NA COMPANHIA DE CAMUS
Na passada sexta-feira foi lançado no Teatro da Trindade, em Lisboa, o mais recente livro do poeta e jornalista José do Carmo Francisco. Tal como noticiei há uns tempos, trata-se de um conjunto de entrevistas em torno do desporto, reunidas sob o título As Palavras em Jogo, num volume editado pela Padrões Culturais. Estruturadas a partir de um alicerce forte - as palavras de Albert Camus sobre a importância do desporto na sua formação humana e cultural -, traçam, além das opiniões veiculadas, perfis reveladores dos entrevistados, todos figuras conhecidas e/ou importantes na nossa vida cultural e cívica.
Nem todas as entrevistas revelam a mesma qualidade e profundidade; algumas delas mostram mesmo o quanto José do Carmo Francisco deve ter suado para que a destilação produzisse um álcool aceitável e bebível ou para retirar as declarações do expectável. Na minha opinião, revelam um enorme interesse os diálogos com Américo Guerreiro de Sousa, Dinis Machado, Ernesto Melo e Castro e Eduardo Nery. São francamente boas a entrevistas de Eduardo Guerra Carneiro, Fausto Bordalo Dias, Francisco José Viegas, José Quitério e Luís Filipe Maçarico. A de Álvaro Cunhal confirma apenas a cassete já histórica na nossa memória; o político comunista não desejou sair dos carris e conseguiu-o. Francamente fracas são as respostas de Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Mendes e Clara Pinto Correia. Infelizmente, por motivos que sei alheios ao autor de Transporte Sentimental, as entrevistas de José Fernandes Fafe, José Nuno Martins, Mia Couto e Nicolau Saião não passam de perfis, ainda assim atraentes e suscitadores de curiosidade. Junta-se a este painel a memória de Francisco dos Santos, que vem ajudar o leitor deste interessante livro a entender o jogo das palavras e da vida, afinal uma "eterna luta entre o pó e a posteridade" - como intitulou José do Carmo Francisco o texto lido no lançamento.
A eterna luta entre o pó e a posteridade
Há 32 anos, quando comecei no Diário Popular, não imaginava como tudo isto é efémero. Os jornais são como as pessoas; também morrem. De repente lembro-me de alguns onde colaborei desde 1978 e que deixaram de se publicar: Diário Popular, Diário de Lisboa, Gazeta dos Desportos, A Capital, República. Mas se recuarmos 70 anos vemos nove jornais diários que não resistiram: Jornal do Comércio, O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro, O Século, Novidades, República, Diário de Lisboa, A Voz, Diário da Manhã. Só ficaram o Diário de Noticias e o Jornal de Noticias. A Bola Magazine, de onde foram recuperadas para o meu livro As palavras em Jogo estas entrevistas e a memória, também só vive hoje na memória afectiva de quem a guarda e nas prateleiras das hemerotecas. Há 370 anos nasceu a primeira Gazeta que dentro de meses pode dar origem a algumas efemérides. Somos os bisnetos desses obscuros redactores e somos os remadores dessa barca onde se procura vencer o pó do silêncio e alcançar a posteridade possível. O Mundo é uma terrível fábrica de esquecimento; compete a todos e a cada um de nós fazer com que o esquecimento seja uma injustiça. Ao procurar saber mais do jornalismo de há 70 anos apareceu em O Século de 1941 uma referência a José Bento Pessoa. Pois o nosso figueirense foi em 1897 o vencedor do I Campeonato de Espanha em bicicleta disputado em Ávila na distância de 100 quilómetros que fez em 3h 42m e 31s. Ele é uma relíquia do Desporto Português. Este livro não aspira a tanto; pede apenas um pouco de atenção ao leitor comum e um lugar no futuro Museu do Desporto.