João de Lemos
(1819- 1890)
“Este ultra – romântico e estrénuo miguelista, adepto furibundo da monarquia absoluta, nasceu no Peso da Régua, nas vésperas da Revolução de 1820. Vencidas as insurreições patuleias, desempenhou várias missões diplomáticas ao serviço de D. Miguel. O seu espólio poético está reunido em cancioneiro. A sua poesia é a mais aferrada a uma visão sentimmental – romântica das tradições; dela emerge uma ou outra nota de delicadeza, e sobretudo a mágoa de exilado que ficou gravada num dos mais famosos poemetos ro mânticos – a Lua de Londres”.
Vamos tentar absorver e transmitir o tecido poético de João de Lemos, através das composições que se seguem.
I
O Sino da minha Aldeia
Sonhando, ouço ao pé o toque
do sino da minha aldeia.
É alegre. Mais uma Alma
fugida da infernal cadeia.
Que repique tão festivo!
Que procissão infantil!
Criança, vou pertencer
ao Cordeiro e Seu redil.
No altar aguardando estou
a mulher da minha vida.
E o sino não esqueceu
nossa união tão querida.
O fruto do nosso amor
o lar encheu de alegria.
Da torre agradável som
também nos fez companhia.
A idade não perdoa:
para Deus vi – me subir.
E, ao passar junto do bronze,
acenei, mas a sorrir.
II
A Noite é um Jardim
Pr’outras gentes foi o Sol,
o arrebol
consigo leva e a sombra
vai tomando aéreo espaço,
como abraço,
mas só devagar assombra.
Aqui branco lugarejo
tem desejo
das luzes do escuro céu.
Por horas fica sem cor,
pois a flor
brilhante é apenas o véu.
Sem do dia a claridade,
de verdade
o regato a deslizar
já não retrata o azul;
no paul
os astros fica a admirar.
E nós, Amor, que faremos?
Ver iremos
as flores do teu jardim:
és a minha estrela – flor;
teu calor
abrasa dentro de mim.
Olha aquela luz correndo,
p’ra ti sendo.
Estes brilhos, flores em dança,
estreitam e seremos um :
mal nenhum
fará, querida; descansa.
Gostas destas flores de luz,
que te pus
agora no teu regaço?
Apolo ficou contente;
mas presente
Vénus mais seu embaraço.
Vem, Amor, uma e outra noite.
Que não coite
o dia de veres florido
e sempre variegado,
matizado,
jardim a ti parecido.
III
O Exilado
É triste ser exilado,
longe do torrão natal.
O tesouro armazenado
aqui não é o cendal
que encobre toda a frieza
imposta p’la Natureza.
Contraste com meu país,
faz lembrar, com saudade,
da minha terra a beldade.
Cá nunca serei feliz.
Não troco o Minho ou a Beira
Pela fortuna londrina.
Lá para nada há barreira;
Cá até p’ro ar puro há cortina.
E as Luas tão diferentes!
Não serão indiferentes
ao que se passa na Terra?
Lá ela protege o Amor.
Aqui, privada de cor,
C’o a Natureza faz guerra.
Em qualquer canto do meu
país, o sensual astro
protege o nobre ou plebeu:
à paixão serve de lastro;
beija as águas cristalinas
e anuncia que as matinas
vão acordar novo dia.
Vai amante Sol beijar,
abrindo de par em par
sua boca de magia.
Em Londres, a Lua pálida,
ficou toda enclausurada,
para todo o Amor inválida.
Por mais que seja esforçada,
não consegue rasgar véu
p’ra deixar sair do céu
as névoas que estão lá.
As estrelas fogem dela
e querem-na pôr em cela
ou expulsá-la de cá
.
.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra