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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Marcelo Tas: “A liberdade de expressão é inegociável, não apenas no humor”

Tas foi âncora do CQC durante seis anos. (Foto: Jairo Gold Flus)  

Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 12 de outubro de 2020

Marcelo Tas: “A liberdade de expressão é inegociável, não apenas no humor”

Ícone de programas históricos da TV, apresentador cobra reinvenção do meio e rejeita a pecha de que o ‘CQC’ tenha alçado Bolsonaro à Presidência. Ele também defende o legado de Paulo Freire e prega que a liberdade de expressão não deve estar sob jugo do Supremo. “O STF não pode ser o VAR das fake news”

Por Breiller Pires

Ter se formado engenheiro antes de migrar para dentro da televisão foi um diferencial na carreira de Marcelo Tas. “Sempre tive uma cabeça muito técnica”, conta o apresentador que, nos ainda analógicos anos 90, se converteu em uma das figuras mais emblemáticas da TV brasileira. Explorador precoce do universo digital, ele buscou uma linguagem que aproximasse as atrações televisivas dos jovens impactados pela revolução tecnológica iniciada no fim do século passado. De Ernesto Varela ao CQC, o antenado Tas perseguia por tabela um modo de tornar os debates políticos menos enfadonhos para seu público. Prestes a completar 61 anos, virou também um provocador inclinado a cutucar os vespeiros ideológicos. “Não tenho rabo preso com determinada tendência política. E isso me prejudica”, pondera. “Tenho amigos de esquerda, direita e de centro. Às vezes, todos eles ficam chateados com o que eu falo.”

 O CQC (Custe o Que Custar) recolocou Tas no centro das tensões. Lançado no Brasil em 2008 pela produtora argentina Cuatro Cabezas e transmitido pela Band, o programa fez sucesso em suas primeiras temporadas por impulsionar uma cobertura bem humorada, porém ácida dos bastidores de Brasília. Entre os quadros satíricos com políticos de maior repercussão estão os protagonizados pelo então deputado ultradireitista Jair Messias Bolsonaro. Recentemente, em entrevista ao Conversa com Bial, a ex-integrante do programa Mônica Iozzi fez um mea-culpa por ter dado voz —inclusive diante de falas racistas e homofóbicas— ao extremista que mais tarde seria eleito presidente do Brasil. “Ele foi muito mais inteligente do que nós, do CQC”, avaliou Iozzi. “Eu nunca consegui ter essa visão ampla de que, ao invés de estar fazendo uma denúncia, eu poderia estar dando palanque e aumentando o alcance daquele discurso de ódio", disse a atriz.

Tas rechaça a tese formulada pela ex-colega. “Respeito a opinião da Mônica. Ela é uma mulher de grande talento, chegou aonde chegou por mérito, mas só deu entrevista ao Pedro Bial porque fez o CQC. O programa foi um palco, um palanque para muitos talentos como ela.” Primeiro âncora da atração, ele entende que, por ter se passado tanto tempo entre os quadros com Bolsonaro e sua eleição, não faz sentido culpá-la pela ascensão do atual mandatário da República. “Eu saí do CQC em 2014, e o Bolsonaro foi eleito em 2018. É surreal alguém achar que nós contribuímos para o Bolsonaro ser presidente, e não os 60 milhões de brasileiros que votaram nele”, afirma, ressaltando as inimizades de distintas correntes acumuladas pelo programa. “Nós recebemos processos de vários partidos, o que mostra nossa independência. O CQC não criou Bolsonaro. Aliás, ele ainda me deve 2.000 reais.”

A quantia se refere a um dos processos movidos pelo ex-parlamentar contra Tas. Na ação, Bolsonaro requeria indenização de 20.000 reais por danos morais e exigia multa diária de 10.000 reais caso o apresentador voltasse a se referir a ele pelos termos “racista, preconceituoso e homofóbico”, como havia feito durante uma entrevista, em 2017. A Justiça de São Paulo interpretou que Tas usou da liberdade de expressão para criticar o então pré-candidato à Presidência e, em abril de 2019, extinguiu o processo, determinando que Bolsonaro arcasse com as despesas processuais equivalentes a 10% do valor atribuído à causa. “Algum oficial de Justiça precisa ir cobrá-lo”, reivindica Tas sobre a dívida do presidente. “Não foi a primeira vez que ele me processou. A intenção é intimidar. Eu acho isso grave. Nenhuma autoridade da República pode se blindar das críticas. No Brasil, acontece o contrário. Eles têm a imunidade, não o cidadão.”

Como comunicador, Tas reconhece a necessidade de se combater notícias falsas. Entretanto, coloca a liberdade de expressão, que o livrou de ser condenado no processo de Bolsonaro, acima dessa cruzada. Para o apresentador, ela está em risco com o inquérito das fake news a cargo do STF, que investiga redes ligadas ao bolsonarismo por disseminação de boatos e ameaças a ministros nas redes sociais. “O STF não pode ser o VAR das fake news”, diz, traçando um paralelo com a tecnologia do árbitro de vídeo empregada no futebol. “O VAR é o cidadão. É quem tem de ter autonomia e discernimento de olhar para as fontes [da notícia] e dizer se confia ou não. Agências de checagem são um grande avanço, mas não a solução. [Os ministros] Estão usando um conceito muito amplo para determinar o que é notícia falsa”, avalia. “Para mim, a liberdade de expressão é inegociável, não apenas no humor. Isso não quer dizer que vale tudo. Quando alguém se sente atingido por uma reportagem ou uma piada, tem todo o direito de ir à Justiça. Mas colocar um limite é absolutamente contra os meus princípios.”

Ele lembra que, na época de CQC, também chegou a ser processado pelo PT. Critica o partido e seus correligionários por ainda dependerem de uma figura messiânica. “Até hoje, Lula é o salvador da pátria para os petistas, mesmo sendo acusado de tudo. E não estou aqui debatendo se o Lula roubou ou não roubou. Eu falo de Belo Monte, não do triplex no Guarujá. Até hoje não entendi por que foi construído Belo Monte, o primeiro grande ataque à Amazônia. Os atos de governo não são abstratos. Petrobras, fabricação do maior navio do mundo, obras faraônicas… A troco de quê?”, questiona Tas, que ainda diz ter se decepcionado com outro ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso. “Parece que o FHC se arrependeu de ter aprovado a reeleição. Mas ele se beneficiou disso. Agora é tarde. Não conseguiu deixar um legado nem criar um partido com musculatura para prosseguir.”

Apesar das críticas, o apresentador ressalta que não demoniza presidentes nem governos passados. “Não quero dizer que eles [Lula e FHC] não tiveram nenhum valor. Para minhas expectativas, eles fracassaram e não colaboraram para o avanço da democracia. Eles, sim, têm responsabilidade pelo Bolsonaro. Ambos abraçaram o Sarney, tiveram o mesmo Godfather [em alusão ao filme O Poderoso Chefão]”, alfineta Tas, antes de direcionar novamente os canhões ao líder petista. “O Lula ainda inovou, inventando o Temer como vice da Dilma. Quando ela é impeachada, Lula vem nos dizer que o Temer é o capeta. Só faltou falar que a culpa era do CQC”, ironiza. “A gente tem dificuldade de encerrar ciclos no Brasil. O ciclo anterior, do PT, não aceita que os danos que causou criaram a oportunidade de surgir um sujeito como Bolsonaro.”

Tas conta que já foi convidado por vários partidos para integrar campanhas políticas, mas nunca aceitou. “O que é bem diferente de dar declaração de voto”, afirma. Na última eleição presidencial, diz ter votado em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno e endossado o petista Fernando Haddad no segundo. “Mesmo com todas as ressalvas que tenho ao PT, Bolsonaro não representa uma visão política. É muito despreparado e gera uma onda de ódio péssima para o Brasil.” No entanto, o apresentador se contrapõe às correntes que pregam a deposição do presidente ou a inviabilização do Governo. “Tem muita gente que interpreta como uma defesa a Bolsonaro. A partir do momento em que ele ganhou a eleição, temos de fechar o ciclo e cuidar do país. Aí as pessoas ficam querendo tirar o Bolsonaro… É preciso virar o disco, seguir em frente.”

Oposição a regimes socialistas, reverência a Paulo Freire

Em agosto, Marcelo Tas foi convidado para compor a bancada do Roda Viva que entrevistou o humorista da Globo, Marcelo Adnet, autodeclarado como “um cara de esquerda”. Numa das intervenções, Tas provocou Adnet dizendo que em Cuba ou na China, repúblicas socialistas, não haveria humoristas devido à censura. O tema gerou reações de outros profissionais do humor, como Gregório Duvivier, que retrucou o suposto apartidarismo de Tas. “Se você não é transparente quanto às suas adesões, não deveria culpar o humorista que é”, escreveu Duvivier.

Indiferente à repercussão de sua fala no programa, Tas reforça a repulsa pessoal a regimes socialistas que, em sua visão, historicamente descambam no autoritarismo. Ele mantém a posição de que, por medo da repressão governamental, inexiste humor livre em países regidos pelo socialismo. “O Gregório, a quem eu respeito, saiu me cancelando, prometeu que me mandaria um link sobre a história de oito humoristas cubanos. Mas é fato que não há um Adnet em Cuba. E, antes do Roda Viva, tinha gente que ainda não percebeu isso. Tem a ver com a incapacidade de admitir o óbvio: não há liberdade de expressão em Cuba. Quando alguém tenta me atacar por dizer a verdade, é por ignorância ou cegueira. Nesse caso do Gregório, acredito que seja mais por cegueira mesmo.”

Sem esconder seu descontentamento com o ambiente inflamado do debate político brasileiro, Tas crê que se gasta muita energia em discussões que não deveriam ser prioridade no país que, na última semana, superou a marca de 13 milhões de desempregados, maior nível desde 2012. “Vivemos brigando simplesmente pra ver quem vai estar na Presidência”, reclama. “Agora a gente começou um debate pra ver se o Stalin é um cara legal só porque o Caetano Veloso leu um livro [Revolução Africana: Uma Antologia do Pensamento Marxista]. Stalin já é uma história processada. Parece que o guruzinho youtuber [Jones Manoel] do Caetano também é a favor da nacionalização do Facebook. É muito ruído e pouco caldo intelectual. A gente volta pro começo do jogo ao ficar brincando com coisas sérias. Somos muito infantis. Eu amo as crianças, são seres incríveis. Mas uma criança de 20, 30 ou 70 anos, não dá.”

Por sua vez, o historiador marxista Jones Manoel, que se aproximou de Caetano após relacionar o liberalismo à colonização e à escravidão no Brasil, em vídeos publicados em seu canal no Youtube, rejeita a pecha de “stalinista”. “Ninguém sério colocou Stalin no centro do debate nacional. O que aconteceu, depois de uma fala de Caetano, é que liberais sem capacidades para um debate sobre sua história levantaram o fantasma da Geórgia como expediente de fuga teórica. Aliado a isso, é fato público que as redes sociais ocidentais são instrumentos da política externa dos Estados Unidos. Alguns já esqueceram as denúncias de Edward Snowden e a espionagem contra a Petrobras ou nunca estudaram as operações de regime change”, diz Manoel, que, em resposta a Tas, também se desvia do rótulo de mentor intelectual de Caetano. “Se fosse guru de alguém, meu conselho seria sempre estudar. Todo analfabetismo, até o ilustrado e político, pode ser superado. Estamos na terra de Paulo Freire.”

Nesse ponto, ao menos, convergem pela intransigência de Tas na defesa do legado do histórico educador pernambucano. No ano passado, o apresentador convidou para participar do Provoca, seu programa de entrevistas na TV Cultura, o ex-colega de CQC, Danilo Gentili, a quem sempre defendeu nos embates por piadas consideradas agressivas. Ao escutar o humorista se referir a Paulo Freire como “estelionatário”, Tas pediu a Gentili que citasse uma frase do patrono da educação brasileira que ele discorda, mas o humorista não soube mencionar nenhuma. “Fiquei decepcionado com Danilo, que é uma pessoa que eu admiro, sendo influenciado por quem leu ou acha que leu Olavo de Carvalho [filósofo de extrema direita e bolsonarista]. Volta e meia alguém fala uma besteira sobre Paulo Freire. Vivemos a ejaculação precoce de jovens intelectuais que querem sair falando coisas. Revelei ao Danilo que ele não sabe quem é Paulo Freire.”

Em sua trajetória, a descoberta da obra de Freire veio ao apresentar mais de 1.000 programas —"o equivalente a três novelas", resume Tas— do Telecurso 2000, projeto de ensino à distância que ele ancorou na década de 90. “A base estrutural utilizada pelos pedagogos do Telecurso foi o Paulo Freire”, conta. “É a maior referência intelectual brasileira da história, reconhecido em todo o planeta. Seu fundamento é que nós temos de aprender com a vida, com o dia a dia. Isso é mais importante que a opinião de alguém que acha que ele é de esquerda. Tem gente politizando a ciência e até vacina ultimamente, mas um cara como Paulo Freire não pode ser moeda de briga partidária.”

Por uma revolução na televisão

“Olá, sou Ernesto Varela.” Foi assim que Marcelo Tas se apresentou, em sua primeira entrevista interpretando o personagem de um repórter, ao cantor Moraes Moreira, em meados dos anos 80. Pouco antes, havia comunicado aos pais que não seguiria a carreira de engenheiro para se dedicar ao teatro e as artes visuais. “Foi foda”, diz, ao recordar a indisfarçável decepção da família com a decisão. A convite de Fernando Meirelles, a quem conheceu nos tempos de faculdade, entrou para a produtora Olhar Eletrônico, que Tas define como um “coletivo de artistas”. Com a oportunidade de produzir para a televisão, em caminho aberto por Goulart de Andrade na Gazeta, o grupo dá um salto e precisa aumentar a escala de produção. E é nesse contexto que Tas engenha seu papel inaugural na TV.

“Estudamos compulsivamente para desenvolver a estética do Ernesto Varela”, explica. As referências para bolar a personalidade de um repórter tímido, mas, ao mesmo tempo, destemido e sagaz foram de Nietzsche e Platão ao filósofo iluminista Voltaire. “Buscamos encenar um cara irônico que se coloca como ingênuo pra tentar entender a verdade.” Varela rapidamente ganhou corpo e reconhecimento. Entrevistou personalidades como Paulo Maluf, Pelé e Nabi Abi Chedid, famoso deputado estadual e cartola de São Paulo, que, quando era chefe da delegação brasileira na Copa de 1986, se irritou ao ser indagado sobre a recomendação aos jogadores para não falar de política. “Qual é sua próxima jogada?”, perguntou Varela, para a ira do dirigente. “O objetivo era justamente esse: tirar o entrevistado da zona de conforto”, diz Tas.

Há pouco tempo, soube pela filha que um vídeo antigo de Varela, entrevistando um garoto “carioca da gema” na praia, tinha viralizado no TikTok. Depois da participação no Roda Viva, outro esquete de Varela voltou à tona. Uma viagem a Cuba, em 1985, onde entrevistou cubanos nas ruas de Havana sobre o Governo socialista de Fidel Castro. “Eu estive lá e fui detido. A polícia me abordou porque eu entrevistava um menino que dançava que nem o Michael Jackson. Meu vídeo jamais seria emitido em Cuba”, diz o apresentador. Mais tarde, já no século XXI, ao se despedir do comando do CQC, um dos criadores argentinos da atração lhe confidenciou que Ernesto Varela servira de inspiração para o programa. “Daí eu lembrei que tinha trocado umas fitas com gente da Argentina nos anos 90. O CQC tem o DNA do Varela, mas foi muito além.”

Tas avalia que um dos méritos da versão brasileira, na mesma pegada de Varela, foi ter escarafunchado o Congresso Nacional em busca de parlamentares ocultos e pouco conhecidos do público. “O CQC revelou o baixo clero ao Brasil, incluindo o Bolsonaro, mas com uma visão crítica.” Outro trunfo elencado pelo apresentador era a interatividade, a exemplo de um backstage ao vivo exclusivo para a Internet. “Vários integrantes do CQC vieram das redes sociais. Fomos o primeiro programa nativo digital da TV brasileira.” Entusiasta de novas tecnologias, Tas também foi um dos pioneiros entre comunicadores de televisão no Twitter. Criou sua conta —hoje com quase 10 milhões de seguidores— em 2007, mas a convicção de que o futuro de seu ofício estaria na Web brotou bem antes, em 1988, quando ganhou uma bolsa de estudos em Nova Iorque. “Estudei sobre sistemas interativos e naveguei em um dos primeiros Macintosh. Voltei para o Brasil muito siderado.”

A experiência no mundo digital influenciaria outros trabalhos marcantes na TV, como Professor Tibúrcio e Telekid, nas consagradas séries de Rá-Tim-Bum, e o Vitrine, que, sob sua batuta, cobriu o início da popularização da Internet. No ano em que se comemoram o septuagenário da televisão brasileira, Tas salienta que as emissoras precisam pensar fora da caixa para sustentar a relevância em meio à revolução dos youtubers e influenciadores digitais. “Se a TV continuar olhando pro passado, vai tropeçar feio”, afirma. “Isso não vale só pra televisão. A mudança na comunicação é muito robusta. No caso da TV, especificamente, por conta de seu poder, ela esnobou por um bom tempo essa transformação. E agora paga um preço alto.”

Embora o apresentador ainda mantenha um programa na TV Cultura, faz tempo que a televisão deixou de ser sua principal atividade. Além de tocar projetos na área de educação, ele criou uma produtora de conteúdo customizado para empresas. Se orgulha de levar ao Provoca lideranças negras e indígenas em nome da diversidade. “São pessoas que superaram barreiras e venceram, mas não têm espaço na TV”, diz Tas, que se posiciona a favor de políticas de reparação como as cotas raciais, apesar de ser mais conservador em relação aos pleitos por igualdade social. “Acabar com a desigualdade é papo furado de político, mas podemos ter esperança em oportunidades iguais para todos. O que tem de fazer é simples, ainda que o simples não seja fácil”, sugere, remetendo a seu mais clássico personagem. “Educação e oportunidade: essa é a fórmula do Professor Tibúrcio para um mundo melhor.”

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Entrevista! Marcelo Tas fala sobre os tabus masculinos...



Publicado originalmente no site Revista Donna, em 29/07/2016 

Entrevista! Marcelo Tas fala sobre os tabus masculinos e a relação com o filho transgênero Luc

Por Thamires Tancredi 

Provocador por natureza, Marcelo Tas parece ter herdado de um de seus mais célebres personagens o dom de questionar. Desde 1983, quando estreou na pele do repórter Ernesto Varela, que colocava o dedo na cara de políticos com perguntas desconcertantes, o jornalista, ator e apresentador coleciona trabalhos em que a máxima é divertir sem deixar de fazer pensar. No currículo, inclua o Professor Tibúrcio, da série infantil Rá-Tim-Bum, um clássico da TV Cultura, o Telekid do Castelo Rá-Tim-Bum e, nos últimos anos, o comando da bancada do CQC, que deixou em 2014.

Depois de sete anos na Band, Tas agora é um dos quatro amigos com perfis completamente distintos do Papo de segunda, atração semanal do canal GNT voltada ao público masculino. De peito aberto, ele, o jornalista Xico Sá, o cantor e compositor Léo Jaime e o ator João Vicente de Castro debatem temas do universo masculino e não pensam duas vezes antes de expor experiências e vivências pessoais.

— É o programa mais difícil que já fiz, porque chegou a hora de eu mesmo me colocar. Em outros, como o CQC, onde existia mais uma persona falando do Brasil e dos problemas, era um papel muito mais fácil do que o que tenho que desempenhar no Papo de segunda — diz Tas. — Aqui o fogo está muito mais próximo de alguém que eu desconheço, que sou eu mesmo. Se colocar é um exercício, estou aprendendo.

Mas o diálogo de Tas com o público vai além da atração exibida toda segunda, às 22h. No Twitter, onde se define como “jornalista, comunicador e extraterrestre”, ele divaga, alfineta e polemiza com seus mais de 9,3 milhões de seguidores. E tem ainda o blog Tasômetro, em que debate temas como ocupação das escolas e impeachment e até dá dicas de livros. Na entrevista a seguir, Tas aponta quais são os temas que geram mais polêmica entre a ala masculina, o que ainda é tabu para eles e discute a participação dos pais na educação dos filhos – além de contar mais sobre a relação com Luc, seu filho mais velho, que é transgênero.

Entrevista!

Na TV, temos vários programas dedicados às mulheres, mas um espaço exclusivo para falar sobre o homem é novidade. Como é falar deles e para eles no Papo de Segunda?
É dificílimo! Nós somos muito básicos, não temos complexidade. Aquele estereótipo cerveja, mulher e futebol tem muita verdade. Não que necessariamente todo homem goste de cerveja, mulher e futebol, mas o homem se satisfaz com coisas muito simplórias. É mais ligado ao primitivo, ao caçador, e a mulher é a complexidade, a sensibilidade, o inesperado. Tem essa coisa lunar, essa relação diferente com a natureza. Elas são complexas como a natureza. Ali, nos colocamos como operários do amor. No fundo somos homens básicos tentando uma tarefa inglória que é abrir o coração e nos entregar, enquanto cutucamos nossos telespectadores para fazer o mesmo. Ou pelo menos para deixá-los constrangidos em casa ao lado das suas mulheres (risos). Procuramos fazer isso com humor porque é uma forma de haver diálogo. Tentamos não falar disso de uma maneira autoritária, cheia de certezas. A gente faz questão de colocar nossas próprias precariedades e dúvidas em cima da mesa.

Vocês recebem sugestões de pauta do público?
O público é nosso pé na terra, é muito legal. Por isso, faço tanta questão, desde o início, de colocar o máximo possível o público, durante o programa mesmo, na tela. Creio que temos conseguido mais participação do público nos últimos meses, até pelo fato de o programa ser ao vivo. Às vezes, ficamos em uma divagação e vem alguém nas redes sociais e joga na tela um fato ou uma vivência muito real, e aquilo ajuda o programa a pegar de novo no tranco, a olhar para a vida de uma maneira mais sincera. Esse é um DNA meu, de fazer televisão ouvindo o espectador.

No Saia Justa, causou polêmica quando as apresentadoras falaram de aborto. Qual foi o tema que mais gerou discussão no Papo?
O machismo é um tema recorrente do programa em vários recortes, e geralmente causa grande movimento em casa. Percebo que muita gente vê o programa junto com alguém, o que acho bárbaro. Isso para mim é um presente: perceber que algumas pessoas reservam a segunda à noite junto com alguém que amam e que querem trocar alguma ideia sobre o que estamos ali fazendo. Como lidar com o afeto, com a pessoa amada, é algo que sempre pega fogo na nossa tribuna. Creio que há um terceiro: me julgo muito privilegiado por a gente poder falar da política. Até por nós quatro sermos muito diferentes, o Papo de segunda permite abordarmos a barbaridade que se tornou a vida política do Brasil com pontos de vista diferentes e que ao mesmo tempo dialogam. Não é um programa de petismo versus coxismo, ou de mortadelas ou coxinhas. É um programa que, ao longo dessa crise, conseguiu debater o assunto com liberdade e jogar alguma luz e provocação nessa conversa polarizada. Esse também foi um dos temas quentes. Nós vamos completar um ano, e só caiu essa ficha ontem. É uma aventura que já tem uma memória, uma consistência.

E como você avalia esse período? Que relatos chegam dos espectadores?
Tem acontecido com muita frequência (de os espectadores relatarem experiências de mudanças a partir do Papo). “Eu estava aqui em casa e finalmente tive uma conversa com meu pai, com minha mãe ou parceira.” Muitas mulheres também, contam que, no outro dia, eles (os parceiros) vieram falar com elas e têm certeza de que foi por conta do programa. Isso é tão recompensador… No fundo, somos um programa de entretenimento, que passa na segunda-feira, quando as pessoas estão com sono, retomaram a rotina depois do fim de semana. Estamos lá para entreter e ao mesmo tempo levar um pouco de reflexão, e é tão legal saber que isso acontece.

O que você percebe que ainda é tabu para os homens?
Por onde começar? (risos) O que não é tabu, não é? O homem ainda tem muito problema com seu corpo. O homem tem muito problema com seus órgãos genitais, seja com a bunda ou com o pinto. Ele não olha muito para isso, tanto que é o cara que tem doenças, que morre de câncer na próstata porque tem problema em deixar outro homem introduzir o dedo e prefere morrer do que fazer isto. Somos uma coleção de tabus, uma espécie de cardápio, e isto começa pelo corpo. Somos muito mal resolvidos e, por incrível que pareça, somos obcecados com o corpo da mulher e não olhamos para o nosso, somos descuidados em relação a isso.

E quais são as bandeiras dos homens atualmente?
Agora é crucial a questão de nos colocarmos ao lado das mulheres, reconhecendo a cultura do macho, o desastre causado por ela. Não podemos temer nem fugir disso, porque é um espetáculo grotesco que estamos vendo e o resultado dele, que vem de muito tempo, já se provou desastroso. Ao mesmo tempo, a reconstrução desse equilíbrio, masculino e feminino, vai depender muito desse rearranjo. Não basta simplesmente dizer que as mulheres precisam ser CEOs e presidentes das empresas, não é isso. Precisamos reinventar qual é o papel desse novo homem. É claríssimo que precisa ser reparada essa injustiça criminosa contra a mulher, e creio que o homem tem um lugar que a gente ainda não sabe qual a posição ou a atitude. Vamos ter que descobrir juntos.

Como é seu envolvimento na educação de seus filhos? Acha que os pais ainda são pouco presentes?
A educação, até comparando a que eu tive com a dos meus filhos, é algo muito partido. A mulher responsável pela educação dos filhos em casa e o pai pelo provimento dos recursos. O que aprendi muito tendo três filhos é como é importante a educação ser algo compartilhado. Até porque estou no segundo casamento, tive a experiência da separação e de ter compartilhado a educação do meu primeiro filho com a minha primeira mulher, a Claudia Cope. Tive que aprender um pouco o que significa isso, olhar para mim mesmo e ver qual era a minha importância naquela conjuntura quando morávamos juntos e depois ver o que mudou depois que nos separamos. Quando vou para meu relacionamento atual, com a Bel Kowarick, vejo que já cheguei com aprendizados que me ajudaram a tornar real essa visão do compartilhamento. Significa que, mesmo dentro dos eventuais desequilíbrios, a mulher ou o homem que fica mais dentro de casa ou com os filhos, isso não tem nada a ver com você dividir a responsabilidade do olho no olho, de estar próximo. De participar do afeto que tem que ser regado diariamente, e que para mim é ou deveria ser o núcleo da educação familiar. Ser um provedor de afeto, um compartilhador de momentos de apoio, de ouvir, de estar presente no drama do dia a dia. A vida é conflito diário, e você não deve se ausentar deste conflito. O que percebo muito da educação antiga, do meu avô, que foi um cara muito importante para mim, é que o homem era alguém ausente desse drama diário, e isto não ajudou em nada. Para mim, está aí uma função do homem contemporâneo: participar de verdade do drama cotidiano com os filhos e as companheiras ou os companheiros.

Faz pouco mais de dois anos que você e seu filho Luc falaram sobre a transição de gênero dele para a revista Crescer. É um assunto tabu e difícil ainda para muitos pais. Como foi com você?
Foi uma grande responsabilidade, era um assunto que vivia internamente desde sempre, é bom que se diga. O Luc sempre teve questões iniciais relacionadas à sexualidade, e que para mim foi uma novidade. A questão do gênero foi e é muito nova para todos nós, não só no Brasil. O Luc é um presente, é um cara que trouxe para mim debate e informações que eu jamais tinha acessado. Novamente, a chave para me colocar foi o afeto. Geralmente, essa é a primeira reação que temos diante da sexualidade do filho, independentemente de ele ser homossexual. A resposta que temos que buscar é o afeto: como posso demonstrar o meu amor e apoio a essa angústia, a essa transição que essa alma está sofrendo. Foi assim que procurei reagir e aprendi um pouquinho com ele. Fiquei muito feliz com a entrevista da Crescer, e que depois se desdobrou em muitas outras. Percebi que esse assunto entrou na pauta nacional do jeito em que acredito que temos de olhar para ele, de maneira afetuosa e civilizada. Temos que procurar entender evitando que o nosso preconceito e ignorância nos impeçam de avançar, concordando ou não. Recebi muitos feedbacks de quem discorda ou fica inseguro com a maneira tão sincera com que abordamos tudo isso, e tento responder igualmente a todos eles: “Entendo o que você está vivendo, é difícil mesmo”. Mas recebi milhares de e-mails de filhos aliviados, que se sentiram encorajados para levar aquele assunto para dentro de casa, e de pais também, Espero que tenha sido um bom início desse debate, que, aliás, é muito antigo, veio por baixo dos panos por muito tempo e que agora, com essa revolução que a gente vive, possamos conseguir viver plenamente, cada um, as suas identidades e sua vida amorosa. E perceber que isso não é nada demais, é simplesmente cada um querendo e vivendo o amor que lhe cabe, que deseja. É muito simples, na verdade, e a gente complica muito.

Como você avalia a experiência no CQC e sua maneira de abordar a política? O programa deixou uma lacuna na TV?
Vejo esse cenário que temos no Brasil e sinto falta de um programa como o CQC, e tenho consciência da importância do programa. Estive lá por sete anos e foi um período em que o país mudou muito, de 2008 a 2014. Creio que isso indica o quanto a TV ainda está aquém do que o telespectador gostaria que ela fosse. É um desafio para todos nós que fazemos televisão, não estou me colocando fora disso. Principalmente a TV aberta tem um desafio gigantesco de responder a uma exigência do público, sobretudo por conta da revolução digital. O público que era calado e que agora tem um veículo de comunicação tão ou mais poderoso do que a televisão, que tem esse efeito manada, de mobilização instantânea que a gente vê nas redes. Respeito e procuro aprender muito com essa mudança.

Texto e imagens reproduduzidos do site: revistadonna.clicrbs.com.br