Os Beatles ao vivo em 1964.
A Morte de John Lennon. Ex-Beatles foi assassinado há 40
anos, em 1980: saiba os detalhes
Texto publicado originalmente no site HQROCK, em 2 de dezembro de 2020
Author: hqrock - Irapuan Peixoto
Há 40 anos, em 08 de dezembro de 1980, o ex-membro dos
Beatles e um dos compositores mais influentes da história, John Lennon, foi
assassinado na porta da sua casa em Nova York, nos Estados Unidos, por um fã
com distúrbios mentais. Um gesto de violência pôs fim à vida de um defensor da
paz. Uma bala cruzando à noite acabou com vez com o sonho da paz e do amor
defendido nos anos 1960. Um crime brutal terminou por encerrar definitivamente
a era do rock clássico.
Nascido em Liverpool na Inglaterra, em 09 de outubro de 1940, Lennon foi o criador dos Beatles e metade da dupla de compositores responsável pela maior parte das grandes canções da banda, ao lado de Paul McCartney. Suas canções modelaram o rock como o conhecemos e também a música da segunda metade do século XX, com uma influência artística e um impacto cultural que não podem nem ser medidos de tão grandes que foram. Além disso, Lennon também foi uma personalidade interessante, uma voz crítica, um agitador, um homem que se dispôs até a ser ridicularizado em algumas situações em prol de uma mensagem maior: a da paz e do amor.
Claro, isso não quer dizer que John Lennon era um santo. Longe disso! Homem fruto de sua época, manifestou pensamentos machistas no início da carreira, teve uma relação para lá de complicada com a primeira esposa, Cynthia Powell; contudo, o músico teve um mérito em ser um artista bastante aberto, no sentido de que falava abertamente sobre seus problemas, seus defeitos e não tinha papas na língua para falar de si. Nem dos outros. Daí, que Lennon não produziu apenas música, mas algumas das mais interessantes entrevistas da história do rock. Vale à pena lê-las. Algumas delas estão disponíveis em livros, como Lembranças de Lennon (com a bombástica entrevista à revista Rolling Stone, em 1970) e saiu há pouco All We Are Saying: The Last Major Interview with John Lennon (com uma longa entrevista à Playboy).
Lennon era o retrato do mundo pós-guerra: nasceu fruto de um casamento fracassado entre o garçom da Marinha Mercante, Alfred Lennon, e da garçonete Julia Spencer, ambos de famílias pobres e descendentes de irlandeses em Liverpool. O casal se separou quando a criança tinha 2 anos, porque Julia engravidara de outro homem. A criança foi dada à adoção, e Julia terminou casando com outro homem, que lhe daria duas filhas (meias-irmãs de Lennon: Julia (de novo) e Jackie). A família Spencer achava que aquele não era o lar adequado para o menino e a irmã de Julia (a mãe), Mary (chamada por todos de Mimi) terminou meio que tirando o menino dela e assumindo sua criação. O catalisador foi um episódio quando Lennon tinha 4 anos: Alfred voltou e quis levar a ex-esposa e o filho para a Nova Zelândia, onde tinha uma oportunidade de emprego. Ela não queria ir, então, Alfred insistiu para levar John. Num gesto de incrível maturidade, o casal deixou para a criança de 4 anos decidir. O pequeno John optou inicialmente pelo pai, mas ao ver a mãe aos prantos ficando para trás, se desesperou e correu de volta à mãe. Mimi tirou John de Julia, que passou a viver em outra parte de Liverpool e com pouquíssimo contato com o filho.
Mas ao atingir à adolescência, John começou a ver a mãe com mais frequência quando percebeu que ela era uma alma extrovertida e gostava de música. Ela até o ensinou a tocar o banjo. Lennon já tinha aprendido a tocar gaita sozinho, quando um hóspede na casa de sua tia (ela alugava um quarto para universitários para completar a renda) lhe deu uma gaita de presente.
Com o estouro do rock and roll dos EUA em 1956, tanto Lennon quanto sua mãe se interessaram de imediato pelo ritmo e ambos fizeram coro para que Mimi lhe comprasse um violão. Ela cedeu e Lennon o aprendeu a tocar como se fosse um banjo, um elemento fundamental de seu toque de guitarra.
O resto é história, Lennon formou uma banda com os colegas da escola Quarry Bank High School no verão de 1956 e a batizou de The Quarrymen (trocadilho que significa “homens de Quarry” e “pedreiro” ao mesmo tempo). O grupo se apresentava em bailes e quermesses e em 1957 adicionou Paul McCartney como um segundo violão. Este trouxe um solista: George Harrison, em 1958, nascendo o núcleo da banda mais famosa do mundo.
Mas Julia, a mãe de Lennon, morreu atropelada por policial bêbado, fora do serviço, na esquina da casa de Mimi, em 1958, deixando-o órfão e marcado para o resto da vida.
A bandinha de Lennon se profissionalizou em 1959, e em 1960, já com o nome The Beatles, conseguiu sua maior chance, indo tocar por uma longa temporada nos inferninhos de Hamburgo, na Alemanha, se apresentando em clubes de strip-tease para marinheiros barra-pesada, prostitutas e gangsters, que gostavam de rock pesado e alto. Foi o grande aprendizado da banda. Eles voltaram a Hamburgo para outras longas temporadas em 1961 e 1962, resultando em 5 estadas. Quando regressou a Liverpool de novo pela primeira vez, eram outro grupo: mais enérgicos, usando roupas de couro e uma banda madura e autoconfiante com ótima performance.
Os Beatles conseguiram um empresário na figura de Brian Epstein no fim de 1961, e ele foi atrás de conseguir um contrato com uma gravadora e, apesar de serem rejeitados pela Decca (a segunda maior da Inglaterra) e pela EMI (a maior), um pequeno selo desta, a Parlophone, se interessou o suficiente para contratá-los para dois compactos. Sob a batuta do produtor George Martin, adicionando o baterista Ringo Starr na última hora, os Beatles lançaram o single Love me do (de Lennon & McCartney) em outubro de 1962 e o disquinho chegou ao 17º lugar das paradas, algo notório para uma banda estreante, ainda mais com material autoral. O segundo single, Please please me chegou ao primeiro lugar. Daí, foi ladeira acima: os Beatles viraram um fenômeno no Reino Unido, que se espalhou para a Europa continental em 1963, e em 1964, tomaram de assalto os Estados Unidos, trampolim para o mundo inteiro cair na Beatlemania.
Uma parte da obra de Lennon foram os Beatles. Como músicos, os Beatles revolucionaram a música, desenvolvendo ou popularizando novas técnicas de gravação, truques de estúdio e efeitos sonoros que deixaram um legado imenso; além do apelo das canções em si que marcaram época e ainda encantam corações e mentes pelo mundo, como She loves you, A hard day’s night, Help!, In my life, Day tripper, Tomorrow never knows, Strawberry fields forever, Lucy in the sky with diamonds, All you need is love, I am the walrus, Happiness is a warm gun, Revolution, Don’t let me down, The ballad of John and Yoko, Come together, Because, Across the universe, Dig a pony… Todas canções de Lennon & McCartney, mas que são mais identificadas com Lennon ou comprovadamente apenas dele.
Mas Lennon se sentia emprisionado pela imagem dos Beatles, embora sempre tenha usado a voz para colocar sua opinião e fazer crítica. Na turnê dos Beatles nos Estados Unidos em 1965 – que gerou o maior concerto musical de sua época, na inauguração do Shea Stadium, em Nova York, com público pagante de 55 mil pessoas, que foi o recorde de bilheteria por 10 anos (quebrado pelo Led Zeppelin) – Lennon criticou várias vezes a Guerra do Vietnã, que então ainda estava em seu início e gozava do apoio da esmagadora maioria da população dos EUA. Na turnê do ano seguinte, sua crítica à fama e à idolatria dos próprios Beatles feita ao London Evening Standart, na qual usou o cristianismo como contraponto, foi tirado de contexto e gerou a histeria do “somos mais populares que Jesus”, que levou aos Beatles serem perseguidos por cristãos e conservadores e até sofrendo a ameaça de morte pela Ku Klux Klan.
Contudo, foi ao encontrar a artista de vanguarda japonesa radicada nos EUA, Yoko Ono, ligada ao movimento Fluxos, que Lennon encontrou apoio para escancarar sua personalidade crítica, ácida e agitadora. Enquanto os Beatles viviam seus anos finais – e produziam a parte mais importante de sua obra artística – Lennon começou uma atividade paralela como agitador político. Lennon & Ono criaram uma campanha pela paz que usava a atenção midiática depositada sobre o casal – acredite ou não, um músico de rock divorciado ainda era um escândalo nos anos 1960 (emoji com olhos virados para cima!) – para obrigar a imprensa a falar sobre a paz. Daí, transformaram sua lua de mel, em 1969, em Amsterdã, no Bed-In For Peace (na cama pela paz), na qual passaram uma semana inteira em cima da cama, recebendo a imprensa para falar sobre a paz. Claro, os jornalistas esperavam que o casal que lançara um álbum com a dupla em nu frontal na capa – Two Virgins era um disco experimental, sem música, apenas ruídos e efeitos sonoros – iriam fazer sexo pela paz na frente das câmeras. Mas não. Ficaram lá de pijamas falando da paz no mundo.
Não satisfeitos, o casal ainda repetiu o evento em Montreal, no Canadá, ocasião na qual gravaram o hino pela paz Give peace a chance, que decidiram lançar em single e foi o primeiro disco solo de Lennon trazendo música. Creditado à Plastic Ono Band – um conceito de uma banda inexistente formada por quem quer que os acompanhasse – foi um sucesso o disquinho, e chegou às paradas.
Lennon fizera seu segundo Bed-In no Canadá porque não foi admitido nos Estados Unidos – o plano era fazer o evento em Nova York – em consequência ao fato do casal ter sido preso por porte de drogas em 1968 numa emboscada da polícia londrina. Esclarecendo: Lennon e Ono era notório usuários de drogas, sim, mas o material apreendido em seu flat (um apartamento que pertencia a Ringo Starr e na qual Jimi Hendrix também moraria) foi “plantado” pela polícia como parte de uma cruzada contra roqueiros famosos. O mesmo esquadrão foi responsável pela lendária prisão dos Rolling Stones, Mick Jagger e Keith Richards, e também de Brian Jones em separado; assim como diversos outros artistas, como Donovan. O responsável pelas ações depois foi preso e expulso da polícia por falsificar provas.
Mas a prisão teria um grande impacto na vida de Lennon, pois dificultou bastante sua entrada nos Estados Unidos.
Disposto a dar vazão à voz recém-encontrada fora dos Beatles, Lennon começou a construir uma carreira solo paralela ao grupo. Quando os Rolling Stones convidaram os Beatles para tocar ao vivo em um especial de Natal deles, em 1968, o Rock and Roll Circus, e a banda recusou, Lennon decidiu ir sozinho, e formou um grupo de ocasião, The Dirty Mac, com ele mesmo (vocais e guitarra), Eric Clapton (guitarra), Keith Richards (baixo) e Mitch Mitchell (do The Jimi Hendrix Experience, na bateria). A bandinha tocou uma versão de Yer blues (que Lennon gravara com os Beatles no The White Album) e produziu uma das jam sessions mais incríveis dos anos 1960.
Outras oportunidades vieram logo depois. Quando os Beatles se recusaram a gravar uma canção chamada Cold turkey – que fala de modo quase aberto sobre a crise de abstinência da heroína, droga ao qual lutava para se livrar na época – Lennon decidiu gravá-la sozinho.
Mas antes mesmo que pudesse fazê-lo, em setembro de 1969, Lennon recebeu o convite dos organizadores do Rock and Roll Revival Festival, em Toronto, no Canadá, para servir de “padrinho” do show. O convite foi feito na véspera e Lennon aceitou: montou uma banda às pressas, ensaiaram nas poltronas do avião e tocaram à noite! Além de John Lennon nos vocais e guitarras; estavam com ele Eric Clapton na guitarra, Klaus Voormann no baixo e Alan White na bateria, com uma participação vocal de Yoko Ono em algumas canções, tocaram alguns velhos covers de rock and roll (Blue suede shoes, Dizzy miss Lizzy), uma canção dos Beatles (Yer blues), o single Give peace a chance e a inédita Cold turkey. O show foi filmado e gravado e seria lançado como disco ainda em 1969 com o título Live Peace Toronto, o primeiro álbum solo de música de Lennon.
Na volta, enquanto comunicava aos companheiros de Beatles de que estava fora da banda, e ia assistir ao show de Bob Dylan no Festival da Ilha de Wight (na Inglaterra, Dylan ficou hospedado na casa de Lennon), Lennon reuniu quase a mesma banda do show – White não pôde estar e foi substituído pelo companheiro de Beatles, Ringo Starr – e gravou a versão de estúdio de Cold turkey. Bob Dylan quase participou também tocando piano, porém, sua esposa estava grávida e ele teve que voltar aos EUA. O compacto ainda chegou ao 14º lugar das paradas, mas depois caiu: era muito pesada e assustadora para ser popular.
Cold turkey permitiu Lennon dar vazão a outra voz: dotar as canções de mais peso e crueza sem se preocupar se isso teria custos comerciais. Claro, até ali, Lennon sempre fizera rocks pesadões – Revolution, Yer blues, Come together, I want you (she’s so heavy) eram apenas exemplos recentes – mas sentia que os Beatles sempre envernizavam seu som para serem mais palatáveis. Mas sem os companheiros do quarteto de Liverpool, sentia que podia explorar a simplicidade e crueza que o fascinavam na música.
E ele fez. Em 1970, enquanto a equipe dos Beatles preparava o álbum Let it Be para lançamento (um projeto complicado que demorou mais de um ano entre a gravação e o lançamento – veja mais aqui), Lennon se reuniu ao produtor Phil Spector (o mais badalado e famoso dos EUA) para gravar seu novo compacto: Instant Karma!, sem dúvidas, uma de suas melhores canções. Para gravá-la, Lennon (vocais, piano, violão) reuniu os amigos George Harrison (seu companheiro de Beatles, no violão e piano), Klaus Voormann no baixo, Alan White na bateria e Billy Preston (órgão – infelizmente, por algum motivo, a mixagem final de Spector excluiu o som de Preston), além de um coro formado por amigos, conhecidos e bêbados, catados nos clubes londrinos de madrugada, que cantaram incrivelmente afinados.
John Lennon performing Instant Karma on Top Of The Pops, with publicist BP Fallon holding tambourine on far left, Yoko Ono wearing blindfold and bassist Klaus Voorman back centre, 11th February 1970. (Photo by Ron Howard/Redferns)
O resultado é impressionante! Instant karma foi lançada, de
novo creditada à Plastic Ono Band, e foi um grande sucesso, chegando ao 4º
lugar das paradas tornando Lennon o primeiro dos Beatles a ter um verdadeiro
hit solo. Ele chegou até a apresentar a canção ao vivo na TV, no Top of the
Pops.
Pouco depois, em 10 de abril de 1970, Paul McCartney lançou seu primeiro álbum solo, McCartney, e usou o lançamento para comunicar ao mundo que os Beatles estavam terminados, uma notícia que chocou a todos, em vista de como o grupo era amado.
Naquele momento, para Lennon, aquilo era como se livrar de uma camisa de força e usou sua liberdade para ir em busca do som pesado e cru que estava em sua cabeça, o que gerou o álbum John Lennon: Plastic Ono Band (1970), que também completou 50 anos há pouco, um disco impressionante, recheado de canções fortes, como Mother, I found out, Isolation, Love, Working class hero e God; com letras incríveis e arranjos esparsos, com apenas Lennon nos vocais, guitarra ou piano, Klaus Voormann no baixo e Ringo Starr na bateria; e participações de Phil Spector e Billy Preston no piano em uma faixa cada.
As letras de Lennon, mais claras e nítidas do que nunca, falavam abertamente sobre ele ter sido abandonado pela família (Mother), do sofrimento de crescer como um desajustado (Working class hero) e procurar apoio nas drogas e na religião (I found out), de sua luta pelo amor (Love) e da desilusão com os mitos criados pelos anos 1960 (God), que resultam na icônica frase “o sonho acabou”. Plastic Ono Band foi recebido com assombro e deslumbramento e foi um bom sucesso, chegando ao 10º lugar das paradas dos EUA.
Nos Beatles, Lennon estava acostumado a ver cada um de seus discos chegar ao 1º lugar das paradas – a banda ainda é recordista neste quesito até hoje – mas descobriu a liberdade e o conforto de estar fora das “10 mais” e conseguir se expressar de maneira mais direta com seu público e ainda manter suficiente atenção da mídia e apelo popular. Foi uma ótima jogada, entendida por poucos.
Mas Lennon não estava alheio ao que estava acontecendo à sua volta: ele vira Eric Clapton se associando com a banda Delaney & Bonnie & Friends (um time de mais de 10 músicos que eram alguns dos nomes mais famosos dos estúdios de Los Angeles e que decidiram sair pelo mundo criando sua própria música) e criarem uma sonoridade fortíssima e ao mesmo tempo despojada e festiva.
Era um movimento tão encantador que até o recluso e arredio a shows George Harrison se uniu a eles em uma turnê pela Europa! Lennon e Ono tocaram com eles em um show em favor da UNICEF em Londres em dezembro de 1970 e produziram uma versão upgrade de Cold turkey (que seria lançada anos depois). Essa sonoridade mais encorpada seria usada por Eric Clapton em seu primeiro álbum solo (Eric Clapton, 1970) e depois em sua última banda, Derek and the Dominos (o álbum Layla and Other Assort Love Songs, 1970); e também apareceria no sensacional primeiro álbum solo de George Harrison, All Thing Must Pass (1970 – que também completou 50 anos há pouco) – no qual o próprio Lennon apareceu sem ser creditado, tocando guitarra em algumas faixas.
Por isso, após lançar o compacto esquerdista Power to the people (precisa de mensagem mais clara?) no início de 1971, Lennon decidiu também usar aquele som encorpado em seu próximo disco, com uma proposta genial: manter a simplicidade estrutural de Plastic Ono Band e a força das letras, mas agora, embalados em uma sonoridade mais forte. O resultado seria o incrível álbum Imagine.
Gravado no estúdio que montou em sua própria casa, nos arredores de Londres, Lennon reuniu um time de músicos de altíssimo calibre – ele próprio (vocais, guitarra, violão, piano, gaita), George Harrison (guitarra solo), Klaus Voorman (baixo), Nick Hopkins (piano), Bobby Keys (saxofone), Alan White (bateria), mais algumas outras participações especiais – e punhado de grandes canções, como Imagine, Jealous guy, Gimme some truth, How do you sleep?, I don’t want to be a soldier e How?, e rendeu aquele que, talvez, seja o seu melhor disco. Imagine entrega justamente o que promete: canções maravilhosas por uma banda soberba. Um clássico!
Depois de gravar o álbum Imagine no verão de 1971, o departamento de imigração dos EUA se descuidou e Lennon conseguiu entrar nos EUA pela primeira vez em três anos. Uma vez lá, ele percebeu que se saísse do país ele nunca mais conseguiria entrar, então, decidiu encampar uma campanha judicial para conseguir seu Visto no país. Seria o início de uma luta judicial de 5 anos que o manteve tecnicamente preso aos EUA; de modo que ele nunca mais voltaria à Inglaterra.
Instalando-se em Nova York – cidade pela qual se apaixonou, por ser uma versão exagerada e “melhorada” de sua Liverpool natal – Lennon imediatamente se envolveu com a esquerda radical e continuou a fazer o que já fazia na Inglaterra: participar de protestos, passeatas e a apoiar causas diversas, como direitos civis, o feminismo e o movimento negro. Mas o país era governado pelo conservador Richard Nixon e seu gabinete além de considerar Lennon um drogado e um agitador, tinha sérios medos dele conseguir mobilizar a juventude norte-americana com suas ideias. Então, o governo se empenhou com todas as suas forças em deportar Lennon do país. Para isso, estavam sedentos para prendê-lo por qualquer motivo que o fosse e usar isso como desculpa para tirá-lo no primeiro avião disponível. Como resultado, o FBI passaria a perseguir o músico e seguir todos os seus passos: carros o seguiam, homens mal encarados espreitavam-no em todos os momentos e seu telefone era grampeado. Claro, que esse clima não fez nada bem à sua saúde mental.
Ainda assim, Lennon continuou a se envolver em diversas causas: quando a ativista pelo movimento feminista negro, Angela Davis foi presa, Lennon a apoiou publicamente e financeiramente; quando houve o massacre na prisão de Attica State, após uma rebelião, Lennon participou de um comício a favor dos direitos dos apenados; ele entrou na campanha pela libertação de John Sinclair, um ativista que fora preso em posse de dois baseados de maconha e fora exageradamente condenado a 10 anos de prisão, numa movimento que realmente resultou em sua liberdade. Não à toa, o álbum seguinte de Lennon e Ono, Sometime in New York City (1972) trouxe uma canção dedicada a cada uma dessas causas (Attica State, Angela, John Sinclair) e de mais outras, como o feminismo (Woman is the nigger of the world), a libertação dos irlandeses do Reino Unido (Luck of the irish) e o protesto contra o Domingo Sangrento (Sunday bloody sunday), resultado da disputa entre católicos e protestantes na Irlanda, no contexto da ação do IRA (Exército Republicano Irlandês) também. No disco, ele é acompanhado pela banda underground nova-iorquina Elephant’s Memory.
Na verdade, Lennon pretendia fazer uma turnê nacional com o Elephants Memory e eles até chegaram a fazer algumas apresentações na TV enquanto organizavam tudo, porém, o processo de deportação, a vigilância do FBI, a paranoia decorrente, a vitória de Nixon para a reeleição presidencial, as drogas… tudo contribuiu para que a excursão jamais ocorresse. E Lennon só voltaria aos palcos em poucas ocasiões depois disso.
Assim, em 1973, as coisas ficavam cada vez piores para Lennon. O fato de ser perseguido incansavelmente pelo FBI havia lhe deixado perturbado, estava usando mais drogas e bebendo muito. O curioso é que ele chegou a denunciar o fato na época em entrevistas e na TV, mas todos julgavam que era apenas paranoia sua. Depois de sua morte, um historiador usou a Lei de Informação para solicitar os documentos da investigação do FBI e recebeu nada menos que 10 mil páginas de documentos! Lennon foi vigiado por 9 anos!!!
A relação com Yoko Ono também ia de mal a pior, com ambos se envolvendo com outras pessoas. Durante a gravação do álbum Fly de Ono, ela terminou se envolvendo com o guitarrista David Espinozza e a coisa foi um pouco mais séria. Ainda assim, Lennon ficou tão impressionado com a banda que reuniu para o disco que decidiu usá-los – Espinozza incluso – no disco Mind Games (1973), o primeiro em que usou apenas músicos americanos (Espinozza na guitarra, Gordon Edwards no baixo, Ken Asher nos teclados, Jim Keltner na bateria) e que produziu sozinho, sem a ajuda de Phil Spector. Repletos de canções sobre culpa e perdão (I know, I know, Out the blue, One day a time) e alguns temas políticos (Freeda peeple); e a canção-título que combina as duas coisas (amor-política) pregando a revolução pessoal – algo que já tinha aparecido tanto em Revolution quanto em Power to the people – na qual a mudança começa em si, e dá a dica para todas as gerações seguintes: “o amor é a resposta” no belo estribilho da canção.
Mas o casamento não resistiu às canções de amor. Num inferno pessoal, Yoko decidiu se separar e arranjou para que Lennon passasse a namorar sua assistente pessoal, a também oriental May Pang. Meio sem ter o que fazer, o músico partiu para Los Angeles, o centro da indústria musical mundial naqueles tempos, para gravar um disco apenas com velhos covers de rock and roll com Phil Spector, ao mesmo tempo realizando um sonho e ganhando tempo para compor material novo. Era o início do Lost Weekend (Final de Semana Perdido) que duraria 18 meses, com o namoro com Pang e muita farra com a nata musical de LA, o que incluía Mick Jagger, Elton John, David Bowie, Keith Moon (do The Who), Ringo Starr e muitos outros.
Abatido pelo fim do casamento e ainda amargando a velha batalha judicial contra a deportação, Lennon afundou fundo nas drogas – em especial a cocaína – e mais ainda na bebida. Os anos de usos de outras substâncias estimulantes – maconha, LSD, heroína – fizeram de Lennon um mau bebedor e, logo, ele se meteu em uma série de confusões, a mais célebre quando foi expulso do famoso clube The Troubador por tumultuar o show do The Smothers Brothers, um duo músical-cômico do qual se considerava amigo – Tommy Smothers toca violão em Give peace chance – quando se embebedou ao lado do cantor Harry Nilsson.
Os excessos pagaram um preço e atrapalharam seu material musical. Até então, apesar de todo o uso de entorpecentes em sua vida, Lennon era um músico e produtor exemplar quando estava em estúdio: sempre polido, limpo e profissional. Mas o ambiente festivo de LA o contaminou, e logo, as sessões do álbum Rock and Roll, embora reunindo a nata dos melhores músicos do mundo – Stevie Wonder, Leon Russell, Hal Blaine, Nino Tempo eram alguns dos envolvidos – as gravações foram totalmente caóticas, com cocaína sendo consumida aos quilos. Numa dessas sessões, Paul McCartney apareceu e se juntou a Lennon para gravarem Stand by me – uma canção que os Beatles tocavam nos clubes no início dos anos 1960 – mas estavam todos tão chapados que simplesmente não conseguiam tocar direito. A gravação vazou anos depois – é possível encontrá-la no YouTube – mas é simplesmente vexatório.
A epopeia, portanto, chegou ao fim quando o produtor Phil Spector simplesmente desapareceu e levou todas as fitas de gravação consigo. O episódio nunca foi totalmente esclarecido, mas aparentemente, o produtor levava as fitas para casa e sofreu um acidente de carro que o deixou hospitalizado por muito tempo. De qualquer modo, demorou uns 10 meses para Lennon reaver as fitas.
Apesar da perdição, o Lost Weekend ainda rendeu bons frutos para Lennon, já que longe da influência isolacionista de Yoko Ono, o compositor pôde interagir bastante com outros músicos, o que rendeu produzir uma gravação solo de Mick Jagger (que infelizmente, só seria lançada décadas depois); produzir o disco Pussycats de Harry Nilsson; compôs com David Bowie a canção Fame e toca guitarra e canta na gravação (que foi o primeiro hit do cantor nos EUA); participou da gravação de Across the universe (cover dos Beatles) por Bowie; e também participou com voz e guitarra em Lucy in the sky with diamonds (outro cover dos Beatles) com Elton John.
Vendo que estava se metendo em encrenca, Lennon voltou para Nova York e decidiu gravar outro álbum, agora com músicas autorais: Wall and Bridges (1974) é considerado um dos discos mais maduros da carreira solo de Lennon, combinando o clima amor-culpa-perdão do antecessor com a sonoridade pujante (embora menos frenética) de Imagine. Para isso, reuniu alguns de seus velhos companheiros, como Jesse Ed Davis (guitarra), Klaus Voormann (baixo), Nick Hopkins (piano), Ken Asher (teclados), Bobby Keys (saxofone) e Jim Keltner (bateria), rendendo grandes gravações de canções como Going down on love, Bless you, Scared, #9 dream, Nobody loves you when you down and out, Old dirty road (com a participação de Harry Nilsson nos vocais) e Whatever gets you through the night, que com a participação de Elton John nos vocais e piano terminou chegando ao primeiro lugar das paradas quando lançada em single.
Uma aposta com Elton John fez com que Lennon aparecesse no show dele no Dia de Ações de Graças de 1974, no Medison Square Garden, em Nova York. John e Elton tocaram Lucy in the sky with diamonds, Whatever gets you through the night e I saw her standing there (outro cover dos Beatles), numa apresentação que foi gravada, mas não filmada. Foi a última apresentação de Lennon para uma grande plateia.
No show, Yoko Ono visitou Lennon nos bastidores, sendo a primeira vez que o casal se revia desde mais de um ano. Foi o início de uma longa reconciliação. Lennon aproveitou o bom momento e reuniu os mesmos músicos de Wall and Bridges e decidiu refazer o álbum Rock and Roll, já que após receber as fitas de Phil Spector, achou o material muito caótico e mal gravado. O disco foi gravado rapidamente e Rock and Roll (1975) foi lançado com uma bela capa que mostrava o músico nos tempos de Hamburgo com os Beatles, e trazendo Stand by me como o grande destaque.
Ao mesmo tempo, Yoko Ono engravidou, o que foi motivo de grande apreensão, pois ela sofrera dois abortos espontâneos desde que se relacionara com Lennon e então já tinha 42 anos. Atravessando uma gravidez de grande risco, ela deu à luz a Sean Taro Ono Lennon, em 09 de outubro de 1975, o dia em que o pai completou 35 anos. A chegada do novo filho fez Lennon refletir sobre seu papel de pai, que falhava miseravelmente com o primeiro filho, Julian Lennon, nascido de Cynthia Powell, em 1963, com quem Lennon foi casado até 1968, quando conheceu Yoko.
Aparentemente, Yoko Ono complicou bastante a relação de Lennon com Julian e os dois foram se afastando gradativamente. Por isso, quando se separou dela, entre 1973 e 1974, repentinamente, a relação com Julian melhorou rapidamente, com o garoto indo visitá-lo nos EUA e Lennon fazendo a performance de pai levando-o à Disneylândia. Tudo incentivado por May Pang que intermediou a reaproximação. A volta com Ono em 1975 complicou um pouco as coisas, mas pelo dali em diante, o contato entre Lennon e Julian foi mais constante.
Para ser um pai presente a Sean, Lennon decidiu se afastar do mundo musical para se dedicar à sua criação, aproveitando que seu contrato com a EMI se encerrou e o compositor não achou a proposta de renovação digna de seu valor.
Lennon ficaria afastado do mundo musical por 5 anos e só voltaria em 1980 com o álbum Double Fantasy. Pelo menos era isso o que ele gostava de dizer e essa foi a imagem vendida por ele e por Yoko.
Mas não foi bem assim.
Na verdade, em 1976, Lennon ainda se envolveu na gravação do álbum Retrogravure de Ringo Starr, compondo para ele a canção Cocking (in the kcithen of love), bem como participando de sua gravação e contribuindo com dois covers, Honey don’t (que permaneceria inédita) e Only you (que saiu no disco). Depois, enquanto ajudava com o bebê, se dispunha a escrever um novo livro – ele lançara dois nos anos 1960, com poesias, contos e piadas: In His Own Words (1964) e A Spannial in the Works (1965) – e começou a escrever um musical para a Broadway baseado em sua história de amor e intitulado The Ballad of John and Yoko. O musical misturaria algumas canções antigas e muitas novas. Nunca ficou claro quais as canções ele escreveu para o projeto, mas uma delas com certeza foi Free as a bird (que seria transformada em uma canção dos Beatles em 1995, quando Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr acrescentaram suas vozes e instrumentos na demo original para o projeto The Beatles Anthology). É possível que Real love (cuja primeira versão foi lançada em 1988 como parte de um documentário e uma segunda versão foi trabalhada também pelos Beatles no Anthology, depois sendo lançada a versão apenas com o compositor sairia no The John Lennon Anthology, em 1999) também tenha sido. Outra forte candidata é My life, que depois de retrabalhada com outra letra virou (Just like) Starting over (mas a versão demo original foi lançada no Anthology de Lennon).
Ou seja, não é verdade que Lennon ficou com a guitarra pendurada em cima da cama por 5 anos sem que pegasse nela, como ele mesmo disse em várias entrevistas. Mas é fato que Lennon estava sem contrato com gravadora e não deve ter ficado satisfeito nem com o material do musical nem com o livro, já que nunca os lançou. E nem teria tempo para isso.
Lennon ficou vivendo sua rotina caseira, mas ainda recebia alguns poucos amigos, como o jornalista Elliot Mintz, mas também Elton John, George Harrison, Paul McCartney e Ringo Starr visitaram o edifício Dakota, em que vivia, para conhecer o bebê Sean. Em 1976, finalmente, ele venceu o processo contra a deportação e ganhou seu Visto de Residente Permanente, o que lhe libertou para viajar. Mas por qualquer motivo que seja, Lennon não foi para a Inglaterra apresentar Sean à sua família, como prometeu em cartas. Em vez disso, ele fez uma longa viagem ao Japão em 1977, visitando a família de Yoko, e depois conhecendo outros países do Oriente, como Hong Kong e Indonésia.
Em 1980, Lennon escutou Rock lobster da banda pós-punk new wave The B-52s e se impressionou com os vocais femininos, que se pareciam com o trabalho de Yoko do fim dos anos 1970, e começou a pensar que “o mundo estava pronto para eles voltarem”. Ele foi sozinho em uma viagem de barco às Bermudas, e no meio do caminho, foram atingidos por uma tempestade. A Lennon, filho de um marinheiro, coube comandar o volante do barco para impedir que naufragassem, uma experiência que lhe deu uma epifania. Na ilha do Caribe começou a compor furiosamente e gravar demos em um gravador caseiro, voltando de lá com o projeto de dois álbuns, cada qual gravado meio a meio com Yoko, algo que só tinham experimentado em Sometime in New York City.
Lennon contatou o produtor Jack Douglas, que trabalhara com ele como engenheiro de som, mas ganhara destaque no mercado nos últimos anos com artistas como Kiss, Aerosmith e Alice Cooper, para que gravassem, e Douglas intermediou uma negociação com o empresário David Geffen, que tinha montado a Geffen Records há pouco tempo e assinou um contrato com Lennon sem escutar uma única nota do que compusera. Douglas e Lennon reuniram um time de músicos de altíssimo calibre e gravaram no lendário estúdio The Factory, em Nova York.
Double Fantasy foi lançado em outubro de 1980, alternando canções de Lennon e Ono, e (Just like) Starting over foi o primeiro single. A recepção inicial foi morna, mas os discos começaram a subir, ainda que lentamente, nas paradas. Com uma sonoridade que misturava o new wave e o rock dos anos 1950, com alguns excessos em backings vocals e sintetizadores, o disco trazia boas canções, como a já citada, Watching the wheels, Beautiful boy, I’m losing you e a balada Woman, e uma banda dos melhores músicos do momento, como Earl Slick na guitarra, Tony Levin no baixo, George Small nos teclados e Andy Newmark na bateria, além do próprio Lennon nas guitarras e teclados.
Um Assassino em Nova York
Entra em cena o agente destruidor dessa história: Mark David
Chapman, um jovem de 25 anos de idade, fanático pelos Beatles, mas também com
sérios problemas mentais. Trabalhando como guarda-costas e segurança, ele tinha
visões que lhe diziam que tinha que matar Lennon, seu maior ídolo. Chapman
tentava mimetizar Lennon e até casara com uma mulher asiática 7 anos mais velha
para ter sua própria Yoko Ono!
Em dezembro de 1980, Chapman saiu do Havaí, onde estava morando então, para Nova York para cumprir sua missão. Ele disse em entrevistas que ao mesmo tempo em que as vozes comandavam o crime, ainda tinha a vontade de ir embora e deixar aquilo para trás. Mas ele não fez. O crime não foi impulsivo, foi premeditado: Chapman adulterou as balas, deixando-as com pontas ocas para que elas ficassem ainda mais mortíferas.
Armado com um revólver 38 no bolso do casaco, Chapman se dirigiu ao Dakota na tarde de 08 de dezembro de 1980 de posse de uma cópia do álbum Double Fantasy. Era comum que fãs de Lennon ficassem em frente à portaria do Dakota para tirar fotos ou pedir autógrafos, e o músico era gentil e atendia sem problemas os fãs, pousava para as fotografias, assinava discos e conversava. Naquele dia não foi diferente.
Quando Chapman chegou, um outro fã estava lá, Paul Goresh, que era um habitué e até já tirara uma foto ao lado de Lennon alguns meses antes. Sem conversar muito – Chapman não se mostrou muito simpático – os dois esperaram pelo ídolo. Naquele dia, Lennon passara boa parte da tarde dando uma entrevista para uma rádio de Los Angeles em seu apartamento. Quando terminaram, desceu junto à equipe de reportagem para se dirigir ao estúdio, onde mixaria uma canção de Yoko, Walking in the thin ice, prevista para o disco seguinte que gravavam.
Lennon autografa o disco para seu assassino.
Lennon cumprimentou os dois fãs e como Chapman segurava o
Double Fantasy – mas não dissera nada, pois estava nervoso – Lennon gentilmente
lhe disse: “quer que eu autografe para você?”. Pegou uma caneta e assinou “John
Lennon, 1980”. Goresh registrou o momento trágico de Lennon autografando um
disco para o homem que iria lhe matar dali há algumas horas.
Goresh foi embora também, e Chapman ficou por ali, sozinho. Ele esperaria por 6 horas.
O Fim do Sonho
Naquela noite, após terminarem a sessão de gravação, Yoko
queria ir a um restaurante jantar, mas Lennon preferiu ir logo para casa, pois
queria ver Sean antes que ele fosse dormir.
O casal desembarcou do carro em frente à portaria do Dakota. Era mais comum que a limusine entrasse no portão da garagem e desembarcassem no átrio, mas não foi assim naquela vez. Tranquilo, o casal desembarcou. Ono seguiu na frente; e Lennon foi atrás. Ele ainda teve tempo de acenar para o porteiro quando estava prestes a cruzar o portão, mas então, uma voz veio por trás: “Mr. Lennon?”.
O músico nem teve tempo de se virar: Chapman veio caminhando e a uma distância de menos de 2 metros disparou cinco tiros de seu revólver. Um dos tiros errou o alvo, os demais acertaram as costas de Lennon duas vezes, o braço esquerdo e o pescoço. Demorou alguns instantes para Lennon se dar conta do que acontecera. Yoko se virou pelo barulho e Lennon gritou: “fui baleado!”, antes de cair de joelhos.
O porteiro ligou rapidamente para o 911 e tirou a própria jaqueta para aquecer Lennon, que sagrava abundantemente no chão. Duas viaturas da polícia estavam ali por perto e chegaram quase imediatamente. Uma dupla de policiais foi socorrer a vítima e havia tanto sangue que julgaram ser mais prudente esquecer a ambulância e levá-lo ao hospital na viatura mesmo; enquanto a outra dupla encontrou Chapman com a arma quente no bolso, encostado num muro vizinho, calmamente lendo o livro O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, um escritor beatnick. O policial lhe perguntou: “você sabe o que você fez?”, e ele respondeu tranquilo, “claro, eu só atirei em John Lennon”, e não ofereceu resistência à prisão.
Na viatura Lennon estava entrando em choque e sangrando muito. Um dos policiais também usou sua jaqueta para aquecê-lo e tentava conversar com ele: “Você sabe quem é? Sabe que é John Lennon?” e o músico apenas balançou a cabeça afirmativamente. No hospital foi levado imediatamente à sala de ressuscitação, mas já chegou morto. Os médicos tentaram reanimá-lo por 20 minutos em vão: ele havia perdido 3 litros de sangue. Lennon foi declarado morto faltando 010 minutos para as 23 horas.
Luto Mundial
A notícia chegou aos poucos, porque já era tarde e aquela
era uma época sem internet e sem Twitter. O rádio foi o principal divulgador da
notícia, primeiro noticiando que Lennon havia sido baleado e mais tarde
confirmando a morte.
Yoko foi ao hospital e ficou meio anestesiada pela notícia. Ao voltar para casa, decidiu fazer dois telefonemas: uma para a tia Mimi, que criara John como se fosse seu filho; e outro para Paul McCartney. Na Inglaterra era alta madrugada.
Foi mesmo no dia seguinte, 09 de dezembro, que a notícia correu o mundo e vigílias começaram a ocorrer em sua homenagem. Em Nova York, milhares de pessoas se reuniram na frente do Dakota e ficaram com velas na mão entoando hinos de Lennon, como All you need is love e Give peace a chance. Foi algo tão impactante que a seção do Central Park que fica de frente ao Dakota teve uma parte separada em que foi construído um memorial em sua homenagem, batizado de Strawberry Fields.
Em consequência à sua morte, o mundo se deu conta da morte
de um gênio musical, mas também a triste constatação de que os Beatles jamais
iriam se reunir. Uma onda de beatlemania varreu o mundo e as canções e os
discos dos Beatles e de Lennon sozinho voltaram ao topo das paradas em todos os
lugares. Uma nova geração de fãs se formou a partir da tragédia e manteve o
legado vivo.
As sessões inacabadas de 1980 foram lançadas no álbum Milk and Honey, em 1984, que mostra que poderia ter sido um grande disco. No ano anterior, a coletânea The John Lennon Collection foi ao primeiro lugar das paradas de vários países e fez suas músicas individuais continuarem a tocar com destaque.
Legado
Yoko Ono continuou mantendo um fluxo de lançamentos de
Lennon, como o álbum Menlove Ave (1985), que trazia out-takes dos anos 1970, o
já citado Live in New York City (1986), com o show de 1972, a trilha sonora do
documentário John Lennon: Imagine (1988), que servia como uma coletânea e
trazia a inédita Real love; e a coletânea Lennon Legend (1997), que chegou ao
terceiro lugar das paradas da Inglaterra. Depois do projeto Anthology dos
Beatles – que transformou os demos de Free as a bird e Real love (outra versão)
em canções do quarteto de Liverpool – foi lançado o The John Lennon Anthology,
com dezenas de gravações inéditas.
Nos últimos anos, novas coletâneas vêm sendo lançadas – Power to The People: The Hits, Working Class Hero – sua discografia foi remasterizada em 2010, mais alguns discos com gravações inéditas foram lançados (Acoustic) e em 2020, para marcar tantas efemérides, saiu a coletânea Gimme Some Truth, na qual Sean Lennon (agora um músico consolidado de 45 anos) remasterizou a obra do pai ao lado do engenheiro de som Paul Hicks, que trabalhou em vários projetos similares dos Beatles. Provavelmente, é o início de uma nova onda de remasterizações, já que o avanço da tecnologia permite dar um imput considerável nas velhas gravações analógicas em fita dos anos 1970. A coletânea chegou ao 3º lugar das paradas britânicas.
Mas mais importante disso tudo é perceber o papel que John Lennon ainda ocupa em nosso mundo 40 anos depois de sua morte.
Suas canções sobre o amor e a política se comunicam bem com nosso tempo em que pautas como o feminismo e o movimento negro ainda lutam para ser ouvidas ao mesmo tempo em que conseguiram novos espaços e avanços importantes. A paz ainda é algo a se buscar no mundo atual, não somente pela guerra em si, mas pelas guerrilhas urbanas que vivem as grandes cidades do mundo em desenvolvimento.
A declarações de Lennon, um músico cônscio de seu papel, ao mesmo tempo em que era bastante bem informado sobre o mundo que o cercava, mostram como o engajamento e a voz pública de um artista de renome são importantes no cenário social mundial. E faz falta. Pois apesar de ainda termos músicos como Neil Young ou Bono Vox fazendo vozes políticas, Lennon fazia isso tendo a bagagem musical dos Beatles atrás si. Um respaldo cultural e social enorme.
Sem dúvidas, o mundo precisa de Johns Lennons.
E a este que nos deixou, fica o legado de uma obra imortal, com importância artística, musical, social, cultural e política. Um artista que ajudou a revolucionar a música e a cultura. E ao mundo.
Esperamos que frases como as seguintes continuem a inspirar o mundo:
O amor é tudo o que você precisa
Dê uma chance à paz
Imagine todas as pessoas vivendo em paz
Poder para o povo!
O amor é a resposta
A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas.