Mostrar mensagens com a etiqueta Impacte ambiental. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Impacte ambiental. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, setembro 30, 2010

Charada

"A construção de novos aproveitamentos hidroeléctricos, principalmente com recurso a albufeira, leva à inundação de terrenos de vários tipos de uso. A supressão irreversível das galerias ripícolas de elevado valor ecológico, a consequente fragmentação dos habitats e a alteração dos regimes de caudais, causando potenciais perturbações nos ecossistemas aquáticos, são os impactes mais significativos. Na zona da albufeira, os sistemas lóticos (águas correntes) são substituídos por sistemas lênticos (águas paradas), o que leva a um reajuste/substituição das espécies residentes. Ao longo do troço do rio, onde foi construída a barragem, as espécies migradoras de peixes são normalmente as mais afectadas."
Quem escreveu este parágrafo?
Descubra a resposta aqui.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, agosto 04, 2010

"Não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia, pá"

É de Pinheiro de Azevedo o título deste post, que adaptado seria como eu dizer, não gosto que me chamem demagogo, é uma coisa que me chateia.
Lowlander nos comentários a este post diz isso porque respondi a um anónimo qualquer que as praias do Golfo do México estão bem e recomendam-se, em 99% dos casos.
Vejamos um desenho de escola primária feito por mim mas cujos detalhes podem ser vistos aqui.

Se aumentarem verão um risco encarnado lá para o Norte do Golfo do México que mais ou menos define a área afectada pelo derrame na costa do Golfo. Desse risco mais de 90% é uma afectação leve e desenhei umas bolas verdes (muito exageradas) que identificam as áreas mais afectadas (sobretudo as ilhas, um ponto ou outro na linha de costa).

Acho que é justo perguntar: afinal quem é demagogo? Os que passam o tempo a dizer que as praias todas do golfo estão afectadas ou eu?

Adenda: quem quiser de facto ter informação tem aqui muito com que se entreter.



henrique pereira dos santos

domingo, julho 18, 2010

Perplexidade

Fotografia de L. Seixas, tirada daqui
Vejo hoje na Pública uma professora da Universidade Nova, especialista em desertificação, dizer que o Alentejo o olival intensivo pode conduzir à desertificação (Maria José Roxo faz muita questão de deixar claro que desertificação e despovoamento são coisas muito diferentes, o que até é verdade mas é uma verdade inútil porque o significado das palavras é estabelecido pelas pessoas que as usam e não pelas academias).
No seguimento fala da vocação do Alentejo para outras produções alternativas dando, entre outros, o exemplo da produção de cereais.
Fiquei perplexo.
Alguém sabe de algum estudo comparativo dos efeitos de deplecção da fertilidade do solo com o olival intensivo (ou mesmo super intensivo) e com a cultura de cereais no Alentejo?
O mito de que o Alentejo tem um enorme potencial de produção cerealífera dura há pelo menos 150 anos e tem sido responsável, pelo menos parcialmente, por políticas agrícolas erradas e fortemente degradadoras dos solos do Alentejo.
O olival intensivo (e super intensivo) é matéria que me interessa porque vejo ali ameaças e potencialidades mal estudadas do ponto de vista da biodiversidade e não percebo as afirmações feitas que me parecem mais ideológicas que assentes em medições empíricas.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, maio 17, 2010

Barão de S. João

Roubei a fotografia à Almargem
Leio no Público que terá sido ontem inaugurado o Parque Eólico de Barão de S. João.
Cruzei-me em várias ocasiões com este projecto, sempre na posição de quem tinha a responsabilidade de salvaguardar os interesses da conservação no processo de licenciamento. A primeira vez que tomei contacto com o processo já ele tinha uma longa história, com algumas asneiras evidentes por parte de conservacionistas que acham que as suas opiniões devem ser acatadas por direito divino e não por traduzirem, de forma fundamentada, o que está escrito na lei.
É um exemplo bastante bom dos projectos em que tive tantas discussões com os promotores, licenciadores e etc., que apoiavam o projecto, como com os meus colegas da conservação que entendiam que o projecto deveria ser liminarmente chumbado. Tem a particularidade desta situação ter sido ilustrada por um email tresmalhado de um dos consultores do promotor ter vindo parar inadvertidamente à minha caixa de correio pedindo a técnicos do ICNB que chumbassem o projecto, ao mesmo tempo que se assinavam estudos que diziam o contrário.
Mas não é sobre miséria moral que quero fazer um post, é mesmo sobre como foi construída a decisão.
O projecto foi inicialmente contestado liminarmente pelos conservacionistas pois localiza-se no principal corredor migratório conhecido em Portugal, o que certamente implicaria impactos muito grandes para a avifauna que usa aquele corredor.
Duas questões se levantaram contestando esta ideia base: 1) em concreto qual é a dimensão e configuração do dito corredor?; 2) outros parques eólicos já existentes no dito corredor estavam a ser monitorizados e os resultados não confirmavam a ideia de elevada mortalidade de espécies protegidas migradoras (nem de outras, diga-se em abono da verdade).
Como é costume em conservação, uma outra questão foi levantada: um casal de águia de bonnelli andaria por ali e aquele era potencial sítio de nidificação qualquer dia (é frequente quando aparece um projecto de que alguns conservacionistas não gostam para um sítio qualquer aparecer também informação de conservação que justificaria o chumbo imediato do projecto com base no princípio da precaução).
Com a pressão conhecida (e legítima) para a produção de energias renováveis, qualquer dificuldade no licenciamento deste tipo de projectos tinha como consequência eu ouvir o que Maomé não disse do toucinho (diga-se em abono da verdade, mais dos diferentes organismos do Estado e tutela política que propriamento dos promotores, de maneira geral muito mais razoáveis e racionais que os caniches de que a administração pública está cheia, sempre a abanar a cauda à voz do dono).
O resultado foi o chumbo do projecto tal como estava previsto e naquele momento, embora com reconhecimento de que a decisão poderia ser revista se a informação sobre a águia de bonelli fosse mais consistente (o princípio da decisão era de que na dúvida é preciso tratar o risco como um facto) e a informaçaõ sobre a migração fosse também mais consistente, permitindo assim discutir o risco de forma mais racional.
Como disse lá ouvi o costume (para alguns dos que me lêem neste blog pode parecer estranho, mas eu era considerado um perigoso radical conservacionista em alguns meios, ao mesmo tempo que noutros meios, o que se reconhecerá mais facilmente, um perigoso vendido aos interesses).
O projecto fica suspenso enquanto durante um ano se estuda a bonelli, mais a migração, mais se refina a informação sobre a mortalidade nos parques eólicos existentes.
Sobre a bonelli a coisa ficou mais ou menos resolvida (a espécie está em expansão na zona, não há grande notícia de afectação por infra-estruturas, os factores de ameaça são conhecidos e é, portanto, possível desenhar medidas compensatórias de modo a compensar o risco diminuindo os factores de ameaça da espécie).
Sobre a monitorização dos parques eólicos existentes confirma-se a informação de que não há grande mortalidade, a que há não é de espécies protegidas em migração e que grande parte do que se sabe indicia que um maior afastamento dos aerogeradores (deixando um sim, outro não, na proposta) resolve uma das causas de mortalidade identificada: ao detectar um aerogerador as aves desviam-se de forma brusca e vão morrer no aerogerador do lado. Mais, a monitorização, com um Estado sempre desconfiado, foi feita com duas metodologias sobrepostas, uma pelo promotor e outra pelo Estado, com a participação da SPEA, penso eu, sendo que os resultados mais favoráveis à conservação, e mais desfavoráveis para o promotor, são os do estudo do promotor.
Sobre a migração um acompanhamento aturado permite perceber que a grande maioria das aves voam a alturas que não interferem com os aerogeradores (ou dizendo melhor, os aerogeradores estão colocados a alturas que não interferem com o vôo), sendo muito reduzidas as probabilidades de interacção entre o parque eólico e a migração.
Ainda assim, o risco existe.
E chegamos ao ponto mais interessante deste projecto: a medida de minimização duríssima e complexa, que acabámos por impôr, procurando desenhá-la em todos os pormenores que permitissem a fiscalização pelo Estado do seu cumprimento. A medida não foi desenhada pela administração, foram sim definidos os seus parâmetros, de forma clara, racional e fundamentada em razões de conservação, de necessidade de transparência e capacidade de fiscalização. Foram ainda sugeridas as tecnologias com base em radar para a sua aplicação. O resto foi feito pelos consultores.
Definiu-se um perímetro na envolvente alargada do parque eólico, e impôs-se que se um número mínimo de aves de espécies definidas (foi aí que eu percebi as fragilidades do livro vermelho, ao notar que as espécies ameaçadas, que era o primeiro critério que nos pareceu lógico, incluíam espécies abundantes e vulgares, o que me levou a ir estudar por que razão eram consideradas ameaçadas, estudo esse que achei muito instrutivo, não tanto em matérias de conservação mas especialmente em matérias relacionadas com a psicologia de grupo) entrassem no perímetro os aerogeradores tivessem de ser imediatamente parados.
Caiu o Carmo e a Trindade, quer por parte do conservacionistas que desde o primeiro momento (e penso que ainda hoje) acham que o parque eólico não deveria ser autorizado naquele sítio, quer por parte dos promotores e seus "facilitadores" na administração, para quem a medida implicaria a inviabilidade do parque eólico.
Leio hoje no Público que o parque foi ontem inaugurado e inclui tecnologias portuguesas inspiradas na NASA para dar cumprimento a esta medida.
Dentro de dois anos, graças às fortes obrigações dos promotores em matéria de monitorização, teremos uma ideia se foi uma boa ou má decisão autorizar este parque eólico.
Eu não sei, sei apenas que aprendi muito em processos deste tipo, quando procurei levar a conciliação da conservação e da actividade económica ao limite do possível, especialmente quando os projectos tinham outros benefícios ambientais inquestionáveis.
E arranjei mais inimigos do que alguma vez pensei ser possível. De um lado e do outro das barricadas, como acontece a qualquer mestiço.
Mas também é verdade que para além de dormir hoje muito descansado, há uns quantos que concordando ou discordando do que digo, demonstram um respeito confortável para comigo.
Thanks a lot, para estes.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, maio 10, 2010

Evidência empírica e ideologia na conservação da biodiversidade

Tenho batido vezes sem conta na necessidade de reforçar a evidência empírica e fugir da ideologia em matéria de conservação.
Uma vez por outra caem-me nos olhos boas razões para continuar a bater nessa tecla.
Da tese de mestrado de Francisco Amorim (bastante interessante, aliás), sobre eólicos e morcegos:

"Apesar de não ter sido detectada mortalidade de espécies com estatuto de ameaça, a espécie N. leisleri, que foi uma das mais identificadas quer ao nível da actividade quer ao nível da mortalidade, apresenta o estatuto DD (informação insuficiente), o que pode implicar impactes negativos preocupantes em espécies que podem vir a ter um estatuto desfavorável. A reduzida mortalidade de espécies ameaçadas e a elevada mortalidade de espécies com estatuto DD tem vindo a ser confirmada por outros trabalhos (Arnett et al., 2008; Rodrigues, com. pess.)."

Evidência de afectação de espécies ameaçadas (e já nem estou a retomar a discussão sobre o uso da mortalidade como evidência de afectação): zero. Conclusão: "pode implicar impactes negativos preocupantes em espécies que podem vir a ter um estatuto desfavorável".
Prefiro a fórmula de Raúl Solnado: "quer queiras quer não queiras hás-de ser bombeiro voluntário". A estrutura lógica é mais ou menos semelhante.
Conselho: fazer uma visita a este site.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, maio 05, 2010

Da arrogância anónima

Este post teve nos comentários um desenvolvimento interessante e surpreendente para mim.
Gostaria de retomar um ponto de vista expresso nesses comentários por um anónimo que várias vezes me chama, com toda a razão, ignorante.
O princípio é o das citações seguidas de comentários:
"De que tempo falava Darwin? Das décadas em que situa este post? Ou dos milhões de anos em que se situam os processos de seleção natural que levam à criação de novas espécies?"
Tenho notado uma curiosa incapacidade de se aceitar as consequências do que diz Darwin (tanto quanto percebo do assunto, reconhecidamente pouco) em biologia da conservação, quando se fala do futuro. Neste caso a discussão era sobre estradas e conservação de anfíbios. Não era a discussão de um processo de especiação. Ou seja, como reajem as populações de anfíbios à emergência de uma nova ameaça à qual não estão adaptados (em rigor esta frase é pleonástica porque uma ameaça à qual se está adaptado não é uma ameaça). O mainstream diz que morrendo muitos atropelados as estradas são uma ameaça e são uma força que empurra estas espécies para a extinção. O que eu digo é que pode ser que assim seja, mas a mortalidade não serve como evidência empírica disso. E uma das razões que me levam a dizer isso é que há possibilidade das populações se adaptarem às estradas. Demora isso milhões de anos? Evidentemente não. Pode demorar meia dúzia de anos? Pode. Não é provável, mas pode. Por exemplo, a população de coelhos da austrália demorou meia dúzia de anos a adaptar-se à mixomatose (primeiro caiu para um sexto da população pré-mixomatose e depois recuperou, embora estabilizando a niveis razoavelmente menores que os anteriores à mixomatose). Calculo que estarão já alguns biólogos da conservação a dizer que pestes e carros não são a mesma coisa, e portanto os processos de adaptação não podem ser comparados. Onde está a evidência (e neste caso a teoria) que suporta esta ideia? Em lado nenhum. Passo a explicar. O que uma peste faz é matar os que não resistem e deixar vivos os que têm resistências. Estes reproduzem-se e pronto, a espécie adaptou-se (como se vê mortalidade de indivíduos e afectação de espécies são coisas muito pouco ligadas). Mas não há adaptações aos carros, dir-se-á. No fundo é o que diz o anónimo que estuda muito:
"E de que adaptação fala o HPS? De que os sapos e rãs desenvolvam carapaça que os protejam do peso dos carros quando lhes passam por cima? Ou das asas que lhes permitam sobrevoar as ditas estradas? Parece ridículo? Sim mas é o que decorre dos seus comentários pouco reflectidos sobre evolução de sapos e rãs à mortalidade que sofrem nas estradas."
Pois a minha resposta é: não sei. Mas sendo difícil supor que os sapos venham a desenvolver as adaptações descritas a verdade é que elas são irrelevantes quando não se está a discutir com base no que diz Lamarck mas se está a discutir com base no que diz Darwin. Lamarck é que entendia que as espécies se criavam por desenvolvimento de características forçadas pelo seu ambiente. Darwin diz uma coisa muito menos intuitiva: se alguém numa população tiver uma qualquer característica que o torne apto a evitar ou resistir à ameaça, esse indivíduo tem mais probabilidades de resistir. Se essa característica for genética, vai transmiti-la aos seus descendentes que, por isso, estarão mais aptos que os outros a resistir. Ora nada impede que haja sapos mais tímidos, por exemplo, que fujam do barulho dos carros, ou da luz das luzes, ou da trepidação do terreno. Ou que tenham as patas mais sensiveis e por isso não gostem de passear no asfalto. Ridículo? Ridículo é pretender que se tem informação suficiente para responder a esta questão. Portanto a possibilidade de adaptação a uma nova ameaça existe em populações diversas e pode demorar muito pouco tempo. Reconhecer por isso que se é ignorante nesta matéria é um módico de prudência que Jorge Palmeirim sintetisa na perfeição: "a natureza não existe para que a estudemos, nós é que insistimos em estudá-la".
"Primeiro é óbvio que existe correlação entre mortalidade de indivíduos e afectação da espécie. A extinção é a morte do último individuo."
Este tipo de argumento no contexto da discussão é notável. Mas diz mais sobre a cabeça de quem o usa que sobre extinção de espécies e mortalidade de indivíduos.
"Portanto, aumentar a mortalidade dos indivíduos duma população numa dada região tem como resultado o aumento da probabilidade de que esta se extinga."
Vale a pena pararmos nesta frase que não faz o menor sentido, embora pareça um argumento imbatível. A verdade é que a dinâmica das espécies não é um conjunto de processos separados entre si, pelo contrário, depende de um conjunto de processos interligados em que os aumentos (ou diminuições) de mortalidade têm efeitos importantes na fecundidade (espero não ter de ir buscar nenhuma das milhares de referências empíricas que demonstram isto). Dependendo das circunstâncias e razões que produzem essa mortalidade, ela aumenta ou não a probabilidade de extinção. Basta pensar que uma das razões para um aumento de mortalidade de indivíduos pode ser a existência de uma população maior, com mais indivíduos e, consequentemente, com mais mortes (um dos problemas mais evidentes das conclusões tiradas a partir da análise da mortalidade é que raramente se sabe o que essa mortalidade significa para o conjunto da população, cuja dimensão é totalmente desconhecida. Por outro lado estuda-se a mortalidade de infra-estruturas porque é fácil, e ninguém estuda a mortalidade natural, por fome, doença e outros factores, não tendo nós a menor ideia se a mortalidade verificada numa estrada é uma mortalidade nova ou se é simplesmente uma mortalidade que se exerce sobre os mais fracos e incapazes que iriam morrer proximamente por outra razão qualquer. Por exemplo, os sapos mais desesperados pela falta de recursos podem ser os que correm mais riscos a atravessar estradas. No caso dos sapos acho isso pouco provável, diga-se, mas simplesmente não se podem descartar hipóteses assim, sem nenhuma evidência empírica, como faz o comentador que se coloca num plano superior do conhecimento).
"Estou a falar de probabilidades, entende? Sobretudo se essa mortalidade não decorrer de processos naturais para os quais a espécie vai tendo mecanismos adaptativos, mas de mecanismos externos ao sistema biológico para os quais as espécies não têm, nem terão, qualquer mecanismo de adaptação."
Este parágrafo é um tratado de conhecimento. É aliás uma excelente demonstração do que eu disse da incapacidade de aceitar Darwin para pensar o futuro nesta frase lapidar: "mortalidade ... decorrente ... de mecanismos externos ao sistema biológico para os quais as espécies não têm, nem terão, qualquer mecanismo de adaptação". Este é o resultado de muito computador, muitos modelos matemáticos mas poucos pés no chão. Por isso nunca viu rapinas a planar na parte de trás dos aerogeradores à espera do momento em que as presas ficam apardaladas pela turbulência gerada. Por isso nunca viu lobos a esperar que o trânsito passe para passar estradas. Por isso nunca viu ursos à espera que os visitantes dos parques nacionais saiam das zonas de merendas para ir comer. Nunca viu ninhos de andorinhas nos beirais. E milhares e milhares de demonstrações empíricas de que dizer que as espécies apenas se adaptam a mecanismos internos aos processos biológicos (o que quer que esta expressão queira dizer) é muito pouco fundamentado.
"Terceiro, não me faça chorar de rir com disparates pouco dignos de si: "o mundo das probabilidades diz respeito à matemática, não diz respeito à biologia"?!? Caro, a teoria das probabilidades foi desenvolvida no âmbito da estatística mas o fenómeno das probabilidades diz respeito a praticamente tudo o que é observável. A extinção de uma espécie é um fenómeno probabilístico."
O disparate é pensar que se tem toda a informação necessária para aplicar cálculos de probabilidades à realidade biológica, sem ter consciência das suas limitações. Aliás acho estranha a sistemática referência ao "random walk" neste contexto, visto que a sua aplicação pretende integrar a aleatoriedade em processos, às vezes relativamente simples, como o mercado financeiro, sem grandes resultados práticos (para além de concluir pela sua imprevisibilidade). Também aqui poderia dar centenas de referências de estudos que previram uma coisa (por exemplo, o progressivo declínio de espécies em consequência da mortalidade de algumas espécies em parques eólicos) e a realidade verificada empiricamente foi outra (aumento das espécies. Não porque a mortalidade lhes tenha sido favorável, evidentemente, mas porque as driving forces da dinâmica populacional eram outras cujas alterações eram muito mais importantes que a mortalidade detectada em parques eólicos). Mas o mais curioso é que se afirma que a extinção de espécies é um processo probabilístico mas se acha que não é preciso demonstrar evidência empírica, isto é, quantas previsões de processos de extinção para espécies concretas se verificaram na realidade nos prazos previstos (mesmo que esses prazos tenham intervalos de incerteza).
"Quantos mais factores contribuírem para a mortalidade, menores as densidades populacionais, quanto menores as densidades menor a probabilidade de contacto entre indivíduos de sexo oposto, quanto menos contactos existirem entre indivíduos de sexo oposto menor a fecundidade, quanto menos a fecundidade (e mantendo-se uma mortalidade elevada) maior a probabilidade de, na sequência do "random walk", os últimos exemplares de uma população desaparecerem. Isto é elementar e não há retórica que dê a volta a isto."
Elementar? Onde está a evidência empírica de que a maiores mortalidades correspondem menores densidades populacionais (o que é elementar é concluir o inverso: a menores densidades populacionais correspondem menores mortalidades, sobretudo mortalidades absolutas, que são as que são avaliadas nestes estudos). E onde está a evidência de que a menores densidades correspondem menores contactos sexuais (sobretudo contactos sexuais efectivos, isto é, que dão origem a reprodução)? Em alguns casos menores densidades populacionais correspondem a maiores disponibilidade de recursos para cada indivíduo, o que afecta grandemente a fecundidade e a disponibilidade das fêmeas para a reprodução, para além de aumentarem grandemente a probabilidade das crias não morrerem prematuramente. Este é só um exemplo das complexas interacções que são desprezadas nos modelos probabilísticos normalmente usados nesta matéria.
"É desse tipo de provas que está à espera para mudar de opinião e retratar-se das palermices que diz no post?"
Dizer palermices, assinadas, é o que me motiva a escrever neste blog. Tendo perfeita consciência da minha ignorância farto-me de aprender com os comentários dos que sabem mais e farto-me de aprender ao ir procurar a fundamentação para o que quero dizer.
A consciência da ignorância é um grande motor da aprendizagem.
Já a auto-satisfação com o que se julga saber não.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, maio 03, 2010

A morte e a conservação

Aposto que se o estudo fosse feito aqui encontrariam muito mais sapos mortos
Eu sei que já escrevi sobre isto, mas o Público de ontem leva-me a escrever outra vez.
Ricardo Garcia é um jornalista experiente e com boa formação em matérias ambientais (mesmo não sendo a conservação da natureza o que mais trabalha profissionalmente).
Por isso estranhei que aceitasse sem reservas esta ideia, expressa no seu artigo "Construção de estradas como factor de ameaça à biodiversidade":
"Um estudo realizado numa via municipal perto de Évora mostra que a possibilidade chegar ao outro lado da estrada sem um arranhão é mínima. Grande parte morre esmagada sob as rodas dos automóveis".
Procurei no artigo todo a fundamentação desta afirmação e não a encontrei.
O máximo que li foi que "Biólogos da Universidade de Évora foram verificar, em 62 noites entre 2003 e 2007, o que encontravam num troço de 7,1 quilómetros da EM 1708. ... Encontraram, no total, 2014 anfíbios... cerca de 65% tinham já sido atropelados. Os restantes ainda estavam vivos sobre a via".
Ora esta segunda citação que fiz tem muito pouca relação com a afirmação de que "Grande parte morre esmagada sob as rodas de automóveis" porque não se sabe que parte é aquela que não é encontrada na via.
Aliás, o mais próximo de uma conclusão lógica (sendo que o facto de ser lógica não significa verdadeira, podem simplesmente faltar premissas que permitam conhecer a verdade) é que as estradas não são problema nenhum para os anfíbios (ou mais precisamente, que aquele troço daquela estrada).
Repare-se que a estrada está lá há anos, os carros passam por lá há anos e mesmo assim ainda se encontram mais de trinta animais por noite na estrada. Se a estrada fosse um problema sério, os bichos já teriam desaparecido e não se encontrariam (nem vivos, nem mortos, porque para morrer é preciso antes estar vivo).
É um erro conceptual típico de muitos estudos sobre impactes que analisei: a confusão entre a mortalidade de indivíduos e a afectação da espécie. Sobretudo da mortalidade induzida por coisas que são muito pouco efectivas enquanto máquinas de morte: qualquer epidemia ou fome é muito mais eficiente a matar que os meios de impacto directo, como estradas, linhas, tiros, predadores e etc..
henrique pereira dos santos

domingo, abril 18, 2010

Porque não...

Publicidade tirada aqui

Algo se passa na publicidade de atividades ambientalmente impactantes. Depois da campanha da EDP, que em primeiro lugar foi uma prova de força entre a empresa e o movimento ambientalista (ganho pela EDP, sem dúvida), vimos agora a Oliveira da Serra avançar com uma campanha, muito bem delineada no meu entender de consumidor (não sou especialista em publicidade), que assume a estratégia empresarial da marca de forma clara.

A marca afirma que quer plantar o maior olival do país, e passo a citar: "Todas elas (as quintas com olival - HF) fazem parte da nossa ambição em ter o maior olival do país e transformar Portugal num dos maiores produtores de azeite do mundo. Ou mesmo o maior. Porque não?". A mensagem é clara e ancorada em visões sobre o futuro desenvolvimento de Portugal: O nosso produto é bom e podemos fazer com que Portugal seja um grande produtor.
O crescimento da capacidade de produção passa pela plantação de olival (super) intensivo. As fotografias utilizadas na campanha mostram de facto esse tipo de olival, mas numa perspetiva romântica, com neblina matinal qb e aparentemente uma paisagem bonita. Essa imagem romântica contrasta com a realidade da cultura intensiva a base de rega, fertilizantes e pesticidas, cujo impacte ambiental ainda está por apurar e para o qual o movimento ambientalista está a começar a alertar.

Quando pergunta diretamente ao consumidor: Porque não?, torna o cúmplice de um objetivo que une empresa, consumidor e (brilhante) o País e retira espaço de manobra à crítica ambiental (algo de semelhante se passou com a energia eólica cujo capital de simpatia se baseia na ideia de contribuir para um bom comum: energias renováveis).

No entanto, a questão é mais complexa na perspetiva do consumo. Portugal é deficitário em azeite: consome muito mais que produz. O consumo de azeite está a aumentar ao nível mundial e isto coloca questões de sustentabilidade da sua produção. Para satisfazer este aumento de consumo, muito promovido devido à excelente qualidade do azeite como alimento e seus benefícios em termos de saúde, a solução passa pelo aumento da produção, quer isto dizer pela expansão do olival (super-) intensivo. Os azeites "gourmet", tanto na moda e porta-estandarte do alimente dos elites, nunca poderão satisfazer esta procura e mesmo esses são produzidos à base de azeitonas de olivais intensivas.

Como sempre, o mais fácil é dizer: "olival superintensivo em Portugal nem pensar". Assim ficamos com a bonita, tradicional e pobre paisagem alentejana e importamos, de consciência tranquila, azeite proveniente de olivais superintensivos Espanhóis, Gregos, Chineses (não tardará) ou seja lá donde for.

Mais difícil é: assumir que queremos consumir azeite, de preferência Português, portanto vamos lá discutir os impactes ambientais da cultura intensiva e ver como se pode conciliar os objetivos de produção e de salvaguarda de valores como o solo, a água e a paisagem. Eis um desafio interessante para os próximos tempos.

Henk Feith

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Lobos e eólicos


A primeira vez que tomei contacto com a discussão sobre lobos e eólicas foi por volta de 1996 ou, mais provavelmente, 1997, numa informação em que o Zé Nascimento defendia, entre vários outros fundamentos, uma relação negativa do parque eólico com a conservação do Lobo, levando a um parecer negativo a um parque eólico (penso que seria de um ou dois aerogeradores, pouco mais) no Marão ou no Alvão.
O contexto do parecer não foi, tanto quanto penso, correctamente apreendido pela estrutura técnica do ICNB, mas a então Presidente (Teresa Andresen) é uma pessoa inteligente e preocupou-se em definir o posicionamento do ICNB em relação a uma matéria que sabia que viria em força no futuro, apoiada em razões ambientais. Na realidade quis evitar um isolamento do ICNB que lhe retirasse capacidade de influência suficiente para salvaguardar o essencial, mesmo que à custa de algumas cedências acessórias.
O essencial desse posicionamento procurava evitar opiniões excessivamente ideológicas e procurava ter um posicionamento de colaboração com os outros interessados na matéria, sem ceder no que tivesse que se chumbar. O que implicaria muita solidez no fundamento dos pareceres negativos.
No caso concreto o ICNB nem sequer se tinha de pronunciar legalmente, pelo que qualquer posição de força teria de ser absolutamente inquestionável tecnicamente, e não baseada em dúvidas mais ou menos legítimas e geradoras de uma interpretação do princípio da precaução demasiado extensa.
Eu tive de me pronunciar sobre esse parecer e o que verifiquei é que a grande maioria da fundamentação do parecer era muito frágil e quase sempre sustentada em indícios passiveis de interpretações mais que discutiveis.
Lembro-me de ter feito um despacho que questionava essa fundamentação, também em relação aos lobos, perguntando se se previa que batessem com a cabeça nas pás (não terei dito exactamente assim, mas a ideia era essa).
Isso deu origem a várias conversas com o Zé Nascimento e a minha conclusão foi a de que o Zé não tinha razão na fundamentação (ou pelo menos não era claro, é muito frequente os pareceres de conservação, na ânsia de carrearem o máximo de argumentos para sustentar as suas posições, se esquecerem de distinguir o essencial do acessório) mas tinha razão na necessidade de avaliar melhor a relação entre os lobos e os parques eólicos, do ponto de vista do seu impacto na conservação.
Algum tempo depois saí do cargo em que estava e puseram-me numa pequena estrutura técnica isolada do grosso dos funcionários da área protegida ao cujos quadros eu pertencia, a trabalhar numa escola primária isolada, de uma aldeia isolada basicamente sem me darem grande coisa para fazer.
Devo dizer que foi um tempo muito agradável, em que tinha horário contínuo por causa dos miúdos, chegava a casa relativamente cedo e gastava a meia hora de almoço a ir ao café na outra ponta da aldeia (vi agora no google que seriam cerca de 600 a 700 metros para cada lado), numa estrada sem movimento de uma aldeia quase sem gente a essa hora, a pé e sozinho (duas coisas de que sempre gostei) para beber um galão e voltar para trás, depois de dar uma vista de olhos no Correio da Manhã dos dias anteriores.
Aproveitei o tempo em que o Estado me pagava para, se eu quisesse, não fazer nada para estudar meia dúzia de coisas, para fazer uma avaliação exaustiva da forma como a participação pública era tratada nos diplomas de conservação (incluindo todos os diplomas das áreas protegidas desde a sua fundação) e respectiva evolução e quando me deram o relatório de actividades para fazer (obrigatório por lei, com um processo de elaboração que obriga à participação dos principais stakeholders mas a que ninguém liga) eu resolvi fazê-lo de acordo com a lei, incluindo indicadores de desempenho em função dos objectivos da área protegida descritos no seu diploma de criação.
Foi aí que me comecei a interessar mais pelo fogo, quando comecei a procurar estabelecer uma relação entre os recursos alocados a cada actividade e o respectivo contributo para os objectivos da área protegida e concluí que era uma barbaridade o desequilíbrio entre recursos alocados aos fogos e resultados de conservação obtidos (uma barbaridade relativa, porque comparada com a barbaridade do investimento em obras e respectivo retorno em objectivos cumpridos da área protegida a questão dos fogos era, apesar de tudo, muito limitada).
Por causa do meu envolvimento anterior com os parques eólicos um dia pedem-me um parecer para um parque eólico na serra dos Candeeiros. Lá fiz o parecer (naturalmente com o apoio das pessoas da área, que nessa altura tinha a melhor equipa de vigilantes de todas as áreas protegidas, com conhecimentos técnicos muito acima do exigível e a que o Estado nunca ligou nenhuma), pesei todas as incertezas, falei de uma data de condicionantes e de medidas de minimização, áreas a não afectar e por aí fora, mas o parecer era positivo.
Algum tempo depois veio o despacho do então Presidente do ICNB, recusando liminarmente o parque eólico porque se entendia que os parques eólicos eram incompatíveis com o estatuto de área protegida (fiquei tão divertido com o que antevi que o futuro iria trazer que devo ter por aí uma cópia desse despacho). A questão era simples: a Presidência anterior tinha sido fortemente criticada pela sua suposta cedência aos interesses do lobbie das eólicas e o então Presidente (Carlos Guerra), como aliás o então Ministro (José Sócrates) quiseram deixar claro que parques eólicos em áreas protegidas, nem pensar. Com a fundamentação que referi.
Como o tempo se encarrega de cobrir o chão de verde manto que já coberto foi de neve fria o contexto da energia eólica mudou, como toda a gente sabe (e já então era previsível).
E o contexto da minha actividade profissional também.
Por isso, anos mais tarde, tenho a responsabilidade final de concordar ou não com os pareceres dos meus colegas sobre parques eólicos na zona de Montemuro. Diga-se, para contextualizar, que já tinham sido aprovados alguns parques eólicos para a região, pelos mesmo duros que anteriormente não tinham dúvidas sobre os seus impactos, sem que houvesse para esses parques eólicos qualquer responsabilidade assacada na conservação dos lobos do Sul do Douro (nem, diga-se de passagem, em relação a nada de relevante em matéria de conservação).
Nessa altura tive uma das mais duras discussões sobre impactos e sobre parques eólicos.
O então Ministro tinha abandonado a sua anterior posição sobre as cautelas a ter em relação aos parques eólicos em áreas naturais e agora tinha muita dificuldade em admitir que quem quer fosse levantasse qualquer dúvida sobre a bondade de pôr parques eólicos em qualquer lado o mais rapidamente possível.
E os dirigentes de topo do Ministério, atentos, venerandos e obrigados, perfilhavam caninamente esta orientação política e, como é próprio dos followers, eram mais papistas que o papa (no que eram ajudados pelo terror que o desagrado do senhor ministro inspirava à maioria dos funcionários).
A minha unidade orgânica (depois de muitas discussões internas no ICNB, entre quem queria posições mais radicais e posições mais contemporizadoras) levantou problemas, fundamentou-os na lei (a directiva habitats impede a aprovação de projectos com impactos negativos na conservação dos valores protegidos, excepto em condições específicas que são mais restritas para espécies prioritárias como o lobo) e propôs aprovar os projectos mas nas condições previstas na lei, o que significava a definição de medidas de compensação para os lobos.
A questão de fundo prendia-se exactamente com os caminhos e a perturbação induzida, que se considerava constituir um risco face ao estado muito desfavorável de conservação daquelas populações de lobo. E de acordo com a directiva, o risco deve ser tratado como um facto.
Obviamente com o apoio de vários dos meus colegas no ICNB e de unidades orgânicas diferentes da minha, cabia-me a mim dar a cara quando, como se verificou, as outras entidades todas, incluindo a Agência Portuguesa do Ambiente (e suas antecessoras, que os nomes vão mudando mas não a essência) e a tutela política (quer do ambiente, quer da economia) contestaram de todas as maneiras a posição do ICNB.
Fui portanto eu que fui defender que havia risco de afectação significativa da população de lobo em causa, fui eu que expliquei que havendo risco a lei só nos permitia aprovar os parques eólicos em determinadas circunstâncias e, dentro dessas circunstâncias, com medidas compensatórias.
E fui também eu que não só defini, como defendi, as medidas compensatórias a adoptar.
Não foi uma discussão interna fácil, porque implica a discussão sobre as ameaças que actuam sobre esta população de lobos (ver aqui que não é uma discussão fechada) e, mais que isso, implica definir o que realmente pode ser feito e que pode ser da responsabilidade dos promotores (a definição de medidas compensatórias que são da responsabilidade de terceiros, como o Estado, por exemplo, a criação de áreas protegidas e outras decisões administrativas, é uma fraude).
Mesmo depois de se admitir que a falta de disponibilidade alimentar é o primeiro dos problemas que enfrenta esta população de lobo (o que não é consensual), a definição de medidas de resposta continua a ser difícil, até por puro preconceito ideológico de algumas pessoas que acham que a única solução é favorecer as presas selvagens porque não é ético favorecer a existência de presas domésticas.
Acontece que nas condições de Montemuro (e regiões envolventes) não é fácil ter resultados num prazo curto na expansão das populações de presas selvagens.
Os promotores (devo dizer que praticamente todos os problemas que tive na avaliação de impacte ambiental, quer aprovasse, quer chumbasse processos, foram-me criados pela administração, e raramente, se alguma vez, pelos promotores) pretendiam substituir-se ao Estado no pagamento das indeminizações pelos prejuízos do lobo, o que foi recusao porque essa seria uma medida de financiamento do Estado e não compensava coisa nenhuma (a obrigação do Estado existe, portanto a medida não era adicional face à situação de referência), pretendiam entregar dinheiro para que o ICNB fizesse o que quisesse (o que foi recusado porque se perde o vínculo de responsabilidade entre o promotor e a efectiva execução da medida) e por aí fora.
Acabámos por nos fixar na mais exótica das medidas compensatórias que alguma vez aprovámos: os promotores teriam de criar um rebanho de pequenos ruminantes de dimensão resultante da multiplicação de duas cabras por megawatt instalado, pagando do seu bolso a substituição dos animais mortos pelo lobo.
Penso que nunca me vi rodeado de tanta chacota por uma decisão técnica, com a perfeita consciência do isolamento em que estava, quer do resto da administração que nos tratava como tontinhos, quer dos promotores que estavam aterrados perante a perspectiva de passarem a ter de guardar ovelhas, quer por um grupo alargado de conservacionistas que não concordavam com a ideia e preferiam que se fizessem campanhas de educação ambiental, estudos e essas coisas do costume.
A intransigência face a três princípios básicos (a responsabilidade dos promotores pela execução, a necessidade de medidas efectivas que respondessem à falta de disponibilidade alimentar e a recusa de que as medidas compensatórias se traduzissem em dinheiro a entrar no ICNB) mas a total flexibilidade quanto à forma de respeitar estes princípios acabou por conduzir a uma solução proposta pelos promotores, que pode ser vista aqui.
Trata-se de um fundo fortemente orientado para medidas concrtas de gestão de habitat e de disponibilidade alimentar, em que o ICNB impôs limites estreitos para o gasto em educação ambiental e estudos (o fundo pretende conservar os lobos e não os conservadores do lobo) e que vai fazendo o seu caminho.
Portanto, respondendo à pergunta que me fizeram sobre a minha perspectiva quanto aos impactos do parques eólicos nas populações de lobo, direi que há risco da perturbação constituir uma ameaça adicional a populações muito fragilizadas por outras razões, mas que a actuação sobre essas razões de fundo permite compensar largamente o eventual efeito negativo da perturbação induzida (e que as medidas de minimização devem procurar reduzir seriamente).
O impacto dos parques eólicos sobre as populações de lobo é um assunto sério (so long, Zé, tinhas razão e fico mais descansado por ter tido tempo para to dizer) mas tenho as maiores dúvidas de que esteja a ser equilibradamente tratado, quer do lado da administração, quer do lado dos conservacionistas.
Do lado dos promotores penso que tem havido mais razoabilidade (com excepções, bem entendido).
henrique pereira dos santos

sábado, outubro 31, 2009

Lobo ao Sul do Douro

Fotografia de dejectos presumivelmente de lobo tirada a 02/09/2009 num dos parques e eólicos do Montemuro
"O Publico publicou a 14 de Outubro de 2009 uma notícia intitulada “Alcateia de lobo ibérico ameaçada por parque eólico”, onde entre outras coisas se podia ler:
“O principal é a ‘Ribeira dos Cubos’, onde foi confirmada reprodução em Agosto de 2008, sendo considerado o local mais importante para a conservação da alcateia. A ‘Corga do Redondelo’ é o centro de actividade secundário, tendo sido local de reprodução em anos anteriores até que um incêndio, em Agosto de 2005, destruiu a vegetação e a zona deixou de ter condições para albergar a alcateia com as suas crias. Para os investigadores, a protecção destes dois centros de actividade é prioritária, já que se trata de zonas importantes para a preservação do lobo na Serra de Leomil.”
Embora concorde com o com grande parte das coisas que são ditas nesta notícia, nomeadamente a importância desta alcateia a Sul do Douro e a importância de salvaguardar os centros de maior actividade, além de esta alcateia ter potencial para fornecer um input genético em alcateias confinantes (e.g. Alcateia do Montemuro e Alcateia da Lapa) ou até mesmo para todo o núcleo populacional Arada/Trancoso.

Não obstante, a serem verdade as informações dadas nesta notícia sobre a localização dos centros de maior actividade, as quais poderão ser perfeitamente suficientes para quem tiver más intenções (que normalmente são pessoas com grande conhecimento e experiência de campo), não posso deixar de repudiar a publicação destas informações, até pelas notícias de lobos mortos dessa zona nos últimos anos.
Esta alcateia sofre do “pecado original” de estar isolada, naturalmente a Norte pelo Rio Douro, a Sul pelo Rio Paiva e indisponibilidade de habitat (quer para a espécie quer para os suas presas), a Este pelo tipo de ocupação de solos, resta-lhe uma única orientação, a de Oeste, contudo entre esta alcateia e a de Montemuro (alcateia confinante), existe uma Auto-estrada que poderá representar um obstáculo para a dispersão de indivíduos, em especial para os Sub-adultos (e do que li na noticia, esta alcateia é bastante produtiva).Assim caso sejam verificados impactes significativos sobre esta alcateia pela construção deste empreendimento, seria interessante que as pessoas com responsabilidade sobre a matéria, reflectissem sobre medidas de compensação direccionadas para o aumento da permeabilidade da Auto-estrada, ou mesmo na criação de uma Área Protegida Privada, visto esta Alcateia não se encontrar inserida nenhuma Área Classificada.

Paulo Barros"

sábado, setembro 12, 2009

Le Consommateur - c'est moi


A maior parte das viaturas hoje em dia é equipada com dispositivos de medição do consumo, instantâneo e médio. Esta inovação permite ao condutor monitorizar o seu consumo, logo o seu contributo na emissão de GEE.

Está mais do que comprovado que basta um pequeno esforço para conseguir reduções na ordem de 10 a 20% no consumo e o principal esforço será da esfera mental, seguida por uma condução defensiva que passa sobretudo por uma redução da velocidade média e uma condução anticipativa que evita acelerações e travagens bruscas.
Seguindo os princípios do Ciclo de PDCA (Plan-Do-Check-Act) da gestão ambiental, é fácil promover essa redução.

A média representada na foto é a real média anual conseguida após adoção de um estilo de condução "eco", numa carrinha a diesel de gama média, num percurso misto de estradas nacionais (maior parte), autoestradas e cidade.

Não há combustíveis caros, há estilos de condução caros...

Henk Feith

terça-feira, agosto 11, 2009

O fundo da barragem



Sujeito à barragem da propaganda não tinha ainda percebido bem a conversa acerca da rapidez com que os projectos do Fundo para a Conservação da Natureza iriam estar no terreno.
É que dá não ler os papéis:
"A compensação pela perda de valores naturais e sua preservação deve ser assegurada através de contribuições anuais para o Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, previsto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, de acordo com o constante na medida de compensação n.º 13. ".
Esta é a terceira condicionante da DIA de aprovação da barragem de Foz Tua.
"A compensação pela perda, quer directa quer de forma cumulativa com outros empreendimentos na bacia do Douro, de valores naturais e sua preservação deve ser assegurada através de contribuições anuais para o Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, previsto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, as quais deverão ser calculadas na base de 3% do valor líquido anual médio de produção, ou seja, da receita anual do empreendimento.
As referidas contribuições deverão ser asseguradas desde o início da fase de construção, sendo que até ao início da fase de exploração o montante da contribuição deverá ser calculado em função da estimativa do valor líquido anual médio de produção.".
E esta é a medida de compensação referida.
Pelo meio pode ler-se o que é pedido para o RECAPE como medidas compensatórias, a maioria das quais são estudos e essa novidade que são as áreas protegidas privadas.
Não vou transcrever aqui o que é pedido que o RECAPE faça dada a extensão (pode ser consultado aqui, por exemplo) mas deixo apenas um exemplo: "Estudo da filogeografia do buxo (Buxus sempervirens) no Centro-Norte da Península Ibérica, tendo por base estudos detalhados de caracterização e análise de variabilidade genética das populações.".
Eu leio e não acredito que isto seja considerado aceitável, quer pelos técnicos que fazem a avaliação, quer os dirigentes dos organismos públicos que aprovam os pareceres, quer pelo promotor, quer finalmente pelo decisor político que assina a DIA.
Não há almoços grátis: tudo isto vamos nós pagar em tarifas mais altas de electricidade e em perda de competitividade económica das nossas empresas.
Não está em causa a necessidade de compensar impactos negativos por parte dos promotores do projecto até ao nível que for necessário. O que está em causa é o delírio na definição de responsabilidades.
Ora é sobre esta lógica delirante e irresponsável que se vai lançar dinheiro através do Fundo para a Conservação da Natureza que será gerido pelo ICNB, que é simultaneamente quem tem a responsabilidade de verificar a conformidade do executado com o imposto pela DIA.
O promotor, esse, passou a ser apenas responsável por passar os cheques.
O corolário é um promotor satisfeito que entregou ao Estado a sua responsabilidade, é uma administração da conservação satisfeita por ter dinheiro fácil e pouco escrutinável e um número muito alargado de organizações e pessoas (nomeadamente os muitos investigadores necessários para os estudos que as espécies e habitats nunca lerão e de que provavelmente nunca sentirão qualquer efeito concreto) que se vão entreter a produzir projectos para gastar o dinheiro (como o dinheiro vem de um respeitável Fundo para a Conservação da Natureza não se boicota, se viesse da EDP, aí sim, seria inaceitável. De onde vem e por que formas o dinheiro chega ao Estado é um detalhe que evidentemente não interessa nada).
Vou pregar a outra freguesia.
Tudo isto me incomoda e me põe uma viscosidade na alma que não deve fazer-me bem.
henrique pereira dos santos

sábado, agosto 01, 2009

Linha férrea afecta 150 mil hectares de montado de sobro

Montado de azinho no sul de Grândola (Lousal)
Hoje o Público, na sua secção "Local", publica um artigo da autoria de Carlos Dias, cujo título me intrigou: "Quase 150 mil hectares de montado de sobro afectados pela linha férrea Sines-Elvas".

Estando habituado a estatísticas sobre a floresta Portuguesa, pensei: bolas, que tipo de linha férrea é aquela que afecta perto de 20% do montado de sobro em Portugal?

Ao ler o artigo comecei a perceber que, mais uma vez, o jornalismo ambiental recorre a manipulação de factos para insuflar notícias. Já no texto principal do artigo, é evidente que houve ou erro grosseiro ou intenção nos valores apresentados, uma vez que falam de uma faixa de 400 metros de largura e uma extensão de 40 km. Essa faixa, na sua totalidade ocupa 1600 hectares (40000*400/10000), por isso pouco mais do que 1% da área indicada no título. Também será de esperar que nem toda a área daquela faixa seja ocupada com montados de sobro, ou mesmo de montados em geral (não haverá montado de azinho naquela faixa? ou será que o jornalista desconhece essa espécie?).

40 km entre Sines e Elvas parece-me curto. Por estrada são 251 km (fonte: Google maps), admito que uma linha férrea seja mais rectilínea, por isso deve estar perto duns 200 km. Será que são 40 km a atravessar montados? Não se compreende do artigo.

Mais grave se torna quando se fala no possível abate de "cerca de 7000 sobreiros, muitos deles centenários" (para o leigo romântico, qualquer árvore que não se consegue abraçar é centenária). Tendo um montado adulto entre 50 a 100 sobreiros por hectare (um montado jovem poderá ir até 10 vezes esta densidade), este segundo valor apontaria para a perda de 70 e 140 hectares de montado. Pergunto eu onde estarão os 150 mil hectares afectados que o jornalista refere, sem indicar as suas fontes de informação.

Mas o que ponho em causa não é o impacte que esta linha férrea terá na paisagem e habitats alentejanas. Se calhar (é provável) estão em risco valores ecológicos muito mais relevantes que os sobreiros, aquela vaca sagrada dos ambientalistas portugueses. Conheço montados de azinho no sul do concelho de Grândola que são dos mais intatos e vigorosos que conheço. Conheço o vale do rio Sado junto às localidades Azinheiro dos Barros e Vale de Eira e é capaz de ser um dos segredos naturais mais bem guardados de Portugal (como é possível que a RN2000 não ligue os sítios de Estuário do Sado e Castro Verde através do vale do Sado?, assim sim seria uma Rede em vez de um arquipélago de áreas classificadas). A perda destes valores naturais seria uma perda significativa e deve ser evitada a todo o custo. O que ponho em causa é a qualidade jornalística de uma peça que, ou por ignorância ou por intenção, transmite uma mensagem que está manifestamente errada. É mau e é recorrente no jornalismo ambiental.

Henk Feith

quinta-feira, julho 23, 2009

Ganhos de causa




Num comentário a este post, Francisco Ferreira diz, respondendo à minha pergunta:

A QUERCUS negoceia minimizações depois de considerar a autorização do projecto ilegal?
"Sim, se o entendimento do tribunal for diferente do da Quercus como foi em termos de providência cautelar e as obras possam prosseguir e se os ganhos em causa forem significativos."

Esta lógica parece-me a mim irmã da lógica que leva o actual Ministro do Ambiente a falar de sobre-compensação numa primeira fase, de ganhos de conservação numa segunda e de um novo modelo de financiamento para a conservação numa terceira quando fala de projectos com fortes impactos negativos na conservação (como Odelouca e o Sabor, por exemplo).
A ideia base é a de que já que o projecto se vai fazer, vamos tentar ganhar o máximo para o ambiente.
Em primeiro lugar isto é objectivamente uma lógica de extorsão do Estado aos promotores (eles próprios são por vezes o Estado) e é, do meu ponto de vista, ilegal.
A lógica das medidas compensatórias não é a de sacar o mais possível dos projectos para o ambiente, é a da compensação proporcional dos efeitos do projectos (havendo, com certeza, margem de discussão sobre até onde vai essa proporcionalidade).
Eu sei que a ideia base é popular, mas é profundamente perversa e sobretudo abre o flanco para processos muito pouco transparentes de troca de favores. E sei também que é uma lógica fortemente impulsionada pela Comissão Europeia para reduzir as queixas ambientais que recebe (na lógica de que se os promotores se entenderem com as ONGAs se reduzem as queixas e os processos).
Pegando no processo concreto da Costa Terra não deixo de ficar arrepiado com o que diz o Francisco no fim de elencar o número de coisas que se ganharam (e que discutirei já a seguir): "Manutenção da queixa junto da CE por não ter havido avaliação estratégica e não estar em vigor plano de gestão do sítio e até esta situação ser ultrapassada".
Estamos pois perante uma verdadeira negociação em que se discute a manutenção ou retirada das queixas feitas anteriormente pela QUERCUS em troco de vantagens ambientais dos projectos? O que tem isto de diferença conceptual dos processos de extorsão de donativos em troco de segurança dos estabelecimentos usados por outras organizações bem pouco recomendáveis? Não estou a fazer um paralelismo entre essas organizações e a QUERCUS, seria uma estupidez sem nome, estou apenas a procurar discutir o que é estruturalmente diferente para além do uso da violência física substituída aqui pela ameaça do Tribunal Europeu?
Pondo de parte este lado mais assustador deste tipo de processos, concentremo-nos no elenco dos ganhos de causa que justificam isto tudo, analisando um por um:

"a não construção na área de Rede Natura do sitio Comporta-Galé excepto perímetros urbanos"

Como se assegura isto? Evidentemente alterando os planos (mesmo assim a garantia é temporária porque os planos podem ser mudados). Uma vez arquivado o contencioso comunitário o que vai suceder se já antes foi aprovado (ou estava para ser, ou um dia será) um projecto de seiscentos hectares (penso eu) na herdade da Comporta. Mas sobretudo como vai ser possível explicar que por causa dos projectos já aprovados todos os outros proprietários são chamados a suportar os custos da sua execução sem nenhum proveito? Alguém acredita que qualquer que seja a administração, local ou central, essa injustiça primordial se vai manter? Não que eu defenda que todos os proprietários tenham os mesmo direitos de construção que os dos projectos aprovados, mas que não acredito em soluções que são intrinecamente injustas em que uns comem os figos e aos outros lhe rebenta a boca, ai isso não acredito seguramente. Ou seja, uma declaração de intenções razoavelmente inútil, até porque os promotores esfregam as mãos de satisfeitos porque se quebrou o vínculo de responsabilidade entre promotor e medida compensatória.

"carga máxima para Pinheiro da Cruz limitada ao nº presos+funcionários e área actual"

Esta faz-me lembrar um parecer que uma vez emiti em que condicionava a aprovação de uma pedreira à legalização da britadeira que ela continha, o que permitiu à entidade licenciadora aprovar a pedreira com o argumento de que em relação à pedreira o parecer era positivo e não era legalmente admissível condicionar a aprovação de um projecto a condicionantes impostas a outro completamente diferente. Quem garante isto? Onde está o vínculo jurídico que obrigue quem quer que seja a cumprir isto?

"redução de nº de camas ou área (CostaTerra a redução seria de 35 mil metros quadrados)"

Em quê e com que ganho ambiental?

"gestão activa de habitats para além das condições do EIA na forma de área protegida privada ainda em moldes a definir e integrando Pinheiro da Cruz para além de Pinheirinho e Comporta"

Isto é o que se chama uma charada. O que quer dizer para além das condições do EIA? O que trás a classificação de área protegida de novo? Essa classificação implica a posse dos terrenos, o que significa que só aplicável às propriedades dos promotores cuja gestão estava já fortemente condicionada pelas condições de aprovação, implicando gestão activa de áreas concretas e com objectivos concretos. O que se ganha com esta nova formulação para além da integração de Pinheiro da Cruz (que evidentemente ninguém pode garantir a não ser no processo de avaliação e aprovação de projectos que eventualmente venham a ser previstos para lá).

Ou seja, a QUERCUS mete-se por caminhos escusos de negociar queixas de processos que considera serem aprovados ilegalmente a troco de uma mão cheia de nada e outra cheia de vento.
Tendo na raiz disto tudo uma boa intenção profundamente perversa: a de que havendo ganhos de causa se justifica negociar opiniões.
Eu acho um caminho errado.
Tenho sobre aprovação destes processos uma opinião bem menos agressiva que a da QUERCUS como já expliquei em vários posts, e acho que globalmente, com as medidas de compensação adoptadas formalmente e vinculadas juridicamente, os seus efeitos na conservação são marginais, mas não é a substância da coisa que me preocupa mas sim a adopção de procedimentos pouco transparentes, pouco sustentados tecnicamente e pouco sustentados adminstrativamente.
Mais vale perder no tribunal e assumir com clareza que se perdeu que procurar pequenas sobras disfarçadas de ganhos de causa que pouco mais são que uma capa de respeitabilidade ambiental para processos que podem acabar muito mal.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, julho 22, 2009

Negociar a Costa Terra



Declaração de interesses: durante muito tempo acompanhei este processo e representei o ICNB em muitos dos seus passos processuais
aqui comentei a actuação da QUERCUS num aspecto concreto deste processo.
Ontem li no jornal que o tribunal tinha autorizado a retoma das obras na Costa Terra e ainda estas declarações:
"O vice-presidente da QUERCUS, Francisco Ferreira, reconheceu que a decisão judicial "constitui uma derrota", mas frisou que a providência cautelar "permitiu desencadear negociações com os promotores, a autarquia de Grândola e o Governo, no sentido de minimizar os impactos ambientais na região".
Talvez o jornalista não tenha traduzido bem a ideia mas se o fez fico perplexo:
A QUERCUS interpõe uma providência cautelar para desencadear negociações?
A QUERCUS negoceia minimizações depois de considerar a autorização do projecto ilegal?
A QUERCUS negoceia com os promotores e o Governo apesar de considerar que a ausência de soluções alternativas torna nula qualquer decisão?
A QUERCUS apresentou melhores e adicionais soluções que as previstas nas pesadíssimas condicionantes de execução do projecto ou trocou algumas condicionantes legalmente imperativas por acordos de cavalheiros desconhecidos?
Provavelmente não se passa nada e tudo isto não passa de equívoco (como o que dizer que se vai fazer uma área protegida privada como compensação, sem que ninguém perceba o que isso quer dizer) e ou o jornalista escreveu mal, ou o Francisco se expressou mal, ou eu li mal.
Provavelmente tudo isto é razoável e normal em Portugal.
E todos sabemos o que foi negociado e todos nos pudemos pronunciar sobre o conteúdo dessas negociações que talvez alterem o que resulta dos processos administrativos normais de decisão, que incluem longos períodos de discussão pública.
E todos concordamos que os processos judiciais são a forma ideal de desencadear negociações.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, maio 18, 2009

A compensação e o Estado


Na entrevista a Tito Rosa, presidente do ICNB, há um detalhe que não me parece que esteja na edição online do Público mas está na edição em papel: a transferência do centro de reprodução de linces, das Águas do Algarve para o ICNB, que se fará daqui a meia dúzia de dias.
Não conheço os detalhes e contornos desta transferência nem tenho sobre ela qualquer opinião baseada na análise concreta da situação.
Mas vale a pena fazer notar que se trata de uma situação que pode muito bem ser acompanhada ao longo dos anos para avaliar a bondade da passagem de obrigações dos promotores para o Estado, decorrentes de medidas compensatórias de projectos.
Este centro resulta do estabelecimento de umas medidas compensatórias pela construção da barragem de Odelouca (quanto a mim erradamente mas para este efeito isso irrelevante agora).
Era por isso da responsabilidade do promotor da barragem e era, naturalmente, fiscalizado pelo Estado.
Ao passá-lo para o Estado, concentramos numa só entidade execução e fiscalização.
Já hoje pouco se refere este centro como medida compensatória de Odelouca, sendo sistematicamente realçado o seu papel no plano de acção para a conservação do Lince.
Acredito que durante dois ou três anos esta transferência possa ser neutra para o funcionamento do centro.
O importante é vermos o que acontece ao fim de algum tempo, para então se tirarem conclusões sobre a bondade, ou não, do modelo de substituir responsabilidades de execução das medidas compensatorias pelos promotores, pelo o valor corresponde em cheque (neste caso também em espécie) entregue ao Estado para que este assuma a responsabilidade da compensação.
henrique pereira dos santos

domingo, maio 17, 2009

De decisão em decisão, rumo à corrupção final

Tito Rosa, Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, tem hoje uma entrevista publicado no Público.

Não quero comentar a entrevista excepto num ponto:

"Como está o Fundo da Conservação?
Apresentámos as primeiras propostas à tutela para reflexão. Não deve começar a funcionar este ano mas gostaríamos de, ainda em 2009, discutir o perfil do fundo e criar alguma legislação. Queremos evitar que se transforme num fundo orçamental, típico de muitos fundos que existem, que depois financiam entidades públicas. Queremos criar um fundo financeiro, com capacidade de auto-regeneração, envolvendo as entidades públicas e privadas. As medidas de minimização e compensação de projectos poderiam alimentar em parte esse fundo. Assim como algumas contribuições sobre serviços prestados pelo Estado."

O destaque é meu.

A ideia não aparece nesta entrevista mas está contida no actual regime jurídico da conservação.

Já a comentei aqui e por isso não me vou repetir mas apenas constatar que, tal como previ na altura, esta norma tem vindo a ser trabalhada no seu sentido inevitável: libertar os promotores das obrigações de compensação a troco de um cheque para a conservação.

Recordo que as medidas compensatórias (admitamos que a referência na entrevista a medidas de minimização, neste contexto, é um lapso) devem ter as seguintes características:

•Devem resultar da avaliação dos impactes do projecto nos valores protegidos
•Dirigir-se estrita e proporcionalmente à compensação desses impactes
•Ser definidas quanto:
•Ao seu alvo
•À forma como actuam sobre os valores em causa
•À sua extensão e dimensão
•À sua localização
•Aos seus tempos de execução
•Ser claras e compreensíveis para o público
•Garantir que os seus efeitos se mantêm no longo prazo.

Evidentemente nada disto é possível de garantir quando se dilui a responsabilidade da sua execução num fundo, que pode ser alimentado por quem afecta borboletas e aplicado na conservação de peixes.

Seguramente esta é uma solução errada.

Mas, muito mais grave, é uma auto-estrada para a corrupção porque cria a possibilidade de, por decisão administrativa discricionária, libertar qualquer promotor da responsabilidade de executar o que lhe compete, a troco de dinheiro.

henrique pereira dos santos

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Um outro ponto de vista sobre a balada das salinas do Samouco

Num comentário a este post, José Manuel Palma responde ao que escrevi.
Pela sua importância, e pela justiça de lhe dar o destaque do post original, aqui fica transcrito o que diz José Manuel Palma, rementendo eu a minha resposta para os comentários:
"caro henrique pereira dos santos,
Depois de ler o teu post na Ambio e encontrar algumas incorrecções graves gostaria de esclarecer o seguinte:
1. ao contrário do que foi dito a disputa entre o estado e os proprietários das salinas decorre de uma disputa sobre o tipo de terreno em jogo, se agrícola ou industrial, que leva a avaliações muito diferentes e não sobre um hipotético movimento dos proprietários em fazer aumentar o preço de per se.
2. Não quero reiterar a discussão havida contigo mas não me parece que os ambientalistas quisessem uma Fundação. O que queriam era o espaço cuidado a longo termo. O processo foi muito mais complicado e não é a hora nem o momento de discuti-lo.
3. A fundação das salinas nunca contratou o Manuel Pedro para coisa nenhuma. Manuel Pedro que trabalhava para a lusoponte, foi contratado pela equipa de missão, ou seja por mim, bem antes da fundação, na medida em que tinha coordenado a recuperação das salinas para essa entidade e tinha posse das instalações necessárias para o apoio logístico. A partir da instalação da fundação nunca mais tal pessoa foi contactada ou contratada (cerca do final de 2001) tendo mesmo sido recusada a sua proposta de colaboração pelo conselho de administração.
4. Eu, José Manuel Palma, nunca trabalhei com Manuel Pedro ou Carlos Guerra nos EIAs de coisa nenhuma (freeport, secas nas salinas, barroca d´alva etc.). Como essa é uma acusação muito grave nos dias que correm onde para acusar as pessoas basta associá-las com outras com imagem negativa perante a opinião pública das duas uma ou me dizes quem te disse, ou apresentas provas do que disseste ou estás a faltar à verdade e de uma forma voluntária o que é muito complicado e difamatório.
5. Nunca eu poderia colaborar em EIAs que estivessem no complexo das Salinas do Samouco por razões óbvias sendo o presidente da Fundação.
6. Nem colaboraria em EIAs sobre projectos que se pretendem instalar em sítios cuja ocupação desse tipo não estava prevista (e penso que ainda não está) no PDM a menos que tal fosse consensual. Parece-me que esta objecção te é familiar.
7. A notícia que leste no jornal público refere-se a um EIA de uma terceira seca, fora do espaço das salinas, cujo perfil de nova ocupação estava previsto no PDM e para um entidade que nada tem a ver com as empresas que estavam ligadas ao senhor Manuel Pedro. I.e. esse trabalho não teve nada a ver com os ditos senhores que são referidos na noticia e nunca se contratualizou esses senhores para coisa nenhuma. Aliás se leres bem a noticia nunca é dito que eu tenha trabalhado com os ditos Manuel Pedro e Carlos Guerra. E se conhecesses um pouco do sítio rapidamente percebias que as duas secas que são extensivamente referidas são no espaço habitualmente referido como salinas do Samouco enquanto a terceira seca não tem nada a ver com as primeiras, situando-se fora do espaço e não tendo, nem de perto nem de longe, o mesmo estatuto.
8. Em suma é mentira que a fundação tenha contratado Manuel Pedro, é mentira que eu tenha trabalhado para Eias das secas de bacalhau que tu referes e é mentira que o trabalho realizado pela empresa em que participo seja referente a uma seca nas salinas e que tenha tido alguma relação com o Manuel Pedro ou o Carlos Guerra.
9. É um chorrilho de mentiras que não se justificam especialmente vindo de ti com as responsabilidades inerentes ao teu percurso.
10. Num processo tão quente como este é importante que todos nós tenhamos tento na língua e cuidado naquilo que escrevemos e que não nos deixamos cair em tentação por queremos ver aquilo que desejamos e não aquilo que se aproxima mais da verdade.
Apesar de ser uma bela história …os ambientalistas malvados pressionaram para uma fundação sendo presidente um dos seus que depois se envolveu de modo pouco escrupuloso em projectos no espaço servindo interesses pouco confessáveis…. Não passa de uma narração neste caso bem lendária (e estereotipada logo apenas aparentemente verosímil).
Com os meus melhores cumprimentos e esperando a reescrita do teu post
José Manuel Palma
(que esteve, está e sempre estará disponível para discutir qualquer assunto contigo ou com qualquer outra pessoa nomeadamente sobre os resultados, publicados, do trabalho da fundação que com muito orgulho e pena dirigi.)"

domingo, fevereiro 22, 2009

Balada das Salinas do Samouco

imagem das salinas do samouco roubada ao blog o bzz do lusco fusco
Foi ao procurar informação sobre "The ballad of John and Yoko" que me dei conta de um significado tradicional de balada: poesia narrativa que reproduz narrações ou lendas.
Não sendo poesia este post, a balada que uso no título deste post remete para uma narração, mas neste caso muito pouco lendária.
O motivo primário deste post é, mais uma vez, uma notícia do Público de hoje onde se relatam as actividades de Carlos Guerra como prestador de serviços de Manuel Pedro, algum tempo depois da aprovação do Freeport.
Mas o cerne do post é mesmo uma narração sobre a Fundação das Salinas do Samouco.
A expropriação das salinas do Samouco é um erro que decorre do Estudo de Impacto Ambiental da ponte Vasco da Gama que identifica esta expropriação como medida compensatória da construção da ponte. Naturalmente os donos das salinas fizeram imediatamente multiplicar por seis ou sete o preço da sua venda no momento em que perceberam que o Estado Português, pressionado pela Comissão Europeia e pelo movimento ambientalista, não tinha alternativa se não comprar a salina.
Esta situação deu origem a um processo complicado de expropriação e por aí fora, com fortes prejuízos para a afectação eficiente de recursos.
Na verdade o que era importante era manter o uso das salinas como salinas (ou pelo menos com uma gestão dos níveis de água favorável à avifauna) sendo a questão da propriedade uma questão acessória e instrumental já que manutenção do uso podia ser obtida com os proprietários, contratualmente, a custos muito mais baixos e com clara separação da execução e da fiscalização, condição sine qua non para que as coisas funcionem eficientemente.
Lembro-me de ter estado numa reunião com os então ministros João Cravinho e Elisa Ferreira onde o ICN propunha uma redefinição desta (e doutras) medida compensatória no sentido de garantir meios e mecanismos de gestão de conservação eficazes que nos pareciam que não eram atingidos pela via da expropriação (e da expansão da ZPE) porque isso significava colocar mais responsabilidades nas entidades de tutela da conservação que já estavam para além do limite dos meios de gestão de que dispunham. Mas nunca foi possível resolver grande coisa porque a pressão do movimento ambientalista sobre a Comissão Europeia era noutro sentido e o Governo Português queria encerrar o contencioso comunitário o mais rapidamente possível.
Algum tempo depois, com a saída da então presidência do ICN, foi inventada a solução da fundação para gerir as salinas, com financiamentos repartidos entre as obras públicas e a conservação (solução que sempre tinha sido rejeitada pela anterior presidência do ICN por se entender que as medidas compensatórias competem aos promotores dos projectos e o ICN não era promotor da ponte).
O movimento ambientalista aprovou e rejubilou com a solução e o Governo contratou para presidir à fundação um anterior presidente da QUERCUS, José Manuel Palma (tive com o José Manuel Palma, nessa altura, uma discussão na lista Ambio a propósito das razões para essa nomeação, defendendo eu que não conhecia nada no seu curriculum que aconselhasse a nomeação a não ser a possibilidade de suavizar as críticas das ONGAs ao processo da ponte Vasco da Gama, o que naturalmente foi contestado pelo José Manuel Palma, que expôs as suas razões razoáveis para essa nomeação mas que até hoje não consegui entender).
Depois a fundação contratou Manuel Pedro para a assessorar juridicamente, Manuel Pedro contratou Carlos Guerra, entretanto saído da presidência do ICNB onde tinha aceitado a fundação como boa solução, para colaborar nos projectos da Barroca D'Alva, também na zona de Alcochete, e contratou José Manuel Palma para lhe fazer os EIAs dos seus projectos para as secas do bacalhau, também na zona das salinas.
E a fundação foi-se afundando sem honra e sem glória, sem que até hoje se saiba muito bem o que daí resultou para o bem público e para a compensação dos impactos da ponte Vasco da Gama.
Durante esse tempo de vez em quando o movimento ambientalista protestava contra o facto da fundação estar sub-financiada porque a conservação não entregava a sua metade do financiamento anual à fundação, como tinha ficado previsto.
Que tudo isto, por mais legal que seja, e acredito que o seja, revele demasiada endogamia e falta de avaliações sérias de resultados pareceu não preocupar demasiado o movimento ambientalista.
Eu, que sempre me pronunciei contra esta medida compensatória, contra o modelo da fundação, contra o modelo de financiamento da fundação, contra o modelo de gestão da fundação e contra a opacidade dos seus resultados, por razões abstractas de transparência na gestão de bens públicos, nunca imaginei que, infelizmente, a realidade viesse a demonstrar de forma tão clara e concreta as razões abstractas que me moveram.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Terei ouvido bem?


A Rádio Renascença tem vindo a passar excertos de uma conversa comigo que parece que transmitirá mais alargadamente hoje à noite.
Penso que na sequência, são também transmitidos comentários de Francisco Ferreira (declaração de interesses: que conheço há muitos anos e com quem tenho divergências e convergências há outros tantos) um dos quais me parece excessivo.
O Francisco diz que em alguns processos o processo de AIA é uma farsa.
Acho que os muitos posts que já fiz sobre as fragilidades dos processos de decisão na administração pública me tornam insuspeito de defender a perfeição do processo de AIA. Sobretudo da sua prática concreta e corrente.
Mas daí a dizer que há processos que são uma farsa vai distância que a minha perna não alcança. Uma distância que trata todos os protagonistas desses processos como farsantes. O que não é justo e, sobretudo, não me lembro nunca de ter visto isso demonstrado em nenhum processo. Diga-se aliás que muitas das posições do movimento ambientalista sobre processos de AIA são tomadas sem a consulta total do processo, o que sendo compreensível e razoável em quase todos os casos, não o é nos casos que se classificam como farsas.
A falta de rigor do movimento ambientalista, e este parece-me um caso evidente, é um boomerang que atinge a sua credibilidade, o principal activo que tem.
O reforço dos mecanismos de integração das preocupações ambientais na decisão pública, como é o caso da AIA, através da sua crítica, forte se necessário, mas construtiva, parece-me útil, a descredibilização desses mecanismos a partir de generalizações e sound bites, parece-me incompreensível.
henrique pereira dos santos