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Portugal, realidade à parte |
Tomemos a liga inglesa como exemplo. Em 2012-13, o QPR, que desceu de divisão, recebeu 50,56 milhões de euros só em direitos televisivos. Mais do que Benfica, FC Porto e Sporting receberam juntos na última época. Esta diferença abismal mostra bem o quão auto-insustentável é o futebol português.
A centralização dos direitos televisivos beneficiava os clubes pequenos (um trabalho interessante do Público, ainda que já antigo). Mário Figueiredo chegou à liga com a promessa não só do alargamento como da centralização dos direitos televisivos. Os clubes mais pequenos desesperam por receitas e agarraram-se à tábua de salvação que viram. Em vão. Não é segredo para ninguém o poder que a Olivedesportos ocupa no futebol português. Qualquer portista reconhece e entende a longa ligação do FC Porto ao império de Joaquim Oliveira - menos António Oliveira, claro.
A Olivedesportos, mais do que dona do negócio do futebol português, é uma financiadora da gestão dos clubes, muitas vezes adiantando verbas para fazer face aos problemas de tesouraria, como é o caso do FC Porto (ver R&C de 2013-14). O actual contrato da Olivedesportos é válido até 2018 e rende um total de 82,8 milhões de euros, quantia que não é repartida equitativamente por causa dos adiantamentos já referidos, não excluindo também rendimentos progressivos.
Em 2013-14, as receitas televisivas do FC Porto foram de 15.928M€, face aos 13.185M€ de 2012-13. O crescimento deve-se em grande parte à receita de 1.628M€ do Porto Canal. Mas este último ponto não é necessariamente uma boa notícia, pelo menos não em 2013-14, tem em conta que os fornecimentos e serviços externos cresceram sobretudo por culpa dos custos de exploração da PortoMedia. Logo ainda é cedo para perceber o impacto que o Porto Canal possa ter, mas vamos tomar como referência os 15.928M€ de 2013-14 (dos quais 14M€ oriundos da PPTV/Olivedesportos).
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Ligação deve continuar |
Em 2014-15, a SAD prevê receber 16M€ em receitas televisivas. Dinheiro que cobre sensivelmente 20% dos proveitos operacionais. Mas como o orçamento apresenta logo um défice à partida, que tem que ser coberto as mais-valias em transferências, neste caso as receitas televisivas vão cobrir apenas 14% das despesas operacionais para 2014-15. Quando comparado com o Reading ou um QPR, que conseguem pagar a época só às custas dos direitos televisivos, isto diz tudo sobre a nossa realidade.
É possível aumentar exponencialmente as receitas? Não. Não sob a batuta da LPFP, não sob a FPFP, não sob a Olivedesportos - e sob ninguém, a não ser que aparecesse algum maluco que vendesse os direitos desde a China à Índia. Obviamente o FC Porto não irá romper com a Olivedesportos enquanto Joaquim Oliveira tiver o seu império de pé. Estamos a falar de um parceiro de longa data do FC Porto e um acionista de 1/10 do capital social da SAD. Aliás, no final de 2013, a participação de Joaquim Oliveira passou a ver feita via Olivedesportos, não pela Sportinveste. E se Joaquim Oliveira não aproveitou a OPA para vender a sua participação, é sinal que a ligação ao FC Porto vai continuar.
E o pós 2018? Impossível prever. Os clubes não podem interferir nos direitos da Supertaça, da Taça de Portugal, da Taça da Liga (enquanto durar) e das provas da UEFA, mas são donos dos seus direitos televisivos do campeonato nacional. Pode o FC Porto usar o Porto Canal como meio de transmissão? Diria que não. Até Bruno de Carvalho, um sportinguista fanático, cego e que acredita mesmo que o Sporting é o maior e melhor clube português, percebeu que não é possível fazer isso no seu clube. No FC Porto também não. O único clube que tinha massa para isso (massa no sentido de procura de mercado) em Portugal, o Benfica, aventurou-se. E será que correu assim tão bem?
Tendo em conta que a Benfica TV foi um projecto que começou do zero, os resultados de 2013-14 são interessantíssimos. Que não se diga o contrário. Mas a verdade é que a Benfica TV não consegue gerar as receitas que a Olivedesportos lhe oferecia, por muito que se diga o contrário.
A Benfica TV gerou 17,1M€ na última época. Se disserem que rende mais do dobro do que o último contrato da Olivedesportos, claro que é um sucesso. Mas a verdade é que a última oferta da Olivedesportos, que valorizava o Benfica quase a uma escala FC Porto+Sporting juntos, era muito superior àquilo que a Benfica TV está a gerar. A Olivedesportos oferecia 22,2M€ por ano. A Benfica teve gerou 17,1M€. Ou seja, a Benfica TV fez menos 5,1M€ do que recebia se tivesse renovado com a Olivedesportos.
É possível aumentarem as receitas? Duvido. A Benfica TV já rompeu a barreira dos 300 mil assinantes (e o Vieira ainda anda à procura dos 300 mil sócios), números que reconheço como bons, mas teve custos na ordem dos 11M€ e contribuiu para um aumento de mais de 25% nos custos com pessoal. Que os custos possam ser reduzidos, é possível, pois a inclusão no perímetro de consolidação da SAD é sempre mais dispendiosa. Mas chegar a uma receita de 22,2M€/ano? Diria que impossível.
Benfica TV: bom negócio, mas que não engana |
Mas esta não era a única aposta da Benfica TV. A Benfica TV não queria gerar apenas receitas próprias, e talvez o próprio Benfica soubesse que não ia chegar aos valores da Olivedesportos. Mas teve outra vitória: o grande murro que deu no império de Joaquim Oliveira. Fragilizando a Olivedesportos, o Benfica fragilizava FC Porto (Joaquim Oliveira tem 10,01% da SAD) e até Sporting (Joaquim Oliveira tem 5,47%). Uma Olivedesportos com menos receitas via Benfica e consequentemente via Sport TV tornava-se uma Olivedesportos menos capaz de ser parceira dos rivais e de manter o futebol português a girar em seu redor.
De certa forma, a Benfica TV previa o fecho de outras duas torneiras: o BES e a PT. Coincidência ou não, com a queda do principal parceiro bancário do Sporting e do FC Porto e do maior patrocinador do futebol português, é a Olivedesportos, com os direitos televisivos, a maior responsável pelas receitas operacionais da SAD, só superada pelos prémios da UEFA. O BES caiu, a PT caiu, o Benfica planeava a queda da Olivedesportos. Feriu-a, mas para já continua de pé. A Olivedesportos precisava mais do Benfica do que o Benfica da Olivedesportos, mas o Benfica não ganha tanto como ganhava com a Olivedesportos.
Que futuro pós 2018? Impossível de prever. Muito pode mudar, não só face à queda da Olivedesportos nos últimos anos como ao próprio papel que a LPFP assumir (o futebol português ou será exportado ou continuará a afundar-se). Mas com uma coisa podemos contar: se é certo que a Olivedesportos não é tão forte sem o Benfica, não é menos verdade que deve passar a valorizar mais do que nunca o FC Porto como seu parceiro negocial.