Idílio
I
Ó Tágides do rio caudaloso,
ó côncavos rochedos, que guardais
os meus e de Dulcineia meigos ais,
dai-me um coração menos lutuoso
II
Rústicas e odorantes flores os prados
enfeitam.É a úbere Primavera:
das louçãs pastoras meiga quimera,
pr’os rebanhos pastos de muitos grados.
III
P´ra mim sois desvelo e também receios
d’ela faltar ao combinado encontro.
Vinde depressa assistir ao recontro
dos meus suspiros, lágrimas e anseios.
IV
Algo no meu coração me avisava
que ela algures ficaria retida
e contra sua vontade impedida
de abraçar por quem tanto suspirava.
V
Como as lágrimas dos olhos secar?
Haverá quem suporte esta amargura?
Para a minha dor não encontro cura;
dia p’ra dia aumenta o meu pesar.
VI
Meu amor, o que daria p’ra ver
agora os teus formosos e tristes olhos,
que, de repente, se tornaram abrolhos,
que rasgam a Alma, fazendo-a sofrer?
VII
O pensamento só em ti repousa.
Sou companheiro do céu estrelado;
ainda vivo, mas descontrolado:
não durmo e confortar-me ninguém ousa.
VIII
Soube hoje que teu par noivo arranjou
p’ra ti. Mas as nossas juras de amor
não são perenes? Sofres e a minha dor
p’ro corpo a sepultura já cavou.
IX
Choro quando recordo de, ao sol posto,
ver-te sentada na areia, brincando,
e com a espuma da água molhando,
rindo-te, esse teu belo e alvo rosto.
X
Disseram-me que já enviovaste
e que outro marido, rico, já tens.
Não foste leal, mas presa manténs
quem ainda te ama, e atraiçoaste.
XI
No corpo habita doença mortal.
Meu pecado foi entregar-me a ti.
Valeu a pena pelo que senti!
Sê feliz; perdoo-te todo o mal.
Vocabulário:
lutuoso = triste
grado = gosto
recontro = peleja
abrolho = espinho
Agostinho Alves Fardilha( o meu pai)
Coimbra
Foto:internet