«Esticamos a corda e poderia ter rompido. Isto foi um pouco um jogo de póquer do nosso presidente.» Esta declaração de Fernando Gomes, na apresentação do Relatório e Contas 2022/23, viria a revelar-se particularmente curiosa um mês mais tarde. O responsável pelas finanças da SAD falava do negócio Otávio e citou aquilo que descreveu como uma grande jogada de póquer de Pinto da Costa: «Este foi o risco que a administração, nomeadamente o presidente, correu. Foi o próprio presidente que disse: 'Nós não vamos vender o Otávio até 30 de junho, porque eles estão tão interessados no Otávio que virão buscá-lo mais tarde'».
Portanto, avaliando as palavras de Fernando Gomes, que não teria interesse em atribuir falsas declarações ao seu/nosso presidente, o FC Porto assumiu que iria vender Otávio, mas só depois de 30 junho, para não só ganhar mais com a transferência como para integrar essa venda no R&C de 2023/24, mais vantajosa para o fair-play financeiro. Tudo ok. Uma direção capaz de se mexer no mercado e surpreender na procura do melhor negócio possível é o que tudo queremos.
Até que Pinto da Costa falou no Thinking Football Summit e explicou que rejeitou sempre as ofertas por Otávio. «Não aceitei, depois, a oferta dos 60M, mas num dia em que o nosso treinador não estava, por estar a ser operado, o Otávio veio ter comigo a chorar, a dizer que eu não lhe podia prejudicar a vida.» Portanto, segundo Fernando Gomes, a estratégia de Pinto da Costa era vender Otávio depois de 30 de junho; mas segundo Pinto da Costa, vender nunca foi opção e só aceitou a saída perante o pedido e as lágrimas do jogador.
Desengane-se quem pense que está aqui uma crítica. Pelo contrário, e basta voltar à primeira citação: estamos a falar de póquer. Bluff, estratégia, estar um passo à frente dos demais. Fernando Gomes deixou isso claro e, sendo ele o homem de confiança do presidente para as finanças da SAD há quase 10 anos, começamos finalmente a perceber melhor toda a estratégia do administrador. Lembrem-se: é póquer.
Quando Fernando Gomes assumiu a pasta das finanças, e não sendo justo avaliá-lo pelos resultados da época 2013/14 (substituiu Angelino Ferreira em fevereiro), ao fim de uma época o cenário era este: passivo de 276 milhões, ativo de 359 milhões e capitais próprios bastante positivos: 83 milhões. Tal se deveu à operação EuroAntas, que significou uma injeção de 110 milhões nos capitais próprios da SAD. «Hoje temos uma empresa sólida que é respeitada nos mercados internacionais», celebrou Fernando Gomes.
Pouco depois, contrato com a Altice. Entre os milhões que se perderam entre o pinhal e a árvore genealógica, foi um contrato que teve tudo para melhorar as finanças da SAD, com um bolo de 457 milhões que tinha tudo para aumentar a capacidade de investimento, reduzir a necessidade de vendas e reduzir a dependência de crédito. «A partir de agora podemos vir a deixar de ter de tomar decisões sob pressão. Permite gerir o clube de outra forma, mais objetiva económica e financeiramente e sem estar tão dependente dos ganhos ocasionais em janeiro e no final da época», dizia Fernando Gomes, numa entrevista publicada no DN no início de 2016. «De resto, a ideia é que este dinheiro não vá para reforços, porque para isso o FC Porto gera recursos suficientes. Iremos baixar custos, pagar dívida e ter uma gestão mais sã.»
As cartas na mesa e o par nas mãos (leia-se, EuroAntas + Altice) de Fernando Gomes e da SAD abriam excelentes perspetivas para o turn e para o river. Mas tudo veio rapidamente a revelar-se um flop. Ainda nem o ano tinha acabado e veio daí o plano traçado por Fernando Gomes para apertar o cinto. Três anos era o prazo. A SAD não só falhou em toda a linha como rapidamente voltou as capitais próprios negativos: 35 milhões em 2019. Ou seja, a metade do Estádio sacrificada não resolveu problema nenhum: apenas o adiou.
Volvidos mais 4 anos (com pandemia pelo meio, certo, e aperto pelas punições e restrições há muito anunciadas pelo incumprimento do fair-play financeiro), o cenário é aquele que já todos conhecem. Desde que Fernando Gomes foi escolhido para assumir o pelouro das finanças, o passivo do FC Porto essencialmente duplicou: 532 milhões de euros. O ativo mantém-se agora praticamente inalterado, com 357 milhões de euros. Já os capitais próprios são abismais, ultrapassando os 175 milhões de euros.
Só Pinto da Costa saberá como é possível manter um administrador com tão paupérrimo desempenho no cargo. Os números são claros. Imaginem que um treinador chega ao FC Porto, herda uma equipa campeã e passa ano após ano a ter os piores resultados desportivos da história do clube. Ora, é isso que tem sido feito no pelouro das finanças. Sendo que não é possível ignorar que tudo obedece, ou deve obedecer, a uma hierarquia. Fernando Gomes nunca teve ou terá a palavra na hora de vender ou comprar jogadores. Não pode, sozinho, fazer nada.
Um presidente só é tão bom quanto os nomes que o rodeiam; o mesmo será dizer, quanto os nomes que escolhe para que o rodeiem. Mas voltamos ao início: estamos a falar de um mestre do póquer. E é nesse sentido que nasceu máxima expetativa em perceber o negócio antecipado por Pinto da Costa na entrevista à SIC e sobre o qual Fernando Gomes concedeu até duas entrevistas. O negócio que vai limpar os 175 milhões de capitais próprios negativos do FC Porto. Não se sabia, ou não se poderia saber, muito do negócio em causa, pois há contratos de confidencialidade (?) a respeitar, mas tanto Pinto da Costa como Fernando Gomes deixaram o universo portista de água na boca.
Foram-se as 12 badaladas, as uvas passas e os adeptos do FC Porto ficaram como estavam antes: na expetativa. Nada foi comunicado. É um facto: o Relatório e Contas do primeiro semestre da SAD só é revelado no final de fevereiro. Só aí haverá a atualização do passivo, do ativo e, consequentemente, dos capitais próprios da SAD. Mas uma operação que visava, de forma histórica e surpreendente, limpar o maior buraco da história das Sociedades Anónimas Desportivas em Portugal é algo que se enquadra na definição pura de «informação relevante» para o mercado, logo que teria que ser comunicada. Tanto é que a CMVM pediu esclarecimentos e o FC Porto remeteu-os para o final de dezembro, da mesma forma que Fernando Gomes prometeu, em outubro, que os sócios seriam informados até ao final do ano da misteriosa e impactante operação de recuperação financeira.
Com 2024 em curso e sem mais detalhes sobre as cartas que Pinto da Costa terá na mão, resta esperar. Mas há uma certeza que pode tranquilizar os sócios: no final de fevereiro, faça chuva ou faça sol, o FC Porto terá que apresentar as contas do primeiro semestre. Com Otávio, com Champions, com Varela, com Iván Jaime, com tudo aquilo que fecha o último semestre e que foi prometido pela atual administração antes de se submeter a sufrágio. Podemos estar perante os maiores mestres do póquer, mas ninguém vai ter que ir às urnas enganado por um bluff, porque as cartas estarão na mesa.