Gomes Leal
(António Duarte Gomes Leal)
1848 – 1921
“Estreia-se em 1866 na GAZETA DE PORTUGAL, com uma poesia
intitulada Aguela Morta. Protegido por Luciano Cordeiro, começa a
publicar “folhetins” no jornal A REVOLUÇÃO DE SETEMBRO, dirigido por António
Rodrigues Sampaio. Em 1873 publica os poemas panfletários de cariz republicano
e socialista O TRIBUTO de SANGUE e A CANALHA. Em 1877, Teófilo Braga inclui A
CANALHA no Parnaso Português Moderno, prestando assim a primeira homenagem
importante a Gomes Leal. Em 1880, integrando-se nas comemorações camonianas
nacionais, Gomes Leal publica a FOME DE CAMÕES, identificando-se com o grande vate
pelo seu próprio destino de vagabundo genial. Entrgando-se à sua campanha
autimonárquica, Gomes Leal publica, em 1881, um panfleto intitulado A TRAIÇÃO
contra D.Luís e a sua atitude passiva perante a tão falada possibilidade da
venda de Lourenço Marques aos Ingleses.
Gomes Leal é preso por
tratar o rei de salafrário, pandilha, assassino, ladrão.
As preocupações políticas vão de par com as divagações místicas que se acentuam
cada vez mais, desde HISTÓRIA de JESUS, de 1883, e a primeira versão de O
ANTICRISTO (1886). Em 1900 reune várias poesias panfletárias dispersas na
colectânea intitulada FIM DE UM MUNDO. Em 1910, Gomes Leal converte-se ao catolicismo,
confessando-se publicamente católico e monárquico.
Ele, cuja obra a cada passo se confunde com a vida, é
considerado o poeta – génio marginal e predestinado, encarnando os males da
Pátria, de Camões e de Bocage. Pertence cronologicamente à Geração de 70”.
Recordemo-lo com as composições poéticas – que se seguem –,
respeitando a estrutura dos seus versos e os ideais que professou --- vários ao
longo da sua atribulada existência.
I
A vida é um palácio em ruínas
Sonhei que fui levado a
um palácio
de paredes esburacadas
e sem tecto,
num deserto qual livro
sem prefácio,
não alterando do meu
sonho o objecto:
sonhei que fui levado a
um palácio.
O téctrico palácio sem
gente,
com o vento a soprar e
o seu ruído
lembram de almas
penadas o confidente.
Desapareceu tudo, até
Cupido:
o tétrico palácio sem
gente.
Por mim chama uma
avermelhada rosa,
desconfiada, por entre
os buracos.
Diz-me que ali vive a dor
e, chorosa,
apela da sua mansão de
cacos:
por mim chama uma
avermelhada rosa.
O palácio é como o fim
de um mundo,
onde jamais viverá a
esperança.
Penetra, ó minha dor, e
no mais fundo.
C’o a alegria não faças
aliança:
o palácio é como o fim
de um mundo.
II
A Inglaterra, ave de rapina
Vives no meio do mar,
guiada pelo farol
da cupidez, teu manjar.
Rica, mas baço luar,
obstáculo do arrebol,
só pensas danos causar
às gentes de bom
crisol.
Corsos de garra afiada
em nada sois escrupulosa:
roubaram Nação amada,
Portugal assim chamada.
Em África, Mapa Rosa
destruiu, pela calada,
obra ingente e
gloriosa.
Malfeitores sempre os
Ingleses
que atacaram nossas
naus;
sua vida de malteses:
assaltavam os
Portugueses
como pássaros bisnaus,
que durante meses e
meses
se portaram quais
lacraus.
De tudo se apoderavam:
ouro e especiaria
e se outra coisa
encontravam
para o mar não a
lançavam.
Raça de pirataria,
só amor ao que roubavam,
mesmo fosse ninharia.
Culpa terá monarquia:
um rei quis negociar
Lourenço Marques e mais
via.
Recuou, se não havia
luta fraterna a travar.
Mais responsável seria
qu’os netos ruivo muar?
III
Salve, ó Virgem Maria
Deus enviou a semente
que em Nazaré germinou.
Numa árvore
simplesmente
uma Flor nos saudou.
Ia crescendo em beleza,
com a protecção divina.
Do céu vinha a
fortaleza:
já havia traçado a
sina.
Com descendente real
casaria, sendo o Pai
Espírito Celestial.
Logo a todos sobressai.
Ia crescendo na Graça,
quando um dia um Anjo
veio,
não esperando negaça.
Disse ser de Deus
correio.
Serás, sem mácula, a
Mãe
do Filho querido do
Altíssimo;
Filho e Redentor também
do mundo ora
infidelíssimo.
SIM à Vontade Celeste
e em permanente oração,
Mãe, com carinho
fizeste
cada um do Teu Filho irmão.
És deste mundo a
Rainha,
do Paraíso a porteira.
Um nosso rei muito
asinha
proclamou-Te Padroeira.
IV
A última Ceia
É tempo da Páscoa
festejar.
É festa importante para
os Judeus.
Discípulos e Mestre vão
cear,
mas antes Ele quer
lavar os pés seus.
Quando chega a vez dos
Apóstolos ao guia,
ele recusa e quase
perde o norte.
Mas olhando-O, há muito
que O não via
de rosto tão triste e a
prever a morte.
Lavados os pés,
sentaram-se à mesa.
Enquanto comiam, Jesus
falou
sobre a prisão e morte
com certeza,
dizendo-lhes que sempre
a todos amou
e que com eles estava
do Rabi
o traidor e que teve a pouca
sorte
de entrergar o Mestre
aos Judeus ali:
de rosto tão triste e a
prever a morte.
Pedro defendê-lo
sempre, jurou.
O Mestre repreendeu-o,
afirmando
que, quando o galo se
ergueu e cantou,
três vezes, mas firme,
O vinha negando.
Toda a Assembleia logo
fica muda.
Só o Mestre conserva
calmo porte;
de cada um o seu rosto
Ele estuda,
de rosto tão triste e a
prever a morte.
Porque sofres tanto,
Jesus amado?
Temes a dor na
crucificação?
Não, penoso irmão do Deus
incriado.
Sofro muito com tua
Ingratidão!
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra