Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 18
de maio de 2021
Antônio Paim, um exemplo.
Paim foi um apaixonado pelo Brasil, que tentou entender ao
longo dos seus 94 anos de trabalho profícuo. Rubens Figueiredo e Ney Figueiredo
para o Estadão:
A erudição quase sempre é pedante, principalmente nos casos
em que o erudito se mostra mais sabido que sábio. Antonio Ferreira Paim, que
nos deixou no dia 30 de abril, foi um homem de vasta cultura, com uma visão
extremamente abrangente e sofisticada dos sistemas políticos, econômicos e
sociais. Era um pensador em busca da conexão entre o pensamento e a ação, um
filósofo contra a contemplação.
Paim também exerceu como ninguém a arte da humildade. Nunca
se utilizou da falácia da autoridade para fazer valer seus argumentos, nada
mais longe do seu modo de ser do que o “você sabe com quem está falando?”. Era
completamente avesso a qualquer exibição de conhecimento. Certa vez, numa cena
inusitada, um motorista de táxi lhe deu uma “aula” sobre marxismo, que ele ouviu
com toda a paciência e sem pronunciar uma palavra. Tinha a certeza de que não
precisava provar nada para ninguém.
Abominava o consumismo doentio, que assola a nossa
sociedade. Nunca teve carro ou telefone celular. Baiano, reclamava muito do
frio de São Paulo. Certa feita, para ajudar a aquecê-lo, um amigo o presenteou
com um cachecol da Burberry, que havia sido comprado em Londres. Nunca o usou,
sob o pretexto de que era muito “chic”. Deu para uma das suas filhas. Reduziu
suas necessidades de consumo ao mínimo indicado pelo bom senso. Ao longo da
vida, doou milhares de livros, algo que amava, a instituições e bibliotecas.
Outra característica de Paim era sua monumental capacidade
produtiva, que cultivou até os seus últimos dias no arborizado condomínio para
idosos mantido pela Sociedade Beneficente Alemã. Impressionantes a agilidade e
a qualidade com que escrevia seus textos, muitos abordando assuntos
extremamente complexos. Não por acaso foi um dos mais profícuos filósofos
brasileiros, deixando obras que se tornaram referência na bibliografia
nacional.
Era um apaixonado pelo Brasil, país que amava e tentou
entender ininterruptamente ao longo dos seus bem vividos 94 anos. Suas
reflexões, muitas vezes bastante críticas, procuravam ressaltar os aspectos positivos
da formação do Estado brasileiro e das influências do legado português. Gostava
dos traços da “brasilidade”, das mulatas, da nossa comida, do bom humor, da
risada larga e do jeito que cultivamos pela miscelânea cultural que somos.
Viveu uma vida extremamente frutífera, intensa e
multifacetada. Nascido em Jacobina, aderiu ainda muito jovem ao Partido
Comunista Brasileiro, atuando no jornal partidário. Em 1953 foi enviado para a
então União Soviética. Morou em Moscou, trabalhando e estudando na Universidade
Lemonosov, onde aprofundou seus estudos sobre o marxismo. Segundo seu amigo
Antonio Roberto Batista, ele era um quadro partidário que estava sendo
preparado para se tornar o que espirituosamente chamava de “bolchevique sem
alma”, um quase fanático sem outros vínculos que não fossem o compromisso
revolucionário.
Mas Paim era, antes de mais nada, um pensador. Desiludido
com a União Soviética e com as atrocidades de Stalin, rompeu com o Partido
Comunista. Sentiu, então, necessidade de superar o pensamento marxista.
Ingressou no curso de Filosofia na Universidade do Brasil, hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira de professor. Chegou a
professor livre-docente na Universidade Gama Filho, tendo se aposentado em
1989. Nessa trajetória se tornou um dos mais importantes pensadores liberais
que o Brasil já teve.
Chama a atenção na obra de Antonio Paim a vastíssima gama de
interesses coberta por seus estudos. Entre as disciplinas que abraçou estão
Filosofia Brasileira, Pensamento Político Brasileiro, Filosofia
Luso-Brasileira, Filosofia Moral, Filosofia da Educação e História das Ideias.
Não por acaso, esteve, ao longo da vida, ligado a instituições como o Instituto
de Humanidades, o Instituto Brasileiro de Filosofia, a Academia Brasileira de
Filosofia (onde foi eleito presidente de honra), o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, o Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio,
a Academia de Ciências de Lisboa, o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e a
Fundação Espaço Democrático.
Uma das nuances do pensamento de Paim era trazer à tona a
atuação de personagens relevantes da História brasileira, alguns pouco
conhecidos mesmo no meio universitário. Sua última obra publicada em vida foi o
livro Personagens da Política Brasileira, da Fundação Espaço Democrático, uma
coletânea de artigos organizada pelo cientista político Rogerio Schmitt, na
qual analisou a contribuição de personalidades que vão desde Hipólito da Costa
e Silvestre Pinheiro Ferreira até Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.
Antonio Paim deixa três livros que se tornaram clássicos:
História do Liberalismo Brasileiro, Momentos Decisivos da História do Brasil e
A Querela do Estatismo. Ao longo da sua vida, soube conjugar o conhecimento
enciclopédico e a reflexão rigorosa com uma leveza de ser que engrandecia
aqueles que tivessem o privilégio de privar do seu convívio. Somos todos seus
alunos.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com