Trovas
A lenda de “A sopa de pedra”
Conta-se que em Almeirim e tempos idos
um frade esfomeado e barrigudo,
instruído, expedito e não sisudo,
às portas batia, mas seus gemidos
nem os ricos lavradores convenciam
a darem para a fome qualquer cousa.
Muito madraço e preguiçoso ousa
vestir hábito e freires pareciam.
Até os cães sabiam distinguir
um falso irmão, de um conventual.
Ao nosso fradinho, que era real,
ladravam, é verdade, mas o latir
era outro: p’ra dizer que estava ali
alguém, a chorar, que metia dó;
tinha como que, na garganta, um nó;
de certo pedia algo para si.
Em ano de crise, pior ainda.
Uma vez mais insiste e do cancelo
chama os donos e em lastimoso apelo
descreve o motivo da sua vinda.
Era um casal rico, mas avarento.
O mendigo, de barriga vazia,
diz que sopa de pedra fazer ia.
Na panela, emprestada, pô-la dentro.
No pote- tudo dado- pondo vai
chouriço, unto, feijão, batata, sal.
Fervendo, sobe ao ar cheirinho tal
que o casal, pasmado, dali não sai.
A malga cedida, mais de uma vez
encheu e comeu o caldo com prazer.
E a pedra?- disse ela sem perceber.
Respondeu o frade:… p’ramanhã talvez!
Fym (fim)
Os bens, que temos cá, a Deus pertencem.
Entregar parte devemos aos pobres.
De coração sejamos sempre nobres
e os mais desamparados agradecem.
A avareza é hostil ao amor.
Decerto o frade não ia esquecer
o bem que o casal tinha de fazer:
pediria sorte p’ro lavrador!
Observação: trova, em oitavas de decassílabos, segundo o esquema abbacddc. Nas 1-ª e 3-ª estrofes a rima é grave; nas 2-ª e 4-ª, é aguda. No “fym”, os primeiros quatro versos são de rima grave e os restantes, de aguda. Em todas as estrofes adoptou-se a rima interpolada.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
A lenda de “A sopa de pedra”
Conta-se que em Almeirim e tempos idos
um frade esfomeado e barrigudo,
instruído, expedito e não sisudo,
às portas batia, mas seus gemidos
nem os ricos lavradores convenciam
a darem para a fome qualquer cousa.
Muito madraço e preguiçoso ousa
vestir hábito e freires pareciam.
Até os cães sabiam distinguir
um falso irmão, de um conventual.
Ao nosso fradinho, que era real,
ladravam, é verdade, mas o latir
era outro: p’ra dizer que estava ali
alguém, a chorar, que metia dó;
tinha como que, na garganta, um nó;
de certo pedia algo para si.
Em ano de crise, pior ainda.
Uma vez mais insiste e do cancelo
chama os donos e em lastimoso apelo
descreve o motivo da sua vinda.
Era um casal rico, mas avarento.
O mendigo, de barriga vazia,
diz que sopa de pedra fazer ia.
Na panela, emprestada, pô-la dentro.
No pote- tudo dado- pondo vai
chouriço, unto, feijão, batata, sal.
Fervendo, sobe ao ar cheirinho tal
que o casal, pasmado, dali não sai.
A malga cedida, mais de uma vez
encheu e comeu o caldo com prazer.
E a pedra?- disse ela sem perceber.
Respondeu o frade:… p’ramanhã talvez!
Fym (fim)
Os bens, que temos cá, a Deus pertencem.
Entregar parte devemos aos pobres.
De coração sejamos sempre nobres
e os mais desamparados agradecem.
A avareza é hostil ao amor.
Decerto o frade não ia esquecer
o bem que o casal tinha de fazer:
pediria sorte p’ro lavrador!
Observação: trova, em oitavas de decassílabos, segundo o esquema abbacddc. Nas 1-ª e 3-ª estrofes a rima é grave; nas 2-ª e 4-ª, é aguda. No “fym”, os primeiros quatro versos são de rima grave e os restantes, de aguda. Em todas as estrofes adoptou-se a rima interpolada.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra