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terça-feira, 21 de maio de 2013

LOCALIZACIONISMO


Há muito tempo atrás, quando a ciência era exata e precisa, descobertas incríveis foram feitas mapeando não só o cérebro como os campos em que os distúrbios psíquicos podiam ocorrer.
Quem já viu "Estranho no Ninho" sabe do que falo. Viu. E concluiu que a ciência de nada sabe. A não ser arrancar sisos, amídalas, vesícula, lobo frontal ou o que quer que seja.
Há muito mais tempo ainda, tentaram localizar a alma no corpo. E era um tal de coração versus mente prá cá, glândula pineal versus amigdala cerebral pra lá, que ninguém acertou até hoje.
Há pouco tempo, localizaram o prazer imediato da mulher. Esqueceram-se de que a mulher é mistério - disso já se sabe desde a maçã roubada - e que não é um ponto só, só unzinho, onde a mulher tem prazer, mas no que ela mostra ou no que nem conta pra ninguém.
Deixemos agora o passado para trás. Todas as previsões dessa grande cartomante charlatã que é a ciência estavam erradas.
Hoje há métodos muito mais modernos, muito mais eficazes. Mas a pergunta que fica é: Para quê? 
Claro que tem horas que queremos um mapa astral, um mapa da retina, um mapa genético, um mapa até do quadro de luz do prédio. E depois? Faz-se o que com o tesouro da Emília, a boneca de pano que guardava poeira, cílio, botão?
O importante aqui - pra quem tem mais a investir na saúde do que na doença - é: Aonde você localiza sua dor?
Onde guarda a identificação com sua mãe junto com toda a ambivalência inerente a esta? Tanto amor e tanto ódio juntos - em geral por não conseguir amar como queria - TEM que estar em algum lugar.
E o pai que nunca foi presente no momento em que se queria? O desaparecido, desconhecido ou simplesmente negligente? Onde estará?
Sem falar no amigo que falha, na traição do ser amado, no cachorro morto pelo vizinho...

Antigamente se tentava saber o local exato da alma. Mas alma hoje se salva com uns trocados. Quem se importa?
E o rancor? Onde fica? 
E a mágoa? 
Ou, em termos biológicos e científicos: Onde está sua ameaça de câncer?
Conheço gente que localiza tudo no celular. Quando briga com alguém espatifa o bicho na parede, joga no lago, e pronto. Zás. Ploft. Sock. Sonoplastia da série do Batman e tá dito tudo. Acabou-se o contato.
Mas quando a mágoa fica dentro... Ai, ai, ai.
Só falando com quem sabe escutar.
Falando e falando, até elaborar tudo. Até dissolver o ódio. Até aceitar o amor - Cheio de defeitos, mas amor.
Antes disso é corrosão. 
É tentativa de homicídio praticando suicídio. 
E está cientificamente provado que assim não funciona.



Agora me diga: Pra que essa boca tão grande?
 Fala!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

LÂMINA



Antigamente, mas muito antigamente mesmo, os cuidados dos doentes eram destinados à Igreja, que diagnosticavam sempre os males do corpo como influência de algum demônio ou fases da lua e interferência dos mortos.
Muita gente morreu por isso, pois quando a reza não dava mais conta, o negócio era tirar o demônio na faca. Tirava-se demônio, mal olhado, tripa, vida, tudo. Bastava um singelo corte e podia-se comemorar a cura lá no enterro do infeliz.
Passaram-se os anos, o mato cresceu ao redor, e os leigos começaram a exercer umas curas ali, outras acolá, sem precisar de tanto procedimento cirúrgico. Até que veio um cabra metido a pensar e existir - um luxo só - e separou tudo.
Alma é alma. Corpo é corpo. E não se fala mais nisso. O casal se separou e nunca mais se olhou nos olhos.

Ele - o existente pensador - podia assim dissecar passarinhos vivos, e seres humanos também, já que a alma nada tinha que ver com o corpo. Este era pura matéria, e não alcançava as questões profundas e perturbadoras que a alma lhe colocava.
Fomos condenados desde então a falar em dois monólogos desentendidos, sem sincronia, sem sintonia, meio esquizo, meio dividido, meio... Meio metade.
Feito sol e lua que não se encontram, salvo os fenômenos de eclipses psicossomáticos que ainda teimamos em observar a olho nu, essa divisão não ficou só ali nos passarinhos, nem na equação lógica do ser que pensa que existe. Ela insiste em bater o pé e em exigir, como aquela pergunta perversa que se faz às crianças: "De quem você gosta mais? Da mamãe ou do papai?"
E a gente, que não suporta ver uma pergunta sem resposta, sai correndo prá completar as lacunas e escolher um só, como se os candidatos brigassem na rinha. E como se a gente tivesse alguma coisa a ver com a briga.
O Woody Allen, debochando dessa briga do corpo com a alma, diz que a gente deve escolher que metade preferimos. Se a de cima ou a de baixo.
Eu, que não sou cineasta, nem tampouco cientista, só fico na preguiça - se eu entrar nessa briga, vou perder sempre, seja apanhando do corpo, seja da alma irrequieta - e coloco os dois trancados no meu quarto-pele, prá ver se eles param de brigar e saem do castigo de mãos dadas, bem amiguinhos.