Gonçalves Crespo (António Cândido
Gonçalves Crespo)
(1846-1883)
“Nasceu no Rio de Janeiro em 11 de
Março de 1846, mas veio estudar para Portugal, tendo seguido o destino normal:
o de matricular-se em Direito na Universidade de Coimbra.
O meio que ele vem encontrar, na
cidade universitária, já não é o de Antero de Quental. Os ideais são outros e
diferentes os Mestres. Está-se na Coimbra de João Penha e é em a FOLHA, por
este fundada, que se tornou como no órgão do parnasianismo português e onde
Crespo inicia a sua actividade literária. Ele é considerado o iniciador do
parnasianismo português. Usa descrições realistas de grande exactidão e talvez
excessiva preocupação estilística; coabita com narrativas dramáticas.
A saudade de uma terra brasileira e
de uma mãe que aí permaneceu inspirou-lhe poemas que reflectem essa dor e uma
certa inadaptação. É também um poeta que exalta o mar e os navegantes
portugueses.”
Lembremo-lo com as composições poéticas que se seguem, respeitando a
estrutura usada pelo Poeta.
I
Sesta agradável
A duas árvores frondosas e sombrias
uma rede fica
suspensa e nela bem talhada mestiça
dorme a sesta repousante com preguiça
e se perna estica,
faz arregalar os olhos do moleque
que balança a rede.
A macuma com sua voz arrastada
mais a fresca aragem do leque exalada;
reparai e vede:
dorme e nos seus lábios acobreados
há puro sorriso.
Quem sabe? Não parece estar a sonhar
com o seu Grande Amor que já a quer levar
p’ro “lar- paraíso”?
Mas de longe chegam magoadas vozes
de imensos cativos
que no “engenho” todo o dia mourijaram.
Da crioula as pestanas se levantaram:
oh! que rubis vivos!
II
O dia a dia na roça
No eirado mais mucambas eis a Sinhá
muito jovem e formosa a trabalhar:
toalhas de cambraia p´ra bordar;
trouxa de fino linho à espera está.
O Sol se foi e a noite, essa vem já.
Os pirilampos começam a brilhar
e passarada nocturna a piar.
Escuridão vai e a luz voltará.
Os tristes cânticos chegam de longe:
chusma de escravos, suados, regressam
do desumano trabalho, a chicote.
Outra voz se ouve: o tropeiro vem lá.
Mas tudo pára p’ra ouvir sabiá.
Depois recolhe o gado sob o archote.
III
Coração a sangrar
Teu coração tem espinhos e rosas.
Espinhos sou eu; rosas são lembranças.
Dos teus olhos lágrimas copiosas
suavizam dores, dão esperanças.
Quem chora, nenhuma moça garrida,
nem algum amigo, que lá deixei.
É quem me trouxe ao Mundo, enternecida,
e que sempre reza por mim, eu sei.
Quando no catre reclino meus ossos,
penso naquela que me deu a vida,
nos seus conselhos, nos segredos nossos
e até na sua gostosa comida.
Sofro sozinho: não digo a ninguém.
Entre mim e ti há o mar imenso.
Que estarás a fazer, ó doce mãe?
Não chores. Um dia regressar penso.
IV
Mater Dolorosa
A escuna da vista se escondia.
As abundantes lágrimas maternas
o seu rosto sulcavam. Eram lanternas,
revelando a amargura que lá havia.
Azul celeste tudo sempre espia,
entrando até nas mais fundas cavernas,
onde ancião procura para as ternas
crias tenros peixinhos: que folia!
Já surge a meiga Lua, mas em breve
dá a vez à Aurora que, de leve,
beija as azulinas águas d’Oceano.
E não dá conta a Mater Dolorosa
da sucessão do tempo. Mas chorosa
não tira os olhos do abismo magano.
Agostinho Alves Fardilha (o meu
pai)
Coimbra