Marquesa de Alorna
(1750 – 1839)
“ Tem-se dito – e com certa dose de justiça – que a Marquesa de Alorna ( D. Leonor de Almeida) é a nossa Madame de Stael, cabendo-lhe, pois, o mérito de poder ser considerada a verdadeira precursora do Romantismo em Portugal.
A sua vida é fascinante. Educada com a irmã no Convento de Chelas desde os 8 anos, enquanto o pai, à ordem de Pombal, cumpria pena na prisão no forte da Junqueira, D. Leonor de Almeida, com o seu espírito cheio de curiosidades, fez como que uma sucursal arcádica das visitas e das conversas que mantinha atrás das grades.
Estava-se numa época em que a clausura não era rigorosa. Podiam acorrer visitas ao locotório e, entre estas, começaram a aparecer admiradores vários da jovem poetisa, que logo o padre Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio) apelidara de Alcipe,nome que lhe ficara para sempre.
O casamento com um nobre germânico, e largas estadias, primeiro em Viena, depois em Lourdes, reforçaram o seu progressismo e o gosto pela poesia sentimentalista.
Falecido o irmão primogénito, herdou o título por que é mais conhecida.
A extensa obra , bem como a rasgada cultura desta mulher, é um misto de tendências diversas. Quantitativamente, predomina ainda em Alcipe o classissismo. No entanto, convém lembrar a tentativa de poesia cientista (Recreações Botânicas) e um certo número de composições funebremente sentimentalistas ou melancólicas”.
Recordemo-la com as composições poéticas, que se seguem.
I – Soneto
Amor de Mãe
Vénus, sensual, e apetecida
por todos os amantes, pede a Vulcano,
o marido, das forjas soberano,
que para o filho, amor da sua vida,
Eneias, com a história luzida
de Roma, fabricasse escudo arcano
desde a Loba até Triunfo Augustano.
Vulcano cedeu à deusa atrevida.
Eneias dos factos narrados ignaro,
admira, porém, a fama e o destino
dos vindouros que Jove põe a claro.
Cípria, rejeitando o pai cretino,
deste filho se torna sempre amparo:
no coração viverá seu menino!
Vocabulário:
Cípria = Vénus
pai cretino = Júpiter ou Jove
II – Elegia
Acorda , minha Alma, e vem Deus louvar.
Sai desses bosques sagrados e escuros,
Onde passas as noites a chorar.
Salta, ligeira, da tristeza os muros,
Não deixes destes olhos mais brotar
Corrente amarga e do meu peito duros
suspiros libertar. Já a Natureza
acordou e das Graças recebeu
do céu e da terra toda a beleza.
Lá vem o Sol, fugindo a Prometeu,
com quentes raios apagar frieza.
Olha as plantas e o espreguiçar seu.
Que maravilha! Até as flores coram,
as aves de música suave enchem
os céus, onde mais o Criador moram.
Deus, minhas dores até Contigo mexem,
e, agora, mais acalmados, Te imploram
que a má sina e as Fúrias me deixem.
Vocabulário:
Graças= divindades que personificam a beleza
Prometeu= génio do fogo, roubando-o ao céu
Fúrias= deusas da vingança
III- Apólogo
O Galo e a Raposa
A raposa, esfomeada,
do monte desce aos quintais
à procura de caçada
que a barriga enchesse mais.
A Aurora ia fugindo,
quando ouviu galo cantar.
P’ra lá correu sem parar.
Oh! Galináceo, lindo...
Era grande e oh! Que crista!
Chegando, disse: bom dia,
amigo. O canto é d’artista.
Vem fazer-me companhia.
És muito tonta, matreira
raposa. Já lambes a boca.
Galo tenro na pança oca
sabia que nem “gingeira”.
Embora foi cabisbaixa
a raposa. O galo alegre
cantou. Isto só rebaixa
quem na mentira se integre.
Agostinho Alves Fardilha (o meu pai)
Coimbra
Foto:internet