Reflexões, notas, impressões, apontamentos, comentários, indicações, desabafos, interrogações, controvérsias, flatulências, curiosidades, citações, viagens, memórias, notícias, perdições, esboços, experimentações, pesquisas, excitações, silêncios.

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Os povos quando s'alevantão

O decano da música Mikis Theodorakis fez-nos chegar recentemente uma mensagem do Além. À primeira vista, poderia ser confundida com um remake do enigma da esfinge.  Ou uma transmissão em código. Ou um mandamento bíblico que ficou esquecido durante uns milénios em alguma caverna do Sinai. Doce engano. O homem falou mesmo a sério. E disse esta coisa impressionante: "Se os povos da Europa não se levantarem, os bancos trarão o fascismo de volta". Ups! De imediato, as redes sociais replicaram a ideia com fervor. As bandeiras agitaram-se. O Doutor Louçã ergueu-se do sofá como um gato pronto para a caçada. O Professor Rosas arrumou os tarecos, alguns livros, incluindo as obras completas de Engels, calçou as botas de caminhada e contra o "façizmo" gritou "presente!". Um frémito percorreu as almas dos humilhados e ofendidos, dos seus amiguinhos irreverentes da melhor extracção burguesa, uns bacanos esquerdalhos muito bem na vida, nunca andaram à procura de trabalho, (alguns com gestor de conta dedicado e tudo, coisa que eu nunca tive). Uma euforia inusitada invadiu os saudosos das massas marchando contra o capital, devidamente pastoreadas, é claro. Ou seja, uma iconografia museológica pintada de vermelho, onde a História se precipita, avassaladora, e acaba nesse preciso momento. Imagino os "povos da Europa", do Atlântico ao Báltico, erguendo-se devagar, empunhar um estandarte, cercar os bancos, capturar os banqueiros, essa "escumalha exploradora", defenestar alguns, lançar outros pela janela (como o bom povo de Lisboa fez com o respectivo bispo, em 1383, empurrando-o do alto da torre da Sé), enxovalhar outros tantos, e por aí adiante. Os "povos" estariam assim vingados, ressarcidos do que lhes foi sempre negado. Uma estranha harmonia ficaria a pairar no céu. Os "façiztas" tiveram o que mereciam! Os "povos", essa mistura de Babel, seriam ungidos pela História. O arauto decerto comporia uma banda sonora para tão épico momento. 10 000 anos de felicidade ao virar da esquina não é todos os dias, verdad?...

Hei, ainda aí estão? Só faltou dizer que o Mikis, um "camarada" dos sete costados, recebeu em 1982 o prémio Lénine da Paz, o qual lhe foi atribuído nesse ano. Perceberam, ou é preciso fazer um desenho?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Da inocência

O interessante frufru acerca da pieguice vale não tanto pela animação que trouxe às redes sociais (e também aos corredores da assembleia da república, às redacções dos jornais e aos circuitos dos eternos insatisfeitos só "porque sim"), mas sobretudo por aquilo que revela: uma quantidade significativa de inocentes políticos que dão à costa nestas ocasiões.
O período que vivemos é propício a que pequenas minorias efervescentes capitalizem a insatisfação que grassa em largos sectores da população. Alguns fazem-no esperando por um movimento redentor. São os inocentes políticos. Há-os de dois tipos: os "Billy Budds", inspirados num personagem de um conto de Melville, e os "príncipes Mishkins", baseados no carismático protagonista de "O Idiota", de Dostoievski. Os primeiros são incapazes de reconhecer o mal e a sua complexidade. Sobretudo nos regimes totalitários. Ou seja, onde domina o espectáculo concentrado (Debord) e o poder de sedução dirigido a quem confunde a realidade com as suas representações ideológicas. Mas também passam ao lado dos micro fascismos e dos poderes paralelos que as democracias abrigam.
Por sua vez, os "príncipes mishkins" são dominados por um clima de ordem compassiva. Preenchem um tipo de missionários que reduzem a acção política a um aumento ou diminuição do sofrimento. Reconhecem o mal, quiçá a sua natureza, mas sempre a posteriori. Nunca quando ele se revela e urge denunciá-lo. Alguns exemplos: André Gide, depois do entusiasmo com o regime soviético, acaba por denunciar os crimes de Estaline, em "Retour de l'URSSS"; Noam Chomsky chegou a ser um entusiasta do regime dos khmers vermelhos no Cambodja, até mesmo depois de o mundo inteiro tomar conhecimento do barbárie que ele escondia, vindo depois a retractar-se; Michel Foucault apoiou fervorosamente o novo regime dos aytollahs no Irão, após a deposição do Xá, até o numero de execuções de opositores ser demasiado alto para poder negar a cruel evidência. Para estes inocentes, a lucidez só emerge após a embriaguez do compromisso com a redenção ter passado. Dando assim razão, mesmo fora de tempo, a Santo Agostinho, quando, numa perspectiva moral, vê a queda como uma facto afortunado.
A propósito, cabe citar uma frase de Graham Greene: "a inocência é como um leproso mudo que perdeu o sino que o anuncia e se passeia pelo mundo sem más intenções".

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Lido

Da pieguice

Não me surpreende a costumeira indignação dos cry babies saudosos do bom velho agit prop, por causa de uma afirmação de Passos Coelho numa conferência académica acerca da congénita pieguice dos portugueses. Alguns desses portugueses, uns por osmose com catecismos de outros tempos, já em fase de morte assistida, outros por obrigação "revolucionária", outros por ressabiamento, outros porque uma ilusão de que l´air du temps ainda é o seu particular l'air du temps, esganiçaram-se num alvoroço de capoeira contra a recomendação da Passos Coelho. Devo dizer que não me surpreendeu a regulamentar halitosis ideológica propalada pelos chefes da esquerda "revolucionária" com assento parlamentar. No entanto, confesso que a má citação de Camões por Zorrinho, líder parlamentar do PS, me deixou boquiaberto. Seja como for, o 1º ministro acertou em cheio. Juntamente com a inveja, a fome social e o medo da cidadania, a pieguice é um dos sintomas mais graves da degenerescência nacional. Uma coisa é a luta individual, anónima, muitas vezes heróica, de milhões de portugueses, por uma vida digna. Isso é sério e intangível. Outra coisa é a sua caricatura: precisamente a pieguice. Ou seja, o hábito da queixinha, da eterna lamentação, da revolta desperdiçada, do papaguear de catecismos exóticos, decalcados do tempo em que a palavra ainda fundava o poder. Ou seja, um colete de forças letal. Tudo isto enquanto as guitarras tangem e se canta o fado...

domingo, 29 de janeiro de 2012

Breves (3)

1.Por causa de uma crónica a propósito da emissão do programa "Prós e Contras" a partir de Angola, o jornalista Pedro Rosa Mendes foi "dispensado" pela direcção de informação da RDP 1, onde colaborava na rubrica "Este Tempo" com as suas crónicas. O acto de censura resulta de uma crítica contundente ao espectáculo propagandístico oferecido à cleptocracia angolana e ao "nauseante e grosseiro exercício de propaganda e mistificação" (sic) do referido programa. Aqui poderão aceder à nota publicada no "Público", a propósito do tema. 
2. As virgens ofendidas do costume andam indignadas por causa de um desabafo do Presidente da República acerca da sua reforma. É claro que Cavaco Silva pode ser criticado por vários motivos. Do meu ponto de vista, como homem educado no regime anterior, está demasiado marcado por uma prudência imobilista e incapaz de retirar peso ao Estado. É bom não esquecer que a deriva despesista que nos tem em apertos começou com ele. Seja como for, circulam pela net panegíricos inflamados condenando Cavaco à execração. Esquecendo talvez que o seu trunfo maior é a identificação com o português comum, que sobe a pulso, com sacrifício, avesso a rupturas. Nas redes sociais, o fait-divers com Cavaco atinge proporções pantagruélicas. Desde peditórios a músicas, há para todos os gostos. Mas vê-se também a arruaça de tasca, do tipo "segurem-me senão vou-me a ele". E com isto andamos a perder um tempo precioso. Que deveria servir para aproveitar a crise da única maneira possível: desfazermo-nos de hábitos consumistas e de um individualismo sem futuro. Novas formas de convivialidade, de participação cívica, de solidariedade. O caminho é esse. Não é continuar a dar importância aos mesmos actores de sempre.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Breves (2)

1. O Ministério Público prevê para este ano um aumento da criminalidade violenta. Jurem! Pensem bem! O que levou à crise não foi também uma forma de criminalidade? Suave, asséptica, pautada pelo rito oficial da democracia, ou seja, o sorriso regulamentar dos políticos. Dotada de um perfume hedonístico como álibi perfeito. Com carta branca para actuar, depois de anos e anos em que o bom povo, comovido com o anúncio da boa nova, deu o voto a quem pagaria os cheques e uma ilusão de prosperidade. Só espero que esta nova criminalidade, ao contrário da outra, não fique impune.
2. A polémica nomeação de Celeste Cardona para o C.G. da EDP já motivou uma reacção da visada. Ora, em jeito de balanço existencial, a criatura diz que “não foi ministra”, simplesmente desempenhou “um cargo ministerial”, não foi banqueira, “trabalhou na sua área de especialidade na CGD” e “não será conselheira da energia”, mas irá tão só "exercer as competências previstas no Regulamento do Conselho Geral da EDP". A jeremiada impressiona, mas não comove uma pedra, nem faria nascer no regaço de Isabel de Aragão uma única rosa. “En passant”, é bom lembrar que, no desempenho das supracitadas funções ministeriais na pasta da Justiça, esta senhora, autêntico gremlin da política nacional, cometeu o maior crime de lesa majestade na área, desde os memoráveis tempos do prof. Varela opinando sobre a dissolução dos costumes devida ao surgimento do divórcio em 1977. Refiro-me à reforma da acção executiva, hoje transformada num pantanal povoado por crocodilos vorazes (os agentes de execução) e de onde é muito difícil sair. A nova conselheira é pois um caso de sucesso. Provando que a estupidez, para além de atrevida, também é multidisciplinar no seu "desempenho".

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

As portagens (1)

Quem circula nas 4 ex SCUT - A22, A23, A24, A25 - já sentiu o impacto nas suas contas bancárias das taxas a pagamento desde 8 do corrente. Mas a história ainda vai a meio. A indignação dos utentes e dos cidadãos residentes nas zonas afectadas não irá parar de crescer. As providências cautelares e as acções de protesto multiplicam-se. O entupimento das alternativas (que em rigor não o são em grande parte do percurso, onde o traçado das auto-estradas coincide com o das antigas IP), a confusão total nas fronteiras e postos de venda, a forma vergonhosa como o pós pagamento é feito (nos correios e nos 2 ou 3 pay shops existentes), sem a possibilidade de ser efectuado por MB, mediante referência obtida online, o caos no pagamento de viaturas estrangeiras, são tudo indícios de um autêntica extorsão aos cidadãos/utentes e uma ignomínia para quem nisto consentiu. Até porque não houve nenhum tipo de debate público sério sobre o tema. E muito menos houve qualquer responsabilização política ou criminal dos responsáveis por esta trapalhada. E há razões mais do que suficientes para isso. Como se sabe, as portagens resultam de uma negociação mal feita entre o Estado e as concessionárias. Que culminou na alteração do contrato de concessão, em finais de 2009, quando era Secretário de Estado da tutela Paulo Campos. O mesmo que, sem pestanejar, foi eleito no ano seguinte deputado pelo PS no círculo da Guarda. O objectivo da parceria è óbvio: abrir o caminho para a Ascendi & Cia começar a facturar, rapidamente e em força. E quem iria pagar a conta? Os cidadãos e empresas das zonas mais debilitadas do país, naturalmente. O ponto mais fascinante das alterações produzidas diz respeito à fixação de uma "compensação", a ser paga pelo Estado às concessionárias. Uma espécie de quota de disponibilidade, no valor de vários milhões por ano, liquidada mesmo que nenhum veículo passe pelas "SCUT". O caso é grave e configura vários tipo de ilícito. Nomeadamente participação económica em negócio e administração danosa. O Ministério Público já deveria ter aberto um ou vários inquéritos aos governantes e deputados da Comissão respectiva que negociaram as alterações ao contrato de concessão. Até porque alguns deles tinham interesse directo no negócio, como é sabido...

sábado, 3 de dezembro de 2011

Lido

Churchill chorava quando, durante o blitz e sendo aclamado e adorado pela população, visitava as zonas bombardeadas e via as casas destruídas e imaginava o que passariam os east enders pobres e ainda por cima desalojados; Soares, pelo seu lado, fica 'bem disposto' por ter uma manifestação de apoio no aeroporto antes do exílio, indiferente ao facto de os manifestantes serem mimoseados com uma carga policial.

Maria João Marques, no "Cachimbo de Magritte"

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Dois pesos, duas medidas (2)

(continuação)
Por outro lado, a administração da RDP, por instâncias do Governo, decidiu suspender, desde 1 de Junho, a emissão em onda curta do serviço internacional. Chamado a prestar declarações à Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação da Assembleia da República, o Ministro da tutela, Miguel Relvas, veio justificar a medida. Para o efeito, baseou-se em três argumentos: redução de custos, sendo a onda curta uma "tecnologia obsoleta e muito cara" (sic); baixos índices de audiência, conclusão retirada da ausência de protestos pela interrupção circunstancial da emissão nessa frequência, devido a uma avaria, ocorrida anteriormente; por último, ser o fecho da onda curta uma prática seguida por estações radiofónicas de referência, dando na circunstância o exemplo da Deutsche Welle. Entretanto, o tema mereceu forte contestação da comissão de trabalhadores da RDP e da oposição parlamentar. Por seu turno, o Provedor do Ouvinte da RDP, Mário Figueiredo, tem contestado energicamente a decisão. Quer nas suas comunicações difundidas nas emissões, quer na audição junto da Comissão referida da AR. Onde chegou a afirmar que o encerramento do serviço tinha por detrás a especulação imobiliária dos terrenos onde funciona o emissor. O Provedor desmontou, um por um, os argumentos do Ministro. A saber:  
1º a emissão em onda curta não custa, nem de perto nem de longe, o que diz Relvas. Se se quer reduzir nos custos, não é fechando uma emissão que decorre da própria concessão de serviço público e que é um imperativo constitucional. Até porque, há dois anos a empresa fez um investimento considerável no emissor de Pegões. Não foi certamente pensando em encerrá-lo a seguir.
2º  A avaria mencionada foi breve e só privou da audição das emissões uma pequena parte de África. Não se esperaria que o facto motivasse uma manifestação dos cidadãos prejudicados à frente da sede da Administração da RDP. A alegada ausência de protestos vale pois o que vale.
3º É falso que a Deutsche Welle tenha encerrado as emissões em onda curta. Pelo contrário, desde há pouco, dispõe igualmente de emissões em português. A BBC segue as mesmas pisadas,desconhecendo-se qualquer desinvestimento na matéria por parte deste colosso.
4º O universo alcançado pela RDP Internacional abrange as comunidades nacionais pelo mundo e os países lusófonos. Significa isto que a audiência é vastíssima. E que, caso se concretize o fecho da emissão, ficará, em muitos casos, privada do único meio disponível de informação e de ligação a Portugal. Trata-se pois de um serviço público na acepção plena do termo: insubstituível, intransmissível e universal. E sobretudo de um poderosíssimo meio de difusão da língua e cultura nacionais. O seu fim é um verdadeiro crime.

Dois pesos, duas medidas (1)

Duas recentes medidas gevernamentais merecem total repúdio. Em comum, têm por trás o Ministro Miguel Relvas,  bombeiro de serviço / eminência parda deste executivo.
A primeira delas foi a extinção liminar da Inspecção-Geral da Administração Local. Trata-se do único órgão com competência fiscalizadora plena das autarquias. Ou como se diz na página respectiva, tem como objecto "o exercício da tutela administrativa e financeira a que se encontram constitucionalmente sujeitas as autarquias locais". A motivação da medida é óbvia. O emagrecimento das transferências financeiras, as restrições ao endividamento das Câmaras, a diminuição de vereadores e a fusão (para já) de Juntas de Freguesia não foram propriamente boas notícias para o Poder Local. Os lobbies respectivos, com o inefável e eterno Ruas à frente, mexeram logo os cordelinhos para suavizar a dieta. Nem que fosse para ocupar os batalhões de funcionários que se passeiam pelos edifícios camarários por esse país fora. Muitos deles recrutados graças a fidelidades partidárias e clientelares. Logo na primeira investida, o Governo cedeu no mais óbvio: ir desencantar receitas extraordinárias. E onde? Ao IMI, naturalmente. O imposto passa agora a ser arrecadado pelas Câmaras. Adivinhem o que veio a seguir. Exactamente. Aumentou a taxa que incide sobre os imóveis actualizados já no próximo ano. De uma assentada, matam-se assim dois coelhos. Ou seja, por um lado, satisfaz-se o apetite voraz das autarquias, em jeito de prémio de consolação. E quem paga a festa? Os proprietários dos imóveis, é claro. Cuja esmagadora maioria é constituída por cidadãos com modesta capacidade económica. E que vêm no escasso rendimento que obtém do património um justo retorno das poupanças que investiram. Muitas vezes fruto de uma vida de trabalho. E que já foram sucessivamente objecto de taxação. Ao agravar a pressão fiscal sobre o património, para satisfazer clientelas autárquicas, o Governo andou pessimamente. Continuando a alimentar os vícios públicos com as virtudes privadas. Por outro lado, com a extinção da IGAL oferece às autarquias o "prémio" da abertura das portas da impunidade e do afrouxamento do escrutínio público. Adivinha-se o regabofe que aí vem. Por sinal, o Presidente do IGAL, juiz-desembargador Orlando dos Santos Nascimento, publicou no site respectivo uma carta com a sua posição, fortemente crítica da extinção do serviço. Pois o Ministro demitiu-o e fechou o site, criando um novo, para que ninguém acedesse à carta. Mesmo assim, mão amiga fez-me chegar o documento. O qual, graças à sua frontalidade e clareza, merece aqui uma leitura atenta.
(continua)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O homem que não viu passar os comboios

Como muitos já descobriram pelos piores motivos, hoje há greve nas empresas públicas de transporte de passageiros e mercadorias. Esta precisão é importante, pois não tenho conhecimento que nas empresas privadas de transporte rodoviário o mesmo tenha acontecido. Desta vez, com a particularidade de, no caso da CP, alguns comboios já terem parado na véspera. Mais uma vez, boa parte do país parou. Sobretudo nas grandes cidades. Isto porque um número considerável dos trabalhadores dessas empresas (com emprego estável e que estão longe de viver na miséria, é bom lembrar), através dos seus "representantes" sindicais, resolver ir prá frente com mais uma "jornada de luta". As razões invocadas são basicamente a reestruturação do sector e o pacote de austeridade da troika. Medidas que a esmagadora maioria do país encara como "males" necessários. Prejudicados? Os mesmo de sempre. Sendo grande parte trabalhadores. Para os quais fazer greve é, precisamente, um luxo... Bom, mas pelo meu lado, não me posso queixar. Em 10 minutos a pé estou onde é preciso na cidade. Enfim, vantagens de viver na província... A juntar ao rol que num destes dias hei-de publicar.

sábado, 5 de novembro de 2011

Os gregos

Tenho recebido algum junk mail e lido comentários enaltecendo as virtudes da capacidade de contestação dos gregos, face às medidas de austeridade. O evidente propósito desta prosa é, a contrario sensu, realçar pela negativa um alegado conformismo nacional, face a idênticas medidas, tomadas no âmbito do acordo da troika. É com esta vulgata populista que muitos se entretêm e decidiram entreter os outros. Ou seja, derramar lágrimas pela perda de uma fatia dos rendimentos pelos trabalhadores por conta de outrem. Estes incontinentes são os mais fidedignos cães de guarda de um edifício que já ninguém pode pagar. Porque o sector privado produtivo já não gera riqueza que suporte o chamado estado social. Um colosso que certamente nos ancora numa zona de conforto de onde é penoso sair. Mas que, provavelmente, serão ainda os nossos bisnetos a pagar. Obviamente, a lição grega é fundamental para sabermos para onde queremos ir. Diria mais. Se queremos ou não conservar a soberania. Ficámos a saber, por exemplo, que a dimensão dos protestos na rua é indiferente: limita-se a criar ondas de fumo espalhadas pelos media e ocupar os analistas de serviço. Que a abordagem feita ao "caso grego" (que está longe de ser o "milagre" dos tempos helénicos) é puramente empírica - de sujeito para sujeito, de favor - ou convencional - do sujeito limitado pelo objecto. Longe uma visão que compare, que enquadre, que realce o que (ainda) lá não está. Tal e qual como na apreciação que se faz de um objecto artístico. Os gregos já perderam muito mais do que nós. Tanto mais que lá o descontrolo das contas públicas era crónico e "colossal". E o clientelismo um modo de vida, numa cleptocracia tolerada por Bruxelas e Berlim. Arriscam-se agora a serem banidos da zona euro. Portanto, cada vez têm menos a perder. E nós?

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Lido

A primeira consequência da publicação da notícia da tentativa de Sócrates em influenciar o voto no OE2012 é que António José Seguro optará pela abstenção. Não existe outra possibilidade pois, se votasse contra, a sua liderança ficaria abalada pela dúvida sobre, afinal, quem manda no partido. A segunda consequência é o desgastar crescente da liderança de Seguro, aproximando-se cada vez mais o dia em que subirá à liderança um dos fiéis do socratismo.

Alexandre Homem Cristo, em "O Cachimbo de Magritte"

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Lido

 (clicar para aumentar)

Sobre a mais recente miragem nacional, pouco mais há a dizer. VPV no seu melhor.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A ração

Longe vão os tempos da 1ª República. Mas a tropa anda irrequieta com a perspectiva da ração diminuir e começarem as marchas forçadas. E está disposta mesmo a vir para a rua. Parodiando um daqueles desfiles do tipo pronunciamento, tão em voga naquela época. Só que desta vez à paisana, como manda a lei. E repare-se no discurso do porta-voz dos insurgentes, bem à medida do populismo de vão de escada: "vão mas é sacar a esses malandros dos bancos, a culpa é do Governo"..., etc. Sem lhes passar sequer pela cabeça que, em vez de atacar quem é parte da solução, deveriam era voltar-se para os verdadeiros responsáveis pelo problema: os políticos que conduziram o país ao abismo.

sábado, 8 de outubro de 2011

O prémio

O Governo decidiu suspender os prémios aos melhores alunos do secundário, no valor de 500 Euros. A medida foi anunciada cinco dias antes da entrega dos prémios, cerimónia prevista para o dia 1 de Outubro. O Ministro da Educação justificou a decisão, prometendo que essa verba será "atribuída a projectos de escola, a projectos de apoio aos alunos e não devemos estar simplesmente a distribuir dinheiro". Não podia estar mais de acordo. Poder-se-ia levar esta filosofia de acção um pouco mais longe. Estou-me a lembrar dos generosos subsídios concedidos a associações de estudantes, quer do ensino secundário, mas sobretudo do superior. E também, de um modo geral, às associações juvenis do mais variado tipo que são financiadas pelo IPJ, sem nenhum tipo de supervisão dos gastos. Ou então, se ela existe, é puramente retórica. E acreditem que sei do que estou a falar. Ou seja, esta pródiga subsidiação da juventude, que só obscuras razões - maxime a manutenção e fixação de clientelas eleitorais - explicam a persistência num período de vacas magras, devia acabar de vez. Apertando-se nos recursos financeiros disponíveis e nos critérios utilizados.
Relativamente ao episódio dos "prémios de mérito", gostaria ainda de acrescentar algumas reflexões. Qualquer aluno, seja do ensino público ou privado, deveria ter presente que ter boas notas não é mais do que a sua obrigação. E que se forem mesmo muito boas, basta o prémio da sua satisfação e da que proporciona à sua família. Traduzir isso em expressão monetária, com o aval do Estado, é ir por caminhos perigosos. Sobretudo sabendo-se que o actual sistema de ensino prima pelo facilitismo e pela descida da bitola da excelência, atendendo à menorização dos bons alunos, em benefício dos outros e dos "casos problemáticos" e ainda às sacrossantas estatísticas do (in)sucesso escolar. Por outro lado, ser bom aluno, sobretudo no ensino secundário, não quer dizer necessariamente ter as melhores notas. Significa que existe um equilibro entre a expansão do conhecimento e o crescimento como pessoa e como cidadão. Significa que, a haver prémios, não deveriam ir para os marrões, mas para os que sobressaíram enquanto unidade compósita de competências.

domingo, 2 de outubro de 2011

A mostra paleontológica

Os comunas lá desceram ontem à rua. Muito protesto e tal dos "trabalhadores", ressabiados do costume e gente que, de um modo geral, ainda não descobriu que o exemplo da diferença parte de cada um de nós. E que já não existe riqueza excedentária para redistribuir! Mas Aleluia! Com "movimentos de massas" desta dimensão, Portugal ficará a um passo de ultrapassar as trapalhadas financeiras em que se afundou, graças ao modelo alucinado de desenvolvimento posto em prática por políticos irresponsáveis nos últimos 30 anos. Estas "manifs" são como que um passe de mágica! Graças ao fulgor geriátrico destes desfilantes patuscos fósseis! Ah, mas o inevitável factotum Silva (Carvalho para os "camaradas") esteve lá. E até adiantou "númbaros": à volta de 180 mil en la calle, diz ele. Ups, tantos!... Não será efeito do Viagra?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O buraco

Uma das características mais irritantes e empobrecedoras dos portugueses é o seu secreto fascínio pelo mando e por quem o exerce. Que cria uma original desigualdade na apreciação de um mesmo comportamento, consoante quem o pratica. Reparem que falo em mando e não em poder. Essa tendência anda de mãos dadas com episódicos actos de barbárie, mais próprios da turbamulta descontrolada. Como exemplo maior, temos o fascínio pelos autos de fé, ou o tristemente célebre massacre de judeus em Lisboa, em 1503, por instigação de um cristianíssimo frade dominicano. Essa bipolaridade, na forma como são encarados os vilões consoante o seu poderio, é só aparente. Ou seja, esse fascínio que mencionei revela-se por vezes das formas mais caricatas. Veja-se o que se passa com a "descoberta" do buraco orçamental da Madeira. É claro que o régulo Jardim se limitou a reproduzir os tiques despesistas e os modelos de desenvolvimeto dos seus émulos políticos do continente. Começando, por exemplo, em Cavaco Silva. Refiro-me, obviamente ao que nos foi vendido de há 25 anos para cá: "desenvolvimento" baseado no betão e na despesa pública descontrolada que o dinheiro fácil da UE tornou possível. Todavia, essa venalidade paga por todos adquiriu aí uma dimensão terceiro-mundista, num território onde não funcionam os mecanismos tipicamente democráticos de controlo, fiscalização e alteridade do poder. Exposta perante a opinião pública esta gestão danosa dos dinheiros públicos, a reacção não se fez esperar: Jardim passou a bode expiatório de todas as trapalhadas onde andamos metidos. Quando na verdade o homem é simplesmente um bom aprendiz de feiticeiro. O mesmo que tirou partido da conjuntura favorável, das lealdades partidárias, dos votos "vendidos" na AR, de ter prosperado numa coutada por si criada, onde a democracia foi "suspensa" ad eternum e, sobretudo, da vista grossa de quem já há muito deveria ter denunciado o regabofe. É isto que é preciso ser dito. Responsabilizando-o politica e, sendo o caso, criminalmente, pela "façanha". Voltemos agora ao início desta reflexão. Perante essa exigência da saúde democrática do regime que é apear Jardim e sua clique, apareceram logo as consciências de aluguer do costume: comentadores avulso (do programa "contraditório" da Antena 1, por exemplo) que não "alinham no coro das críticas" a Jardim, uma "excelente pessoa", acrescentam; políticos menores, que não perdem uma oportunidade de ter um microfone estendido (Morais Sarmento, por exemplo, critica o "linchamento público" do rei do Carnaval madeirense). E a que se deve esta originalidade desculpadora? Em minha opinião, precisamente ao tal fascínio pelo mando e por quem o exerce. Se se descobrisse que um simples cidadão tinha feito umas habilidades com dinheiros públicos, ninguém poria a mão no fogo por ele, nem nenhuma instância ou comentador levantaria o princípio sagrado do in dubio pro reu. É precisamente esse mesmo fascínio que leva, a quem por ele é tomado, a passar por cima de normas básicas de comportamento. A justificar nos outros a afirmação do "triunfo", do "sucesso". A buscar nos outros um poder alucinado, demencial. Apagando em si o que resta da empatia e da vitalidade indispensáveis ao amor. Afinal, o verdadeiro poder. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Medida por medida

Ocasionalmente, interessam-me as jogadas políticas locais da cidade onde vivo. Mas importa esclarecer que o tema me interessa por simples curiosidade antropológica e não para alinhar jeremiadas placebas. Por sua vez, a curiosidade é a mesma que sinto diante de um palco onde loucos se digladiam por chegar ao poder e depois conservá-lo a todo o custo. Ao poder que eles tomam como tal, entenda-se. Pois na Guarda é notória a baixíssima qualidade dos actores políticos, que a valia do tal teatro épico, grosso modo, acompanha. Mas será que se pode falar de verdadeiro combate político nesta cidade? Um combate em cujo centro estão os modelos, as propostas concorrentes e não os cabeças de cartaz? Um combate onde o ponto de focagem está na mobilização e não na arregimentação? A resposta é negativa, com excepção de umas épicas eleições locais nos idos de 80. Tomemos agora como exemplo o que se assiste nos dois únicos partidos com expressão eleitoral local - PS e PSD. É certo que, desde sempre, a política sempre foi para mim muito mais do que o mundo dos partidos políticos, epifenómenos em vias de extinção. Mas, por conveniência narrativa, centro-me por ora neles.  Comecemos pelo PSD. A estrutura local deste partido pouco tem a ver com o que se passa a nível nacional. Ou seja: ausência de debate político-ideológico; resistência à modernidade; discurso voltado para eleitores de uma ruralidade em extinção, de um conservadorismo anacrónico e de um tecido empresarial incipiente; tiques populistas, como se viu com a recente polémica onde um dirigente local compara a actividade cultural ao "circo". Ou seja, o PSD local esquece-se de um pormenor essencial: ser de direita, hoje em dia, é estar do lado da modernidade, do desenvolvimento e da liberdade. É por de lado as respostas conceptuais perante a realidade em que a esquerda ainda continua enredada. Passarei agora ao PS. Aqui a situação adquire uma dimensão trágica. Paredes meias com o grau zero da política. A façanha, embora com antecedentes propícios, foi conseguida pela actual direcção distrital, comandada por esse case study de nome José Albano. Um ilustre desconhecido que, tendo sido eleito deputado da Nação, renunciou ao mandado por um cargo dirigente local. E tendo-se recandidatado na legislatura seguinte, como número dois da lista, viu os seus intentos gorados, graças aos piores resultados da história do partido no distrito. De cuja estrutura já era o responsável máximo. E pensam que daí retirou algumas consequências? Não, limitou-se a apoiar Seguro, o senhor que se seguiu à frente do partido. Depois de ter feito juras de amor eterno a Sócrates. E a confirmar o seu deserto de ideias e propostas para a região. E a promover os seus fiéis. Comportando-se como um simples chefe de facção. É de gente como esta que a Guarda precisa para dirigentes políticos? Adivinha-se a resposta. Em síntese, chega de produtos do aparelho, candidatos a caudilhos, distribuidores de lugares e favores. O que a Guarda necessita, urgentemente, é de políticos mobilizadores, esclarecidos, ousados, atentos ao pulsar da cidade e da região. Só assim prevalecerá o melhor das capacidades instaladas, as boas práticas da administração e a atractividade.