Caro Mia Couto:
Votos de bem-estar e espero que esta mensagem o vá encontrar de boa saúde no seu longínquo e belo país de mar infindo.
O hábito de escrever cartas passou de moda, mas para mim que não sou propriamente uma jovem, a carta ainda é um meio de comunicar com as pessoas de que gostamos e que se encontram lá longe.
Esta semana foi-lhe conferido o Prémio Camões. O mais privilegiado prémio literário em língua portuguesa a ser concedido aos escritores que se expressam nesta nossa tão bela e mal tratada língua. Foi muito bem entregue.
Fiquei muito feliz. Uma alegria forte, bem sentida cá no fundo do meu coração. Porque gosto de si e gosto dos seus livros, que me conduzem a um mundo com os cheiros, névoas e sombras em tudo semelhantes às terras da minha juventude.
Tive a alegria e a honra de o receber por quatro vezes na minha livraria, bem distante da sua terra natal; nas Caldas da Rainha, a Loja 107.
Entretanto as coisas mudaram e muito. Tive que fechar a Livraria, porque se alterou drasticamente todo o negócio do livro. Hoje, este, não é um livro é um produto. Grandes grupos económicos, simultâneamente editores e livreiros, dominam o mercado, juntamente com os supermercados e a Fnac. Os livros publicados são muitos, tantos que até é difícil identificá-los. Quanto aos seus conteúdos abstenho-me de me pronunciar, porque não sendo crítica literária, corro o risco de ser injusta para um qualquer livro menos cinzento… Tornou-se inviável manter uma livraria nas actuais condições de mercado, num país em que a leitura está longe de ser uma prioridade. E a 107, fechou…
A vida neste país está muito difícil ; neste país que também é um bocadinho seu.
Recordo com muita saudade as suas visitas. Lembra-se das frutas exóticas que lhe foram oferecidas ao som de uma música dançada ao ritmo africano?
Ainda tem o gato bordaliano que quis que passasse a fazer parte da sua vida? Ele tem-se portado bem?
Lembra-se de ter tido a ousadia de lhe ter dito que era um homem bonito, o que o fez corar um pouco?
Sabe que vive em minha casa um gato da Danuta Wojciechowska, talvez fugido do seu livro “O Gato e o Escuro”. Acredite ou não, enquanto lambemos as nossa feridas, mantemos grandes conversas sobre o que vamos lendo e muitas vezes não estamos de acordo.
Na última vez que cá esteve, em 2008, dedicou-me um autógrafo muito especial “À Isabel com a promessa de eterno retorno”.
Lanço-lhe um desafio, que é simultaneamente um desejo: quando tornar a Portugal a apresentar um seu novo livro, venha até às Caldas da Rainha. Faça desta cidade uma terra de eterno retorno, porque cá vive uma livreira, que tem pelos seus escritores um carinho muito especial e muitas saudades...
Isabel Castanheira
Ex Loja 107, Livraria Lda