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NA COMPANHIA DE CAMUS


Na passada sexta-feira foi lançado no Teatro da Trindade, em Lisboa, o mais recente livro do poeta e jornalista José do Carmo Francisco. Tal como noticiei há uns tempos, trata-se de um conjunto de entrevistas em torno do desporto, reunidas sob o título As Palavras em Jogo, num volume editado pela Padrões Culturais. Estruturadas a partir de um alicerce forte - as palavras de Albert Camus sobre a importância do desporto na sua formação humana e cultural -, traçam, além das opiniões veiculadas, perfis reveladores dos entrevistados, todos figuras conhecidas e/ou importantes na nossa vida cultural e cívica.
Nem todas as entrevistas revelam a mesma qualidade e profundidade; algumas delas mostram mesmo o quanto José do Carmo Francisco deve ter suado para que a destilação produzisse um álcool aceitável e bebível ou para retirar as declarações do expectável. Na minha opinião, revelam um enorme interesse os diálogos com Américo Guerreiro de Sousa, Dinis Machado, Ernesto Melo e Castro e Eduardo Nery. São francamente boas a entrevistas de Eduardo Guerra Carneiro, Fausto Bordalo Dias, Francisco José Viegas, José Quitério e Luís Filipe Maçarico. A de Álvaro Cunhal confirma apenas a cassete já histórica na nossa memória; o político comunista não desejou sair dos carris e conseguiu-o. Francamente fracas são as respostas de Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Mendes e Clara Pinto Correia. Infelizmente, por motivos que sei alheios ao autor de Transporte Sentimental, as entrevistas de José Fernandes Fafe, José Nuno Martins, Mia Couto e Nicolau Saião não passam de perfis, ainda assim atraentes e suscitadores de curiosidade. Junta-se a este painel a memória de Francisco dos Santos, que vem ajudar o leitor deste interessante livro a entender o jogo das palavras e da vida, afinal uma "eterna luta entre o pó e a posteridade" - como intitulou José do Carmo Francisco o texto lido no lançamento.





A eterna luta entre o pó e a posteridade


Há 32 anos, quando comecei no Diário Popular, não imaginava como tudo isto é efémero. Os jornais são como as pessoas; também morrem. De repente lembro-me de alguns onde colaborei desde 1978 e que deixaram de se publicar: Diário Popular, Diário de Lisboa, Gazeta dos Desportos, A Capital, República. Mas se recuarmos 70 anos vemos nove jornais diários que não resistiram: Jornal do Comércio, O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro, O Século, Novidades, República, Diário de Lisboa, A Voz, Diário da Manhã. Só ficaram o Diário de Noticias e o Jornal de Noticias. A Bola Magazine, de onde foram recuperadas para o meu livro As palavras em Jogo estas entrevistas e a memória, também só vive hoje na memória afectiva de quem a guarda e nas prateleiras das hemerotecas. Há 370 anos nasceu a primeira Gazeta que dentro de meses pode dar origem a algumas efemérides. Somos os bisnetos desses obscuros redactores e somos os remadores dessa barca onde se procura vencer o pó do silêncio e alcançar a posteridade possível. O Mundo é uma terrível fábrica de esquecimento; compete a todos e a cada um de nós fazer com que o esquecimento seja uma injustiça. Ao procurar saber mais do jornalismo de há 70 anos apareceu em O Século de 1941 uma referência a José Bento Pessoa. Pois o nosso figueirense foi em 1897 o vencedor do I Campeonato de Espanha em bicicleta disputado em Ávila na distância de 100 quilómetros que fez em 3h 42m e 31s. Ele é uma relíquia do Desporto Português. Este livro não aspira a tanto; pede apenas um pouco de atenção ao leitor comum e um lugar no futuro Museu do Desporto.



LANÇAMENTO
DE DOIS LIVROS DE JOSÉ DO CARMO FRANCISCO


A Livraria Fábula Urbis (Rua Augusto Rosa, 27 – à Sé) e o autor convidam V. Exa. para a apresentação do livro Transporte Sentimental (edição da C.M.L.) no dia 27-2-2010 às 19 horas. A obra será apresentada por Rui Almeida, poeta, recente vencedor do Prémio de Poesia Cidade de Águeda.


Este livro, considerado «esplêndido» por Fernando Venâncio no «JL» de 7-12-1993, integra vinte poemas sobre a Cidade de Lisboa vista das janelas dos autocarros, dos eléctricos e dos elevadores da Carris. Os poemas foram escritos no Verão de 1986 em Santa Catarina (Caldas da Rainha) e são dedicados a Armando Silva Carvalho, Fernando J. B. Martinho e Pedro Támen. A 1ª edição deste livro surgiu em 1987 e com a chancela da Editora Espiral e apoio do Grupo Desportivo do Banco Português do Atlântico. A presente 2ª edição é da Câmara Municipal de Lisboa.





A Editora Padrões Culturais e o autor convidam V. Exa. para a apresentação do livro As palavras em Jogo no Teatro da Trindade (ao Chiado) no dia 5-3-2010 às 18 horas. O volume será apresentado por António Simões, jornalista do diário desportivo A BOLA.

Este livro recupera do pó do esquecimento 30 entrevistas e 1 memória, lembrando, deste modo, 30 anos de jornalismo do autor. No universo multifacetado dos entrevistados há um diverso olhar sobre o Desporto e a Sociedade: Álvaro Cunhal, Américo Guerreiro de Sousa, António Alçada Baptista, António Roquete, Carlos Mendes, Clara Pinto Correia, Daniel Sampaio, David Mourão-Ferreira, Dinis Machado, E.M. Melo e Castro, Eduardo Guerra Carneiro, Eduardo Nery, Fausto, Francisco dos Santos, Francisco José Viegas, Helena Marques, Joaquim Pessoa, José Duarte, José Fernandes Fafe, José Manuel Mendes, José Nuno Martins, José Quitério, Lídia Jorge, Luís Filipe Maçarico, Mário Jorge, Matos Maia, Mia Couto, Nicolau Saião, Rita Ferro, Romeu Correia e Urbano Tavares Rodrigues.

As entrevistas e a memória de Francisco dos Santos (1878-1930), o primeiro português a jogar em Itália, foram publicadas entre 1992 e 1996 na Revista A BOLA MAGAZINE que entretanto cessou publicação. Algumas delas foram mais sintéticas devido à falta de espaço mas todas apresentam o interesse do depoimento das 30 diversas figuras públicas sobre a sua relação com o Desporto.

Agradecemos que divulgue este duplo convite junto dos seus amigos / amigas. Obrigado.




As palavras em jogo
pelo seu autor, José do Carmo Francisco




Está quase a chegar às livrarias este livro de 220 páginas que recupera do pó do relativo esquecimento 30 entrevistas e 1 memória, lembrando deste modo 30 anos de jornalismo. No universo multifacetado dos entrevistados há um abrangente olhar sobre o Desporto e a Sociedade: Álvaro Cunhal, Américo Guerreiro de Sousa, António Alçada Baptista, António Roquete, Carlos Mendes, Clara Pinto Correia, Daniel Sampaio, David Mourão-Ferreira, Dinis Machado, E.M. Melo e Castro, Eduardo Guerra Carneiro, Eduardo Nery, Fausto, Francisco dos Santos, Francisco José Viegas, Helena Marques, Joaquim Pessoa, José Duarte, José Fernandes Fafe, José Manuel Mendes, José Nuno Martins, José Quitério, Lídia Jorge, Luís Filipe Maçarico, Mário Jorge, Matos Maia, Mia Couto, Nicolau Saião, Rita Ferro, Romeu Correia e Urbano Tavares Rodrigues.

As entrevistas e a memória de Francisco dos Santos (1878-1930), o primeiro português a jogar em Itália, foram publicadas entre 1992 e 1996 na revista Bola Magazine que entretanto cessou publicação. Algumas delas foram mais sintéticas devido à falta de espaço mas todas apresentam o interesse do depoimento das diversas figuras públicas sobre a sua relação com o Desporto. Apenas dois aspectos: primeiro – algumas delas trazem anexos em verso e em prosa do entrevistado que muito enriquecem o conteúdo final; segundo – a partir destes textos é possível organizar um perfil do futebol em Portugal no século XX desde a memória de Francisco dos Santos em Roma na primeira década ao Eusébio da década de setenta aqui recordado por José Duarte passando pelo Mário Jorge dos anos oitenta e sem esquecer António Roquete que jogou nas década de vinte e de trinta além de Francisco José Viegas que recorda Madjer e Dinis Machado que lembra nomes dos anos 40, 50 e 60 como Araújo, Passos, Jesus Correia, Arsénio, Vasques, Travassos, Germano, Matateu, Jaime Graça, Hernâni, Águas, Humberto Coelho, Ian Rush, Yazalde, Carlos Gomes, Azevedo, Bento, Banks, Yashine, um nunca acabar de homens, de memórias e de mitos. Sem esquecer as motos de Eduardo Guerra Carneiro e as bicicletas de Lídia Jorge.
SUGESTÃO

Continuando o trabalho de arquivo em www.ruyventura.blogspot.com já estão disponíveis nesta página artigos ou referências de Catarina Nunes de Almeida, Eberhard Geisler, José do Carmo Francisco, Manuel G. Simões e José Vieira sobre alguns livros ou poemas que venho publicando. Desde já agradeço a sua leitura.
José do Carmo Francisco

Saudação de Natal a Marta

Feliz Natal Marta! Lembras-te quando éramos nós os primeiros a chegar? Eu vinha de uma cidade distante mas chegava primeiro, sempre cedo. Tu vinhas de uma vila próxima e banhada pelo mesmo rio que passava frente ao nosso escritório. O teu pai destinava-te tarefas transparentes, repetitivas, obscuras e afastadas do protagonismo. Eu dava os primeiros passos numa segunda vida de trabalho depois de trinta anos noutro espaço e noutro lugar. Às vezes chovia, às vezes o vento assobiava nas janelas daquele escritório e nós dava-mos início ao dia de trabalho com um sorriso que era construído pela paciência dos dois, pela ideia pouco explícita mas concreta de que estávamos a construir um novo dia onde se procurava negar a monotonia. Às vezes eu percebia que nos teus olhos magoados havia uma ideia: o teu pai exigia muito de ti. Outras vezes eram as sequelas de uma doença recente que te empurravam para a tristeza e davam relevo à tua fragilidade. Nessas horas da manhã nós éramos os náufragos do tempo hostil que nos coube viver. Ás vezes falava-te da minha filha com um nome igual ao teu e das suas opiniões sobre tudo e sobre todos. A tua homónima é hoje uma jovem arquitecta à procura de um lugar de afirmação no seu espaço e no seu mundo. Nesse tempo eu já sabia que a vida não é fácil porque os pais e os filhos não nascem para serem amigos mas sim para serem apenas pais e filhos. Neste postal de Boas Festas diferente quero mandar-te, Marta, os meus votos de que continues todas as manhãs a construir esse sorriso teimoso e determinado fazendo de cada dia não uma monótona repetição mas a descoberta e a aventura de quem (como tu) sabe que o seu lugar no Mundo é próprio, exclusivo e irrepetível. Feliz Natal Marta!
José do Carmo Francisco

O MISTÉRIO DE FORTALEZA

Seis flores secas, serenas
Envolvidas em resina
São duas jóias pequenas
No rosto de Carolina

Mistério de Fortaleza
Entre livros e escritores
Leva toda a tua beleza
Vás tu para onde fores

Nesta serena suspensão
Do sorriso frente ao mar
Vejo a porta e a solução
Do mistério a desvendar

Somos o mundo suspenso
Nos sonhos não editados
O que sinto e o que penso
Não cabe nestes quadrados

Nestas quadras de balada
Neste ritmo de romance
Uma vida mais revelada
Não está ao meu alcance

A jóia que está à vista
Nas orelhas em dois lados
É motivo a que insista
Por elementos e dados

Mistério de Fortaleza
Que fica por decifrar
Guarda uma incerteza
No tempo do teu olhar

Que o poema não encerra
Nem há canção que defina
Fica cheiro de mar e terra
Luz do rosto de Carolina

Primeira publicação do poema de Dinis Machado divulgado na última revista Ler: Fanal, suplemento cultural d' O Distrito de Portalegre, nº 13, 25/5/2001. Entretanto o texto já recebera publicação antológica neste blogue, no passado dia 9 de Novembro de 2006.
(Carregue na imagem para aumentar.)

José do Carmo Francisco


Quarteto para as próximas chuvas

de João Rui de Sousa

João Rui de Sousa, um dos mais importantes poetas portugueses, publica regularmente desde 1960. Este Quarteto é o seu 17º título de poesia editado.
Os poemas deste livro partem do lugar do Poeta: «O rosto. A escrita. A escrita / do rosto. O rosto da escrita. / Para além de tudo isso / sou um animal desaquietado / pela fragilidade dos cômoros / pela inclemência das chuvas / pelo fugidio dos pássaros / pelo inacessível das penedias / pelo íngreme e sinuosos dos caminhos / e, sobretudo, pelo sabor sempre inebriante / e sempre inesperado / da escrita e do rosto.»
Mas não deixam de chegar ao lugar do Mundo: «Os poetas são pontes / para numerosos recados. / Em certos momentos eles poderão crescer / bem por dentro das sua próprias prateleiras / e armários, no porão mais obscuro de um navio / muito íntimo; noutros instantes, todavia, / eles podem com palavras de alvor / e de resistência, ajudar a erguer as traves / de uma cidade aberta, de uma pátria livre.»
Entre o Poeta e o Mundo, a ameaça da Morte só pode ter resposta no Amor: «É bom que sejas tu e não a morte / o sumo do calor destas viagens: / as dos lábios mais rentes na cintura / as dos beijos que ardem nas espáduas. / É bom que sejas tu e não o vil ensejo / de alguém a destruir as nossas bodas: / colados bem na pele seremos deuses / e os anjos sorrirão porque não sabem».
Nega-se a Morte no acto de Nascer («Nascer é já galgar (ou destroçar) / esses muros que exortam à vitória da inércia / à rasoura da morte, à aridez do nada»), nega-se a Morte ma força da palavra: «Estreitos são, afinal, todos os caminhos. / Por eles terá de viajar a carne dos poemas. / Quase sempre as palavras serão sombras / de puras circunstâncias, acidentes fortuitos / pedaços de papel caídos na berma dos passeios… / Mas é por elas que se recortará o rosto do real.»


(Editora: Publicações Dom Quixote)
Seis escritores portugueses
na Oitava Bienal do Livro do Ceará, Brasil

Os escritores Fernando Aguiar, Maria Estela Guedes, Joana Ruas, Nicolau Saião, Rosa Alice Branco e José do Carmo Francisco vão participar em Novembro na Oitava Bienal do Livro do Ceará, Brasil, que este ano tem como tema "A aventura cultural da mestiçagem".
A Bienal, que decorre entre 12 e 21 de Novembro em Fortaleza (Ceará), contará com a presença de agentes culturais (autores e editores) de 30 países de quatro continentes - África, América, Ásia e Europa.
A organização do encontro é da responsabilidade da secretaria da Cultura do Estado do Ceará.
O escritor Floriano Martins, curador do evento, esclareceu que este se destina a "revelar as diversas culturas envolvidas, reconhecendo os seus hábitos, costumes e literatura e comprometer-se com a democratização e mobilização do acesso universal ao livro, à leitura e à produção literária".
Numa entrevista recente a um jornal cearense, o curador declarou ter escolhido os autores - brasileiros e estrangeiros - para o encontro, tendo em conta a "qualidade da obra" e a "diversidade estética e geracional".
"A estranheza que se possa ter em relação à maior parte dos nomes não é demérito da parte deles e sim reflexo de nosso descompasso cultural em relação a esses países", disse.
Do lote de autores convidados fazem parte, segundo o mesmo responsável, os peruanos Carlos Garayar de Lillo e Carlos Germán Belli, o galego Carlos Quiroga, o cubano Abel Prieto, o argentino Rodolfo Alonso, o colombiano Jotamario Arbeláez, o mexicano Carlos Montemayor e a paraguaia Susy Delgado.
No tocante a brasileiros, citou os nomes de Ana Miranda, Isabel Lustosa e Chico Anysio (cearenses), Lêdo Ivo, Afonso Henriques Neto e Lauro César Muniz (não-cearenses).

(A partir de RMM, comunicado da Lusa, 27/10/2008)



José do Carmo Francisco



BILHETE NO BOLSO

Às vezes está tão longe
Às vezes está mais perto
Fala e ninguém o ouve
Como telefone no deserto

Vai dar uma longa volta
Pode morrer e não morre
Com um bilhete no bolso
Anda a pé, viaja e corre

Apanha a chuva dos outros
Porque é poeta concreto
Suja as mãos fica na rua
E desenha um ângulo recto

Traz às costas uma dor
Sem peso nem dimensão
Com um bilhete no bolso
Já não ouve o coração

Faz os poemas devagar
Num forno feito de fogo
Que nasce da combustão
Duma voz fora de jogo

Defende sem bem saber
Justos contra tiranos
Com um bilhete no bolso
Anda assim há muitos anos

Um quase nada lhe chega
Para o que vai sonhar
Um futuro sem a morte
Em todo e qualquer lugar

Escondido na multidão
Atravessa as ruas só
Com um bilhete no bolso
Há-de voltar para o pó

(in Leme de Luz, Sol XXI, 1993)
José do Carmo Francisco

Os labirintos do esquecimento
(para uma leitura de De sombras y sombreros olvidados)


Os poemas deste livro de Marta López Vilar que recebeu o Prémio Blas de Otero de Poesia oscilam a sua respiração poética entre a Arte e a Natureza.
Alguns poemas denunciam no seu articulado um convívio permanente com a literatura. Por exemplo: «Como siempre, se acostumbra la luz / hasta muy tarde. / También yo, que espero tu voz / com el dolor cumplido / y un poema de Montale / Nel fumo / a punto de decirme donde estás.»
Entre a vida chamada «real» e a vida povoada por símbolos, imagens e metáforas, o poema testemunha uma expectativa: «Hace tiempo que abandonamos / la pátria de los símbolos / Ni noches ni poemas. / Sólo el olvido / y la certeza de que no estarás / al otro lado de la cama.»
Depois do encontro vem o esquecimento em «El después»: «Entre tu y yo la vida se ha perdido
O segundo capítulo instala os poemas na Natureza. Vejamos «Los motivos de la aurora»: «Como si hubiera tenido tu cuerpo / acorralado entre la espuma / deambula la luz. / Puedo escribir sus pasos / sus cuchillos, hogueras, caracolas…»
Mas instala não só os poemas mas também os protagonistas como em «Víctimas de la aurora»: «?Qué esperamos tú y yo / en esta esquina helada de la aurora? / Todos los encuentros ya llegaran / Ahora, palomas muertas y las palabras / contemplando todos nuestros cuerpos.» Subtilmente a autora liga as duas realidades (Arte e Natureza) num poema: «Es la aurora quien nos observa com los cien / ojos de Argos, quien recorre / uno a uno tus cuerpos fatigados y dormidos / tu brillo constelado entre la cama / Dentro de ti se despierta un cauce / de olvido y de memoria / del que yo bebería cada amanecer / si no durmieras.» Refiro subtilmente porque a autora conjuga com toda a naturalidade uma realidade geográfica («aurora») com um valor cultural que radica na mitologia grega («Argos») e no seu conhecimento.
De novo a Arte surge num conjunto de poemas a partir de motivos poéticos (Carles Riba, Jorge Luís Borges, Lizardi e Stratos Marino/Georgios Seferis) e a Natureza a partir de memórias de cidades como Granada e Atenas. A primeira porque é uma cidade repleta «de fuentes y de flores»; a segunda porque há cidades necessárias para apagar a obscuridade: «Al igual de los dioses, hay ciudades necesarias / para borrar lo oscuro / la tiniebla poderosa de la palabra rota / o esse no querer despertar outra vez / de la caverna del olvido y de la muerte.»
Um dos problemas que se colocam à escrita (e à leitura) dos poemas de alguém que domina a história e a teoria da literatura, os conceitos e os meios de tradução poéticas de várias línguas, é o perigo real de haver um excesso de cultura, um luxo verbal, uma certa ostentação. Os poemas deste livro desviam-se convictamente desse perigo. Bastam pequenas citações de um poema para se perceber a capacidade da autora para surpreender os leitores com versos inesperados, insólitos e felizes.
Vejamos quatro curtas citações de um poema intitulado «Apuntes sobre tema de Noviembre»:
«Qué lluvia, qué amor de paraguas tan extraño
Cruzo la madrugada com nosotros dentro
Para que nunca nos salvara.
»

«Recuerdo que no estabas o que nunca habías llegado

«Noviembre. Tú buscabas la muerte como quien explica
la llegada de un tren vacio desde la lejanía del invierno


«Morir o vivir / forman parte de la misma mentira. /
Cada dolor tiene su ángel hermoso / custodiando los cuchillos


Entre o precário ostensivo do Amor e o inevitável misterioso da Morte, o poema de Marta López Vilar lembra que só se pode olhar para o esquecimento com prudência quando caminhamos nos seus enormes labirintos.
Vejamos o poema «Las sombras y los olvidos»:
«Ni el amor ni la muerte a ti me une / solo la desolación de marcharnos / sin cordura hacia el olvido / yo no regresar nunca y no saber / qué hemos vivido ni com quién

(Editora: Ediciones Amargord, Capa: René Magritte, Foto: Luiz Pablo Nuñez, Prefácio: José Cereijo)

A leitura de José do Carmo Francisco de...


Gloria victis
de Carlos Garcia de Castro


Sexto livro do poeta que se estreou em 1955 com Cio, é irónico o subtítulo: «Não-poemas». Não-poemas (nesse sentido) eram também os poemas de Cesário Verde que foi o grande mestre de Álvaro de Campos e de todos nós.
O ponto de partida é a idade cronológica do poeta: «A minha idade é já de senador. / Classicamente quer dizer sou velho». Essa idade é inserida no espaço da casa: «Quando à noitinha vou ao nosso quarto / de algumas vezes sou eu quem abre a cama.» Mas também no espaço da cidade: «Escrever é vício, amar é condição. / Não é com versos que se prega um prego / nem é com versos que o amor se faz. / Fico sentado no canto da cozinha. / Vou lá para dentro, aqui não faço nada.» E também na memória do Liceu: «Tínhamos medo de pensar com arte / e em quase nada a vida se aprendia. / Bastava uma janela mais acesa / para a noite logo ser uma aventura.» Essa memória choca com a realidade de hoje: «Sei lá quem foi Romeu e Julieta! / O que é que interessa se eu não sei quem são? / Fico marado à noite, eu quero é bares / o mais são gajas a fazer linguado / por tanto tempo que se deixam vir. / Mas não me fico só por marmeladas. / A gente ter um sonho? Não percebo. / A gente sonha mas é quando dorme.»
Entre o precário do amor («Os netos são pavor ou são saudade») e o inevitável da morte («Não me convinha se morresse agora») fica a memória: «O que mais custa é sermos só memória / (Poetas há que abusam da palavra) / Porque a memória, para vocês lembrança / é coisa meramente cerebral / que tem neurónios, linfas e sinapses / sem mais qualquer valia na esclerose. / É mais confusa do que persistente.»
Um belo livro de poemas dum poeta que por ironia os designa como «Não-poemas».
José do Carmo Francisco

Marta López Vilar ou a terrível solidão do tempo

A «terrível solidão do tempo» surge na página 50 do livro La palabra esperada de Marta López Vilar. É o outro nome da solidão da vida: nascemos sozinhos, morremos sozinhos e dormimos todos os dias sozinhos – mesmo quando nos deitamos numa cama de casal.
A poesia de Marta López Vilar faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura. É uma poesia moderna não porque a autora é jovem (nascem em Madrid em 1978) mas porque a sua construção se organiza também no exercício da intertextualidade.
Trata-se sem dúvida de um lugar-comum mas, tal como na agricultura, «a enxertia só se realiza numa árvore que já existe», o mesmo é dizer que é impossível começar uma poesia a partir do zero, a partir do nado ou a partir do vazio.
Chegam até aos leitores deste livro as vozes dos trovadores que andavam de terra em terra a cantar os seus poemas – ainda não havia a palavra literatura porque não havia ainda sequer os livros. É a esses antigos trovadores que a poesia de Marta López Vilar foi buscar referências e pontos de partida para a sua própria, única e pessoal aventura poética.
Dizer que «esta poesia faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura» é o mesmo que afirmar «esta poesia é uma viagem entre a Natureza e a Cultura». A vida é, ela mesma, uma viagem entre o nascimento e a morte. Mas a viagem não tem aqui um sentido único, uma única direcção.


Pode viajar-se na proximidade do outro, no encontro marcado:
"De muy lejos vengo, como el viento claro / que abandoné en tu voz / para protegerme de la muerte. / No me despedí de ti. / Por eso ven a mí / y sálvame como tantas otras noches / de mis sueños. "
Pode viajar-se no sentido turístico do termo – Dresden, Esmirna, Alexandria, Roma. Ou Lisboa, por exemplo:
"Lisboa no existe. Es la herida desnuda / que contempla el Tajo, la frágil / presencia de la lluvia que florece / en las calles, el vacio que nombro en los secretos. / Ninguna imagem evoqué en esta ciudad. "
Mas também noutro sentido. Pode ser o diálogo inventado com uma estátua:
"Cierras los ojos en busca de ese mar / que a otros cuerpos se llevó de tu lado / vuelto en ceniza e vejez, siendo calor / prematuro de la muerte."
Pode ser o diálogo inventado entre Adriano e Antínoo:
"Ya nada persigo, nada se presenta ante mi puerta. / Ninguna juventud senti sino la tuya / ninguna ciudad, ningún otoño desbordó / por mis manos el cabello de la luz / los misterios del aire."
Grande parte destes poemas faz um convívio com a água. É uma maneira hábil de lembrar que só há vida na água e não por acaso de diz que «rebentaram as águas» quando uma criança está prestes a nascer. Vejamos o poema «Maresia»:
"Me quedo aqui, hermosa e alegre como me hiciste / esperando que regreses del mar / y com tu olor me traigas tu presencia y tu comienzo / tu principio sin fin que me conmueve."
O mar é uma oposição à terra, mapa da secura e da morte. Como no poema final do livro:
"Te marchas para siempre / y ya no sé donde se abre el mundo / donde está mi corazón y tantas flores. / Me vuelvo tierra profunda y desierta / cuerpo joven, sin rostro, enraizado a la muerte."
Um corpo enraizado na morte. Sim, enraizado porque, desde sempre se sabe, é inevitável essa morte, para todos e para o poeta também. Dessa morte só se salva o amor e a poesia. A Poesia. A Poesia. Que é a outra maneira de dizer Amor.


La palabra esperada, de Marta López Vilar
Ediciones Hiperión Madrid
78 páginas – 2007 – capa: uma figura a Acrópole de Atenas
XI Premio de Arte Joven – Poesia – de la Comunidad de Madrid
José do Carmo Francisco

Da poesia, da oração, do amor e da morte
(texto lido recentemente em Madrid, na Casa da Galiza)

Os Estados existem com seus rituais, suas fronteiras e seus hinos mas as pessoas, sejam essas pessoas cidadãos ou súbditos, não se regem pela mesma norma.
Um exemplo: em Abril de 1897 disputou-se entre Madrid e Ávila o primeiro campeonato de Espanha de ciclismo de estrada, a prova que ficou conhecida como os «100 quilómetros de Ávila». Apesar de os favoritos serem oriundos de Réus, Valência e Torrijos, o vencedor foi José Bento Pessoa que veio com a sua bicicleta Raleigh duma cidade portuguesa chamada Figueira da Foz.
Outro exemplo: já em 1829 o pintor Bernardo López Piquer tinha registado em óleo sobre tela a figura de Maria Isabel de Bragança, portuguesa, mulher de Fernando VII, grande aficionada das Belas Artes e fundadora do Museu do Prado.
Serve este intróito para dizer que há aspectos na vida que fogem à rigidez das fronteiras sejam elas geográficas ou linguísticas. O Mundo é a nossa casa e embora haja nele cada vez mais ruído, mais indiferença e mais hostilidade, a poesia (tal como a oração) não desiste de se afirmar. O poeta (tal como o crente) junta de novo o que o silêncio, a distância ou o esquecimento (os outros nomes da morte) foram separando. O poema (tal como a oração) nasce de uma constatação infeliz porque o poeta sabe que o amor é sempre efémero enquanto a morte é sempre inevitável. Entre o precário do sentimento e o mais que certo destino do corpo, o poema é um grito de revolta contra a morte. Os primeiros poetas andavam de terra em terra e cantavam os seus poemas que eram apenas canções porque ainda não existia sequer a palavra literatura. Não precisavam de livros esses primitivos poetas tal como os crentes não precisam de mais nada para além das suas palavras ditas em voz baixa.
Num tempo que afirma o esplendor do ruído (basta entrar numa loja para sermos incomodados por uma impessoal música ambiente) a poesia (tal como a oração) reconduz a voz do ser humano ao que ela tem de mais puro, mais simples e mais fascinante – erguer com a fragilidade aparente da sua massa sonora uma barragem de amor contra a veloz e quotidiana opressão da morte. Nesta tarefa onde não há nem proporção nem harmonia, a poesia sabe (tal como a oração) que só o amor pode responder à morte. Mas é uma resposta sem volume nem quantificação. Porque para o amor não há medidas. Porque a única medida do amor é amar sem medida.
FAZER JUSTIÇA A RUI CAEIRO

Publicar aqui este artigo de José do Carmo Francisco sobre o novo livro de Rui Caeiro é, para mim, uma questão justiça. Fui um dos primeiros leitores deste volume sobre Vila Viçosa enquanto efémero responsável pelo "Tempo de Poesia" da revista Callipole, editada pela edilidade desse concelho do Alto Alentejo.
Vendo-me perante um texto poderoso, coloquei-o à consideração do director. Recusou a sua publicação, baseando a sua decisão no pretexto da extensão, embora pensando claramente (e não o escondendo) no carácter certeiro e cortante de alguns dos seus parágrafos, que incomodariam figuras da vila. Entendendo as areias que, por vezes, emperram as publicações de iniciativa oficial, vi-me obrigado a assumir perante Rui Caeiro uma posição que não era a minha, tentando justificar o injustificável. Infelizmente, continuei no "cargo", por respeito à memória ilustre do anterior coordenador, Manuel Inácio Pestana; hoje não o faria. Meses depois vi contudo que a recusa do director não seria apenas motivada pela preocupação de não ferir susceptibilidades no concelho. Apercebendo-me de que, num bloco de homenagem a J. O. Travanca-Rêgo por mim organizado, textos de alguns autores haviam sido alterados e acrescentados sem sua prévia autorização (e ladeados por uma "lira calipolense" habitada por versejadores ingénuos, coxos ou anacrónicos), não tive outra hipótese que não fosse abandonar o barco, como angariador de colaboração poética e até como colaborador. Isso comuniquei por carta ao Presidente da Câmara local e aos colaboradores que o haviam sido por minha iniciativa.
Por isto considero que a publicação da recensão de José do Carmo Francisco no blogue que coordeno é, também, o desfazer dum equívoco. Manifestando o apreço do autor de Transporte Sentimental pelo livro, veícula ao mesmo tempo o reconhecimento da sua qualidade pelo subscritor destas linhas, Ruy Ventura.


Pranto por Vila Viçosa, de Rui Caeiro

Vila Viçosa é a personagem deste livro: «Na minha terra, doce, amarga e viçosa, na minha terra, digo, sobre a minha terra foi escrito este livro. A duzentos quilómetros dela.»
Numa viagem ao passado («estou diante do puro passado, realidade primeira, esteio de todos os meus presentes») o autor começa por recordar as classes sociais: «Na minha terra havia os burgueses, os pobres e os pobrezinhos. Não se podiam ver uns aos outros.»
O mundo dos homens nem sempre coincidia com o das mulheres («as mulheres iam à igreja, os homens à taberna») embora fosse sobre as mulheres que recaíam as tarefas de prover à subsistência: «Se havia pão, faziam açorda de poejos; se não havia pão, mera sopa de poejos.» Vila Viçosa é paisagem («o vento, o sol, a chuva, o calor, o frio, eram mais amáveis») mas também povoamento: «Na minha terra há muita gente. Mas eu cá aconselhava-os a todos a, na medida do possível, passarem mais despercebidos.»
Tudo começa numa casa: «Na minha terra há uma casa que não me pertence, eu é que pertenço a ela. Foi vendida a casa dos meus avós e – ó Álvaro de Campos – o que eu sou hoje é também terem vendido aquela casa…»
A memória do autor envolve não apenas os seu mundo («Na minha terra nasceu gente ilustre. Públia Hortênsia de Castro, Florbela Espanca, Henrique Pousão, Bento de Jesus Caraça.») mas o mundo à sua volta: «Havia um homem que chorava, sabe-se lá por quê e havia um garoto que saudava despreocupado o ar fresco da manhã, a praça vazia, a dor de um homem. Ao mesmo tempo que ia passeando a sua meninice e, não tendo mais remédio nem alternativa, olhava e aprendia.»

(Posfácio: Vítor Silva Tavares, Depositária: Livraria Letra Livre)
José do Carmo Francisco

«Recuperar a claridade»
Poesia de Joaquim Carvalho


A claridade é o contrário da escuridão. Como projecto de livro «recuperar a claridade» é todo um programa. A luz sempre fascinou os poetas. Um dos meus livros tem o título de «Leme de Luz». Um bom dicionário nos dirá que «claridade» é sinónimo de «luz viva». E também de «luz do Sol» ou de «luz da vida». Isto por oposição à noite que é outra palavra para a morte. Toda a poesia digna desse nome é uma afirmação do amor e a negação da morte. A poesia, tal como a oração, liga de novo o que a morte separou.
Vejamos as palavras-chave deste livro: pai, mãe, irmão, mulher, filho, amigo e saudade. Não por acaso são sete palavras pois os poetas não deixam nada ao acaso. Registemos duas delas. A Mãe está na página 51: «Desaguo de um abraço vital que tu e o pai se deram! /Amor criado! / Amor-perfeito! / Amor antes do amor! / Luz! / Luz antes da Luz! / Início!» A Saudade está na página 40, no poema Casco velho de Vigo: «Barco de pedra / Ancorado no tempo / Desde o tempo em que o tempo / Não tinha tempo. / Foi por isso / É talvez por isso / Que à Casa de Arines / Calha o destino de abrigar / A saudade!»
Não por acaso o poeta escreve «acende-se a madrugada» e não «a madrugada chegou» por exemplo: «O silêncio / traz a noite / à cova funda / fria / gelada / a tocar-me o corpo… / Nada é esperado…/ Só a raiz da oliveira / que da terra / há-de resgatar os óleos / que alumiam / nos altares. / Pressinto / junto às folhas / gaivotas / enviadas do mar / ao encontro / da despedida.»
De modo muito explícito o poeta sublinha a relação entre o amor e a claridade por oposição à escuridão e à noite: «A noite, dizem, surge / quando o sol se põe / e acaba quando a aurora acorda. / Mas há outra noite! / A noite que adormece no dia / e funda a escuridão contínua / quando um amor acaba.»
Esta oposição entre o efémero e o perene está bem desenhada no poema da página 79: «Há coisas eternas / como a luz. / Outras / a viver vão morrendo».
Só o amor pode contrariar a morte: «O amor que sentimos / não tem dimensões / não tem tempo… / Veste-se de alegria /e, pelo caminho, / cada sorriso nosso / acrescenta um fio de luz / aos abraços que trocamos / todo os dias. / É com eles / que tecemos a manta / que nos aquece / e aos que se aproximam de nós / nos dias mais frios.»
O registo destes poemas oscila sempre entre a Natureza e a Arte. A Natureza está na página 102: «Oiço / o gaio / cantar nos pinheiros. / Num agitar de asas / a caruma cai / doura o chão / e acrescenta odor de resina / que / misturado no ar quente / me incita a mergulhar…»
A Arte está na página 105: «Pintar-te é dar cor ao último pensamento / Desenhar-te é ser contorno da tua pele / Esculpir-te é encontrar teu espaço dentro de mim / Amar-te é darmos sentido ao último encontro.»
«Recuperar a claridade» não é apenas o título do livro, é o título do poema da página 125: «O que outrora / era claro e transparente / adquiriu num ápice / a turbidez de um rio de lama. / Agora as nuvens escondem no avesso / o que resta da luz dos dias que já teve. / Por fora / a penumbra anuncia a tristeza que o espera / se não for capaz de impedir que a escuridão / se instale. / Há que ceifar rente a morte / e, com alegria, / recuperar a claridade / que as nuvens escondem
E só existe uma maneira de cumprir esse programa, de recuperar a claridade. É pelo amor porque só o amor pode ser uma resposta para a morte. Como na página 184: «Sem vislumbre / sem procura / sem razão / sem tempo / Puro encontro… / leve… / sublime… / translúcida… / transparente… / Inevitável viagem / Inês é vela / Pedro é timoneiro / Lá dentro vamos todos nós / Vai Portugal inteiro!»
Um poema não é um amontoado de palavras, é um lugar mágico para estarmos todos juntos. No fim desta viagem de 191 páginas fica uma certeza: Só o amor responde à morte e só há uma medida para o amor que é amar sem medida.
José do Carmo Francisco

Balada dos quatro dias

Quatro dias de ausência
São semanas de saudade
A dissipar com urgência
No meu regresso à cidade
Vejo a manhã de bruma
Cheira ao iodo do mar
São páginas de espuma
À mesa deste meu lugar
Onde escrevo uma balada
Como se fosse a canção
O papel não dá por nada
Mas há motivo e razão
Duma saudade nascida
Na distância tão litoral
Quatro dias de uma vida
Concentrados por igual
Numa palavra saudosa
Levantada numa mesa
Onde o limão na gasosa
Faz uma ácida leveza

Um eléctrico reformado
É um bar numa barreira
Onde o teu nome trocado
Está escrito na bandeira
Onde o som repentino
Duma paragem tão perto
Faz sobressalto ao destino
De quem respira deserto
Dum calor mais abafado
A ir por entre as casas
Como a música dum fado
A voar com as suas asas
Até à luz desta maré
Sete vezes repetida
E ao lume da chaminé
A cozer o pão da vida
Até à alma da gente
Que se perfila a cantar
Uma cantiga diferente
Na mesa ao pé do mar
José do Carmo Francisco
(in Aspirina B, 21.4.2008)

Com que então
«Digna-se estar presente» o Nobel

A Secretaria Geral do Ministério da Cultura enviou-me um convite no qual José António Pinto Ribeiro, o ministro da cultura, me convida para a inauguração da exposição «José Saramago – A consistência dos sonhos» organizada por Fernando Gomez Aguilera. Até aqui tudo normal. Mas a segunda parte do convite contém uma frase estranha «Digna-se estar presente o escritor José Saramago.» E digo estranha porque assim até parece que ele está num céu demasiado azul e demasiado alto de tal modo que se digna descer até nós. Vindo deste ministro que aparece a defender o acordo ortográfico como se dependesse dele a salvação do Mundo e que ainda há dias vi numa cerimónia protocolar na Biblioteca Nacional a impedir de modo hostil que um fotógrafo trabalhasse (fotografando o ministro) na entrega do espólio de José Cardoso Pires ao Estado Português, cheira um bocado a esturro. Ainda se o Nobel se dignasse estar presente para explicar porque fez desaparecer depois de 1992 os nomes das pessoas do Lavre que lhe contaram as histórias do livro Levantado do Chão e sem as quais o livro nunca teria sido escrito por uma pessoa que nunca viveu no campo mas sim na Penha de França… Além do nome da Isabel da Nóbrega, são estes os nomes suprimidos na dedicatória: João Domingos Serra, João Basuga, Mariana Amália Basuga, Elvira Basuga, Herculano António Redondo, António Joaquim Cabecinha, Maria João Mogarro, João Machado, Manuel Joaquim Pereira Abelha, Joaquim Augusto Badalinho, Silvestre António Catarro, José Francisco Curraleira, Maria Saraiva, António Vinagre, Bernardino Barbas Pires e Ernesto Pinto Ângelo. Mas não. Ele não se digna fazer isso. Tal como eu não vou lá pôr os pés. Safa!