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terça-feira, 20 de julho de 2010

MUITO BARULHO POR NADA

No princípio era o verbo...
Alheio!
O bebezinho esticava o dedinho e logo vinha a explicação da mãe - "Ele quer água".
Depois vieram o desenho, o cinema, a novela, a música, a literatura, os ...
Incrível como tem gente capaz de escrever e descrever exatamente o que sentimos.
Se é prá falar de amor e conquistar a dama, saque logo um Chico Buarque que a moça é sua.
Se é prá falar de dor de corno, uma banda de pagode com gente grande chorando e desafinando; ou uma dupla sertaneja prá mostrar o lado bem sofrido da vida na roça e do porco sangrando.
Eu prefiro um bolerão, que é prá purgar a dor toda de uma vez e tentar tirar o veneno com o dente na veia. E morro de inveja dos quadrinistas e suas capacidades de síntese.
Twitter é pinto.
Mas o gosto é de cada um.

Prá discutir a existência, a não-existência, o eu-não-eu, o vazio... Corra pro poeta europeu do século passado ou retrasado da livraria delivery mais rápida, ou faça uma busca rapidinha no Google, e tenha a certeza da mais completa tradução.
E você não estará sozinho. Vai encontrar um monte de Únicos que levaram porrada, e que planejam minuciosamente o Dia do Fim. Todos os dias.
Agora prá falar do alto da sabedoria mesmo sobre as coisas afetivas de forma bem racional, apele prá filosofia.
Infalível.
Argumentos incontestáveis explicam como é o conceito do que você pensava que sentia e não conseguia nomear.
E eles falam, falam, falam,... até você dormir em cima do livro e se dar conta de que está perdido no meio de teoremas do francês em alemão.
Se for falar de saúde é mais fácil. Basta pegar a última página do jornal e ver o que a ciência elegeu como maior inimigo e o que ela indica para o tratamento.
Convém reparar na data. Amanhã tudo se inverte. É batata.
Daí a gente vai aprendendo a buscar referências, embasamentos teóricos, ou simplesmente alimentando a preguiça de pensar uma frase sozinho.Afinal, alguém já deve ter falado sobre isso.
Mas eu juro que de vez em quando, e só de vez em quando, eu sinto um desejo enorme de ouvir o Fulano por sua própria boca.
E quando eu digo de sua própria boca, é quando o cara entende o que ele fala.
Quando tá sentindo.
Não como japonês cantando chorinho decorado.
Não como poeta analfabeto que mal sabe pontuar a batatinha que 'esparrama'.
Não como cantora gostosinha desafinada que jura que aprendeu que aquela batida pobrinha serve prá qualquer música.
Mas uma fala assim construída com suor, letrinha por letrinha, erguida meio nonsense, meio cimento-nuvem, meio hiper-real ( adoro essas coisas com 3 metades). Uma fala assim sentida 'di cum força', quase com cheiro e tudo.
Ah... Mas se eu ficar aqui descrevendo a voz que quero ouvir, como é que alguém pode se livrar do meu desejo e buscar seu próprio grito?

quarta-feira, 29 de abril de 2009

VOZES

Qualquer desajustado que se preze apresenta como um dos primeiros sintomas a audição de vozes que não se sabe muito bem porque escolhem logo aquele ali prá azucrinar.
A voz manda. A voz sugere. A voz xinga e o chama de incapaz. A voz dá a entender que todo mundo está contra, e que só ela é a real companheira daquele amado ouvinte.
Se isso ficasse só com os loucos, tava tudo meio certo. Era calar a voz dos pobres coitados escolhidos com uma boa dose de sossega zoológico inteiro e pronto. Silver tape colado na boca de quem atrapalha a ordem natural das coisas.
Só que a voz está aí, o tempo inteiro, em toda parte. E ela fala tão alto que ninguém mais se escuta ( o 'se' aí usado tanto no sentido de reciprocidade como no que se refere a uma auto-escuta).
Há um hábito de escutar e engolir tanta coisa, tanta informação, tanto pitaco, tanto ensinamento de como viver essa ou aquela situação que a gente acaba se esquecendo um pouco de como é que fala. E fica dando créditos aos outros como se não tivéssemos um bom currículo prá dizer isso ou aquilo, afinal, por mais que a gente leia, o título de especialista não é prá qualquer um.
Só que assim fica uma voz presa lá na garganta. E às vezes parece que ela incha tanto, que acumula líquidos e pus. Que inflama até chegar no peito.
Aí danou-se. Dói tudo. E não há livro ou receita ou revista com testes que deem jeito.
Tem que fazer barulho. Tem que chorar, berrar, espernear, socar a parede. E de preferência com alguém ético prá testemunhar tudo isso sem revidar depois.
Bom, meu recado eu já falei. Agora fala tu!



Apesar do cara aí da foto estar todo costurado, esse é um jeito dele berrar. Se ele simplesmente se calasse, sem incomodar ninguém - a foto incomoda né? - nem notariam sua existência. Mas o prisioneiro paraguaiao pôde ser 'ouvido' mesmo sem pronunciar uma palavra. Olha que voz forte!