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terça-feira, abril 17, 2012
Estudo confirma aquecimento global
Um estudo parcialmente financiado por cépticos climáticos concluiu que o planeta está a aquecer. No link que se proporciona poderá ler uma entrevista a um dos principais autores do estudo que foi publicado na revista online e de acesso gratuíto Nature Climate Change.
quinta-feira, março 31, 2011
Efeito das alterações climáticas nas redes de áreas para conservação
Foi publicado hoje um artigo que me ocupou durante quase 10 anos. Poucos trabalhos em que me envolvi tardaram tanto em ver a luz do dia. É uma avaliação exaustiva do efeito que as alterações climáticas projetadas para a Europa poderão ter na biodiversidade das suas áreas protegidas e da Rede Natura 2000.
O artigo pode ser visualizado aqui.
Trechos do comunicado de imprensa que será enviado hoje pode ser lido em baixo:
Até 2080, 58% dos vertebrados terrestres e das plantas poderão perder condições climáticas adequadas à sua ocorrência nas áreas protegidas da Europa. Estas perdas poderão atingir 63% das espécies prioritárias presentes na Rede Natura 2000. Estas e outras conclusões são obtidas num estudo coordenado por Miguel Araújo. O estudo analisa, pela primeira vez, a eficácia das políticas de conservação, num contexto de alterações climáticas, para 75% dos vertebrados terrestres e 10% das plantas presentes na Europa.
A equipa liderada por Miguel Araújo estudou a distribuição potencial de 1883 espécies, 585 vertebrados terrestres e 1298 plantas que ocorrem nestas redes de conservação, em função de vários modelos climáticos. “De acordo com os cenários climáticos disponíveis, as áreas protegidas preservam espécies da fauna e flora Europeias melhor que o território não conservado mas a Rede Natura 2000 é mais vulnerável às alterações climáticas e poderia preservar espécies prioritárias, na Europa, em condições menos propícias que outros territórios não conservados”.
A melhor capacidade de retenção de espécies nas áreas protegidas deve-se ao facto destas se situarem primordialmente em zonas de montanha que têm tendência a actuar como refúgios climáticos. No entanto, além de regiões montanhosas, a Rede Natura 2000 inclui regiões com relevo pouco acidentado, como é o caso das áreas agrícolas, onde os impactes das alterações do clima na distribuição das espécies se intensificam.
Este estudo confirma que o sul da Europa será mais afectado pelas alterações climáticas e que a Escandinávia e as regiões de alta montanha afectarão, negativamente, um conjunto menor de espécies. “Muitas espécies com ampla distribuição na Europa e presentes na Europa central e setentrional beneficiarão da subida de temperaturas. Porém, as espécies mais tolerantes ao frio e que vivem no extremo norte e em maiores altitudes serão expostas a pressões climáticas que poderão afectar seriamente a sua persistência”, diz Miguel Araújo.
Mudança nas políticas de conservação
Segundo os autores do estudo é necessária uma alteração de fundo nas políticas de conservação na Europa, já que estas não consideram as consequências das alterações climáticas na abundância e distribuição das espécies. O carácter fortemente dinâmico da distribuição das espécies, num contexto de alterações climáticas, poderá forçar uma revisão do estatuto actual de algumas áreas protegidas e induzir a classificação de novas áreas. Também se sugere o aprofundamento de mecanismos de gestão integrada da paisagem de modo a facilitar a mobilidade das espécies entre áreas protegidas. “Ainda hoje vigora a ideia de que as estratégias de conservação implicam o isolamento das áreas protegidas face a factores de ameaça externos. Porém, para que sejam eficazes, estas áreas devem mitigar os efeitos das alterações climáticas além de proporcionar uma gestão sustentável dos habitats e ecossistemas locais”. Segundo Miguel Araújo, seria importante rever os mecanismos de gestão das áreas protegidas de modo a contemplar planos para períodos de 20 a 50 anos em função da velocidade das transformações em cada ecossistema. Estes planos deveriam ser revistos regularmente e ser concebidos a escalas relevante para minimizar os impactes do clima.
O artigo pode ser visualizado aqui.
Trechos do comunicado de imprensa que será enviado hoje pode ser lido em baixo:
Até 2080, 58% dos vertebrados terrestres e das plantas poderão perder condições climáticas adequadas à sua ocorrência nas áreas protegidas da Europa. Estas perdas poderão atingir 63% das espécies prioritárias presentes na Rede Natura 2000. Estas e outras conclusões são obtidas num estudo coordenado por Miguel Araújo. O estudo analisa, pela primeira vez, a eficácia das políticas de conservação, num contexto de alterações climáticas, para 75% dos vertebrados terrestres e 10% das plantas presentes na Europa.
A equipa liderada por Miguel Araújo estudou a distribuição potencial de 1883 espécies, 585 vertebrados terrestres e 1298 plantas que ocorrem nestas redes de conservação, em função de vários modelos climáticos. “De acordo com os cenários climáticos disponíveis, as áreas protegidas preservam espécies da fauna e flora Europeias melhor que o território não conservado mas a Rede Natura 2000 é mais vulnerável às alterações climáticas e poderia preservar espécies prioritárias, na Europa, em condições menos propícias que outros territórios não conservados”.
A melhor capacidade de retenção de espécies nas áreas protegidas deve-se ao facto destas se situarem primordialmente em zonas de montanha que têm tendência a actuar como refúgios climáticos. No entanto, além de regiões montanhosas, a Rede Natura 2000 inclui regiões com relevo pouco acidentado, como é o caso das áreas agrícolas, onde os impactes das alterações do clima na distribuição das espécies se intensificam.
Este estudo confirma que o sul da Europa será mais afectado pelas alterações climáticas e que a Escandinávia e as regiões de alta montanha afectarão, negativamente, um conjunto menor de espécies. “Muitas espécies com ampla distribuição na Europa e presentes na Europa central e setentrional beneficiarão da subida de temperaturas. Porém, as espécies mais tolerantes ao frio e que vivem no extremo norte e em maiores altitudes serão expostas a pressões climáticas que poderão afectar seriamente a sua persistência”, diz Miguel Araújo.
Mudança nas políticas de conservação
Segundo os autores do estudo é necessária uma alteração de fundo nas políticas de conservação na Europa, já que estas não consideram as consequências das alterações climáticas na abundância e distribuição das espécies. O carácter fortemente dinâmico da distribuição das espécies, num contexto de alterações climáticas, poderá forçar uma revisão do estatuto actual de algumas áreas protegidas e induzir a classificação de novas áreas. Também se sugere o aprofundamento de mecanismos de gestão integrada da paisagem de modo a facilitar a mobilidade das espécies entre áreas protegidas. “Ainda hoje vigora a ideia de que as estratégias de conservação implicam o isolamento das áreas protegidas face a factores de ameaça externos. Porém, para que sejam eficazes, estas áreas devem mitigar os efeitos das alterações climáticas além de proporcionar uma gestão sustentável dos habitats e ecossistemas locais”. Segundo Miguel Araújo, seria importante rever os mecanismos de gestão das áreas protegidas de modo a contemplar planos para períodos de 20 a 50 anos em função da velocidade das transformações em cada ecossistema. Estes planos deveriam ser revistos regularmente e ser concebidos a escalas relevante para minimizar os impactes do clima.
quarta-feira, setembro 08, 2010
Guerra e alterações climáticas
Uma das previsões frequentes é que o agravamento das alterações climáticas provocaria aumento de instabilidade social.
A sequência do raciocínio é elementar: mais aridez em certos países de África, estaria na origem de um incremento das taxas migratórias e estas aumentariam tensões sociais nos países receptores.
Outro raciocínio propõe que o aumento de aridez, provocaria um aumento da probabilidade de conflito entre países banhados pelas mesmas bacias hidrográficas em virtude da competição por um recurso (a água) cada vez mais escasso.
A lógica e irreprensível mas existe alguma evidência de que aumentos de tensão social têm estado associados a aumentos de pressão climática? Leia esta interessante discussão na revista Nature de hoje.
A sequência do raciocínio é elementar: mais aridez em certos países de África, estaria na origem de um incremento das taxas migratórias e estas aumentariam tensões sociais nos países receptores.
Outro raciocínio propõe que o aumento de aridez, provocaria um aumento da probabilidade de conflito entre países banhados pelas mesmas bacias hidrográficas em virtude da competição por um recurso (a água) cada vez mais escasso.
A lógica e irreprensível mas existe alguma evidência de que aumentos de tensão social têm estado associados a aumentos de pressão climática? Leia esta interessante discussão na revista Nature de hoje.
quinta-feira, setembro 02, 2010
O volte face de Lomborg
Contrariamente ao que escreve a imprensa, Bjørn Lomborg nunca foi um "céptico climático".
Nunca o li negar a existência de alterações climáticas (AC) de origem antopogénica mas sim questionar se os custos de mitigação das AC compensariam face a outras necessidades. Lomborg defendia que no ranking das prioridades mundiais, o investimento na mitigação das AC era baixo.
Por isso leio com interesse que Lomborg alterou a sua percepção sobre prioridades colocando as alterações climáticas no topo das necessidades mundiais de investimento.
Vale a pena ler a notícia completa do Guardian aqui.
Nunca o li negar a existência de alterações climáticas (AC) de origem antopogénica mas sim questionar se os custos de mitigação das AC compensariam face a outras necessidades. Lomborg defendia que no ranking das prioridades mundiais, o investimento na mitigação das AC era baixo.
Por isso leio com interesse que Lomborg alterou a sua percepção sobre prioridades colocando as alterações climáticas no topo das necessidades mundiais de investimento.
Vale a pena ler a notícia completa do Guardian aqui.
quinta-feira, julho 01, 2010
Da coerência na agenda ambiental
António Elói, com razão, manifesta-se, na lista de discussão ambio, estarrecido com esta notícia.
Poder-se-ia acrescentar também esta.
O caso não é para menos.
Para se perceber bem a pobreza franciscana da agenda energética em que o movimento ambientalista está afogado pode ler-se este post e respectivos comentários, ou então, reparar como nove associações se põem de acordo para criticar um fundo de conservação de uma empresa de produção de electricidade e, ao mesmo tempo, estão virtualmente caladas perante este valente embuste do carro eléctrico como medida ambiental, que tem como consequência colocar pressão para o aumento da produção de electricidade por parte das empresas criticadas .
Como medida de desenvolvimento industrial e tecnológico não discuto muito (tenho opinião mas fugiria das preocupações centrais deste blog) mas não tenho a menor dúvida que não é uma medida ambiental de mobilidade urbana.
Medidas ambientais de mobilidade urbana são aumentar o custo de trazer automóveis (eléctricos ou não) para as cidades e baixar o custo, melhorando o serviço, dos transportes públicos (que aliás em Lisboa são bastante razoáveis, digo que os uso bastante, embora reconhecendo que a minha opinião está condicionada pelo facto de viver no meio de Lisboa, facto pelo qual pago bastante, quer no momento da compra ou aluguer da casa, quer nos impostos que pago por viver em casas mais valorizadas).
henrique pereira dos santos
quarta-feira, junho 09, 2010
Desmontando a argumentação do Lord Monckton
O tempo tem escasseado pelo que não tenho escrito sobre as sequelas do "climategate" mas a verdade é que além da falta de tempo perdi alguma da motivação para escrever sobre o tema. Apesar de tudo folgo a paciência dos que resolvem, de forma pedagógica e educada, desmontar os argumentos falaciosos de alguns profissionais do negacionismo climático. É um trabalho útil na era da desinformação.
Vem isto a propósito do trabalho de John Abraham, professor na Universidade de Minnesota, que, chocado com os disparates de do Visconde Monckton (uma personagem conhecida dos meios negacionistas), resolveu desmontar cada os argumentos repetidos uma e outra vez nas várias palestras de Monckton (o homem vive para isto). O trabalho de desmontagem pode ser visualizado e ouvido aqui e para quem não tiver tempo pode ler um resumo publicado no Guardian assim como a coluna de opinião George Monbiot sobre o mesmo tema.
Vem isto a propósito do trabalho de John Abraham, professor na Universidade de Minnesota, que, chocado com os disparates de do Visconde Monckton (uma personagem conhecida dos meios negacionistas), resolveu desmontar cada os argumentos repetidos uma e outra vez nas várias palestras de Monckton (o homem vive para isto). O trabalho de desmontagem pode ser visualizado e ouvido aqui e para quem não tiver tempo pode ler um resumo publicado no Guardian assim como a coluna de opinião George Monbiot sobre o mesmo tema.
quinta-feira, abril 01, 2010
Negacionismo versus cepticismo
"Denialism is motivated by conviction rather than evidence. It has been applied to a wide range of issues, including evolution and the link between HIV and AIDS. Deniers use strategies that invoke conspiracies, quote fake experts, denigrate genuine experts, deploy evidence selectively and create impossible expectations of what research can deliver. They rely on misrepresentation and flawed logic (P. Diethelm and M. McKee Eur. J. Public Health 19, 2–4; 2009).
By contrast, scepticism starts with an open mind, weighs evidence objectively and demands convincing evidence before accepting any claim. It contributes to the debate and forms the intellectual cornerstone of scientific enquiry."
in Kemp, Milne & Reay (2010) Sceptics and deniers of climate change not to be confused. Nature 464, 673.
By contrast, scepticism starts with an open mind, weighs evidence objectively and demands convincing evidence before accepting any claim. It contributes to the debate and forms the intellectual cornerstone of scientific enquiry."
in Kemp, Milne & Reay (2010) Sceptics and deniers of climate change not to be confused. Nature 464, 673.
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domingo, fevereiro 28, 2010
Estará o clima a arrefecer?
Alguns blogues negacionistas têm vindo a apresentar análises que pretendem demonstrar que o clima está a arrefecer. Vale a pena debruçarmos-nos sobre estas análises. Steve Goddard, num post convidado do blogue de Anthony Watts, apresenta-nos o seguinte gráfico:
Neste gráfico mostra-se a área coberta por neve, nos meses de Dezembro e Fevereiro, no hemisfério norte. Não é necessário ser letrado em estatística para detectar uma tendência para aumento da área coberta por neve entre 1989 e 2010. Para os negacionistas isto é indicação de que o clima está a arrefecer. Ou, pelo menos, que não está a aquecer.
Não se percebe porque terá Goddard escolhido a série que começa em 1989 (uma série de ~20 anos quando as séries climáticas devem ser de pelo menos 30 anos) já que os dados disponíveis remontam a 1967. Num interessante post do "Open Mind", Tamino reanalisa os dados disponíveis desde 1967 e obtém o seguinte gráfico:
Também neste caso, não é preciso ser letrado em estatística para ver que nesta série não existe tendência marcada de aumento da área coberta por neve. Ou seja, concluir-se-ia que o clima não está a arrefecer mas não se poderia concluir que está a aquecer.
Na realidade a questão que vale a pena colocar não é se devemos analisar os dados a partir de 1967 ou 1989 (ainda que não faça sentido analisar ~20 anos quando existem dados para ~40). A pergunta mais importante é porque se analisam apenas os dados de inverno?
Nenhuma projecção climática sugere que os invernos desaparecerão do hemisfério norte e é de esperar que em virtude de haver mais água disponível na atmosfera (por aumento da evaporação) a precipitação sob forma de neve possa aumentar em certas circunstâncias. Mais sentido faria uma análise que incorporasse medições da área coberta por neve durante todos os meses do ano. Foi o que fez Tamino no post acima referido e o resultado encontra-se abaixo:
Não é preciso ser letrado em estatística para verificar que existe uma tendência climática para redução da área coberta por neve, no hemisfério norte, no período seleccionado por Steven Goddard.
Isto não prova que a redução da área coberta por neve é de origem humana mas prova que estes negacionistas não sabem muito bem o que andam a fazer.
Neste gráfico mostra-se a área coberta por neve, nos meses de Dezembro e Fevereiro, no hemisfério norte. Não é necessário ser letrado em estatística para detectar uma tendência para aumento da área coberta por neve entre 1989 e 2010. Para os negacionistas isto é indicação de que o clima está a arrefecer. Ou, pelo menos, que não está a aquecer.
Não se percebe porque terá Goddard escolhido a série que começa em 1989 (uma série de ~20 anos quando as séries climáticas devem ser de pelo menos 30 anos) já que os dados disponíveis remontam a 1967. Num interessante post do "Open Mind", Tamino reanalisa os dados disponíveis desde 1967 e obtém o seguinte gráfico:
Também neste caso, não é preciso ser letrado em estatística para ver que nesta série não existe tendência marcada de aumento da área coberta por neve. Ou seja, concluir-se-ia que o clima não está a arrefecer mas não se poderia concluir que está a aquecer.
Na realidade a questão que vale a pena colocar não é se devemos analisar os dados a partir de 1967 ou 1989 (ainda que não faça sentido analisar ~20 anos quando existem dados para ~40). A pergunta mais importante é porque se analisam apenas os dados de inverno?
Nenhuma projecção climática sugere que os invernos desaparecerão do hemisfério norte e é de esperar que em virtude de haver mais água disponível na atmosfera (por aumento da evaporação) a precipitação sob forma de neve possa aumentar em certas circunstâncias. Mais sentido faria uma análise que incorporasse medições da área coberta por neve durante todos os meses do ano. Foi o que fez Tamino no post acima referido e o resultado encontra-se abaixo:
Não é preciso ser letrado em estatística para verificar que existe uma tendência climática para redução da área coberta por neve, no hemisfério norte, no período seleccionado por Steven Goddard.
Isto não prova que a redução da área coberta por neve é de origem humana mas prova que estes negacionistas não sabem muito bem o que andam a fazer.
sábado, fevereiro 27, 2010
Debate sobre clima no Contraditório
Gostaria de chamar à atenção dos leitores do AMBIO para um debate promovido pelo blog contraditório em torno da questão "Concorda com um plano calendarizado de redução das emissões de gases de estufa?". Os actores do debate foram os Profs Pedro Miranda e Delgado Domingos. As minhas posições sobre a matéria são conhecidas pelo que não estranharão a minha próximidade com os argumentos de Pedro Miranda. Não obtstante, folgo verificar que a maioria dos participantes deste debate comungam da mesma opinião.
Sublinho algumas das palavras finais de Pedro Miranda que são de uma clarividência exemplar:
"Vamos então à única questão científica relevante levantada pelo Prof. Delgado Domingos: a explicação do desfasamento entre a evolução temperatura e do CO2 revelada pelas bolhas de ar em Vostok. O problema é bem conhecido e tem sido discutido na literatura científica. A explicação aceite é a seguinte: as oscilações glaciares são controladas por variações orbitais da Terra, i.e. por pequenas variações da excentricidade da órbita e da obliquidade (ângulo entre o eixo da Terra e a normal ao plano de translação) e pela precessão dos equinócios. Estas variações alteram muito ligeiramente o ciclo anual da radiação solar, afectando a temperatura. O efeito directo, no entanto, é pequeno e não justificaria a oscilação glaciar. Dois mecanismos de amplificação são propostos: o primeiro é designado por feedback gelo-albedo, o segundo é revelado pelos dados de Vostok e envolve o CO2. Este segundo mecanismo, aquele que nos interessa na presente discussão, funcionaria do seguinte modo: um ligeiro acréscimo de temperatura reduz a capacidade do oceano reter CO2 (a água mais fria dissolve maior quantidade de CO2), o aumento de CO2 atmosférico aumenta o efeito de estufa aumentando ainda mais a temperatura. Temos assim um processo de feedback positivo que explica a transição entre o período interglaciar e o período glaciar.
Os dados de Vostok dizem-nos que existe um feedback positivo CO2-Temperatura. O feedback pode ser posto em acção de dois modos diferentes: devido a um aumento de temperatura por factores externos (e.g. variações orbitais) ou, directamente, devido a emissões de CO2.
O Prof. Delgado Domingos não compreende em que consiste uma “previsão climática”. Em rigor, as pessoas que fazem investigação em Clima (i.e., que não só têm opiniões sobre o assunto mas que publicam trabalhos originais em revistas científicas) não utilizam o termo “previsão” para falar de clima. O clima é uma descrição do estado “médio” da atmosfera, para períodos da ordem dos 30 anos (a “normal climática”). Quando discutimos um cenário de mudança climática, discutimos sempre estatísticas de períodos de várias décadas. A crítica que o Prof. Delgado Domingos faz aos trabalhos de James Hansen, baseada em comparações de períodos curtos, não tem rigor científico."
Para uma leitura dos argumentos avançados pelas duas partes intervenientes neste debate ler aqui
Sublinho algumas das palavras finais de Pedro Miranda que são de uma clarividência exemplar:
"Vamos então à única questão científica relevante levantada pelo Prof. Delgado Domingos: a explicação do desfasamento entre a evolução temperatura e do CO2 revelada pelas bolhas de ar em Vostok. O problema é bem conhecido e tem sido discutido na literatura científica. A explicação aceite é a seguinte: as oscilações glaciares são controladas por variações orbitais da Terra, i.e. por pequenas variações da excentricidade da órbita e da obliquidade (ângulo entre o eixo da Terra e a normal ao plano de translação) e pela precessão dos equinócios. Estas variações alteram muito ligeiramente o ciclo anual da radiação solar, afectando a temperatura. O efeito directo, no entanto, é pequeno e não justificaria a oscilação glaciar. Dois mecanismos de amplificação são propostos: o primeiro é designado por feedback gelo-albedo, o segundo é revelado pelos dados de Vostok e envolve o CO2. Este segundo mecanismo, aquele que nos interessa na presente discussão, funcionaria do seguinte modo: um ligeiro acréscimo de temperatura reduz a capacidade do oceano reter CO2 (a água mais fria dissolve maior quantidade de CO2), o aumento de CO2 atmosférico aumenta o efeito de estufa aumentando ainda mais a temperatura. Temos assim um processo de feedback positivo que explica a transição entre o período interglaciar e o período glaciar.
Os dados de Vostok dizem-nos que existe um feedback positivo CO2-Temperatura. O feedback pode ser posto em acção de dois modos diferentes: devido a um aumento de temperatura por factores externos (e.g. variações orbitais) ou, directamente, devido a emissões de CO2.
O Prof. Delgado Domingos não compreende em que consiste uma “previsão climática”. Em rigor, as pessoas que fazem investigação em Clima (i.e., que não só têm opiniões sobre o assunto mas que publicam trabalhos originais em revistas científicas) não utilizam o termo “previsão” para falar de clima. O clima é uma descrição do estado “médio” da atmosfera, para períodos da ordem dos 30 anos (a “normal climática”). Quando discutimos um cenário de mudança climática, discutimos sempre estatísticas de períodos de várias décadas. A crítica que o Prof. Delgado Domingos faz aos trabalhos de James Hansen, baseada em comparações de períodos curtos, não tem rigor científico."
Para uma leitura dos argumentos avançados pelas duas partes intervenientes neste debate ler aqui
quinta-feira, janeiro 14, 2010
Alimentação e sustentabilidade
A relação entre alimentação e a sustentabilidade é tão forte como a da energia. Aliás nem seria de esperar outra coisa sendo a alimentação apenas um detalhe particular da questão da energia.
Esta é uma das áreas que mais me interessam actualmente, desenvolvi para a ATN um programa em parceria com o Chef António Alexandre exactamente chamado "O gosto da biodiversidade" e que espero que tenha realizações concretas dentro de relativamente pouco tempo.
Lembrei-me disto quando ontem vinha para casa, de metro, e resolvi passar por um supermercado. Havia uns camarões em promoção e resolvi comprar um quarto de quilo (sim, um quarto de quilo) porque sabia que tinha um arroz branco de sobra com o qual poderia facilmente fazer o almoço das minhas três meninas que saem para o trabalho de manhã, acrescentando um bocado de tomate, uns legumes e dando destino a um parte da mayonaise que tinha feito (há uns anos, e garanto que a história é verdadeira, ouvi duas miúdas já meias adolescentes a conversar num supermercado onde tinham ido comprar mayonaise. E uma dizia para a outra que lhe tinham dito que se podia fazer mayonaise em casa, mas a outra recusava-se a acreditar).
Claro que da dita salada de camarão me sobraram umas cabeças e cascas, não muitas é certo. Fervi-as algum tempo numa pouca de água, deixei reduzir para um terço, e o resultado está ali à espera que logo faça um molho branco onde substituirei parte do leite por esta água de camarão coada num chinês, para por por cima de uma base de puré em que vou substituir a manteiga por azeite, pôr um bocado de pescada cozida e desfeita por cima (duas ou três postas vão dar seguramente para umas dez refeições, ou melhor, para refeições para dez pessoas) e o dito molho que espero que retenha um bocado do gosto do camarão, tudo no forno (provavelmente um bocado de queijo por cima a gratinar).
Se eu fosse bom cozinheiro poderia depois discutir que tal o resultado, mas como não sou escrevo este post só para dizer que, por exemplo, reduzir o consumo de carne e peixe, aproveitar os restos, usar azeite em vez de manteiga, usar menos alimentos processados não me parece um esforço brutal e uma ameaça ao nosso modo de vida.
E no entanto é isto que se discute quando se discutem alterações climáticas e as opções que temos disponiveis para correr menos riscos.
Não se trata de definir o que cada um deve ou não comer, trata-se de ter consciência dos efeitos das opções que fazemos, livre e individualmente.
henrique pereira dos santos
terça-feira, janeiro 12, 2010
A estabilização das temperaturas desde 1998
O Lowlander, num comentário a este "post", chama-nos à atenção do interessante "post" no blogue "open mind". Não resisto colocar aqui dois dos quatro gráficos apresentados e que me parecem ilustrativos do que tem vindo a ser discutido neste e noutros blogues sobre o significado da estabilização das temperaturas nos últimos 10 anos.
O primeiro gráfico mostra as temperaturas globais da base de dados da NASA (Goddar Institute) no período de 1975-2000 (gráficos para outras bases de dados são fornecidos no post original). O autor do blogue colocou na linha vermelha a tendência obtida com uma regressão linear e extrapolou o valor esperado até 2010. É fornecido também o desvio padrão que baliza os valores observados e esperados.
No segundo gráfico, o autor acrescenta os valores observados entre 2001 e 2009. Como é patente do gráfico, as observações enquadram-se nos valores esperados para os últimos 10 anos.
Ou seja, como tenho vindo a argumentar desde que respondi ao texto do Prof. Delgado Domingos, no Expresso, não faz qualquer sentido fazer conclusões apressadas sobre tendências climáticas com base em 10 anos pois a série climática histórica é pródiga em altos e baixos acompanhados por uma tendência generalizado de aumento de temperaturas.
Antevejo comentários de que o autor do blogue escolheu criteriosamente o período do século XX para análise. A verdade é que se escolhesse um período mais amplo, o desvio padrão seria maior pelo que os valores esperados seriam também maiores. Por absurdo, se usássemos uma série temporal de temperaturas desde o inicio do Holoceno, qualquer valor observado entraria dentro dos valores esperados pelo que ao escolher um período de aumento acentuado de temperaturas para comparar com um período de estabilização, o autor está a fornecer uma análise mais conservadora do que se tivesse escolhido um período mais amplo.
O primeiro gráfico mostra as temperaturas globais da base de dados da NASA (Goddar Institute) no período de 1975-2000 (gráficos para outras bases de dados são fornecidos no post original). O autor do blogue colocou na linha vermelha a tendência obtida com uma regressão linear e extrapolou o valor esperado até 2010. É fornecido também o desvio padrão que baliza os valores observados e esperados.
No segundo gráfico, o autor acrescenta os valores observados entre 2001 e 2009. Como é patente do gráfico, as observações enquadram-se nos valores esperados para os últimos 10 anos.
Ou seja, como tenho vindo a argumentar desde que respondi ao texto do Prof. Delgado Domingos, no Expresso, não faz qualquer sentido fazer conclusões apressadas sobre tendências climáticas com base em 10 anos pois a série climática histórica é pródiga em altos e baixos acompanhados por uma tendência generalizado de aumento de temperaturas.
Antevejo comentários de que o autor do blogue escolheu criteriosamente o período do século XX para análise. A verdade é que se escolhesse um período mais amplo, o desvio padrão seria maior pelo que os valores esperados seriam também maiores. Por absurdo, se usássemos uma série temporal de temperaturas desde o inicio do Holoceno, qualquer valor observado entraria dentro dos valores esperados pelo que ao escolher um período de aumento acentuado de temperaturas para comparar com um período de estabilização, o autor está a fornecer uma análise mais conservadora do que se tivesse escolhido um período mais amplo.
sábado, janeiro 09, 2010
O arrefecimento do Reino Unido
Esta espectacular fotografia foi tirada no dia 7 de Janeiro de 2010 por um satélite da NASA. É um presente de ano novo que regalo aos negacionistas. Imagem retirada de aqui.
O texto abaixo, também do dia 7 de Janeiro, é retirado da revista Brasileira ADEGA que, como o nome indica, trata de vinhos. É o meu presente aos alarmistas.
"Apesar do verão atípico do ano passado, os vinicultores classificaram a safra de 2009 como "uma das melhores da história.
O mês de julho na Inglaterra foi marcado pelo clima úmido, principalmente no sudoeste do país, o que poderia ter afetado a safra, se não fosse o calor percebido no outono.
Pelo visto, essa confusão de climas e temperaturas apenas tornou a uva ainda mais gostosa. A associação dos Produtores de Vinho da Inglaterra reportou que foram colhidas frutas excepcionais em todo o país, com as variedades Chardonnay e as Pinots possuindo nível alcoólico possivelmente entre 11% e 13%". Ver notícia completa aqui
A vantagem de confundir meteorologia com clima é a possibilidade que nos oferece de agradar a todos.
quinta-feira, janeiro 07, 2010
Assim se constroem mitos climáticos
De vez em quando dou uma espreitadela ao blogue dos mitos climáticos. Desta vez encontrei lá esta peça divertida: "De facto, estes estranhos cientistas pensam que sabem explicar subidas de temperaturas. Na realidade, não sabem, mas não são só eles. Por cá também temos émulos dos redactores destes emails, que afirmam que uma série de 10 anos não pode refutar a tese do global warming. Ou seja, estaríamos perante um milagre da Física, pois teríamos uma lei que seria interrompida durante 10, ou mais anos, mas que, pasme-se, continuaria válida!".
Esta frase é possivelmente uma reacção ao meu post sobre validação de modelos. Não vou voltar a repetir o conteúdo do post pois nenhum argumento avançado até agora contraria o que lá foi dito mas vale a pena colocar aqui um dos gráficos do último relatório do IPCC, com umas pequenas edições minhas.
Este gráfico mostra o que eu expliquei por palavras numa resposta a um comentador do referido post. Ou seja, que na série temporal dos últimos ca. 170 anos há uma tendência de aumento de temperatura mas que essa tendência não é monótona, ou seja, regista aumentos de temperatura, reduções de temperatura e momentos de estabilidade (mas com tendência para aumento acentuado, primeiro, a partir da revolução industrial e, depois, a partir dos anos 60 do século XX). O que eu chamei um aumento em "escada". Com um pouco de imaginação detecta-se uma possível regularidade nestes momentos de estabilidade (ver rectângulos vermelhos e imaginar outro eventual rectângulo vermelho no final da série da temporal) mas obviamente esta é uma especulação. Não obstante existe de facto a possibilidade que alguns mecanismos de "feed-back" tenham um carácter regular. Se assim for, não será de estranhar que dentro de alguns anos se consigam prever estas oscilações de temperatura com alguma precisão.
Mas no meu entender o essencial da figura, para o actual debate, é que demonstra, melhor do as minhas palavras, que não faz qualquer sentido usar os últimos 10 anos de aparente estabilidade da temperatura para refutar a tese de que as temperaturas do planeta estão, globalmente, em fase ascendente. Nem os últimos 10 anos, nem os anteriores períodos de estabilidade ou arrefecimento contrariam a tendência global pelo que insistir neste argumento parece ser como aquele que dá um tiro no seu próprio pé para combater o adversário. Além do mais, se as previsões dos climatólogos estiverem correctas, tudo indica que nos próximos anos se voltarão a registar recordes de temperatura elevada no contexto do registo histórico. Que dirá o autor dos mitos climáticos num ou dois anos, então?
Lendo o resto do post dos Mitos Climáticos percebe-se mal, aliás, a insistência nos últimos 10 anos. Se de facto Rui Moura acredita que os climatólogos usam a seguinte fórmula matemática para modelar o clima do planeta, "∆t = Ti – To = α . ln (Ci/Co)", em que se faz depender o aumento de temperatura, exclusivamente, dos aumentos de CO2eq, esperando-se portanto uma relação monótona entre as duas variáveis, existem muitos períodos que poderiam ser usados para refutar a tese. Acontece, obviamente, que este é um argumento "straw man" pois qualquer pessoa minimamente informada sabe que a climatologia actual não se baseia numa formulação tão simplificada para simular a tendência climática do planeta.
O argumento é aliás repetido por Jorge Oliveira, noutro post também nos Mitos Climáticos, que reconhecendo que o clima do planeta não se pode resumir a tão singela equação, insiste na falácia que "os teóricos do global warming têm recorrido a uma expressão logarítmica (vide os relatórios do próprio IPCC) em que a variação da temperatura é condicionada por uma única variável independente, a concentração do CO2". Convido o Jorge Oliveira que, por vezes aqui escreve, a indicar aos leitores do blogue ambio em que parte do relatório do IPCC encontrou a afirmação de que a variação da temperatura do planeta (obviamente não estamos a falar de um sistema experimental fechado) é condicionada por uma única variável independente.
Esta frase é possivelmente uma reacção ao meu post sobre validação de modelos. Não vou voltar a repetir o conteúdo do post pois nenhum argumento avançado até agora contraria o que lá foi dito mas vale a pena colocar aqui um dos gráficos do último relatório do IPCC, com umas pequenas edições minhas.
Este gráfico mostra o que eu expliquei por palavras numa resposta a um comentador do referido post. Ou seja, que na série temporal dos últimos ca. 170 anos há uma tendência de aumento de temperatura mas que essa tendência não é monótona, ou seja, regista aumentos de temperatura, reduções de temperatura e momentos de estabilidade (mas com tendência para aumento acentuado, primeiro, a partir da revolução industrial e, depois, a partir dos anos 60 do século XX). O que eu chamei um aumento em "escada". Com um pouco de imaginação detecta-se uma possível regularidade nestes momentos de estabilidade (ver rectângulos vermelhos e imaginar outro eventual rectângulo vermelho no final da série da temporal) mas obviamente esta é uma especulação. Não obstante existe de facto a possibilidade que alguns mecanismos de "feed-back" tenham um carácter regular. Se assim for, não será de estranhar que dentro de alguns anos se consigam prever estas oscilações de temperatura com alguma precisão.
Mas no meu entender o essencial da figura, para o actual debate, é que demonstra, melhor do as minhas palavras, que não faz qualquer sentido usar os últimos 10 anos de aparente estabilidade da temperatura para refutar a tese de que as temperaturas do planeta estão, globalmente, em fase ascendente. Nem os últimos 10 anos, nem os anteriores períodos de estabilidade ou arrefecimento contrariam a tendência global pelo que insistir neste argumento parece ser como aquele que dá um tiro no seu próprio pé para combater o adversário. Além do mais, se as previsões dos climatólogos estiverem correctas, tudo indica que nos próximos anos se voltarão a registar recordes de temperatura elevada no contexto do registo histórico. Que dirá o autor dos mitos climáticos num ou dois anos, então?
Lendo o resto do post dos Mitos Climáticos percebe-se mal, aliás, a insistência nos últimos 10 anos. Se de facto Rui Moura acredita que os climatólogos usam a seguinte fórmula matemática para modelar o clima do planeta, "∆t = Ti – To = α . ln (Ci/Co)", em que se faz depender o aumento de temperatura, exclusivamente, dos aumentos de CO2eq, esperando-se portanto uma relação monótona entre as duas variáveis, existem muitos períodos que poderiam ser usados para refutar a tese. Acontece, obviamente, que este é um argumento "straw man" pois qualquer pessoa minimamente informada sabe que a climatologia actual não se baseia numa formulação tão simplificada para simular a tendência climática do planeta.
O argumento é aliás repetido por Jorge Oliveira, noutro post também nos Mitos Climáticos, que reconhecendo que o clima do planeta não se pode resumir a tão singela equação, insiste na falácia que "os teóricos do global warming têm recorrido a uma expressão logarítmica (vide os relatórios do próprio IPCC) em que a variação da temperatura é condicionada por uma única variável independente, a concentração do CO2". Convido o Jorge Oliveira que, por vezes aqui escreve, a indicar aos leitores do blogue ambio em que parte do relatório do IPCC encontrou a afirmação de que a variação da temperatura do planeta (obviamente não estamos a falar de um sistema experimental fechado) é condicionada por uma única variável independente.
quarta-feira, janeiro 06, 2010
Copenhaga: reflexões
Copenhaga: reflexões
por Pedro Martins Barata*
Desde o final da cimeira de Copenhaga, vários foram já os balanços da cimeira, feitos por uma multiplicidade de actores. Essas análises têm-se focado sobre as causas do colapso negocial em Copenhaga, bem como sobre as suas consequências geopolíticas. Isto porque é hoje, parece-me, incontroverso, que as alterações climáticas deixaram há muito de ser um problema ambiental stricto sensu, compaginável com o tipo de soluções e instituições elaboradas para os problemas ambientais internacionais tradicionais, como sejam a poluição transfronteiriça. A natureza global do problema, o questionamento que inevitavelmente coloca às estratégias e à própria noção de desenvolvimento, faz com que desde há muito, a negociação do quadro internacional de política de clima seja uma negociação sobre as questões mais profundas dos sistemas políticos actuais: a eficiência das soluções negociadas, a equidade e democraticidade dos processos e resultados negociais.
Tentarei, em traços tão breves quanto possíveis, dar o testemunho da minha observação pessoal de Copenhaga. Uma primeira observação é a de que a grande maioria das análises efectuadas até ao momento tenta analisar o porquê do colapso negocial com base num pressuposto essencial, típico da análise jornalística: a de que há desígnio negocial, i.e. inevitavelmente vencidos e vencedores, estratégias negociais claras e menos claras e acima de tudo, culpas a atribuir pelo fracasso. A realidade é mais complexa do que isso: há uma multitude de factores que levaram ao descalabro negocial, muitas delas escalpelizadas e bem: a actuação americana, algo errática, a teimosia e mesmo hipocrisia de alguns negociadores do G-77, a falta de flexibilidade (alguns chamar-lhe-iam arrogância) chinesa, a apatia europeia. Contudo, é tão ridículo apontar as baterias ao Presidente Obama pela sua tentativa mal alinhavada de salvar a Cimeira, como a Wen Jiabao ou a Hugo Chávez. Qualquer um deles contribuiu, no âmbito de um acontecimento mais complexo do que qualquer um deles poderia dominar, para a solução encontrada.
Tentemos então fazer uma análise, evidentemente pessoal, do papel que diferentes actores tiveram no final de Copenhaga, para melhor perceber onde estamos actualmente e quais as vias próximas de actuação possíveis, em particular para a Europa.
A Presidência Dinamarquesa
Primeiro: os hóspedes. A Dinamarca tinha, desde há dois anos, assegurado a organização da COP-15, mesmo que a custo de re-organizar a tradicional rotação regional dos hóspedes da conferência (este ano teria sido a vez da América Latina). O investimento negocial e de prestígio na organização foi imenso. É por isso surpreendente a evidente falta de preparação da organização para lidar com os volumes de delegados e manifestantes, como foi amplamente noticiado. Mas mais chocante do que a falha organizativa foi toda a postura diplomática do país organizador, apostado em ter um resultado positivo, sob a forma de um acordo político que fosse alinhavado em conferência de líderes. Note-se que todas as negociações internacionais não comportam a possibilidade de serem negociados entre 193 países com iguais direitos de negociação, pelo que a maioria dos acordos são feitos entre representantes de países com iguais interesses. É assim, absolutamente hipócrita pretender que Copenhaga poderia ser uma negociação de igual para igual entre os 193, como sugerido por algumas das Partes presentes em Copenhaga. Contudo, o que choca foi a forma como a Dinamarca não cuidou de criar as condições necessárias para criar a confiança entre as diferentes Partes, de que seria um árbitro equilibrado. Pelo contrário, as diferentes peripécias negociais que se sucederam, incluindo a fuga de informação sobre um texto (aliás já velho de duas semanas quando saíu), ou a mal explicada mudança de presidência a meio da segunda semana, tudo conspirou para retirar à Dinamarca legitimidade, sobretudo aos olhos dos países que mais desconfiariam sempre dos propósitos dinamarqueses (visto como demasiado próximos dos europeus): o G-77. Por último, o fraco desempenho da Presidência e do primeiro-ministro dinamarquês foi dolorosamente visível na última noite de Copenhaga, quando foi directamente acusado em plenário de ser parcial e ineficaz.
Obama na aldeia climática
Muitas esperanças foram colocadas no desempenho do presidente americano. Essas esperanças eram claramente infundadas. Quem conhece o ambiente político em Washington saberá que Obama tem uma estreita margem de manobra para actuar internacionalmente, se não quiser repetir os erros de Clinton. E Obama foi agressivo e corajoso: anunciou um pacote de financiamento climático bastante substancial, vinculou a sua Administração a um resultado no Senado de uma lei ainda em discussão, determinou que o acordo futuro a ser celebrado pós-Copenhaga deveria ser um acordo juridicamente vinculativo (seguindo assim as pretensões europeias). O que Obama aparentemente não contava era com o estado deplorável a que tinha chegado a negociação no momento da sua chegada a Copenhaga (a coordenação entre o Departamento de Estado e a Casa Branca não terá sido a melhor, diz-se). Seja como for, Obama tinha essencialmente um objectivo: negociar cedências com a China que permitissem vender um Acordo domesticamente como respondendo às exigências que os senadores centristas americanos não deixarão de fazer: acções com significado em reduções de emissões, internacionalmente verificáveis, por parte da China. Obama conseguiu isso, no Acordo de Copenhaga, e tal foi o suficiente para declarar o Acordo como um relativo sucesso.
A actuação chinesa
Era sobre a China que caíam todas as decisões e questões. Até onde pode a China ir no compromisso internacional pela redução de emissões? A resposta foi clara e até algo brutal: a China demonstrou, pela sua actuação, que o seu objectivo estratégico será sempre o de assegurar as condições máximas para o seu crescimento económico, sem constrangimentos internacionais. Na medida em que é afectada pelas alterações climáticas, a China contribuirá para o esforço global, mas não sente a necessidade de se vincular a um regime internacional de reduções. Mais: a China não aceitou sequer a inclusão de metas para 2050 para os países desenvolvidos, pela natureza do precedente que assim se abriria para futuros tratados. Contra a estupefacção, diga-se, dos próprios líderes europeus.
Convém no entanto compreender esta actuação à luz do regime chinês, das suas prioridades e do papel que a China pretende ter no mundo. De pouco serve demonizar a China, ou pretender que de alguma forma foi ela a culpada do colapso. Antes deveríamos atentar ao porquê de não termos, colectivamente, levado a China a alinhar o seu interesse estratégico por uma solução vinculativa em Copenhaga?
Os “radicais” do G-77
No grande e heterogéneo grupo que são o G-77, sobressaíram pelo seu papel crucial nas últimas horas, as posições radicais pró-transparência de Sudão, Bolívia, Venezuela e Nicarágua. Pretendendo falar em nome do G-77, recusaram-se a contemplar aceitação do documento final como um documento das Nações Unidas, denunciando de forma consistente a legitimidade do processo negocial em que redundou a conferência de líderes convocada pela Presidência dinamarquesa no último dia. É contudo uma situação cheia de hipocrisia, porquanto alguns dos seus membros foram efectivamente convocados para a conferência de líderes, tendo depois acusado a falta de transparência do mesmo. Mais gravoso, depois de acusações pouco diplomáticas aos líderes em causa (nomeadamente, de genocídio comparável ao Holocausto), ficou claro que se tratava de uma minoria dentro do grupo do G-77, apesar de tudo capaz de bloquear o consenso desejável.
O desempenho de Lula
No meio de Copenhaga, surge um líder carismático, e não é Obama: o discurso praticamente ad lib de Lula é uma lição de poder comunicacional (veja-se discurso em http://www.youtube.com/watch?v=hhL_fsp_Ufw). A sua oferta de financiamento (não especificada) uma jogada de mestre, obrigando os países desenvolvidos a irem mais longe nas suas ofertas. Contudo, importa reconhecer: muita da agenda climática brasileira tem claramente um objectivo interno, de ocupação do campo por parte dos potenciais candidatos à Presidência do Brasil. E tanto o Ministro do Ambiente, Carlos Minc, como Dilma Roussef, foram a Copenhaga posicionar-se já para as suas futuras corridas eleitorais. Nisso, nada de mal, faz parte do jogo democrático. E a prova da coerência do Brasil está na recente aprovação da lei que vincula o Estado brasileiro a metas de redução particularmente ambiciosas.
Na segunda parte do "post" analiso a prestação europeia, e o futuro do regime climático pós-Copenhaga.
* Membro do Comité Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto e da delegação portuguesa à Conferência de Copenhaga. Consultor da Comissão para as Alterações Climáticas. As opiniões expressas são da responsabilidade do autor e não vinculam de forma alguma as instituições acima citadas.
Como agir perante incerteza?
Aqui está um artigo clarividente sobre riscos e como actuar perante a incerteza. Subscrevo o artigo na sua quase totalidade. Apenas acrescentaria dois pontos. Primeiro que sem existência de cenários e projecções, não seria possível mobilizar agentes económicos e políticos para empreender as reformas necessárias para a redução da vulnerabilidade social face à instabilidade climática (seja ela qual for). Por outras palavras: sem 4 relatórios de síntese, promovidos pelo IPCC, de excelente qualidade, sobre o clima do planeta, não teriamos chegado a Copenhaga onde, apesar das contradições inerentes a um processo com estas características, se congregaram mais chefes de Estado na mesma cidade do que em qualquer ocasião da História recente.
Segundo, ainda que concorde que deve ser dada maior enfase na implementação de medidas de adaptação (a conclusão do artigo mas também do IV relatório do IPCC), também é verdade que se medidas de mitigação (das alterações climáticas) não forem tomadas, o custo social e económico da adaptação será, se as projecções estiverem (mesmo que qualitativamente) correctas, incomensuravelmente mais elevado. Portanto, faz sentido actuar em ambas as direcções.
Mas é bom não perder de vista que as projecções - com os seus graus variáveis de incerteza - devem servir para identificar tendências e vulnerabilidades que, por sua vez, deveriam orientar decisões proactivas de redução do risco. A tentação de interpretar as projecções como se providenciassem previsões precisas sobre um futuro necessariamente incerto (ver crítica aqui) deve ser evitada na mesma medida como se deve evitar que o diletantismo intelectual e ignorância prevaleçam sobre a racionalidade inerente à utilização do melhor conhecimento científico actual para auxiliar o processo de decisão.
Science should focus more on understanding the present and less on predicting the future, argues Daniel Sarewitz.
Artigo completo aqui.
(...) In February 1997, the weather service predicted that the Red River would reach a record flood crest of 15 metres in Grand Forks, North Dakota. The town prepared for that height, but in April the crest passed 16 metres, and the result was US$1.5 billion in flood damage. The prediction was within the historical range of forecast accuracy (R. A. Pielke Jr Appl. Behav. Sci. Rev. 7, 83–101; 1999), but information providers, communicators and users lacked the experience and judgement to respond appropriately to the prediction.
In the wake of the disaster, residents were willing to abandon low-lying areas of town as part of a new $409-million flood-control system for floods of up to 19 metres. What had they learned from their experience? Not to depend on predictions. And when high floods struck again last March, the town stayed dry.
False belief
Predictions are not instructions that people simply follow to make better decisions. They are pieces of an intricate puzzle that may sometimes contribute to improved decisions. For complex, long-term problems such as climate change or nuclear-waste disposal, the accuracy of predictions is often unknowable, uncertainties are difficult to characterize and people commonly disagree about the outcomes they desire and the means to achieve them. For such problems, the belief that improved scientific predictions will compel appropriate behaviour and lead to desired outcomes is false.
This conclusion flies in the face of the instincts and interests of scientists and decision-makers. Scientists are attracted to the intellectual challenge of making predictions, and recognize that promising to provide predictions appeals to the interests of the policy-makers who fund them. And decision-makers would prefer to hand over responsibility for the future to scientists — who would also take the blame when wrong.
For example, regional climate predictions are now being offered by scientists as a next logical step in applying science to the global-warming problem. As explained on the website of the Climate Variability and Predictability project of the World Climate Research Programme: "The increased confidence in attribution of global scale climate change to human induced greenhouse emissions, and the expectation that such changes will increase in future, has led to an increased demand in predictions of regional climate change to guide adaptation." The seductive but dangerous logic is driven by the confluence of the "increased demand" of decision-makers, and the high-prestige science of climate modellers who believe that society needs more of what they've been doing anyway (see Nature 453, 268–269; 2008). But this logic confuses the distinct tasks of bringing a problem to public attention and figuring out how to address the societal conditions that determine the consequences of the problem.
Hurricane Katrina in 2005 provides cautionary insight. The likelihood of such a storm had been appreciated for decades and, in the days leading up to the disaster, the storm's path was accurately predicted. But New Orleans's fate had long been sealed by a lethal combination of socioeconomic and racial inequity, regional environmental degradation, unwise development patterns and engineering failure. Science had delivered ever more knowledge about regional climate behaviour and ever more accurate hurricane-track predictions, but this was not what the city needed to avoid catastrophe.
In contrast, from a societal perspective, perhaps the best thing that ever happened in the field of earthquake research was the recognition that earthquake prediction was likely to be impossible. In recent decades, the priorities of the US Geological Survey's earthquake-hazard programme have moved away from prediction and towards the assessment, communication and reduction of vulnerabilities. This evolution has demanded closer collaboration between scientists and diverse regional and state decision-makers, to provide information that can help improve construction practices, land-use decisions, disaster-response plans and public awareness.
If wise decisions depended on accurate predictions, then in most areas of human endeavour wise decisions would be impossible. Indeed, predictions may even be an impediment to wisdom. They can narrow the view of the future, drawing attention to some conditions, events and timescales at the expense of others, thereby narrowing response options and flexibility as well.
This difficulty is on spectacular yet unacknowledged display in the climate-change arena. The recently concluded United Nations climate-change conference shows that the world's attention is focused on global warming, but also that clear progress towards addressing the problem is incredibly difficult to achieve. A central obstacle is that predictions of long-term doom have created a politics that demands immense costs to be borne in the near term, in return for highly uncertain benefits that accrue only in a dimly seen future.
Science could help untangle this politically impossible dilemma by moving away from its obsession with predicting the long-term future of the climate to focus instead on the many opportunities for reducing present vulnerabilities to a broad range of today's — and tomorrow's — climate impacts. Such a change in focus would promise benefits to society in the short term and thus help transform climate politics. Strange as it may seem, the right lessons for the future of climate science come not from the success in predicting thunderstorms, floods and hurricanes, but from the failure to predict earthquakes.
Segundo, ainda que concorde que deve ser dada maior enfase na implementação de medidas de adaptação (a conclusão do artigo mas também do IV relatório do IPCC), também é verdade que se medidas de mitigação (das alterações climáticas) não forem tomadas, o custo social e económico da adaptação será, se as projecções estiverem (mesmo que qualitativamente) correctas, incomensuravelmente mais elevado. Portanto, faz sentido actuar em ambas as direcções.
Mas é bom não perder de vista que as projecções - com os seus graus variáveis de incerteza - devem servir para identificar tendências e vulnerabilidades que, por sua vez, deveriam orientar decisões proactivas de redução do risco. A tentação de interpretar as projecções como se providenciassem previsões precisas sobre um futuro necessariamente incerto (ver crítica aqui) deve ser evitada na mesma medida como se deve evitar que o diletantismo intelectual e ignorância prevaleçam sobre a racionalidade inerente à utilização do melhor conhecimento científico actual para auxiliar o processo de decisão.
Science should focus more on understanding the present and less on predicting the future, argues Daniel Sarewitz.
Artigo completo aqui.
(...) In February 1997, the weather service predicted that the Red River would reach a record flood crest of 15 metres in Grand Forks, North Dakota. The town prepared for that height, but in April the crest passed 16 metres, and the result was US$1.5 billion in flood damage. The prediction was within the historical range of forecast accuracy (R. A. Pielke Jr Appl. Behav. Sci. Rev. 7, 83–101; 1999), but information providers, communicators and users lacked the experience and judgement to respond appropriately to the prediction.
In the wake of the disaster, residents were willing to abandon low-lying areas of town as part of a new $409-million flood-control system for floods of up to 19 metres. What had they learned from their experience? Not to depend on predictions. And when high floods struck again last March, the town stayed dry.
False belief
Predictions are not instructions that people simply follow to make better decisions. They are pieces of an intricate puzzle that may sometimes contribute to improved decisions. For complex, long-term problems such as climate change or nuclear-waste disposal, the accuracy of predictions is often unknowable, uncertainties are difficult to characterize and people commonly disagree about the outcomes they desire and the means to achieve them. For such problems, the belief that improved scientific predictions will compel appropriate behaviour and lead to desired outcomes is false.
This conclusion flies in the face of the instincts and interests of scientists and decision-makers. Scientists are attracted to the intellectual challenge of making predictions, and recognize that promising to provide predictions appeals to the interests of the policy-makers who fund them. And decision-makers would prefer to hand over responsibility for the future to scientists — who would also take the blame when wrong.
For example, regional climate predictions are now being offered by scientists as a next logical step in applying science to the global-warming problem. As explained on the website of the Climate Variability and Predictability project of the World Climate Research Programme: "The increased confidence in attribution of global scale climate change to human induced greenhouse emissions, and the expectation that such changes will increase in future, has led to an increased demand in predictions of regional climate change to guide adaptation." The seductive but dangerous logic is driven by the confluence of the "increased demand" of decision-makers, and the high-prestige science of climate modellers who believe that society needs more of what they've been doing anyway (see Nature 453, 268–269; 2008). But this logic confuses the distinct tasks of bringing a problem to public attention and figuring out how to address the societal conditions that determine the consequences of the problem.
Hurricane Katrina in 2005 provides cautionary insight. The likelihood of such a storm had been appreciated for decades and, in the days leading up to the disaster, the storm's path was accurately predicted. But New Orleans's fate had long been sealed by a lethal combination of socioeconomic and racial inequity, regional environmental degradation, unwise development patterns and engineering failure. Science had delivered ever more knowledge about regional climate behaviour and ever more accurate hurricane-track predictions, but this was not what the city needed to avoid catastrophe.
In contrast, from a societal perspective, perhaps the best thing that ever happened in the field of earthquake research was the recognition that earthquake prediction was likely to be impossible. In recent decades, the priorities of the US Geological Survey's earthquake-hazard programme have moved away from prediction and towards the assessment, communication and reduction of vulnerabilities. This evolution has demanded closer collaboration between scientists and diverse regional and state decision-makers, to provide information that can help improve construction practices, land-use decisions, disaster-response plans and public awareness.
If wise decisions depended on accurate predictions, then in most areas of human endeavour wise decisions would be impossible. Indeed, predictions may even be an impediment to wisdom. They can narrow the view of the future, drawing attention to some conditions, events and timescales at the expense of others, thereby narrowing response options and flexibility as well.
This difficulty is on spectacular yet unacknowledged display in the climate-change arena. The recently concluded United Nations climate-change conference shows that the world's attention is focused on global warming, but also that clear progress towards addressing the problem is incredibly difficult to achieve. A central obstacle is that predictions of long-term doom have created a politics that demands immense costs to be borne in the near term, in return for highly uncertain benefits that accrue only in a dimly seen future.
Science could help untangle this politically impossible dilemma by moving away from its obsession with predicting the long-term future of the climate to focus instead on the many opportunities for reducing present vulnerabilities to a broad range of today's — and tomorrow's — climate impacts. Such a change in focus would promise benefits to society in the short term and thus help transform climate politics. Strange as it may seem, the right lessons for the future of climate science come not from the success in predicting thunderstorms, floods and hurricanes, but from the failure to predict earthquakes.
quarta-feira, dezembro 30, 2009
Aquecimento Global: Ser ou Não Ser e o que Fazer (eis as questões)!
O cenário apresentado nas televisões e jornais é por vezes apocalíptico: secas, desertificação, subida drástica dos oceanos, furacões, destruição e morte. Perante tais riscos ninguém em consciência pode ficar indiferente. E no entanto, compreende-se que sejam muito diversas as reacções ao problema: Há os que concordam; os que discordam; os que não sabem e os que não querem saber. Há os que criticamente concordam e os que criticamente discordam. Há os que aceitam o aquecimento mas que peremptoriamente excluem a influência humana. Há também os que ridicularizam as opiniões do "outros lados", os que não querem que se fale das opiniões diferentes das suas, os chamados cépticos, os chamados crentes. Há os que se refugiam na Ciência e os que a distorcem apenas para suportar a sua opinião pessoal.
Apesar de toda esta diversidade, há a tendência simplista de identificar apenas dois grupos: os a favor e os contra. Eu sou um dos que criticamente concorda com a possibilidade forte de existir um problema muito sério de aquecimento global, e que para tal pode estar a haver um contributo determinante das actividades humanas. Sou também um dos que separa claramente os dois aspectos fundamentais na abordagem ao problema: o aspecto científico e o aspecto político.
A Ciência ocupa-se com a compreensão do clima [1] e também, eventualmente, com o desenvolvimento de tecnologias que poderão (ou não) ajudar na minimização do problema. Em última análise, será esta a determinar a verdade das coisas (ou para ser cientificamente mais rigoroso: a que excluirá as conjecturas falsas).
A Política (no bom sentido do termo) será a que escolherá o caminho que se irá percorrer para lidar com o problema.
É muito importante compreender que muito embora a escolha de políticas (o que fazer) se deva basear no conhecimento científico existente, é também fundamental ter-se em conta as incertezas científicas existentes e os riscos associados às diferentes escolhas (incluindo a não escolha, ou seja, nada fazer). Se a política se fizesse apenas com base em certezas próximas do absoluto, pouco ou nada se faria. Todos nós na nossa vida do dia-a-dia fazemos escolhas (políticas) sem termos todo o conhecimento e informação disponível. Assim, por exemplo, num dia de nevoeiro cerrado, escolhemos conduzir o carro a uma velocidade moderada, mesmo sem termos a certeza de haver um obstáculo à frente. As escolhas que fazemos tentam minimizar o risco que corremos quando fazemos a escolha errada. Quanto maiores são os riscos envolvidos, mais tendemos a fazer isso mesmo.
Será então que todo este frenesim climático resulta de uma obscura conspiração internacional de inacreditável ignorância científica e paranóia colectiva, ou será que existem razões científicas fortes que justifiquem a preocupação com os gases de estufa antropogénicos em particular o dióxido de carbono (CO2)?
Poucas dúvidas haverá de que existem de facto razões para essa preocupação. Simplificando o problema eu identificaria quatro factos que desde logo me parece que justificam essa preocupação:
Apesar de toda esta diversidade, há a tendência simplista de identificar apenas dois grupos: os a favor e os contra. Eu sou um dos que criticamente concorda com a possibilidade forte de existir um problema muito sério de aquecimento global, e que para tal pode estar a haver um contributo determinante das actividades humanas. Sou também um dos que separa claramente os dois aspectos fundamentais na abordagem ao problema: o aspecto científico e o aspecto político.
A Ciência ocupa-se com a compreensão do clima [1] e também, eventualmente, com o desenvolvimento de tecnologias que poderão (ou não) ajudar na minimização do problema. Em última análise, será esta a determinar a verdade das coisas (ou para ser cientificamente mais rigoroso: a que excluirá as conjecturas falsas).
A Política (no bom sentido do termo) será a que escolherá o caminho que se irá percorrer para lidar com o problema.
É muito importante compreender que muito embora a escolha de políticas (o que fazer) se deva basear no conhecimento científico existente, é também fundamental ter-se em conta as incertezas científicas existentes e os riscos associados às diferentes escolhas (incluindo a não escolha, ou seja, nada fazer). Se a política se fizesse apenas com base em certezas próximas do absoluto, pouco ou nada se faria. Todos nós na nossa vida do dia-a-dia fazemos escolhas (políticas) sem termos todo o conhecimento e informação disponível. Assim, por exemplo, num dia de nevoeiro cerrado, escolhemos conduzir o carro a uma velocidade moderada, mesmo sem termos a certeza de haver um obstáculo à frente. As escolhas que fazemos tentam minimizar o risco que corremos quando fazemos a escolha errada. Quanto maiores são os riscos envolvidos, mais tendemos a fazer isso mesmo.
Será então que todo este frenesim climático resulta de uma obscura conspiração internacional de inacreditável ignorância científica e paranóia colectiva, ou será que existem razões científicas fortes que justifiquem a preocupação com os gases de estufa antropogénicos em particular o dióxido de carbono (CO2)?
Poucas dúvidas haverá de que existem de facto razões para essa preocupação. Simplificando o problema eu identificaria quatro factos que desde logo me parece que justificam essa preocupação:
- O CO2 é um gás com efeito de estufa na atmosfera. É transparente no espectro da luz visível, deixando entrar a luz solar, e razoavelmente opaco no espectro dos infravermelhos, retendo o calor emanado da Terra;
- O tempo médio de permanência do CO2 na atmosfera é muito elevado (dezenas senão mesmo centenas de anos);
- O aumento da concentração de CO2 na atmosfera tem crescido significativamente desde o início da queima em grande escala de carvão, de petróleo e outros combustíveis fósseis. Neste momento essa concentração é a maior desde, pelo menos, os últimos 650 mil anos;
- Esse aumento tem claramente origem nas actividades humanas (queima de combustíveis fósseis e desflorestação).
Apesar destes factos é cientificamente importante chamar a atenção que o sistema climático é muito complexo não sendo o seu comportamento determinado somente pela existência de gases com efeito de estufa (dos quais, curiosamente, o mais importante não é o CO2 mas sim o vapor de água). Há uma influência absolutamente decisiva do Sol, quer nas variações que este vai tendo ao longo do tempo quer no tempo médio de exposição solar nas várias latitudes da Terra (esse tempo é afectado pela obliquidade do eixo da Terra).
Por outro lado, a complexidade é acrescida pelo facto de o sistema climático ter processos dinâmicos que contrariam alterações de clima (chamados por isso de realimentação negativa) e outros que, por outro lado, os reforçam (realimentação positiva). Os primeiros são benéficos para a estabilidade do sistema. Os segundos podem torná-lo instável e causar até mesmo mudanças bruscas de clima. Por exemplo, um aumento de temperatura faz com que aumente a quantidade de vapor de água na atmosfera. Como o vapor de água tem também efeito de estufa poderá aumentar a temperatura da atmosfera, resultando num processo de realimentação positiva. Por outro lado, mais vapor de água na atmosfera pode fazer com que apareçam mais nuvens, que por sua vez reflectem mais luz do sol para o espaço, o que reduz a quantidade de luz a chegar à Terra, resultando num processo de realimentação negativa.
Temos assim que o sistema climático é complexo e ainda não é compreendido o suficiente para termos uma quase certeza nas previsões climáticas. Sem dúvida que persistem incertezas quanto ao contributo do CO2 no clima. No entanto, também parece começar a haver um razoável consenso de que as dúvidas em sentido contrário (ou seja, sobre a sua não influência) são substancialmente maiores. Sempre achei curiosa a designação de cépticos relativamente aos que se opõem à influência humana no clima. O cepticismo - atitude essencial numa abordagem científica a qualquer problema - não é uma estrada de sentido único. Céptico é todo aquele que tem dúvidas. Sejam elas quais forem e em que sentido for. Eu sou céptico quanto à não contribuição humana no clima. Tenho também, cientificamente, uma atitude céptica na posição oposta. Mas as probabilidades que associo a ambas as conjecturas são muito, muito, diferentes. Por outro lado, reconheço sem dificuldade que os riscos associados a estarmos errados é muito diferente nos “dois” lados. Esse reconhecimento é absolutamente essencial nas escolhas políticas que se opta ter na abordagem ao problema.
Se as alterações climáticas forem para levar a sério, que escolhas devemos então fazer, quer como sociedade, quer como indivíduos?
Parece-me claro que um dos caminhos a seguir será o de reduzir o uso de combustíveis fósseis e de parar a desflorestação que tem ocorrido em larga escala. É necessário ter usos muito mais eficientes da energia (quer para nos transportar de um lado para outro, quer para aquecimento ou arrefecimento). É também necessário apostar forte na produção sustentável de energia (a muitas gerações). Ou seja: apostar nas energias renováveis.
Pergunto: Será que estas escolhas (urgentes) serão assim tão erradas MESMO QUE os (incorrectamente) chamados “cépticos climáticos” tenham razão quando dizem que a contribuição do CO2 para o aquecimento global é nula?
Será que não vamos ser confrontados com a mesmíssima necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis tão só por estes serem finitos (não renováveis)? Não terá sido isso mesmo que se começou a verificar pouco antes de se iniciar a actual crise económica (cuja causa imediata terá sido financeira)? As subidas galopantes do preço do petróleo que então se verificaram (e que, certamente, se voltarão a verificar assim que esta crise vá passando), não serão uma evidência nesse sentido?
Por outro lado deixo também a seguinte interrogação (e imensa preocupação): E se o IPCC [2], os ambientalistas e os muitos cientistas que têm tomado posições públicas de preocupação climática tiverem razão, e nada tivermos feito, como sociedade, para prevenir, ou tão só minimizar o problema? Quem irá pagar a maior parte da factura serão os nossos filhos e netos! Quem é que se acha no direito de os obrigar a correr esse risco?
Miguel Oliveira e Silva
(Ambientalista)
(Republicação, com pequenas alterações, de um artigo publicado na sequência de um debate sobre Alterações CLimáticas realizado em Estarreja em 20 de Março de 2009)
[1] O clima é definido como sendo médias temporais alargadas (geralmente 30 anos) do estado do tempo
[2] Intergovernmental Panel on Climate Change (http://www.ipcc.ch)
Por outro lado, a complexidade é acrescida pelo facto de o sistema climático ter processos dinâmicos que contrariam alterações de clima (chamados por isso de realimentação negativa) e outros que, por outro lado, os reforçam (realimentação positiva). Os primeiros são benéficos para a estabilidade do sistema. Os segundos podem torná-lo instável e causar até mesmo mudanças bruscas de clima. Por exemplo, um aumento de temperatura faz com que aumente a quantidade de vapor de água na atmosfera. Como o vapor de água tem também efeito de estufa poderá aumentar a temperatura da atmosfera, resultando num processo de realimentação positiva. Por outro lado, mais vapor de água na atmosfera pode fazer com que apareçam mais nuvens, que por sua vez reflectem mais luz do sol para o espaço, o que reduz a quantidade de luz a chegar à Terra, resultando num processo de realimentação negativa.
Temos assim que o sistema climático é complexo e ainda não é compreendido o suficiente para termos uma quase certeza nas previsões climáticas. Sem dúvida que persistem incertezas quanto ao contributo do CO2 no clima. No entanto, também parece começar a haver um razoável consenso de que as dúvidas em sentido contrário (ou seja, sobre a sua não influência) são substancialmente maiores. Sempre achei curiosa a designação de cépticos relativamente aos que se opõem à influência humana no clima. O cepticismo - atitude essencial numa abordagem científica a qualquer problema - não é uma estrada de sentido único. Céptico é todo aquele que tem dúvidas. Sejam elas quais forem e em que sentido for. Eu sou céptico quanto à não contribuição humana no clima. Tenho também, cientificamente, uma atitude céptica na posição oposta. Mas as probabilidades que associo a ambas as conjecturas são muito, muito, diferentes. Por outro lado, reconheço sem dificuldade que os riscos associados a estarmos errados é muito diferente nos “dois” lados. Esse reconhecimento é absolutamente essencial nas escolhas políticas que se opta ter na abordagem ao problema.
Se as alterações climáticas forem para levar a sério, que escolhas devemos então fazer, quer como sociedade, quer como indivíduos?
Parece-me claro que um dos caminhos a seguir será o de reduzir o uso de combustíveis fósseis e de parar a desflorestação que tem ocorrido em larga escala. É necessário ter usos muito mais eficientes da energia (quer para nos transportar de um lado para outro, quer para aquecimento ou arrefecimento). É também necessário apostar forte na produção sustentável de energia (a muitas gerações). Ou seja: apostar nas energias renováveis.
Pergunto: Será que estas escolhas (urgentes) serão assim tão erradas MESMO QUE os (incorrectamente) chamados “cépticos climáticos” tenham razão quando dizem que a contribuição do CO2 para o aquecimento global é nula?
Será que não vamos ser confrontados com a mesmíssima necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis tão só por estes serem finitos (não renováveis)? Não terá sido isso mesmo que se começou a verificar pouco antes de se iniciar a actual crise económica (cuja causa imediata terá sido financeira)? As subidas galopantes do preço do petróleo que então se verificaram (e que, certamente, se voltarão a verificar assim que esta crise vá passando), não serão uma evidência nesse sentido?
Por outro lado deixo também a seguinte interrogação (e imensa preocupação): E se o IPCC [2], os ambientalistas e os muitos cientistas que têm tomado posições públicas de preocupação climática tiverem razão, e nada tivermos feito, como sociedade, para prevenir, ou tão só minimizar o problema? Quem irá pagar a maior parte da factura serão os nossos filhos e netos! Quem é que se acha no direito de os obrigar a correr esse risco?
Miguel Oliveira e Silva
(Ambientalista)
(Republicação, com pequenas alterações, de um artigo publicado na sequência de um debate sobre Alterações CLimáticas realizado em Estarreja em 20 de Março de 2009)
[1] O clima é definido como sendo médias temporais alargadas (geralmente 30 anos) do estado do tempo
[2] Intergovernmental Panel on Climate Change (http://www.ipcc.ch)
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terça-feira, dezembro 29, 2009
O elogio da ignorância (II)
Publicado na revista FreeSurf
Tem havido por aí um sururu porque alguém roubou uns mails privados a uns investigadores, publicou-os, retirou umas frases do seu contexto e com isso acusou os investigadores (e por arrasto todos os outros investigadores que não tinham nada com o assunto mas têm as mesmas ideias) de andarem a fabricar dados e teorias sobre as alterações climáticas na terra.
Fui acompanhando mais ou menos a discussão, apesar daquilo ter muita física, muita matemática, muita estatística para a minha pobre ignorância.
Mas o que mais me espantou foi a quantidade de gente, que sabendo tão pouco como eu, tinha opiniões absolutamente seguras sobre um assunto que é mais que muito complicado. Por isso fui tentar perceber e descobri a técnica: só lêem as opiniões que estão alinhadas com o que pensam e se por acaso tropeçam em alguma informação que os contrarie, ignoram-na dizendo que foi manipulada.
Confesso que fiquei fascinado com a inteligência desta opção: não só não temos de nos preocupar com a realidade para pensarmos de determinada maneira, como estamos sempre cheios de razão porque se não estivermos é porque os outros estão comprados e nos querem manipular.
É uma maneira desarmantemente simples de lidar com problemas complexos.
Fez-me lembrar uma conversa que há tempos tive com um surfista da Costa a quem perguntei se as ondas tinham melhorado ou piorado com os enchimentos da praia.
A diatribe que eu ouvi contra tudo e todos que tinham alguma coisa, por vaga que fosse, com os ditos enchimentos de praia. Quem pôs aqui a areia devia ser enforcado, pelo menos, garantia o rapaz. A questão é que a areia tem a estúpida mania de se mexer e demora algum tempo até atingir um equilíbrio dinâmico e naquela altura os fundos estavam maus, pelo que percebi da conversa, ou melhor dizendo, da irritação, que da conversa não percebo nada com agueiros, ondas tortas e outras coisas que tenho dificuldade em perceber bem o que são (para mim todas as ondas se entortam).
Mas ao contrário dos outros das alterações climáticas, que não querem ouvir nada com o qual não estejam de acordo, o rapaz ficou interessado quando lhe disse que talvez não fosse bem assim.
Apontei-lhe para a Serra de Sintra e expliquei-lhe que ali estava um esporão natural que impedia a foz do Tejo de se deslocar para Norte. Depois voltei-me para o outro lado e lembrei-lhe que o cabo Espichel era outro esporão natural. E que entre os dois estavam então extensas zonas de areias.
Em tempos estes areais eram alimentados pelo que o Tejo trazia. Mas com a quantidade de barragens que entretanto se tinham feito no rio, e com o aumento de cobertura do solo da bacia do Tejo, a quantidade de areias que o Tejo trazia tinham diminuído drasticamente.
E aqueles areais, que viviam de um sistema dinâmico de perdas e ganhos de areia, passaram a ter permanentemente um défice de sedimentos que as faria inevitavelmente recuar.
Como o défice é permanente, o mais natural é que as defesas costeiras, a mais ou a menos longo prazo, sejam também engolidas pelo mar, por mais fortes que se tentem construir.
Por isso a solução, também temporária, mas que alguns acreditam ser a melhor e mais barata, é ir buscar areia ao canal de navegação do Tejo, numa zona em que as areias já estão fora deste vai e vem que todos conhecemos, e despejá-la o mais a Norte possível, esperando que assim se resolva não só o problema destas praias como se evitem os problemas futuros das praias a Sul.
Confesso que achei que a reacção do surfista tinha sido tão serena que olhei com mais atenção.
Tinha adormecido com tanta explicação.
Talvez na práctica ficasse tão ignorante como estava antes, mas ao menos, ao contrário do pessoal da negação das alterações climáticas não é uma atitude orgulhosamente voluntária, é apenas um agudo sentido das prioridades dos momento.
E não havendo boas ondas, é razoável que a prioridade seja dormir.
Fui acompanhando mais ou menos a discussão, apesar daquilo ter muita física, muita matemática, muita estatística para a minha pobre ignorância.
Mas o que mais me espantou foi a quantidade de gente, que sabendo tão pouco como eu, tinha opiniões absolutamente seguras sobre um assunto que é mais que muito complicado. Por isso fui tentar perceber e descobri a técnica: só lêem as opiniões que estão alinhadas com o que pensam e se por acaso tropeçam em alguma informação que os contrarie, ignoram-na dizendo que foi manipulada.
Confesso que fiquei fascinado com a inteligência desta opção: não só não temos de nos preocupar com a realidade para pensarmos de determinada maneira, como estamos sempre cheios de razão porque se não estivermos é porque os outros estão comprados e nos querem manipular.
É uma maneira desarmantemente simples de lidar com problemas complexos.
Fez-me lembrar uma conversa que há tempos tive com um surfista da Costa a quem perguntei se as ondas tinham melhorado ou piorado com os enchimentos da praia.
A diatribe que eu ouvi contra tudo e todos que tinham alguma coisa, por vaga que fosse, com os ditos enchimentos de praia. Quem pôs aqui a areia devia ser enforcado, pelo menos, garantia o rapaz. A questão é que a areia tem a estúpida mania de se mexer e demora algum tempo até atingir um equilíbrio dinâmico e naquela altura os fundos estavam maus, pelo que percebi da conversa, ou melhor dizendo, da irritação, que da conversa não percebo nada com agueiros, ondas tortas e outras coisas que tenho dificuldade em perceber bem o que são (para mim todas as ondas se entortam).
Mas ao contrário dos outros das alterações climáticas, que não querem ouvir nada com o qual não estejam de acordo, o rapaz ficou interessado quando lhe disse que talvez não fosse bem assim.
Apontei-lhe para a Serra de Sintra e expliquei-lhe que ali estava um esporão natural que impedia a foz do Tejo de se deslocar para Norte. Depois voltei-me para o outro lado e lembrei-lhe que o cabo Espichel era outro esporão natural. E que entre os dois estavam então extensas zonas de areias.
Em tempos estes areais eram alimentados pelo que o Tejo trazia. Mas com a quantidade de barragens que entretanto se tinham feito no rio, e com o aumento de cobertura do solo da bacia do Tejo, a quantidade de areias que o Tejo trazia tinham diminuído drasticamente.
E aqueles areais, que viviam de um sistema dinâmico de perdas e ganhos de areia, passaram a ter permanentemente um défice de sedimentos que as faria inevitavelmente recuar.
Como o défice é permanente, o mais natural é que as defesas costeiras, a mais ou a menos longo prazo, sejam também engolidas pelo mar, por mais fortes que se tentem construir.
Por isso a solução, também temporária, mas que alguns acreditam ser a melhor e mais barata, é ir buscar areia ao canal de navegação do Tejo, numa zona em que as areias já estão fora deste vai e vem que todos conhecemos, e despejá-la o mais a Norte possível, esperando que assim se resolva não só o problema destas praias como se evitem os problemas futuros das praias a Sul.
Confesso que achei que a reacção do surfista tinha sido tão serena que olhei com mais atenção.
Tinha adormecido com tanta explicação.
Talvez na práctica ficasse tão ignorante como estava antes, mas ao menos, ao contrário do pessoal da negação das alterações climáticas não é uma atitude orgulhosamente voluntária, é apenas um agudo sentido das prioridades dos momento.
E não havendo boas ondas, é razoável que a prioridade seja dormir.
henrique pereira dos santos
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E se?
"E para terminar, o essencial:«me parece estranho que se queiram tomar decisões sem entrar em linha de conta com o risco, hoje claramente estabelecido, decorrente dos cenários de evolução do clima, simplesmente porque não existem certezas absolutas sobre o que vai suceder.»
Mas não vê o HPS que é exactamente isso que os cépticos disputam? Não vê que o seu argumento pode ser usado exactamente ao contrário do que pretende? E se for verdade que a temperatura média do planeta nos últimos dez anos até está a diminuir? E se for verdade que pelo contrário está a aumentar mas não é o CO2 o agente responsável ou, pelo menos, o mais importante? Ou acaso disputa que há eminentes cientistas que discordam em absoluto de muitas das teses do IPCC?"
Eduardo F. caracteriza bem o essencial.
E vale a pena discutir o essencial.
Primeiro caracterizemos uma ou duas discordâncias e depois concentremo-nos na discussão de fundo.
Ao contrário do que diz Eduardo F. os chamados cépticos (a que eu tenho chamado negacionistas) não são um bloco que pensa a mesma coisa, bem pelo contrário, há uma enorme gama de posições.
Há os que negam que exista aquecimento global, há o que entendem que esse aquecimento existe, mas não tem nenhuma relação com a actividade humana e ainda há os que admitindo que tem alguma coisa com a actividade humana, entendem que não há nada de útil que se possa fazer para contrariar o processo. Há ainda um grupo, que eu não coloco nos negacionistas, que aceitando que existe aquecimento global e que é provocado pelo homem, entendem que as soluções preconizadas no quadro da ONU são soluções pouco eficientes e querem discutir alternativas de solução.
O essencial, para esta discussão e para a tomada de decisão, não é quem está certo ou não, mas se existe risco, e de que dimensão, de que estejamos a provocar alterações no clima.
Se fizermos a pergunta com esta simplicidade, reduziremos muito o número de negacionistas, porque a aceitação de que existe risco é muito alargada, sobrando apenas os que entendem que não existe risco nenhum, nenhuma possibilidade de estar a ocorrer um aquecimento global. Com estes a discussão é difícil porque pura e simplesmente recusam toda a produção de conhecimento feita sobre a matéria com a alegação que se trata de uma gigantesca conspiração (que envolve cientistas, editores de publicações científicas, decisores políticos, ONGs, a ONU, a Academia Sueca que atribui os prémios Nobel, jornalistas e etc.).
Se sairmos desta visão paranóica do mundo, a discussão é possível, e a questão é a de saber o que fazer existindo risco, discutindo a magnitude do risco e discutindo os efeitos no caso de se verificarem alguns cenários em cima da mesa.
Começo por uma história que me contaram mas que não verifiquei. No entanto é boa como exemplo, independentemente da sua veracidade.
A autoridade portuária de Roterdão é confrontada com a seguinte decisão: sendo necessário fazer obras de fundo nas estruturas de protecção do porto, há quem proponha elevar a cota dessas infraestruturas 50 cm para precaver a eventual subida do nível do mar.
Elevar essa cota tem custos, mensuráveis e certos. Não elevar reduz portanto o custo da obra, no entanto se se verificar efectivamente a subida do mar, os efeitos dessa subida no porto serão desastrosos, fragilizando enormente a sua defesa.
O que faz sentido: fazer a obra agora, num quadro de incerteza que eventualmente a torna inútil se não se verificar qualquer alteração do nível do mar, ou fazê-la de emergência e especificamente com esse objectivo mais tarde, quando houver mais certeza, mas a um custo muitíssimo maior?
O mesmo se dirá de uma grande parte das medidas a tomar para reduzir as emissões de CO2. Aconselho vivamente a leitura de "Green and Competitive" de Michael Porter e Class Van der Linde, que não trata de nada que se relacione com alterações climáticas.
Trata sim da forma como se reflecte na competitividade das empresas a regulamentação ambiental.
E as conclusões são interessantes exactamente porque defendem que, em certas condições, a regulamentação ambiental não é apenas um custo mas um poderoso estímulo à competitividade das empresas.
Na realidade as emissões de CO2 reflectem, com demasiada frequência, um uso ineficiente do recurso energia.
Por exemplo, o que nos impede de investir num preço instantâneo da energia que reflicta a procura instantânea? Tem custos? Tem com certeza. Os benefícios ultrapassam os custos? Muito provavelmente sim. Vejamos, se o preço em vez de ser fixo for uma função do consumo em cada momento, eu posso instalar sistemas de redução do meu custo em função desse preço, por exemplo, nos sistemas de frio (e muitos de calor), que têm uma certa resiliência, podem ser ligados nos momentos em que a energia é mais barata, e desligados em alturas de energia mais cara. Globalmente qual é o resultado? A diminuição dos picos permite-me gerir a rede com menor capacidade instalada (a electricidade é um fluxo, não pode ser armazenada, portanto é necessário estar a produzir o mesmo ou mais que o necessário em cada momento, pelo que o sistema electro-produtor tem de estar dimensionado para os maiores picos expectáveis, resultando um sub-uso da capacidade instalada na grande maioria do tempo).
Do mesmo modo, cidades mais eficientes, com transportes mais eficientes resultam em ganhos ambientais, mas provavelmente em ganhos económicos também. O mesmo se dirá de edifícios mais eficientes.
E mais que tudo, é bem provável que na grande maioria dos processos produtivos seja possível introduzir ganhos de eficiência se houver suficiente incentivo para isso. Não se pense que se estará a falar de coisas do outro mundo, por exemplo, ainda hoje se continua a investir em restaurantes sem a menor preocupação de eficiência energética, quando com as tecnologias existentes, aos preços existentes, já se conseguem retornos muito interessantes em prazos relativamente curtos. O problema não é económico mas financeiro: exige-se investimento maior à cabeça, sendo que muitas vezes quem investe na infra-estrutura (ou numa casa) não é quem explora, havendo por isso um incentivo negativo à adopção de políticas de eficiência energética, apesar da sua racionalidade.
O caso evidente é o das casas de habitação, em que o sobrecusto de adoptar medidas de eficiência energética se reflecte no preço final da casa (crucial para o vendedor ter sucesso) e apesar dessas medidas se poderem pagar com poupanças em prazos inferiores a dez anos, muito poucos compradores estão dispostos a pagar mais inicialmente para ter um ganho diferido ao longo de dez anos.
Ou seja, caro Eduardo F., se a temperatura diminuir em vez de aumentar, ainda assim ganhámos usos mais eficientes dos recursos, ganhámos melhorias na poluição, ganhámos, provavelmente, alguns trocados.
A alternativa, pelo contrário, é que se o risco se verificar, as perdas são brutais.
Devo dizer que o que me faz mais confusão nesta estranha discussão (para além do elogio da ignorância a que os negacionistas fazem apelo constante desconfiando da ciência tal como a conhecemos) é ver engenheiros ligados às tecnologias, treinados a resolver problemas engenhosamente, treinados a inventar coisas novas para novos problemas, apavorados com o futuro e com a ideia de que não é possível ter novas soluções para problemas novos.
Confesso que esta estranha força reaccionária, que compreendo facilmente em outras formações treinadas para serem conservadoras (o que em si não é nenhuma hierarquização de valores, a inovação não é em si mesmo preferível ao conservadorismo), é para mim uma novidade em profissões de base tecnológica e francamente não a percebo.
henrique pereira dos santos
sábado, dezembro 26, 2009
Um estranho desentendimento
Ao longo destas semanas, nos comentários aos posts sobre alterações climáticas, aparecem um conjunto de pessoas que insistem na tese de que como o CO2 subiu na última década e as temperaturas não, não há relação entre subida de concentração de carbono e subida de temperatura.
Naturalmente explicou-se que o clima é o resultado de um número muito grande de factores que não só actuam autonomamente, como têm relações de interdependência que o tornam uma coisa extremamente complexa, e que por isso o seu estudo, e o estudo da sua evolução, exige séries longas de observação.
Explicou-se também que o clima tem variações naturais muito relevantes e que a questão não é avaliar se é o CO2 o responsável por cada uma dessas variações (em rigor, por cada uma das variações meteorológicas) mas sim se a quantidade de CO2 presente na atmosfera é responsável por desvios em relação ao que seria a evolução natural do clima (sim, com certeza que definir o que é variação natural do clima é objecto de discussão), desvios esses que podem ser relativamente pequenos face às variações naturais, mas podem forçar alterações climáticas que nos são mais desfavoráveis que seriam as alterações naturais.
O mais extraordinário não é a discussão até este ponto, essa é razoável e como estamos no domínio da interpretação de sistemas complexos discutindo probabilidades de evolução é natural que haja controvérsia. No caso das alterações climáticas essa controvérsia ultrapassou os limites da controvérsia científica, dirimida pelos meios normais da ciência, para se tornar uma controvérsia social face ao que está em jogo para todos nós: um uso colossal e eventualmente inútil de recursos no caso das alterações climáticas não serem significativamente influenciadas pelo homem, um desastre ambiental, social e económico no caso dos cenários mais desfavoráveis sobre a influência humana no clima se confirmarem.
O extraordinário é a persistência na repetição de ideias simples que pura e simplesmente não constituem argumentos lógicos.
Não falo sequer do ar escandalizado que fazem os negacionistas militantes por Phil Jones dizer num mail que se for preciso altera o sistema de peer review (coisa que aliás nunca estaria sequer ao seu alcance) ao mesmo tempo que passam o tempo todo a negar a importância do peer review e o facto de raramente assentarem o que dizem em papers com peer review. Isto faz parte da retórica normal de uma discussão ideológica e não vale um caracol.
O extraordinário é, por exemplo, insistir em confundir (voluntária ou involutariamente, não faço ideia) o efeito de alteração acrescida no clima que possa ter o CO2, e o facto do CO2 ser eventualmente decisivo nesse efeito acrescido, com a ideia de que o CO2 é o único responsável por todas as alterações meteorológicas (coisa que ninguém no seu perfeito juízo diz, pesem embora as muitas distorções que tendem a olhar para a meteorologia com o filtro do que se pensa sobre as alterações climáticas).
E por isso, quando se diz que pode haver diminuições de temperatura resultantes de outros factores que não o CO2, e o efeito do CO2 manifestar-se no facto de não descerem tanto como seria espectável com concentrações menores deste gás, aparece sempre alguém a repetir o estribilho de que isso não passa contorcionismo para não reconhecer o óbvio: não há relação entre a subida de temperatura e a concentração de CO2.
O curioso é verificar como, com frequência, o vício de raciocínio implítico nesta observação (a omissão de que há muitos outros factores que influenciam o clima, evitando admitir-se que é possível que o CO2 provoque elevação do padrão de variação da temperatura, não eliminando esse padrão, que tem e sempre terá subidas e descidas) é escondido atrás de uma barragem de insultos sobre a falta de coerência, de vergonha, etc., dos aldrabões que pensam de maneira diferente.
henrique pereira dos santos
quarta-feira, dezembro 23, 2009
O CO2 e a caça furtiva
Há na lista de discussão que deu origem a este blog uma discussão em curso sobre a importância da caça furtiva na conservação de algumas espécies.
Eu penso que a caça furtiva (e todos os outros métodos de perseguição directa) têm pouca importância na conservação da grande maioria das espécies em Portugal porque me parece que os factores relacionados com o refúgio, mas sobretudo com a disponibilidade alimentar, têm muito mais peso na determinação das tendências populacionais.
Isso não significa que a caça furtiva não tenha relevância, significa apenas que em determinadas condições, por exemplo, quando existe uma tendência regressiva acentuada, a caça furtiva pode ser o factor que faz a espécie passar o limite de sobrevivência a cuja proximidade os outros factores a levaram. Mas isso não faz da caça furtiva uma força modeladora.
Ao ler alguns comentários sobre o CO2 e as alterações climáticas fico com a impressão de há raciocínios que impedem algumas pessoas de construir argumentos sólidos (se são verdadeiros ou não, é outra discussão em que não me meto).
Eu não faço a mínima ideia se o CO2 é ou não a principal força de empurra as temperaturas para fora dos limites normais e naturais da variação climática (o que está em causa não é a variabilidade climática, o que está em causa é se estamos a empurrar essa variabilidade para limites que nos são desfavoráveis).
Sou ignorante na matéria, a atmosfera é muito complicada e a quantidade de factores, por si só, mas também com retroacções imensas, é de tal forma grande que está completamente fora do meu horizonte ter opinião própria sobre o assunto.
Mas isso não me impede de ter opinião sobre a consistência do argumento que refere o facto de haver aumento de CO2 num determinado período, relativamente curto, não havendo subida simultâna de temperaturas como demonstração de que o CO2 não pode ter o papel que lhe é atribuído.
Este argumento pura e simplesmente não tem qualquer sentido, por si só e num período relativamente curto.
É que existindo muitos outros factores que influenciam o clima, que dão origem a variações naturais importantes, o argumento de cima só poderia ser considerado demonstrativo se todos os outros factores que comandam o clima se mantivessem iguais.
Não sendo assim, duas hipóteses existem: ou de facto o CO2 não tem o efeito que dizem (pelo menos com o peso que lhe é atribuído); ou efectivamente tem e a estabilidade (ou mesmo abaixamento) das temperaturas em períodos relativamente curtos deve-se a outros factores que conduziriam a temperaturas ainda mais baixas na ausência de CO2.
Não basta por isso apontar um facto e exibi-lo como prova, se ele não tiver uma explicação consistente e única.
Insisto que não sei quem tem razão, não tenho capacidade para fazer esse juízo autonomamente, o que quero realçar é que o argumento, por si só, só demonstra que os que o utilizam se portam como caçadores furtivos que disparam sobre cada facto controverso (ou ainda sem explicação) sem se darem ao trabalho de encontrar os argumentos que o explicam.
Um bocado como o rapaz que querendo demonstrar a inconsistência da reconstrução das temperaturas do passado acaba a descobrir alguns erros estatísticos e de digitação, mas quando os corrige faz uma reconstrução de temperaturas que está inegavelmente errada.
Questão diferente é o facto dos modelos de clima usados não serem capazes de integrar estes períodos de estabilidade, o que significa que ou são ainda imperfeitos (o que toda a gente dá como adquirido) ou estão errados (o que alguns garantem sem que ao mesmo tempo proponham modelos melhores).É complicada a atmosfera, não vai lá com meditações de fim de tarde.
henrique pereira dos santos
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