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DIVINA MÚSICA

Chegou há poucos dias há minha caixa de correio a antologia Divina Música – Antologia de Poesia sobre Música, uma edição comemorativa do 25.º Aniversário do Conservatório Regional de Música de Viseu, organizada por Amadeu Baptista.

Nela podem ser lidos poemas de Adalberto Alves, Affonso Romano de Sant’Ana, Albano Martins, Alexandra Malheiro, Alexandre Vargas, Alexei Bueno, Amadeu Baptista, Ana Hatherly, Ana Luísa Amaral, Ana Mafalda Leite, Ana Marques Gastão, Ana Salomé, Ana Sousa, António Brasileiro, António Cabrita, António Cândido Franco, António Ferra, António Gregório, António José Queirós, António Osório, António Rebordão Navarro, António Salvado, Artur Aleixo, Bruno Béu, C. Ronald, Camilo Mota, Carlos Felipe Moisés, Carlos Garcia de Castro, Casimiro de Brito, Cláudio Daniel, Cristina Carvalho, Daniel Abrunheiro, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Danny Spínola, Davi Reis, Donizete Galvão, E.M. de Melo e Castro, Edimilson de Almeida Pereira, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduíno de Jesus, Ernesto Rodrigues, Eunice Arruda, Fernando de Castro Branco, Fernando Echevarría, Fernando Esteves Pinto, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Fernando Grade, Fernando Guimarães, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Curate, Gonçalo Salvado, Graça Magalhães, Graça Pires, Henrique Manuel Bento Fialho, Hugo Milhanas Machado, Iacyr Anderson Freitas, Inês Lourenço, Isabel Cristina Pires, Jaime Rocha, Joaquim Cardoso Dias, João Aparício, João Camilo, João Candeias, João Manuel Ribeiro, João Moita, João Rasteiro, João Rios, João Rui de Sousa, João Tala, Joaquim Feio, Jorge Arrimar, Jorge Reis-Sá, Jorge Velhote, José Agostinho Baptista, José Carlos Barros, José do Carmo Francisco, José Luís Mendonça, José Luís Peixoto, José Manuel Vasconcelos, José Mário Silva, José Miguel Silva, José Tolentino de Mendonça, Júlio Polidoro, Levi Condinho, Luís Amorim de Sousa, Luís Filipe Cristóvão, Luís Quintais, Luís Soares Barbosa, manuel a. domingos, Margarida Vale de Gato, Maria Andersen, Maria Estela Guedes, Maria João Reynaud, Maria Teresa Horta, Miguel-Manso, Miguel Martins, Myriam Jubilot de Carvalho, Nicolau Saião, Nuno Dempster, Nuno Júdice, Nuno Rebocho, Ondjaki, Ozias Filho, Patrícia Tenório, Paula Cristina Costa, Paulo Ramalho, Paulo Tavares, Prisca Agustoni, Risoleta Pinto Pedro, Roberval Alves Pereira, Rosa Alice Branco, Rui Almeida, Rui Caeiro, Rui Coias, Rui Costa, Ruy Ventura, Sara Canelhas, Soledade Santos, Teresa Tudela, Torquato da Luz, Urbano Bettencourt, Vasco Graça Moura, Vera Lúcia de Oliveira, Vergílio Alberto Vieira, Victor Oliveira Mateus, Virgílio de Lemos, Vítor Nogueira, Vítor Oliveira Jorge, Yvette K. Centeno, Zetho Cunha Gonçalves.
Há no volume poemas que gostei muito de ler, como por exemplo os assinados por C. Ronald, Carlos Felipe Moisés, Carlos Garcia de Castro, Edimilson de Almeida Pereira, Echevarría, Fiorese Furtado, Iacyr Anderson Freitas, Joaquim Cardoso Dias, João Camilo, José Carlos Barros, José Mário Silva, Luís Quintais, Luís Soares Barbosa, Maria Andersen, N. Saião, Nuno Dempster e Rui Almeida. De outros, nem tanto, sou sincero. (Continuo a não perceber como pôde ficar à porta um poeta da craveira de Wilmar Silva - mas Amadeu lá conhecerá as suas mais íntimas razões). Pessoalmente, assino por lá um poema dedicado a Bach, numa versão que os últimos tempos se encarregaram já de modificar.
O poema como aventura etnográfica

Eduardo Jorge

Desde os remotos tempos míticos até a contemporaneidade, o poema está entrecruzado por diversas travessias. Travessias estas repletas de aventura, repletas de saber. Passando por diversas épocas e civilizações, o poema, ao seu modo, sobrevive e se transforma, garantindo, inclusive, um estatuto de documento na sua dimensão mais material. Daí um fato questionável do poema ser lido como objeto não apenas em um contexto após as vanguardas históricas, tendo em vista que esta já seria sua condição de existência. Se o poema nos fala de um lugar distante, o mais contemporâneo dos poetas ainda guarda uma dimensão ritual e performática com a palavra. O poema, mesmo inserido em um ambiente digital, guarda o ritmo, o canto e chama a atenção para outros usos da palavra, deslocando-a de sua invisibilidade no mundo informacional, que traz em seu conteúdo o sentido da mensagem. Ainda foi e é, a partir do poema, que diversos escritores, críticos e tradutores realizaram mapeamentos de diversas estirpes, pondo em prática um ofício de cartógrafo, localizando e deslocando diversas poéticas ao redor do mundo. Poética aqui tomada em seu étimo, isto é, seu fazer. Alguns destes fazeres podem ser conferidos em diversas antologias, reunião de escritores ou poetas agrupados por um traço geracional, comunitário ou afirmação em alguma minoria étnica. Frente a isto, um projeto parece interessante para pensar esta questão, sobretudo geracional das antologias. E neste projeto um subtítulo a princípio inquieta: “contraantologia”. Esta “contraantologia”, grafada assim mesmo, chama-se Portuguesia. Organizada pelo poeta e editor Wilmar Silva, Portuguesia parece questionar uma positividade de antologias que operam em um recorte que marca uma linearidade da historiografia literária. Neste aspecto, Portuguesia parece ser um objeto atravessado por uma prática etnográfica, na qual a viagem foi matéria-prima para o organizador que mapeou estas poéticas in loco. O livro comporta 101 poetas agrupados no fato de escreverem em língua portuguesa, em torno do Brasil (o recorte do projeto toca alguns poetas de Minas Gerais), Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Goa, Macau e Galícia.

Choque interno
No livro existe outra inquietação, afinal o poema fala mais alto. Os poemas de cada autor estão distribuídos de maneira randômica, praticamente aleatória, mas com o objetivo de concentrar uma leitura no poema, onde no rodapé da página encontra-se um pequeno código que dará a localização do autor em um índice remissivo contido no final da publicação. Encartado no livro, um DVD faz o papel inverso, com o registro das leituras dos participantes do Portuguesia apresentando os poetas por seus respectivos nomes e países. A presença de um DVD com tais registros de leitura aponta para um passo do projeto que reforça seu trabalho etnográfico com a dicção de cada poeta, isto é, saindo da dimensão da palavra impressa que este choque interno da própria língua portuguesa torna-se evidente. Portanto, o traço justificável que une os poetas neste livro – a língua portuguesa – é frágil e a qualquer momento pode ganhar outros contornos. é com esta “antropologia de uma poética” que Wilmar Silva parece ter iniciado um projeto que possivelmente se desdobrará como acontece com os primeiros resultados de uma expedição etnográfica, que geram índices para novas buscas, novas viagens. Nesta diversidade na qual se insere Portuguesia, o poema traça o seu caminho, porque os desafios para articular novos projetos que desmontem o que já está dado como forma fixa armam novas questões estéticas e políticas para se pensar o fenômeno literário.

Eduardo Jorge é mestre em estudos literários pela UFMG. Organizou o livro de ensaios Areia, animal, arquivo e alcachofra.
fonte: Estado de Minas 07 novembro 2009 caderno Pensar jornal Estado de Minas Belo Horizonte MG Brasil

PORTUGUESIA
– AO SERVIÇO DO VERBO


Não é com ingenuidade que se coloca num volume com cerca de 500 páginas o subtítulo “Contraantologia”. Nem é com inocência que um dos primeiros poemas incluídos nesse tomo afirma que “ou se gosta / ou não se gosta”, concluindo – antes dum peremptório “eu” – ser “impossível determinar o conteúdo deste livro” e acabando por sugerir: “podes chamar-lhe poesia, podes chamar-lhe nevoeiro”. Os ágrafos – a quem este trabalho monumental do poeta mineiro Wilmar Silva é dedicado – terão certamente uma palavra a dizer, agentes de um trabalho de dissolução da autoria, que (num mais ou menos longo e mais ou menos complexo processo de produtransmissão) conduziu sempre ao desaparecimento da paternidade/maternidade do texto e ao seu anonimato. Também não será inconsciente a colocação na capa do primeiro volume da Portuguesia uma reminiscência do primeiro símbolo nacional dos falantes de língua portuguesa – cruz azul sobre prata –, a lembrar talvez os propósitos deste projecto: descer às raízes da língua e da sua palavra para aí descobrir a autenticidade poética de um vasto mundo, transversal a vários continentes.

*

Afirmar que uma antologia é o seu contrário exige resultados consequentes. Contrariar hábitos instalados – quase nunca justificados e nem sempre justificáveis – obriga a uma responsabilidade acrescida.
Convenhamos. Há antologias de poemas e há antologias de poetas. Às primeiras interessa a palavra, servida estética e/ou filosoficamente – os poemas, tornados quase anónimos, neles buscando e apresentando valores intrínsecos. Nas segundas, são os autores que determinam tudo ou quase tudo – mais como ícones do que como índices, para utilizar os termos felizes de E. M. Melo e Castro –, enquanto figuras históricas, localizadas no espaço e/ou no tempo, rodeadas ou não de notoriedade pública. São olhares completamente diferentes sobre o texto: num caso, interessa a Poesia; no outro, a Literatura, a sua História e/ou a sua Sociologia. As primeiras (independentemente do seu nível de conseguimento estético e da capacidade de organização do antologiador) serão sempre obras de arte, na sua composição entrelaçada, entrançada. As segundas só terão interesse enquanto objectos de estudo histórico, quando a elas preside um desejo de registo, de homenagem ou de afirmação, a vontade recuperar uma memória perdida ou o propósito de analisar o tratamento dado a um determinado tema num tempo mais ou menos alargado; a consideração artística da antologia dificilmente terá em conta o livro inteiro, mas cada um dos poemas, enquanto objecto de Arte individual.
Wilmar Silva, ao organizar a sua Portuguesia, escolheu – quanto a mim – o melhor caminho. Deixando para o final do livro a indicação da autoria dos poemas irmanados ao longo de mais de quatro centenas de páginas, colocou-se ao serviço da palavra – logo, da Poesia – transformando o seu trabalho numa obra de Arte que nos obriga a uma aproximação global da sequência, seja qual for a nossa opinião sobre cada um dos textos escolhidos. Colocados como estão, os 484 poemas apresentam mesmo uma linha que tem tanto de narrativa quanto de ensaio – a requerer uma leitura múltipla, unificada e unificante.
Esta “contraantologia” corresponde, portanto, a uma abordagem conceptual da poesia que se faz hoje em Portugal, no Brasil (Minas Gerais), em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste. Valorizando a palavra, opõe-se à valorização do autor enquanto ícone de fama e de notoriedade, quantas vezes sem capacidade fazedora correspondente, não conseguindo sair da mera produção epigonal, inofensiva.

*

Um livro como este tem a vantagem da surpresa, se nos deixarmos levar pela proposta do seu edificador. O jogo estruturado por Wilmar Silva não facilita a identificação do autor do poema lido, embora a permita. É essa organização que, no entanto, valoriza a obra. Deslumbramo-nos com poemas de autores que desconhecíamos, desgostamo-nos com textos de poetas estimados, confirmamos adesões ou exclusões, percebemos quanto trabalhou o poeta de Yguarani para encontrar na produção de um determinado nome algo que não fosse indigno.

*

Ao ler uma e outra vez este grosso volume – acompanhado por um dvd em que os poemas surgem ditos pelos seus autores empíricos – tentei não falsear a proposta desta obra de Arte. Fui lendo e apontando os códigos alfanuméricos que ladeiam cada poema, para no final estabelecer a minha lista de preferências – não de poetas, mas de poemas. Não me custa afirmar que li com muito gosto os textos de Adolfo Maurício Pereira, Adriano Menezes, Alexandre Nave, Ana B., Ana Viana, André Sebastião, Arménio Vieira, Daniel Bilac, E. M. Melo e Castro, Edimilson de Almeida Pereira, Fabrício Marques, Fernando Aguiar, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Guido Bilharinho, Iacyr Anderson Freitas, João Miguel Henriques, João Rasteiro, Joaquim Palmeira, Jorge Melícias, José Luís Peixoto, José Rui Teixeira, Luiz Edmundo Alves, Márcio Almeida, Márcio Catunda, Milton César Pontes, Narciso Durães, Nuno Rebocho, Pedro Mexia, Prisca Agustoni, Rui Costa, Rui Lage, Tânia Alice, Valter Hugo Mãe, Wagner Moreira – entre outros que não menciono aqui para não alongar a lista.
Nuns casos confirmei preferências antigas; noutros, surpreendi-me a apreciar poemas de autores cuja obra pouco considero; especialmente saborosas foram as descobertas de poéticas completamente desconhecidas, inclusive de autores residentes dentro do rectângulo ibérico que é Portugal.

*

Há exclusões “lamentáveis” – como diria um crítico sem boas intenções ou um poeta despeitado? Ausências, sim. Exclusões, não, muito menos “lamentáveis”. Wilmar Silva pretende editar outros volumes da sua Portuguesia em que muitos ausentes se farão presentes, numa demanda que lhe ocupará a vida inteira – conforme confidenciou no encontro ocorrido em Julho passado, no Centro de Estudos Camilianos, em Seide. Quanta gente precisa de cartografar no oceano da poesia escrita em língua portuguesa! O esforço valerá a pena, certos estando de que continuará a contrantologiar, isto é, a valorizar os poemas – porque a Poesia se faz com eles, como afirmou Ruy Belo –, relegando os poetas para o lugar discreto que lhes compete.


NOTA: Portuguesia é editada pela Anome Livros, sediada em Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil). Página: www.anomelivros.com.br Endereço electrónico: anomelivros@anomelivros.com.br


Publicado aqui:
http://www.triplov.com/poesia/ruy_ventura/2009/portuguesia.htm a 2/10/2009


WILMAR SILVA





arranjo de gaivotas e pampulha, dia 31


eu-menino-do-campo, te faço conviva
e digo que a palavra que escrevo é
origem, invento gaivotas no sertão
ilha é meu corpo de encontro ao teu
aqui, longe, após o inverno da tempestade
verto o amálgama da pampulha veleiro
arco-íris que choram de solidão, eu
agora impávido e celeste, anjo de fogo
eu-espelho d' agua, narciso e orfeu
flautas e flores, eu-pássaro cais e flora -



Creio que este poema é a chave que nos permite entrar na poesia de Wilmar Silva, recentemente publicada em Portugal num volume intitulado Yguarani (Edições Cosmorama). Autor de uma obra invulgar e inclassificável no espaço lusófono, Joaquim Palmeira (outro dos nomes com que assina os seus textos) nasceu a 30 de Abril de 1965 em Rio Paranaíba (Minas Gerais, Brasil) e coordena o projecto Portuguesia, cuja primeira contrantologia foi lançada no passado mês de Julho em Seide, no Centro de Estudos Camilianos. Conhecer melhor o seu trabalho é possível através do seu blogue Cachaprego.
CILADA

Wilmar Silva


a
sayonara
flautas e agreste



flauta agreste I

esculpo minha boca dentro de teus ouvidos
onde ninfas e duendes cometem o sonho
trilham o caminho da vertigem e vivem
à beira da estrada comendo verde poeira
as cores sobradas da última festa campestre
bichos e lendas no ermo dos seres

o olhar de ceres rompendo o teu abandono
cansada de tanto cuidar dos campos
dos cereais e do gado que se perde






flauta agreste II

envergo meus olhos e desfolho os deuses
encontro na enchente o bico sibilar
de um pássaro vindo de muito longe
voando nesta primavera onde nascem
floradas tão ímpias que não me calam
pétalas que se arvoram ao encanto do sol

gasto meu tempo mirando esse pássaro
no crepúsculo onde fadas gelam no inverno
insones sôfregas e úmidas por mim







flauta agreste III

canto esta quimera como quem se despe
e desnudo alça a godiva da fantasia
deságuo meu corpo em busca do teu
febril e descalço meu faro é de lobo
e a floresta e a selva entre árvores a cilada
mesmo de longe é por ti que espero

anseio uma noite e verdejo entre ramagens
meu disfarce é virar camaleão o bicho delicado
e picar teu sexo com meus tentáculos







flauta agreste IV

disperso abelhas e marimbondos em nevoaças
um réptil de puro veneno para espantar
aquele que vier contigo cantar-me
levo um tigre atado em minha pele
para assustar esse cúmplice sempre notívago
que te persegue pelas noites adentro

desenho em minhas mãos o rumo das setas
que irão mirar o coração de teu amante
sim eu serei bálsamo e lanço os dardos





flauta agreste V

guardo agora a sombra da lua e do medo
nuvens que debruam olhos e cabelos
dissipo a legião de andarilhos que me caça
sou pássaro e as penas de safira e rubi
errante e de músculos viris risco
esse amor tão doentio que me estrangula

eu pinto os meus lábios de carmim
e esqueço o meu orquidáceo em tua língua
serei mais ou serei menos basta o ópio









flauta agreste VI

orvalho as maçãs maduradas de vermelho
e ofereço fálicas papoulas que matam
afoito em teu motim armo orgias e festim
deslumbrado por ti minha avícula é ave
em teu ermo o esboço é um bote de áspide
árido mas esperando que se umedeça

o clima que invento é mais do que ruminar
é uma matança é uma carnificina é uma vingança
onde medra o meu pânico todo vândalo







flauta agreste VII

varo entre eclipses os meus olhos de jade
escamas e cactos em minha boca o meu sexo
a oferenda eu perfaço e amarelo
de tanto mirar teu corpo primavera
teus músculos que suam vertem fisgam
teu quadril onde afogo minha insânia

tuas coxas que ventam em meus lábios e cílios
o susto a culminar em vindima a vigília
e todo ardor enseada de montanha







flauta agreste VIII


habito a mesma noite em que habitas
como o mesmo pasto que ruminas
mas sou todo insônia e amálgama de heras
desejo apenas adivinhar o que escondes
ouvir o modo como respiras e as pausas
que tanto me crispam de gelo e paixão

a noite onde dormimos tem uma constelação
ela orna teu semblante e recria em mim
esse medo visceral de me entregar







flauta agreste IX

levo árvores flutuadas sobre cerrados
para o fundo da memória onde guarneço
divindades e a fome e a sede por ti
não esta fome cotidiana de cada ser vivo
mas a fome que é pranto rito fixação
fome de amor fome de carne fome de meter

a tua boca quando vergasta sons
é uma cadência que me iça doidivanamente
misturado a terra careço de adubo







flauta agreste X

arrumo mil disfarces à beira do instante
inverto o gume da ventania
mas o que seria o instante que anseio
o talhe de teu corpo que me doura
sim eu furto as palavras eu fuço as cores
e falo apenas no sangue que me escorre

meu disfarce é o simples ato de colorir
teu baile tão longe de ficar em mim
eu me ofereço após a incidental floração







flauta agreste XI

floresço na selva noturna que me espanta
onde aninham serpentes e estrelas
floresço prisioneiro em ti e os girassóis
são objetos servidos de adorno e pasto
mais do que florescer esse poema
floresço meu sexo no meio da chuva

no ápice da tempestade brenha e escuro
onde empunho armas de fogo e visgo
esse cúmplice a desbravar os descaminhos







flauta agreste XII

anoiteço e uivos dentro dos ouvidos
onde as corujas delatam os invasores
as axilas plenas de suor calor e deserto
rasgam-me a pele até o incêndio
caço teu corpo misturado de verdes coágulos
e receio não alçá-lo antes do amanhecer

emendarei os meu dedos aos teus
e calarei teus gemidos com os meus gestos
a noite é um segredo e estás dentro dele







flauta agreste XIII

durmo povoado de imagens que me escapam
sobre essa relva onde passeiam insetos
também sonho lamber os teus meandros
tuas coxas de outono quase orfeu
sonho deter tua ânsia tão estranha
e balbuciar nos ouvidos o que me consome

eu ávido caminhante dilacero o meu sangue
e desenho um oásis no céu
que purifique os meus pulsos de lâminas






flauta agreste XIV

vivo por ti o floral devaneio do vento
sopram teus quadris cedros quadrantes
como águias no espaço imitam sombras
revelo em tua direção alvo e flecha
e todos os ritmos que hajam em setas
junto a ti esse impávido minotauro de abril

aborígene e andrógino alado e condor
minha boca tem marfim e tem azul
eu ensurdeço teus ganidos até o clímax







flauta agreste XV

azulo por inteiro as ancas vindas de ti
os músculos que escondem meus semens
eu gralha a foragir agonia e agouro
azulo os cabelos a dourar este pássaro
não somente a miragem mas o que houver
falo por mim o que jamais diriam

canto a junção entre bambus e flautas
sísmico e fixo devoro eu narciso em eros
e todo o afogamento será ausência e mar






flauta agreste XVI

amadureço o verdor que brota dos dedos
uníssonos caminheiros de vertigens e ilhas
sulcam a direção de uma messe
vértebras fisgam meu olhar de falcão
virilhas derretidas de pêlos e suor
eu sigo a vertente das cabras e longe

uma camponesa atravessa ladeiras
o vadio está desnudo e mais uma vez afoga
em ti o pênis a verdejar até a raiz






flauta agreste XVII

ouço as batidas que aceleram e sobram
no domínio agreste a desmantelar o hímem
retido pelo aluvião e varado a muque
não somente a forma de miná-lo e ferí-lo
mas esdrúxulas disformas alinharam neles
ouço falos que me açoitam nesse outono

quebro as folhas coladas em meu ventre
e endoideço a lembrança da água no umbigo
eu vejo o mapa sem plexo e sou fatigado






flauta agreste XVIII

domino as retinas e flexos flautins
nu e ávido com o meu arco e flecha
espanto-me entre árvores as aves de rapina
armo a cilada e por completo o que falta
salto como tigre os laços de seiva e sangue
eis que esparge em meu sexo um oceano

ele eriçado vem escampar-me como fera
de tocaia ruge e arma o bote
sobe em meus ombros e vira amazonas







flauta agreste XIX

atravesso fauna e flora antes do inverno
o sol entre as folhas vara as montanhas
e inunda o córrego com o seu fulgor
descubro sargaços que me enleiam à água
e arremedo a dança que salta do verde
vívidos comemos nácares vivemos em tríade

a essência em nós é um laço ou cipó
nascidos da terra somos nós a passarada
e o amante assassinado também sou eu







flauta agreste XX


escondo em ânforas a paisagem das papoulas
e o que vislumbro é sempre emboscada
andarilhos do mato somos os herdeiros
e remoemos os cabelos vindos dos jasmins
sim içamos os pêlos até emergi-los na água
remoemos a alcatéia que foge pela lonjura

eu guardo em mim a derradeira cilada
fisgarei os olhos que me seguem afoitos
e prestes ao orgasmo o meu pênis é todo seu




ATLAS





nem one nem um nem eins nas mãos
nem two nem dois nem zwei nos pés
nem three nem três nem drei nos pés
nem four nem quatro nem vier nos pés
nem five nem cinco nem fünf nos pés
nem six nem seis nem sechs nos pés
nem seven nem sete nem sieben nos pés
nem eight nem oito nem acht nos pés
nem nine nem nove nem neun nos pés
nem ten nem dez nem zehn nos pés
cem eleven cem onze cem elf mil mãos cem mil pés



São Poema

Ão Poema na cabeça
Ão Poema nas costas

Ão Poema nas
Pernas nos
Pés

Ão Poema no meio ao peito
Ão Poema nas mãos aos cãos

ãosãosãosãosãos

Sãonão Poemas os rastos
Sãoão Poemas onde eu

Cê ande



Menino Jesus É Rei

Alvez eu screva um oema epois do atal
E alvez eu screva um oema epois da assagem
E ode ser que o oema ale de uzes e ão de rzes
E do eregrino que asceu na strebaria e ndou
Luminado elo undo de elém e epois

Orreu na ruz ara alvar os omens Alvez
Eu screva um oema que ale de az Alvez
A az eja um írculo de strelas adentes
Aindo ozinhas ao éu huviscam a oite
Que é iva e ediviva de aga-umes

Leluia, enino esus é ei-
É ei, É ei, Ér Rei.


Arco-
íris


O Cavalo não é olavac
O Pássaro não é orassáp
E

O Menino não é oninem
Mas o menino é um olavac
E quando vira cavalo

V
ira arassáp


Foice

Foi Foiçar e Foiçou os pés e os pés
Ficaram Foiçados sem os dedos foi Foiçar
Os dedos entre abóboras e a abóbada Foiçou
A vista foi Foiçar a vista nas pálpebras no meio
Às retinas As íris é que Foiçaram as estrelas imagin
Árias foi Foiçar o imaginário e o imaginário é que
Foiçou a constelação de pensamentos foi Foiçar
Os pensamentos e os pensamentos é que Foiçaram
Os cabelos foi Foiçar os cabelos e os cabelos é que
Foiçaram a cabeça foi Foiçar

A cabeça e a cabeça Foiçou o Céu
E o Céu O cerebelo.


Poema Branco

Ão assim, assim não.
Ão, sim, assim não. N
ão, sim.

Assim você é. Perfeito.
E você tem que ser é. Puro,
Sendo Im-
Puro.

Ão assim, assim não.
Ão, sim, assim não. N
ão, sim.

Assim você é. Perfeito.
E você tem que ser é. Puro,
Sendo Im-
Puro.

Ão assim, assim não.
Ão, sim, assim não. N
ão, sim.


olhos

Ol
Hei os meus yeux e v e v
I os meus ojos e não os I os yeux
Olhos meus ojos olhos

Ol
Hei os meus yeux e v e v
I os meus ojos e não os I os yeux
Olhos meus ojos olhos

Ol
Hei os meus yeux e v e v
I os meus ojos e não os I os yeux
Olhos meus ojos olhos


laje

e depois de bater a laje vem esse temporal
e depois desse temporal vem os pés sobre a laje
sobre a laje os olhos a verter águas de arco-íris
e cristalino sobre a laje
as íris as membranas as retinas as imagens
os olhos de lince para o lince olhar a laje
os estragos da chuva na laje
e depois a laje pisada e vista
a laje meio a meio e virgem a laje
a laje para o cume
o cume da laje para o meu pássaro rouxinol
sim a casa para a chuva a constelação de sóis e luas e estrelas

a colheita de canários
e o plantio das palmas e plantas

DIÁLOGO INCESSANTE
Ruy Ventura conversa com Wilmar Silva

Não mais esquecerei o nosso almoço no Portinho da Arrábida. Depois de uma sessão de leitura de poemas e duma conversa com gravação em vídeo, depois da troca de livros – dele recebi um belíssimo e invulgar Estilhaços no Lago de Púrpura, assinado por “Joaquim Palmeira” em homenagem ao avô (quanto o compreendo… - a expressão ressuscita), ficámos por ali a degustar palavras e alimentos, lançando pontes e passadiços entre nós, entre Portugal e o Brasil. A conversa com o poeta brasileiro Wilmar Silva, que agora publico, nasceu já posterior. Surgida da necessidade de prolongar um diálogo – serve também para dar a conhecer um poeta cujas linhas de fuga merecem a nossa visita.

Está em fase de conclusão, tanto quanto sei, o teu projecto de cartografia do território poético de língua portuguesa. Que balanço fazes dessa viagem?

É uma das mais belas viagens da minha vida. Imagine, Ruy, trabalhar com a poesia que é a beleza de todas as belezas e é o objeto de prazer de toda a minha vida desde sempre. A exemplo da minha poesia que tem como provocação a sinergia da língua, “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética” é um projeto que tem como liberdade pesquisar as diferentes vozes poéticas contemporâneas do mundo português. Pensando em Minas Gerais, Portugal, Guiné-Bissau e Cabo Verde, primeiros lugares objeto de meu olhar, mais de 100 (cem) poetas se tornaram co-autores da mais vasta antologia de poesia em língua portuguesa, em processo de leitura e escolha de poemas.

Saramago admitiu há poucos dias que só ganhou o Nobel porque era conhecido, quando outros mais importantes do que ele ficaram para trás, porque não tinham marketing a apoiá-los. Que pensas da posteridade literária?

Penso que enquanto eu estiver vivo trabalharei com poesia, porque a poesia é a minha vida e o meu mundo. Nasci no interior de Minas Gerais, sou filho de lavradores que não distinguem a diferença entre o a e o z, então, o que desejo é saúde para amanhecer com a boca no sol para continuar fazendo aquilo que é tão imaterial que é

meu material de existência. Claro que eu não sou um ingênuo ao ponto de pensar que marketing não existe. Eu acredito na vida e em tudo que nasce da vida. Mas acredito que é preciso, urgente, acreditar que somos diferentes porque somos plurais, e porque somos plurais somos a esfera de um coletivo que tem os infinitos aros de “eus”.

Entre os autores que entrevistaste houve nomes conhecidos e outros quase desconhecidos. Pensas que os primeiros correspondem a uma real importância ou haverá inversão de critérios?

Sim, haverá inversão em todos os sentidos, porque as minhas luas não são as mesmas luas de ninguém. E é também por acreditar na existência de outros poetas e outras verdades que passei a trabalhar em projetos que tem como natureza o entrecruzar de linguagens.




Em comparação com outras poéticas existentes no mundo, que pensas do peso da poesia escrita em língua portuguesa no nosso tempo?

Não conheço o suficiente as outras poéticas existentes no mundo, mas posso afirmar que a poesia que se produz com a língua portuguesa tem poéticas de invenção. E também se faz poética de invenção mesmo quando é verbal. A poesia é a origem da língua e a língua portuguesa são as muitas línguas portuguesas. E a poesia é uma molécula que coloca o homem diante dos seus problemas e diante do próprio homem multiplicado em mineral, vegetal, animal.

Nota-se um crescente interesse mútuo entre portugueses e brasileiros no que respeita à cultura. Pensas que a estratégia seguida é a adequada ou seria desejável outra?


Acredito que é preciso entender o que é política, o que é educação, o que é cultura. Ninguém é apolítico. Educação não é o mesmo que cultura. Cultura não é o mesmo que educação. Compete, sim, aos poderes públicos provocar a emancipação da cidadania. Mas compete a todos entender que somos a semente de um girassol que é o cosmos. E o araçá azul pode nascer entre gabirobas. O cobra norato entre selvagens. O catatau entre bichos preguiça. O discurso da difamação do poeta entre concretos. Galáxias entre verbivocovisuais. Poema sujo fora do Maranhão. Paranóia na Paulicéia. Desvairar é um substantivo dos mais verbais. Eu faço. Tu fazes. Ele faz. Nós fazemos. Vós fazeis. Eles fazem. Vamos conjugar os verbos em nós. E aprenderemos que somos aquilo que pensamos. E sonhamos. Desde que haja trabalho e se persista.


Que poetas brasileiros precisam os portugueses conhecer melhor? E que portugueses seria preciso divulgar mais no Brasil?

Quase todos os poetas conhecidos ou não em Portugal são desconhecidos no Brasil. E quase todos os poetas conhecidos ou não no Brasil são desconhecidos em Portugal. O problema não é apenas entre Brasil e Portugal e Portugal e Brasil. “Portuguesia” é uma política de atitude de chegada ao território dos problemas da poesia. Poesia e poéticas. Poesia e linguagens. Poesia e mercado. Poesia e atitude de poetas. Poesia e atitude de editores entre poetas. Participarei em novembro de 2008 do Fórum das Letras em Ouro Preto com Luís Serguilha e Jorge Melícias onde a provocação é puxar o poeta de suas margens para o centro das atitudes.

Há poucos meses publicou-se em Portugal uma antologia intitulada "Oiro de Minas". Consideras que a poesia mineira tem mesmo um carácter central no teu país?

A antologia “Oiro de Minas a nova poesia das Gerais” apresenta 10 (dez) autores em atividade no Brasil. É claro que existem muitos outros poetas em Minas Gerais e no Brasil. E poetas de altas voltagens que dariam para fazer mais que 10 (dez) “Oiro de Minas” ou de Goiás, e talvez do Triângulo que é um estado que não existe. A poeta Prisca Agustoni mostrou um dos olhos do girassol.

O acordo ortográfico tem causado muita polémica em Portugal, nomeadamente porque muitos o consideram pouco explícito e revelador de pouco respeito pela diversidade da língua. Que pensas disto? Achas que o acordo irá melhorar as relações entre os povos de língua portuguesa?

Nenhuma língua existe parada em si mesma. As línguas vivem em estado de sexo. Metamorfose. Liberdade. Fotossíntese. Mas nem um acordo mudaria a lingüística de Patativa do Assaré. Porque o Brasil inventou uma dicção friccionada pelo vapor dos trópicos. Mas eu sou a favor do acordo ortográfico porque a supremacia de uma língua se deve ao poder que o povo de uma língua tem diante do mundo. Por que não se fala quase nada de guarani no Brasil? Por que o latim perdeu sua hegemonia?

Na tua poesia, nomeadamente em "Estilhaços no Lago de Púrpura", nota-se um ritmo xamânico à procura do transe e da alucinação de um corpo em metamorfose. Concordas com esta leitura? Que penso têm na tua obra as culturas indígenas do povoam/povoaram o Brasil?

A minha poesia tem a devastação dos vendavais. Sejam “Cachaprego” ou “Estilhaços no Lago de Púrpura”. “Arranjos de Pássaros e Flores” ou “Anu”. Os originais “Z a Zero”, “O beijo de Rimbaud”, “Salmos Verdes”, etc. “Yguarani”, no prelo pela Cosmorama Edições, Portugal, apresenta as culturas de margem que existem no Brasil de onde vim que são materiais de minha linguagem. Difícil assimilar a minha língua poética porque a minha poesia é a poesia viva de uma pessoa em estado de infância. “Estilhaços no Lago de Púrpura” é “Jadis, si je me souviens bien, ma vie était un festin où s`ouvraient tous les coeurs, où tous les vins coulaient.”

Se o nome é uma síntese da identidade, qual das tuas faces é a mais verdadeira, Wilmar Silva ou Joaquim Palmeira?

Wilmar Silva ou Joaquim Palmeira sou eu. Eu e os eus e o nó e os nós.

De que maneira se estrutura na tua poesia uma figura autoral poliédrica, múltipla, mutante? Haverá nela vestígios de heteronímia?

Ruy, o que posso afirmar é que todos os meus excessos poliédricos, múltiplos, mutantes, são de um camaleão humano que tem dois olhos, um nariz, uma boca, uma língua, muitas línguas, duas pernas, dois joelhos, muitos e infinitos rastros, e uma vontade de inventar a poesia.

Sei que no Brasil ainda estão vivas as heranças da poesia experimental e da arte surrealista. Recebeste algum testemunho destas linhas de fuga do fazer poético?

Devorei essas e outras heranças, experimentais ou não, surrealistas ou não, para eu nascer, para eu ser, para eu chegar ao infinito eu vivo.

Como vês o papel da poesia numa sociedade em que os valores - como referiu Salman Rushdie numa crónica - são o Dinheiro e a Celebridade?

Poesia não tem nada a haver com o dinheiro e a celebridade, mas o problema é não ganhar dinheiro com poesia e não se tornar célebre.

O poeta é sempre um actor?

O poeta é um poeta de si e de outros sis, de outros outros, e de todos os outros outros.

Para quando a edição da tua antologia monumental da poesia de língua portuguesa? Que projectos se seguirão?

Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética” tem lançamento mundial em novembro de 2008, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E em 2009 partirei para Moçambique. Angola. São Tomé e Príncipe. Timor Leste. Goa. Macau. E a Galiza.



(Fotos de Branca de Paula e Ozias Filho.)
CACHAPREGO

Wilmar Silva, poeta brasileiro que divide a sua identidade com Joaquim Palmeira, começou a publicar um blogue que promete: http://www.cachaprego.blogspot.com/
Brevemente apontaremos aqui algumas linhas sobre um dos seus livros. Enquanto esse momento não chega, deixo um dos seus poemas:

A todos eu pudesse escrever os poemas
Como se escreve Tijolos Paredes Fogo Camas
Tecidos Os corpos que vivem As casas
Onde os corpos andam e param como fossem
A mesa O campo de arremessos As bocas
Que falam As palavras mais quentes e Também
As mais frias A todos eu pudesse escrever
Os poemas invioláveis a estranhos mundos
Mesmo que fosse a você A miserável Eu
Pudesse escrever os poemas A palavra casa
Que fosse mais que casa pernas andando lá
Dentro Rudes como As pedras líquidas
Que evaporam A todos eu pudesse escrever
Os poemas e depois me abandonar