produto ou pela aquisição de um serviço; não se controla o desperdício; não se monitoriza a actuação de um dirigente; atribui-se a determinada classe – clique social – um poder discricionário e insusceptível de escrutínio pela generalidade da sociedade; etc.
Em suma, os males estão identificados, a terapêutica já se conhece, há apenas manifesta falta de vontade, por dolo ou por negligência (ausência de posição), no combate ao flagelo.
Pelo supramencionado, fiquei deveras satisfeito com a nomeação da certamente incorruptível – que já deu provas disso mesmo – Maria José Morgado para exercer as funções de coordenadora dos processos relativos ao caso «Apito Dourado» e com o efeito de contágio que daí poderá advir para o todo – este país de corruptos impunes.
Para terminar transcrevo o delicioso “Decálogo do Corrupto: Princípios ideológicos do Saco Azul” elaborado por Maria José Morgado:
«I. Nunca te esquecerás de que a ética kantiana é uma teoria impraticável e que são o poder e a ambição que ditam todas as acções dos homens.
II. Terás sempre em atenção que deves usar o teu poder para servir os que ainda estão acima de ti e para seres indispensável aos que estão abaixo de ti.
III. Jamais terás dúvidas de que o dinheiro que geras para ti e para os teus é o melhor atalho para consolidar e aumentar o teu poder.
IV. Realizarás todos os teus actos na sombra, em silêncio, sem provas, sem testemunhas, longe de documentos e especialmente ao largo de telemóveis.
V. Procurarás nunca desapontar os teus amos e nunca renegar os teus cúmplices, especialmente se estes forem família, ou tiverem tido acesso a tua intimidade.
VI. Estarás sempre vigilante em relação aos que te invejam e aos que, por formalismos legais ou por suspeita, querem fiscalizar as tuas acções. Encontrarás meios para os desacreditar ou, em último caso, os eliminar.
VII. Construirás diariamente uma teia, com fios feitos por líderes que graças a ti treparão mais alto, por funcionários que de ti tirarão benefícios, por empresas que através de ti chegarão ao lucro, e por novas entidades que deixarás os teus liderarem.
VIII. Deverás estar atento a todas as oportunidades de mercado, sabendo que elas são infinitas, e estudarás especialmente as novas formas de negócios, ou seja, o modo de as usares a teu favor.
IX. Serás cirúrgico e asséptico no modo de contornar as leis, os regulamentos e os códigos, e atrairás a ti os melhores especialistas para te ajudarem a camuflar e a fazerem desaparecer todos os traços das tuas actividades.
X. No caso extremamente improvável de seres apanhado, gritarás inocência até ao fim, marcarás conferências de imprensa para proclamar o teu horror e quando te confrontares com a tua consciência, dirás a ti próprio que fizeste tudo para bem do povo e dos seus representantes.» (pág. 59)
Referência bibliográfica:
Maria José Morgado e José Vegar, O inimigo sem rosto: fraude e corrupção em Portugal. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª edição, Novembro de 2003, 151 pp.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2006
Aquele que é procurado!?
Nas últimas semanas tem sido um frenesim, a roçar as raias da mais radicada histeria, lá para os lados da Procuradoria (ufa, até rimou!).
Pinto Monteiro recebe dirigentes de futebol, presidentes de conselhos de administração de grupos financeiros e, mais recentemente (ontem), o grupo parlamentar do Partido Social Democrata.
Pinto Monteiro pôs-se a jeito. No seu discurso de posse elegeu o combate à corrupção, que grassa pujantemente no país da impunidade, como principal objectivo da sua magistratura.
As últimas diligências junto da Procuradoria fazem-me lembrar, ad nauseam, a velha e anacrónica anedota do alentejano que, sem as qualificações mínimas exigidas, se apresenta a uma entrevista de emprego e que perante a questão final do entrevistador, feita em total desespero, “então, se não sabe fazer nada, o que o trouxe aqui?”, responde: “Atão, era só para dizer para não contarem comigo” (resposta alternativa e altamente snob: o meu motorista no Jaguar da empresa...)
O que é que tanto preocupa aquela gente nessas deslocações?
Se se trata de um simples apelo para uma maior dotação orçamental para o DIAP e a PJ, qual a razão para tanto alarde e espavento comitivista? Não bastaria a A. R.?
Depois, poderei eu, na minha qualidade de cidadão comum – novamente com blogue, note-se –, pedir uma audiência privada ao Excelentíssimo Sr. Procurador-Geral da República com a finalidade de sancionar os progressos do Ministério Público e da polícia de investigação criminal no combate à corrupção e ao crime económico e financeiro?
Delírios sobre a possível entrevista (obviamente que se exagerou no argumentário, apenas para efeitos dramáticos e puramente ficcionais):
Eu: Nando, folgo em ver-te! Estás mais forte! Eh pá, o cargo de Procurador-Geral faz-te bem à saúde...!
Nando P. M.: Já vi que não perdeste esse teu humor escarninho! Então, o que te traz aqui a esta humilde casa?
Eu: É p’ra dizer que te am… [merda, essa é a Manuela Azevedo!] É só para te dizer que apoio essa tua pertinácia no combate à corrupção!
Nando P. M.: Foda-se… [ligeiro embaraço apontando para os microfones que ainda se encontram escondidos desde os tempos imemoriais de Cunha Rodrigues] Caramba, é só isso!?
Eu: Não! Vê lá se dás mais uns trocos à Judite… Os gajos estão a precisar, pá!
Nando P. M.: Pois! E…?
Eu: Meu espertalhão! Topaste-me logo!
Nando P. M.: Julgavas-me Burro! [risinhos pudicos]
Eu: Eh pá, é que há um processo…
Sic transit gloria mundi!