Contudo, houve um piloto que, para chegar ao topo, até colocou a sua lealdade em jogo. Querendo pertencer à elite do Grande Prémio, foi para a Alemanha e conseguiu triunfar, perante o mundo. Contudo, numa altura em que o mundo estava à beira de uma catástrofe, e as suas lealdades estavam em jogo, um acidente mortal não só cortou abruptamente a sua carreira que a marca onde correu, em tributo, decidiu limpar sempre a sua sepultura.
Hoje em dia, todos esqueceram que, antes de Stirling Moss, existiu Richard Seaman.
Nascido a 4 de fevereiro de 1913 em Chichester, no sul britânico, cresceu em berço de ouro, a ponto de ir estudar no Trinity College, em Cambridge. Os pais queriam que fosse ou advogado ou deputado do Partido Conservador, mas em 1931, aos 18 anos, foi ver uma corrida e ficou logo apaixonado pelo automobilismo. Três anos depois, comprou um MG e foi para a Europa continental para ganhar experiência. Pouco depois, arranjou um ERA e competiu na classe das Pequenas Viaturas, onde começou a triunfar, e claro, a dar nas vistas, quer nas pistas, quer nas subidas de montanha, nomeadamente no Mont Ventoux, em França - agora mais conhecida pelas chegadas da Volta à França em Bicicleta.
Em 1936, arranjou um Delage, e altamente modificado, começou a andar em todas as grandes competições de então, quer com um ERA, quer com um Delage, e as suas performances foram suficientemente interessantes para no final desse verão, Alfred Neubauer, o diretor de corrida da Mercedes, o convidou a fazer um teste com um dos seus carros. A ideia? Ter um estrangeiro na sua equipa, ao lado de Rudolf Caracciola e Hans Stuck.
No final, houve um convite oficial, no qual ele aceitou... contra os desejos da mãe, que não o queria correr "numa equipa nazi". Seaman não queria saber da politica, queria triunfar no melhor carro, e os melhores em 1937 eram os alemães. Contudo, na primeira grande corrida pela marca, o GP da Alemanha, evolveu-se com o seu companheiro de equipa, Ernst von Delius, que acabou por morrer. Ficou magoado no acidente, mas recuperou a tempo da última corrida do ano, o GP de Itália, onde foi quarto.
Em 1938, sem Stuck, que foi para a Auto Union por causa do acidente mortal de Bernd Rosemeyer, Seaman lidava com outro piloto em ascensão, Hermann Lang. Mas em agosto, no GP da Alemanha, conseguiu o fantástico: triunfou perante os alemães! O primeiro não-alemão a ganhar um GP numa máquina alemã - nem Nuvolari o conseguiria! No final, tocou-se o "God Save The King", com ele a fazer a saudação, perante o embaraço dos seus compatriotas, numa das piores alturas em termos políticos: a Alemanha já tinha anexado a Áustria e já tinha olho na região dos Sudetas, na Checoslováquia, e as tensões estavam de tal ponto altas que o GP da Grã-Bretanha, em Donington Park, foi inicialmente cancelado, antes de acontecer a 30 de outubro.
Para piorar as coisas, Seaman encantou-se e casou-se com Erica Popp, então com 17 anos, e filha de um dos donos da BMW. Como presente, ganharam uma casa nos Alpes alemães. E tudo com o som dos tanques a artilharia a serem ouvidos na Europa Central...
A temporada de 1939 começava com o GP da Bélgica, em Spa-Francochamps, que se realizaria em fins de junho. No fim de semana da corrida, esta iria decorrer debaixo de muita chuva. Na partida, Seaman foi para a liderança, e começou a afastar-se da concorrência, querendo aproveitar o asfalto molhado. Seaman basicamente corria sem freio até chegar ao pé da região de Bruneville, onde à 22ª volta, uma poça de água o faz perder o controlo do seu Mercedes, onde se despistou e bateu contra uma árvore. O carro atingiu o depósito de combustível e explodiu, derramando para o seu corpo. Foi socorrido e levados para o hospital, com graves queimaduras. Acabaria por morrer poucas horas mais tarde, não sem afirmar à Mercedes que tinha sido o responsável pelo acidente, por causa da sua condução no limite. Tinha 26 anos.
Seaman foi enterrado no Putnam Valley Cemetery, nos arredores de Londres. A Mercedes colocou uma fotografia dele em todos os seus concessionários, e Hitler, sempre um entusiasta do automobilismo, enviou uma coroa de flores, para (mais um...) embaraço da família. A sua campa é periodicamente cuidada até nos dias de hoje.
Quanto a Popp, emigrou para a América, casou-se mais duas vezes até morrer em 1990, aos 69 anos.
O legado é algo dúbio. O facto de, três meses depois da sua morte, começou a II Guerra Mundial, fez esquecer rapidamente Seaman, e muitos sempre pensaram que ele, por causa de ele correr para eles, e por causa do seu casamento com Popp, iria ficar do lado alemão da coisa. Na realidade, ele queria correr com os melhores carros, a sua lealdade era secundária.
Há um excelente livro sobre ele, de seu nome "A Race With Love and Death", do Richard Williams, que é o mesmo que escreveu uma biografia sobre o Ayrton Senna.