É a principal consequência do empate em Braga: o Benfica já pode rever os seus planos para Alvalade. Se o FC Porto fizesse a sua parte, não haveria alternativa para o Benfica: teria que jogar para ganhar ao Sporting, riscando a estratégia defensiva e de contenção que Rui Vitória já abraçou em outros clássicos. Mas com a igualdade em Braga, tudo mudou: o Benfica pode agora jogar para dois resultados no clássico. Uma mudança no totobola que certamente vão apreciar.
O título ainda é possível, mas não para a equipa que esteve em campo diante do SC Braga, sobretudo na primeira parte. As gírias são muitas vezes vazias e pouco sustentadas, mas neste caso assenta que nem uma luva: uma equipa que não joga nada. Bem sabemos que o talento individual dos jogadores - leia-se Brahimi - e as bolas paradas (ninguém marca mais do que o FC Porto desta forma no Campeonato) têm os seus limites para aguentar o barco, mas uma equipa que quer ser campeã, por mérito próprio, não joga desta forma.
Isso, tal como na época 2014-15, não pode invalidar ou abafar o que se vai passando ao som do apito. Foi mau de mais. O Braga bateu o recorde de faltas cometidas em Portugal (32!) e, ainda assim, conseguiu a proeza de acabar o jogo com menos cartões do que o FC Porto e com 11 jogadores em campo. As arbitragens inclinaram nitidamente o campo em desfavor do FC Porto esta época. Isso é algo de que Nuno Espírito Santo e os jogadores não têm culpa. Mas o passado recente, nomeadamente há duas épocas, mostrou bem que os adeptos (a maioria) preferem vaticinar o demérito para a ausência de títulos do que culpabilizar as péssimas arbitragens. Tem que haver um equilíbrio, claro.
Em 2014-15 fizemos 82 pontos, e não chegou para o título por um fenómeno chamado colinho. Neste momento, na melhor das hipóteses, o FC Porto pode chegar aos 83 pontos, sendo certo que já tem mais golos sofridos do que na totalidade da referida temporada, o que também vai deteriorando o mérito possível no futebol praticado esta época: o bom trabalho defensivo.
Estar, neste momento, ainda na luta pelo título continua a ser um grande superar de expetativas, tendo em conta a forma como foi preparada a pré-época. Mas após meses e meses de adversidades que, de maneira mais ou menos ortodoxa, a equipa ia conseguindo superar, é desolador testemunhar a apatia, falta de ideias e o caos táticos que se passeou em Braga. Eram capazes de mais. Deviam ser capazes de mais.
E agora? Resta torcer pelo Sporting, esperar que consigam vencer o Benfica. E caso esse milagre aconteça, nos restantes 5 jogos pode não ser necessário apenas vencer, mas sim também golear. E isso não se consegue a jogar como em Braga.
Brahimi (+) - Não poderemos contar com ele frente ao Feirense, por ter dito algo em francês que, rezam as crónicas, o quarto árbitro não percebeu. Ou então sim: se foi de facto isto que aconteceu, o FC Porto tem que se socorrer de todas as vias necessárias para anular a expulsão. É ridículo de mais para ser verdade. Sapunaru, um dos nossos, divertia-se a mandar os árbitros irem para as couves em romeno. Aparentemente, os árbitros percebiam o que ele dizia, pois se não percebessem, segundo o mesmo critério, teria sido mandado muitas vezes para a rua. Absurdo.
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Futebolisticamente falando, é um oásis no futebol do FC Porto: à sua volta, só se vê um deserto, um deserto de ideias coletivas. Brahimi recebe invariavelmente a bola em zonas demasiado distantes da baliza. Consegue sempre deixar um ou dois para trás, mas depois não aparecem soluções em zonas mais interiores. Está a rematar mais (foi o mais rematador da equipa), mas sobretudo por não encontrar alternativas. Vai remando contra a maré com inconformismo, irreverência e uma revolta nítida de quem quer que as coisas saiam melhor. A ele e à equipa.
Alex Telles (+/-) - Somou mais uma assistência para golo e foi o jogador que conseguiu forçar mais vezes a entrada na grande área adversária (mais do que Brahimi ou até Soares e André Silva, o que mostra bem o resultado de encostar André Silva ao flanco - já lá vamos). Só perdeu um lance de 1x1 e criou mais duas situações de golo, infelizmente desperdiçadas, e cometeu o erro num momento crítico: o cruzamento do qual saiu o 1x0. Ainda assim, soube reagir ao erro.
O livre dos 85' (+/-) - Isto não nasce da inspiração do momento: é um tipo de lance que se trabalha nos treinos, e que tem que ser repetido muitas vezes até sair bem. E saiu (quase, quase...) bem. Minuto 85, livre em zona frontal, e o reflexo de qualquer equipa pode ser o de tentar o remate direto ou a bola bombeada para a grande área. Mas ali houve calma, cabeça e inteligência para surpreender o adversário e tentar um novo tipo de bola parada: bola curta no livre, cruzamento para a grande área e Danilo a aparecer na perfeição na zona de finalização. Mas não apenas Danilo: o próprio Felipe aparece solto de marcação mesmo ao lado, pronto para encostar. Infelizmente, Danilo falhou uma grande oportunidade, naquela que foi uma das melhores jogadas do FC Porto 2016-17 - e só foi preciso três toques para a criar. Tivesse a bola entrado e poderia ter sido uma jogada a marcar a época. Mas, pelo menos, viu-se trabalho de casa dos treinos. Não o suficiente para passar no exame, infelizmente.
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André Silva à direita (-) - Não há palavras simpáticas para o descrever: André Silva está a ser uma nulidade encostado à faixa direita. E isso não tem a ver com a qualidade do jogador, mas sim por não ter caraterísticas para jogar naquela posição, naquelas funções. Vale para André Silva como valeria para Soares: temos dois pontas-de-lanças feitos para jogar na grande área, não encostados na faixa para servir de apoio a um ataque que pouco produz.
André Silva jogou várias vezes com grande amplitude e liberdade na primeira metade da época, mas sempre tendo o eixo como referência. Sabia que tinha que aparecer na grande área, os movimentos que tinha que fazer, quando devia descair nos flancos para dar apoio. E quando André Silva começou a jogar mais por dentro em Braga, fazia-o bastante distante da grande área. O resultado foi este: André Silva tocou duas vezes na bola na grande área, perdeu 16 vezes a posse e só conseguiu ganhar um lance de 1x1. Sofrível, o equivalente a se algum dia um treinador tivesse a ideia de colocar Fernando Gomes, Jardel ou Falcao no flanco.
Não foi André Silva que desaprendeu. Simplesmente André Silva não pode desempenhar o papel que NES idealiza para aquela função. Nem ele nem Soares. Cabe a NES decidir: ou muda o sistema, ou então terá que rever os seus planos para aquela posição e quiçá jogar com apenas Soares ou André Silva. É certo que os dois juntos já revelaram sintonia e produtividade, mas com o puxão de André Silva para o flanco direito jogar com um ou dois não está a fazer diferença.
O vazio de ideias (-) - Bola longa, bola longa, bola longa. Patada para a frente, patada para o flanco, quem quiser quem a apanhe. É sofrível chegar a esta fase da época e ver o FC Porto jogar assim, sem a capacidade de sair em apoio, encontrar soluções entre linhas, jogar no pé em vez de procurar sempre o espaço. Não há ideias: a partir do momento em que a equipa adversária fecha os flancos, o FC Porto não tem outra alternativa senão dar a bola a Brahimi ou atirá-la em profundidade, à procura do espaço que não existe.
Este é um dos Bragas mais caóticos dos últimos tempos, e mesmo assim o FC Porto foi incapaz de aproveitar as limitações de uma equipa que a cada dois passes falhava um. Sim, o SC Braga teve apenas 55% de passes certos na segunda parte. Ou seja, a cada 10 passos que fazia, praticamente falhava metade. Diz isto que o FC Porto é capaz de recuperar a bola ou perturbar a circulação do adversário. Isso sim. O problema vem depois: não sabe o que fazer com ela. E sem a bola parada ou a inspiração individual dos jogadores, nada feito.
E no meio de todas estas limitações e dificuldades, o FC Porto chega à 30ª jornada ainda com esperanças na luta pelo título. O equivalente a percorrer uma maratona com cãibras, muitas vezes a mancar, uma técnica de corrida questionável, mas ainda sim ter a meta à vista e apenas um gajo à frente a correr, também ele a arrastar-se de bengala para chegar à meta. Há esperanças de que sofra uma rasteira e que fique caído. Mas com corridas como a de Braga não vamos lá.
PS: Muitos leitores notaram e questionaram uma redução no número de publicações d'O Tribunal do Dragão nas últimas semanas, algo que chegaram a chamar de «silêncio». Não se trata de silêncio ou ausência de temas que merecem comentário, mas indisponibilidade profissional e pessoal para corresponder ao número de posts desejado. As crónicas de jogo serão sempre publicadas (mesmo com atrasos, como aconteceu neste caso), mas não tem havido o tempo desejado para explorar outros conteúdos.
Ainda assim, há o reconhecimento que deve ser dado ao trabalho que está a ser realizado no Porto Canal, em particular no programa
Universo Porto. O Tribunal do Dragão escreveu, um dia, numa
reação a uma pequena polémica que muitos recordarão, isto: «
O Tribunal do Dragão faz o que gostaria que fosse o clube a fazer. O que provavelmente todos os leitores deste espaço gostariam que fosse o clube a fazer.» E é mesmo isso que o Porto Canal, em particular nas intervenções de Bernardino Barros e Franciso J. Marques, está a fazer: uma defesa sustentada do FC Porto nos bastidores e meandros do futebol português. Pertinente, incisiva, perspicaz. O Tribunal do Dragão terá sempre o seu cantinho na bluegosfera, mas é bom ver o FC Porto, finalmente, servir-se das suas vias oficiais para fazer o tipo de trabalho que os leitores se habituaram a apreciar neste espaço.