Desde que me lembro de dar comigo a pensar na morte - e para tal tenho de recuar aos tempos das 'depressões(zinhas)' juvenis, já lá vão uns bons tempinhos! - sempre se instalou, na minha ideia, que queria ser cremada. Depois, com o desenrolar da vida, fui firmando esta ideia agora já duma forma racionalizada, racionalização essa que passava por achar as cerimónias fúnebres um completo disparate, tantas vezes transformadas em festivais de hipocrisia familiar. Dos velórios, então, nem se fala. Ou melhor: falar, fala-se, mas de tudo menos de quem morreu. Ou, então, fala-se exactamento ao contrário do que se fazia em vida: todos os defeitos assinalados em vida passam a virtudes glorificadas na morte. Fui a um funeral em toda a minha vida (tendo passado por cima do velório e, pelo que me contaram depois, fiz muito bem ou teria desatado à estalada a toda a gente antes de correr com todos para o olho da rua!) e jurei a mim mesma que seria o último!
No entanto, discutimos tantas vezes sobre a necessidade do luto...lembras-te? Nunca percebi essa ideia. Talvez porque nunca tinha deparado com a chegada da morte...sem aviso. A minha relação com a morte sempre se fez numa base de auto-defesa: se a pessoa estava muito doente, terminalmente doente, eu entendia ser dum profundo egoísmo chorar-lhe a morte. Não se chora porque a pessoa morreu, chora-se porque a pessoa nos morreu. E, assim sendo, a morte é uma libertação para quem deixa de sofrer e o nosso sofrimento é a quota parte a pagar por se amar quem partiu. Guarde-se a memória, mas...liberte-se a dor!
Agora, agora começo a entender a necessidade de fazer o luto, de ter 'algo' a que me agarrar para chorar a dor da partida...sem aviso!, sem necessidade de libertação!, sem doença, ou mal, que o justificasse! Morreste-me apenas porque estavas vivo e alguém entendeu (ou nem sequer o entendeu tendo sido, apenas, um gesto gratúito da absoluta estúpidez humana) que assim não devias continuar. Eu não soube aprender esta tua lição: "E os MEUS mortos são MEUS porque eu lhes consegui dizer : ADEUS !"
Cumpriu-se o que sempre se disse ser para cumprir e agora? Como é que me despeço? Que luto faço? Estupidamente, e mais uma vez, fugi da realidade; imaginei (ou queria tanto acreditar!?) que não vendo, não existia e assim eu não sofria. Engano puro! Não são as almas dos mortos que pairam - penando por aí, algures - quando não alcançam a paz...são as dos vivos que não sabem despedir-se dos seus mortos.
«(...)o fingir que a morte não aconteceu…) é, para o senso comum, uma cura básica… No entanto,
o resultado dessas "escapadelas" é o ficar cada vez mais ignorante… da vida… e da morte dos que amamos…(...)»
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