sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Caricaturista
sexta-feira, 11 de março de 2011
A Conferência de Imprensa do Castor
- Já afirmei várias vezes, em diversas oportunidades, que fomos eleitos para representar a vontade do povo, e não para impor as nossas convicções, por mais acertadas que estas nos pareçam. Embora fosse opinião nossa que as ratoeiras deviam ser retiradas, opinião que em diversas oportunidades claramente exprimimos, verificámos ao assumir o poder e as suas inerentes responsabilidades que durante períodos consideráveis da nossa história houve ratoeiras, e que, portanto, os ratos só estavam habituados a viver com elas e em sua função, como poderiam reagir mal à sua súbita retirada. Como não somos dogmáticos, estamos sempre dispostos a rever as nossas opções.
- Sr. Dr. Castor, pensa que a longo prazo o seu governo irá no entanto retirar as ratoeiras?
- Encontram-se programadas, na agenda do ministério respectivo, algumas acções de sensibilização das populações, no sentido de as levar … digamos, de as levar adquirir uma nova óptica que possa vir a influenciar as nossas opções a longo prazo, Concretamente, posso adiantar que a longo prazo faz parte dos nossos planos as ratoeiras virem e ser drasticamente reduzidas e/ou substituídas por instrumentos mais adequados. Mas para tal há que recolher ainda primeiras informações, analisá-las, sintetizar e criticar as necessidades, explorar os dados criticados e seguidamente definir, quantitativamente e qualitativamente, as necessidades funcionais das populações.
- Sr. Dr. Castor, o Sr. Dr. Castor falou há pouco de acções de sensibilização, Sr. Dr. Castor: como serão essas acções?
- Depende: serão diversificadas de acordo com o perfil das populações participantes. O CNESER (Centro Nacional para o Estudo Efectivo das Ratoeiras) dá o seu parecer no que toca à ordenação do território por «ambientes» de arratoeirização e rerratoeirização progressiva. Esse parecer passa pela avaliação das necessidades reais das populações, tanto de forma global como detalhada; pela elaboração de programas de rerratoeirização central e autárquica, bem como pela definição dos seus imperativos qualitativos e quantitativos.
- Sr. Dr. Castor, durante a campanha eleitoral, o Sr. Dr. Castor prometeu queijo e toucinho entremeado, mas não disse que o iria pôr nas ratoeiras. Porquê?
- Considera-se fundamental para a eficácia de qualquer distribuição, como é óbvio, que esta seja feita de modo racional, como tem sucedido no caso apontado; de resto, a entidade destinatária, através dos seus legítimos representantes, foi consultada no equacionamento das perspectivas da utilização e distribuição dos mencionados géneros.
- Sr. Licenciado Castor, pode explicar os motivos que o levaram a associar-se com o gato e com a ratazana?
- Os motivos nem sempre se podem explicar: apresentam-se ou enumeram-se; lembro-lhe que há razões de Estado que, como certamente não ignora, não podem ser divulgadas, e cuja divulgação teria de considerar-se como traição. Posso no entanto adiantar que o gato e a ratazana são velhos aliados nossos e se, em tempos, cometeram erros, não há motivo para hoje duvidarmos da sua boa fé. É preciso andar com os tempos.»
Bestiário Lusitano
Edição do autor, com o apoio de um grupo de subscritores e de Publicações Culturais Engrenagem, Lda.
Escrito durante o ano de 1979, segundo o lema de B. Brecht «Outros falam da sua vergonha, eu falo da minha.»
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Café Literário
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Sophia
As Rosas
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendessse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
sábado, 1 de janeiro de 2011
Janeiro - Mês do Gato Maltês
Primeiro livro de urizen
O livro das igrejas abandonadas
O teatro
8 Ícones
Canção de amor
A guerra santa
A teoria e o cão
Aos motos da união
Chuva na primavera
Cálamo
De três em pipa
Do caos à ordem
Esta é a minha carta ao mundo
Hamlet
Lunar caustic
Mocidade
O Imenso Adeus
O menino ao colo
O oficial prussiano
O poema do manto
Poemas Victor Hugo
Poemas anónimos
Primeira neve
Vanina vanini
A perfeita harmonia
A princesa
Avenida nevski
Diário de um louco
Historia do soldado
Lorenzaccio
O dom das lágrimas
O fim do mundo
quinta-feira, 22 de abril de 2010
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Efeméride
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
360.ª Página Caldense
Em Outubro apresentámos “A Praça da Fruta” de Carlos Querido, autor caldense.
Iniciámos Novembro colaborando com a Associação Património Histórico, na apresentação de “Caldas da Rainha no Tempo da II Guerra Mundial” de Mário Tavares, outro autor da terra.
Na semana seguinte, calcorreámos a cidade na companhia de Bordalo Pinheiro.
Uns dias depois recebemos a visita de António Lobo Antunes, um autor que consideramos como nosso.
Entretanto um gato de cara pasmada entrou na livraria e por aqui andou a fazer estragos. Desceu, subiu, desceu, subiu pela coluna preta e finalmente parou a olhar para os livros expostos sobre a mesa.
Ainda estou para saber o que é que ele escolheu para ler. Ou ainda não se decidiu?
Dezembro começou da melhor maneira; com a visita de Ricardo Araújo Pereira.
Apresentei-o, dizendo:
“Muito boa noite e muito obrigada pela vossa presença neste Café Literário, promovido pela Loja 107.
Se me permitem, começo por agradecer à Direcção do Centro Cultural e de Congressos o incondicional apoio sempre dado à realização destes encontros que têm por objectivo a partilha de leituras com a cidade.
À editora Tinta da China, o meu reconhecimento por ter acedido a trazer às Caldas da Rainha mais um dos seus autores.
Bárbara Bulhosa, muito obrigada.
O nosso autor convidado desta noite dispensa qualquer apresentação.
Todos nós o conhecemos dos diversos programas televisivos onde, em parceria com os seus companheiros de trabalho, faz a dissecação impiedosa da nossa sociedade, desmontando com ironia os tiques e os clichés de um mundo ôco que vive e se alimenta de frases feitas e do espectáculo permanente.
É talvez menos popular a sua actividade de cronista semanal.
Quanto a mim, confesso que às quintas-feiras – dia de saída da revista “Visão” – contrariando o cânone recomendado pelo mais básico bom senso, ao começar a folheá-la, faço-o sempre pela última página.
E porquê? Porque é aí que encontro a “Boca do Inferno”, assinada por Ricardo Araújo Pereira.
A crítica feita pelo riso e a análise social mediada pelo humor, são das mais difíceis formas de comunicação: para resultar, têm que ser feitas com fina inteligência, de ridicularizar sem ofender, de dar ênfase a atitudes imperceptíveis, de brincar com situações inesperadas.
Fazer rir é, quanto a mim, a mais difícil das artes, e, no que respeita a esta opinião, sei que estou em muito boa companhia.
Nas suas crónicas, Ricardo Araújo Pereira consegue ser impiedoso na leitura dos factos sociais e, ao mesmo tempo, implacável nas soluções que equaciona.
Vejamos, por exemplo, quando escreve o seguinte:
“Parece clara a razão pela qual não existe pena de morte em Portugal não tem que ver com pruridos morais, mas com problemas jurídicos. No nosso país, crimes graves podem ser punidos com pena suspensa. Seria uma questão de tempo até um tribunal português decretar uma sentença de condenação à morte por injecção letal suspensa. Nós não abolimos a pena de morte por amor à dignidade do ser humano. Foi por medo do ridículo.”
Com toda a propriedade podemos considerar esta análise mordaz da justiça em Portugal, verdadeiramente mortífera.
Aqueles que me conhecem sabem que tenho uma admiração incomensurável pela obra de um dos nossos grandes caricaturistas sociais: Rafael Bordalo Pinheiro.
Assim, a maior homenagem que posso prestar ao meu convidado de hoje, é dedicar-lhe uma definição de humor com origem na pena de Bordalo Pinheiro.
Aqui vai:
“Humor é o mesmo que pregar um prego no estuque novo de uma casa, com protesto de senhorio.”
Ricardo Araújo Pereira é um mestre a pregar pregos e queremos garantir-lhe que, sempre que quiser, havemos de arranjar muitos estuques para pôr à sua disposição.
Muito obrigada”.
Serões inesquecíveis passados na melhor das companhias. Entre amigos.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Os Poderes Mágicos dos Livros
terça-feira, 28 de julho de 2009
Os Gatos do Fialho
Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários. Um pouco lambeiro talvez perante as coisas belas, e um quase nada céptico perante as coisas consagradas; achando a quase todos os deuses pés de barro, ventre de jibóia a quase todos os homens, e a quase todos os tribunais, portas travessas. Amigo de fazer jongleries com a primeirra bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. Paciente em aguardar, manso e pagado, com um ar de mistério, horas e horas, a surtida de um rato pelos interstícios de um tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho.
Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato - isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque, e o animal de humor e fantasia - porque não escolheremos nós o travesti do último? É o que se quadra mais no nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro.
Razão porque nos acharás aqui, leitor, miando pouco, arranhando sempre, e não temendo nunca.”
[Prefácio de "Os Gatos". Fialho de Almeida (Vilar de Frades, 7/5/1857 - Cuba, 4/3/1911).Contista, crítico de arte e costumes, jornalista, panfletário, licenciado em medicina, que praticamente não exerceu, optando pela vida literária.]
quinta-feira, 16 de abril de 2009
As Farpas
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
António Lobo Antunes entrevistado
Folhas numa mão aberta ...
Há dois dias atrás, António Lobo Antunes concedeu uma grande entrevista ao Diário de Notícias.
Hoje, quinta feira a revista Visão publicou mais uma crónica sua.
O escritor anunciou que vai escrever mais dois livros e depois remete-se à solidão de uma escrita não partilhada.
Quando António Lobo Antunes nos permite um olhar fugidio à sua intimidade, surpreende-nos; confessa-nos o fim de um ciclo, que se completa quando tudo o que tinha que escrever já considera tê-lo feito.
Tive o privilégio de ter sido anfitriã de António Lobo Antunes, por cinco vezes.
Confesso o meu fascínio pela sua escrita, apesar de não deixar de sentir que ele brinca comigo, como o gato joga com o rato. Diverte-se (o escritor) a provocar-me (a sua leitora), com as palavras, as personagens, as armadilhas feitas de frases… Percebeste-me? Compreendeste-me? Então, acompanhas-me ou não?...Desistes? …
E lá vou eu, como que encantada, numa leitura feita de ternuras, de sentimentos fortes, de personagens que extravasam dos páginas dos livros e que me acompanham na vida.
As suas frases, por vezes inacabadas… O seu sorriso meigamente irónico… Os seus silêncios…
... Já sinto a nostalgia, por saber que daqui a pouco tempo já não terei mais um livro em que ele me escreva: Para a Isabel com amor …António
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
De novo, Eça
E o presente ano promete: eleições para a Parlamento Europeu, eleições para a Assembleia da República e eleições Autárquicas.
Certamente que a esta hora já existem muitos putativos candidatos, preocupados com sua preparação física, mental e cultural para se posicionarem favoravelmente nos lugares de partida, e de preferência nos de chegada.
Consciente da minha responsabilidade social, imbuída de grande sentido de cidadania, quero contribuir positivamente para essa aprendizagem.
Convidei para me acompanhar nesta árdua e mui responsável tarefa, Eça de Queiroz.
Fruto da argúcia, inteligência e sentido crítico da pena queiroziana, emocionada e persuadida da sua utilidade pública, passo a transcrever:
[capa de "As Farpas", de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, editado em 1871, ilustração de Manuel Macedo ]
“Junho 1871
Há muitos anos a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… O poder não sai de uns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres de todos os que lá não estão - os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país, e outras injúrias pequenas, mais particularmente dirigidas aos seus carácteres e às suas famílias.
Os outros , os que não estão no poder são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais - os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do país e da pátria.
Mas, cousa notável!
Os cinco que estão no poder fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de se- o mais depressa que puderem - os verdadeiros liberais, e os interesses do País!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros - os verdadeiros liberais - entram triunfalmente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país; e os que caíram do poder, resignam-se, cheios de fel e de tédio - a vir a ser os verdadeiros liberais e os interesses do País.
Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu torno esbanjador da fazenda e ruína do País….
Não hã nenhum que não tenha sido demitido ou obrigado a pedir a demissão pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis…
Não há nenhum que não tenha sido incapaz de dirigir as coisa públicas - pela imprensa, pela palavra dos oradores, pela pela acusação da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador…
E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o país neste caminho em que ele vai, feliz, coberto de luz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, e num choito* tão triunfante!
Ora dá-se na política um caso singular:
Um homem é tanto mais célebre, tanto mais consagrado, quantas mais vezes tem sido ministro - isto é, quantas vezes mais vezes tem sido incompantível com a felicidade do país, quanto mais vezes tem montrado a sua incapacidade nos negócios!
Assim o Sr. Carlos Bento foi uma primeira vez ministro da fazenda; teve a sua demissão, e não foi naturalmente pelos serviços que estava fazendo à sua pátria, pelo engrandecimento que estava dando à ceita pública, etc… se caiu foi porque naturalmente a opinião, a imprensa, os partidos coligados, o poder moderador, etc, o julgaram menos conveniente para administrar a riqueza nacional.
Por isto foi ministro da fazenda uma segunda vez: caiu; mostrou de novo a sua incompatibildade, ou a sua inapacidade – pelo menos assim o julgou por essa ocasião, o poder moderador. E a importância do Sr. Carlos Bento cresceu!
Por consequência foi terceira vez ministro: caiu; devemos portanto ainda supor que naturalmente deu provas de não ser competente para estar na direcção dos negócios. E a sua importância aumentou, prodigiosamente.
É novamente ministro: se tiver a fortuna de ser derrubado do poder, se tiver a extrema felicidade de ser convencido, pela opinião, duma incapacidade absoluta, será elevado a um título, dar-se-lhe-ão embaixadas, entrará permanentemente no Almanaque de Gota.
[Eça de Queiroz - Página de "O Besouro", de 4 de Maio de 1878, da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro]
E o quem não conseguiu sendo espirituoso e fino, alcancá-lo-à logo que o poder moderador , demitindo-o, tenha provado que ele é incapaz.
Honrada política! Tu és santa, bela, pura, imaculada, coberta de coisas!
Ora tudo isto nos faz pensar que:
Quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna para governar o seu país!
O que fará proceder o chefe do estado da seguinte maneira seguinte na apreciação dos homens:
O menino Eleutério fica reprovado no seu exame de francês. O poder moderador deita-lhe logo o olho.
O menino Eleutério, continuando a sua bela carreira política, fica reprovado no seu exame de história. O poder moderador, alvoraçado, acena-lhe com um lenço branco.
O caloiro Eleutério, fica reprovado no 1.º ano da faculdade de direito. O poder moderador exulta e quer a todo o transe ter com com ele umas falas.
O sr. Eleutério fica reprovado no 5.º ano. O poder moderador não pode conter o júbilo e fá-lo ministro da justiça.
E a opinião aplaude.
De modo que, se um homem pudesse apresentar-se ao chefe do estado com os seguintes documentos:
Espírito de total modo bronco que nunca pôde aprender a somar;
Estupidez tão espessa que nunca pôde distinguir as letras do A B C ;
Reprovações sucessivas em todas as matérias de todos os cursos.
O chefe do Estado tomá-lo-ia pela mão, e dir-lhe-ia, sufocado em júbilo :
- Tu Marcellus eris! Tu serás, para todo o sempre, presidente do conselho!"
Eça de Queiroz
[Eça de Queiroz n' O António Maria, de 15 de julho de 1880, da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro]
[Nota: texto transcrito de As Farpas.Crónica mensal da política, das letras e dos costumes. Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão. Coordenação geral e introdução Maria Filomena Mónica. Principia, 1.ª Edição, 2004]
PS: Comento-me a mim mesma: saboriei cada palavra deste texto de Eça. A ironia em política é uma arma fatal ...
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Eça, sempre Eça
Folheei as "Farpas" e lá encontrei o texto intitulado "O que era o partido reformista", que passo a transcrever:
"Ninguém se aproximava dele, no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.
– Senhor – disseram – espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?
– Economias! – disse com voz potente o partido reformista.
Espanto geral.
– Bem! e em moral?
– Economias! – bradou.
– Viva! e em educação?
– Economias! – roncou.
– Safa! e nas questões de trabalho?
– Economias! – mugiu.
– Apre! e em questões de jurisprudência?
– Economias! – rugiu.
– Santo Deus! e em questões de literatura, de arte?
– Economias! – uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
– Que horas são?
– Economias! – rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
– De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?
– Economias! – bravejou.
Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente...
– Economias! – gania.
Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.
Possuía apenas uma palavra, aquela palavra que repetia sempre, a todo o propósito, sem a compreender. O partido reformista é o papagaio do Constitucionalismo.
O partido reformista apareceu um dia, de repente, sem se saber como, sem se saber por que. Era um estafermo austero, pesado, de voz possante. Ninguém sabia bem o que aquilo queria. Alguns diziam que era o sebastianismo sob o seu aspecto constitucional; outros que era uma seita religiosa para a criação do bicho-da-seda.
Corriam as mais desvairadas opiniões. Apresentava-se tão grave, tão triste, tão intransigente, que no Chiado afirmava-se ser um personagem da história romana – empalhado!"
Eça de Queiroz, Maio de 1871, As Farpas
Fiquei preocupada... Porque diabo me fui eu lembrar do Eça, ao ouvir o debate na Assembleia?. Vou dormir sobre o assunto...
PS: Eça de Queiroz desenhado por João Abel Manta