"Vamos ver o que muda", disse a minha mulher, no outro dia, com a última factura das compras na mão. E eis que um mundo antes desconhecido, nebuloso e aparentemente ilógico - ou seja, normal -, se abriu à minha frente. Não fazia a menor ideia da diversidade de taxas de IVA que se aplicam aos alimentos, e confesso que, após laboriosa sistematização dos dados em folha Excel e respectiva análise formal e numérica, permaneço no vazio quanto aos critérios envolvidos na sua distribuição.
Os beneficiários da taxa mais baixa, seis por cento, parecem merecedores do privilégio: arroz, feijão, frutas, legumes, leite, ovos, manteiga, carne, peixe. Convenhamos, ninguém vive sem isso. São a base da subsistência digestiva do ser humano, nem deviam ter IVA.
Mas logo aí começam a surgir enigmáticos exemplos de insondável ilogismo. Tomemos o sector da panificação. Um pão inteiro paga 6 por cento de IVA. Se vier torrado, idem. Mas, se for ralado, apanha com 21 por cento. Em termos ambientais, é um contra-senso. O pão ralado é sinónimo de reciclagem. O seu consumo reduz a parcela de carcaças velhas e enrijecidas nos aterros sanitários. Ah, é bom para o ambiente? Então, toma lá 21 por cento.
Bem sei que já passou o tempo do proteccionismo, mas não deixa de chamar a atenção a falta de brio nacional na atribuição das taxas. Só isto explica como é que um queijo camembert, que é um símbolo pátrio, mas de outro país, faça companhia ao pão, às frutas e ao peixe no grupo dos bens alimentares imprescindíveis, enquanto uma alheira artesanal transmontana tenha 13 por cento de imposto em cima.
Justiça seja feita, há situações inversas. Basta observar que o vinho é taxado a 13 por cento, enquanto a brasileiríssima cachaça leva com 21 por cento. Na prática, uma caipirinha contribui mais para combater o défice do que uma taça de tinto - distinção que, em tempos de crise, atribui à bebedeira uma função económica inaudita.
Em certos casos, custa a crer na pertinência da aplicação dos 21 por cento. Bens de higiene pessoal, por exemplo, enquadram-se nessa categoria, o que significa que o agravamento do IVA aumenta o risco de efeitos colaterais sanitários claramente indesejáveis para a vida em sociedade.
A taxa mais elevada parece penalizar os produtos industrializados, algo que poderia traduzir um foco ambiental - possivelmente injusto - no exercício da fiscalidade. Mas, como vimos, o ambiente aqui não parece contar para nada. Se assim fosse, o veneno químico antitraça que estava na última factura de compras lá de casa deveria pagar muito mais IVA do que os 21 por cento que lhe foram atribuídos.
Eu, se fosse ministro das Finanças, ia por aí: declarava a insustentabilidade no consumo como inimigo público número um e calcava no IVA, de 30 por cento para cima, sobre os piores exemplos. Se o Governo ou a oposição quiserem discutir a ideia, estou, como o Teixeira dos Santos, disponível 24 horas por dia."