Monday, April 01, 2013

CACILHEIRO SHOW

Via-a  há dias, numa travessia de  zapping, a receber o primeiro-ministro no Palácio da Ajuda, dentro de uma indumentária que, assim de relance, me pareceu um remake patusco da Carmen Miranda. Artista do regime, foi a etiqueta que lhe vi colocada por uma das comentadoras que emolduram o recentemente reforçado plantel televisivo. Do regime ou não, o certo é que, mesmo aqueles que não apreciam a arte plástica de Joana Vasconcelos, não podem negar-lhe a sua capacidade de afirmação e o seu sucesso internacional.
 
Visitámos a sua exposição na Ajuda no segundo dia a seguir à abertura. A afluência do público não era impressionante mas as duas filas de espera eram mais longas quando saímos, causadas não apenas pela procura mas também porque a originalidade da mostra começava logo na bilheteira com uma pergunta dos bilheteiros que só não é absurda em Portugal: quer número de contribuinte na factura?
 
Em Maio coloca um cacilheiro transformado em arte total, expressão dela, em Veneza. Que não irá pelo próprio casco mas à boleia, às costas de um cargueiro - vd aqui.  Alguém tem dúvidas que vai dar nas vistas? E se a artista diz que é arte, e, demais a mais, total, quem poderá duvidar?
 
 
A noiva, rejeitada em Versalhes, no Palácio da Ajuda
 

Sunday, March 31, 2013

AMANHÃ INSEGURO

O senhor Passos Coelho terá afirmado que se demitirá se o Tribunal Constitucional lhe chumbar o Orçamento. E há alguns indícios que a intenção é consistente, ainda que o comentador Marcelo, que afirma conhecê-lo desde pequenino, garanta que ele não é homem para atirar a toalha ao chão. Veremos. Em todo o caso, se não cair desta, o Governo não tardará a cair, empurrado pelo pecado original de ter, de facto, desatrelado o PS da carga de responsabilidades assumidas pelo trio perante a troica. Uma queda tão previsível, repito-me, que só não espanta que não tenha sido evitada a tempo pelo senhor Passos Coelho porque a autosuficiência deste, replicando a do seu antecessor, o impediu de  avaliar convenientemente a passada que lhe permitia a perna.
 
Perfila-se, neste contexto carregado, o senhor António Seguro para empunhar o tição, se, como afirma, em eleições antecipadas os portugueses lhe confiarem o testemunho em brasa. Admitamos que o senhor Passos Coelho se demite e que o senhor António Seguro é primeiro-ministro suportado por uma maioria socialista na AR. Amainará a crise e a recessão? Ou teremos nova reprise de um combate condicionado por circunstâncias que retiram ao galo no poleiro capacidade para se esquivar às bicadas dos candidatos?

Na União Europeia continua a ser cavado pelos europeus do norte o fosso de separação com os mediterrânicos. A patética cena cipriota veio demonstrar que, se os interesses financeiros do norte estão em causa, todas as medidas correctivas são boas e todas as regras do grupo descartáveis na tragédia europeia. E que chegou o momento da verdade para aqueles que não quiserem ou não puderem subordinar-se aqueles interesses. Os eurocépticos estão à beira de ganhar a aposta: a União Europeia foi uma ideia mirífica que não resistiu ao choque da diversidade das suas culturas e, muito principalmente, aos interesses dos mais fortes.

Nem o senhor Passos Coelho, nem o senhor António Seguro, nem o mais pintado, poderão alterar as razões fundamentais destas colisões de interesses com que contorce a Europa. E se participarem, na confusão global, bicando-se uns aos outros na capoeira doméstica, só deixarão atrás de si um rastro de pobreza e desalento ainda maiores. Se os fumos inebriantes do poder não lhe toldassem a razão talvez pudessem, neste presente histórico, PSD, PS e CDS, acertar uma política comum nas negociações que, para um lado ou para o outro, terão de ser feitas um dia destes com Dona Merkel  Companhia.

Neste contexto, a aparição de Sócrates vem exacerbar o confronto partidário e tornar ainda mais difícil qualquer solução política conveniente para os interesses do país. Uma má ideia, segundo o seu amigo mais atilado.

Saturday, March 30, 2013

JOGO LIMPO, JOGO SUJO

Parece-me evidente que do ponto de vista da legitimidade nada impede que um primeiro-ministro faça saber publicamente que poderá demitir-se se ocorrerem determinadas circunstâncias, e nomeadamente se um acórdão do Tribunal Constitucional se opuser à prosecussão de determinadas políticas que ele considera fundamentais e incontornáveis. Por outro lado, esperam os cidadãos que as sentenças dos tribunais sejam apenas condicionadas pelas leis da República.
 
No entanto, para além da legitimidade formal, a praxis subjacente à apreciação ética da intervenção política é determinada pelos valores culturais prevalecentes em cada socidedade. Se, por exemplo, um presidente do EUA fizesse declarações daquele estilo que Passos Coelho formulou, creio que mereceria a reprovação geral dos norte-americanos.
 
Em Portugal, não. É uma questão ética, e a ética, a cada qual a sua.*
 
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* Comentário colocado aqui

Friday, March 29, 2013

POR 155 MILHÕES

"Rêve", de Picasso, mudou de dono. Pertence agora a Steven Choen, que se tornou bilionário no casino dos "hedge funds". - vd aqui. Pertencia a Seteve Winn, um bilionário de casinos propriamente ditos. Tudo gente sonhadora, portanto.



O record continua a partencer a "Jogadores de Cartas" de Cézanne, adquirido pelo dono do Qatar por 250 milhões.
Vd aqui a galeria dos seis mais.

A propósito de milhões, encaixados em negócios de financeiros, leio no Economist desta semana

Thursday, March 28, 2013

PREVISÍVEL

Não era dífícil acertar.

A partir de agora, semanalmente, teremos mais do mesmo durante vinte e cinco minutos.

E mais um factor de crispação a juntar a um já desmesurado molho delas.

Wednesday, March 27, 2013

O QUE DISSE SÓCRATES

O título só parece despropositado à primeira vista. Se é certo que o ex-primeiro-ministro vai ser entrevistado daqui a quatro horas, são, no entanto, muito previsíveis as perguntas e as respostas que vão entreter os planteis de comentadores recentemente contratados pelos vários canais televisivos, a partir de hoje. É essa a estratégia de Sócrates e não há meio de a abortar, mesmo que muitos o pretendam.
 
A partir de hoje, o assunto mais badalado vai ser "o que ele disse", ainda que o que Sócrates vai dizer, salvo alguma indiscrição que envolva os interlocutores externos com quem dialogou enquanto primeiro-ministro, e nomedamente Angela Merkel, já foi dito e redito vezes sem conta nestes dois últimos dois anos.
 
Acontece que a memória colectiva é curta e muito do que Sócrates hoje disser, e depois semanalmente repetir, vai ser entendida pela generalidade da população, severamente castigada pelas medidas de austeridade, como novidade de última hora.
 
Não me admiraria nada que à saída do estúdio, esta noite, Sócrates tenha à sua espera uma multidão de admiradores para o levar em ombros.

Tuesday, March 26, 2013

SEM MEDO E SEM VERGONHA

 
Com o regresso, já amanhã, de Sócrates à ribalta, o confronto político vai exacerbar-se sendo esperável que os planteis* de comentadores contratados pelos diferentes canais televisivos alinhavem, em grande medida, as suas prédicas em função do que disser o retornado.
 
Sócrates, é muito evidente, quer voltar à política activa e sabe que o actual governo passa por um caminho de brasas vivas, como seria facilmente vaticinável desde o momento em que Passos Coelho, cometendo um erro político crasso, desobrigou o PS de se comprometer com a execução do memorando assinado pelo trio - PS, PSD, CDS - com a troica. A aparição de Sócrates vai detonar uma guerra de argumentos acerca das culpas pelas quais o país chegou à situação em que se encontra e que ninguém sabe onde vai parar. O primeiro e essencial objectivo de Sócrates vai ser a defesa dos seus governos atacando o que se lhe seguiu e, naturalmente, aqueles que, segundo ele, o apearam ou contribuiram, directa ou indirectamente  para isso.
 
Se Sócrates vai ganhar ou perder o combate, só mais tarde se saberá. Na fase actual do jogo, os ventos são-lhe francamente favoráveis. E, como diz o outro, ele não tem medo nem vergonha, atributos que geralmente levam em ombros os demagogos.
 
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*Plantel . s.m. Bras. Lote de animais de boa raça, especialmente bovinos e equinos, reservados para a reprodução. Grupo de animais selecionados.
Fig. Grupo de atletas de agremiação desportiva, principalmente de futebol, com que se conta para formar uma ou mais equipas.







Monday, March 25, 2013

MAS QUE GRANDE BRONCA

Mas que grande bronca!
 
Quando, mais recentemente, Chipre passou, por más razões, a ocupar lugar destacado nos media de todo o mundo, e foi anunciada a receita da troica para lhe ser concedida ajuda à sua rede de bancos o espectro de bancarrota teve de ser contido com o encerramento temporário dos bancos, implicando a suspensão das transferências internacionais e a limitação dos levantamentos nas caixas ATM.
 
Imediatamente, surgiu de todo o lado a pergunta: e por cá, teremos de aviar a mesma receita? Responderam os inteligentes na matéria que não senhor, nem pensar nisso, Chipre era um caso único, as medidas impostas a Chipre jamais seriam aplicáveis a qualquer outro membro da Zona Euro.
 
Hoje à tarde, a notícia em evidência é a declaração feita pelo presidente do Eurogrupo admitindo que Chipre possa ser exemplo a seguir em caso de problemas na banca.
 
Quando se soube com mais algum detalhe o que estava por detrás das decisões do Eurogrupo relativamente a Chipre, e nomeadamente a massiva presença de capitais russos de procedência ilegítima, a imposição de altas taxas aos depósitos acima de cem mil euros pareceu a socialmente mais justa, ainda que tenha criado um precedente que pode espatifar a confiança dos cidadãos nos bancos, base fundamental de qualquer sistema bancário. Em Chipre, a estocada no sistema é demasiadamente profunda e abalará a economia cipriota de modo ainda incalculável.
 
Mas muita gente pensou: como não há capitais sujos russos por cá, ou se há não se notam muito, a saída para a crise cipriota não é extrapolável, como afirmam suas excelências os donos disto.
 
Ainda as medidas a que Chipre se submete não foram aprovadas pelo parlamento em Nicósia, e o líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, diz que em caso de problemas na banca, se os accionistas e os detentores de obrigações não conseguirem garantir a solvabilidade de uma instituição, então “se necessário” poderá recorrer-se “aos depositantes” com poupanças acima dos 100 mil euros.
“Se houver risco num banco, a nossa primeira questão deve ser: ‘Ok, o que é que vocês no banco estão a fazer em relação a isso? O que podem fazer para se recapitalizarem?’ Se o banco não o puder fazer, então vamos falar com os accionistas e os obrigacionistas, vamos pedir-lhes para contribuírem para recapitalizar o banco e, se necessário, aos detentores de depósitos não garantidos”, ou seja, às poupanças acima dos 100 mil euros.
  
Quanto a mim, mudei de opinião acerca do assunto: Se esta táctica tivesse sido adoptada nos casos do BPN e BPP, por exemplo, teríamos, aqueles que nunca entraram em tais buracos por suspeita gereralizada sobre o que por lá se passava,  hoje um fardo bem menor às costas.
 
Mesmo que as afirmações do senhor Jeroen Dijsselbloem venham a ser reinterpretadas*, a desconfiança criada pelas suas declarações desta tarde vai ter consequências profundas, e nem todas serão negativas.

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*Act. - Passadas poucas horas o presidente do Eurogrupo recua e afirma que Chipre é um caso específico.

Sunday, March 24, 2013

À VOLTA DE UM PRECEDENTE INDECENTE

Small island, big finger

cartoons c/p Economist

Só amanhã de manhã saberemos, ou não, qual a sentença que o Eurogrupo, a estas horas da noite reunido em Bruxelas, ditará ao povo cipriota.
 
Aqueles que são em Chipre, e de um modo geral em todos os países fragilizados da zona euro, os principais responsáveis, continuarão a poder contar com a rede que os contribuintes são coagidos a suportar.
 
Enquanto subsistir o moral hazard, que permite a muitos banqueiros serem mais gestores de casinos com dados viciados do que banqueiros propriamente ditos, a grande farra poderá terminar em Chipre mas a grande batota não se extingue, apenas se transfere.

Saturday, March 23, 2013

CORREIO DA MANHA

Liberais e anti liberais juntaram-se na defesa da televisão pública, opondo-se à privatização da RTP: os segundos porque a Constituição determina a existência de um serviço público de televisão - que eles não dizem que bicho é -, os primeiros porque afiançam que o pacote publicitário não chega para mais um concorrente ao bolo. A propósito, continua a espantar-me a aparente vitalidade  da economia portuguesa quando medida pelos spots publicitários que continuam a passar pelos canais televisivos, abertos e fechados, pelas páginas dos diários e semanários, tentando espectadores e leitores com automóveis de gama altíssima, relógios de gama máxima, por exemplo, além da persistente pressão para os portugueses serem portadores de um telemóvel em cada bolso das calças e do casaco, a partir dos seis anos e de idade, entre outros regalos para comprar hoje e pagar amanhã.  
 
É no meio desta comunhão dos extremos pela veneração à televisão pública que entra no clube mais um filiado disposto a instalar-se a comer do bolo tanto quanto lhe permitir o engenho e a incapacidade dos outros para o conter mal comido. Quanto à televisão pública, obrigada a dieta, a emagrecer a olhos vistos, aguentando-se pesadamente encostada ao orçamento de estado, jogou esta semana uma malha em cheio ao contratar para o seu plantel um trunfo de peso, que levará o share da televisão estatal aos píncaros nos dias de exibição do ás do sofisma. De pouco ou nada servirá, no entanto, ao orçamento da RTP o  esperado aumento estrondoso de audiência porque não lhe é dado apropriar-se de mais qualquer quinhão de receitas próprias.
 
Tudo ponderado, o protagonista maior a partir de agora não é o correio da manhã que chegou esta semana aos canais televisivos fechados mas a manha que vai entrar esta semana na casa de todos os portugueses no correio do canal aberto estatal, de uma empresa que não pode ser privatizada porque tem uma missão de serviço público às costas e do bolo publicitário não havia nada para mais ninguém.
 
Senhoras e senhores: apertem (ainda mais) os cintos, aproximamos-nos do olho do furacão, espera-nos uma desmedida turbulência a bordo.

Friday, March 22, 2013

NÃO ME IRRITEM!

É o que, ontem, terá dito Merkel aos cipriotas. Ela ter-lhes-á, realmente, dito que não abusem da paciência da Troica, o que, realmente, dá no mesmo. Ao mesmo tempo, o BCE, um dos três pilares da troica, notificou Chipre que a partir da próxima segunda-feira não há mais abonos, o que, a concretizar-se, significaria o primeiro chuto num país membro da zona euro. Esta tarde, o Parlamento do Chipre aprovou controlo de capitais com o objectivo de evitar a fuga de capitais, e a televisão estatal referiu que o governo de Chipre poderá propor uma taxa de 15% sobre os depósitos bancários superiores a 100 mil euros, isentando os depósitos abaixo daquele limite.
Admitindo que parlamento cipriota acabará por aprovar a penalização dos depósitos, atingindo sobretudo os depositantes estrangeiros, principalmente russos - o que, considerando as circuntâncias relevantes será a medida socialmente mais justa -, não é difícil prever que o sector financeiro, de que  a economia de Chipre é fortemente dependente, cairá de bruços.
O Norte da Europa, com Angela Merkel no papel de protagonista da tragédia europeia, que agora coloca Chipre entre a espada e a parede, não ignorava, aliás, ninguém minimamente informado ignorava, os pés de barro em que já se sustentava a economia cipriota quando admitiu Chipre como membro de pleno direito da União Europeia e da Zona Euro. Como não ignorava a economia de fantasia que durante mais de uma década alimentou as ilusões da generalidade dos habitantes do sul.
Não só não ignorava como sustentou e se sustentou dessa ilusão inevitavelmente transitória.
Até onde se atreverá Angela Merkel e seus seguidores a intimidar os europeus do sul com mais envergadura com repreensões do género com que hoje se dirigiu aos cipriotas sem estilhaçar de vez a Europa levando-a à beira de um conflito bélico após, apenas, sessenta e cinco anos de paz?

Thursday, March 21, 2013

LEVANTE-SE O RÉU!

É a notícia do dia:
 
 
A intervenção do ex-primeiro ministro, sendo não remunerada não será gratuita.
Sócrates tem sido  acusado de tudo e mais alguma coisa e está longe de ser inocente na derrocada que levou o país à beira da bancarrota, de onde, aliás, ainda não saiu. O voto popular sentenciou-o a retirar-se do lugar que ocupava mas não a retirar-se da política. Agora, que a indignação popular se voltou, como seria esperável, para os novos detentores do poder, a aparição de Sócrates num programa semanal de televisão de 25 minutos, será uma oportunidade concedida pela televisão pública para Sócrates se defender e, inevitavelmente, atacar.

Vinte cinco minutos semanais em televisão é muito tempo. A aparição de Sócrates não pode ser um remake de outros comentadores políticos e, nomeadamente, de Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, António Vitorino, António Costa, Jorge Coelho ou mesmo Santana Lopes. Sócrates não poderá, e certamente não quererá, distanciar-se da apreciação das funções que exerceu e das responsabilidades que lhe são atribuidas.

O clima político está em brasa e não é previsível que a combustão abrande nos tempos mais próximos. A entrada em cena de Sócrates como comentador político, porque não é esperável que o tenham convidado para comentador desportivo, vai aquecer ainda mais um ambiente sobre aquecido.
O que pretende Sócrates, então?

Preparar a sua eventual candidatura à presidência da República? É temporalmente prematuro e politicamente inoportuno. Voltar à liderança do PS e chefiar um próximo governo? É possível mas improvável que a conjuntura o consinta. Só resta uma hipótese: a da defesa das decisões que tomou e a implícita acusação daqueles que, no entender dele, são tanto ou mais que ele, responsáveis pelo desastre.

De qualquer modo, é uma aparição que irá exacerbar até à náusea o confronto político numa altura em que Portugal precisa do consenso a bordo que possa evitar o naufrágio. Sócrates e o director de programas da RTP vão fazer subir o share da televisão pública prestando ao país um serviço público que dificilmente não será, na conjuntura actual, perverso.
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Correl. - A paixão de Sócrates

 

Wednesday, March 20, 2013

O ABRAÇO DE PUTIN

O caso Cipriota é uma réplica, com algumas especificidades próprias, das perversidades de um sistema financeiro que, passados mais de quatro anos desde o desencadear da crise subprime nos EUA, subsiste praticamente intocado: os banqueiros embolsam os lucros e os bónus simulados, os bancos, com preponderantes e incontroladas actividades de casino, afogam-se e os contribuintes são coagidos a pagar as bóias de salvação. Quando o Chipre se tornou membro da UE em 2004, já as máfias russas tinham instalado as suas lavandarias de dinheiro sujo. Mas ninguém quis dar por isso.
Neste vídeo Bloomberg são referidos alguns indicadores que caracterizam o panorama financeiro cipriota e as razões do seu colapso nada original.
 
Há mais de um ano anotei aqui uma reportagem do Washington Post a propósito da situação na Hungria e da progressão dos russos na recuperação da sua influência no leste europeu perante a incapacidade da União Europeia em defender os seus propósitos quando admitiu como membros parte dos países que durante décadas tinham estado sob a alçada da ditadura soviética.
 
Algum tempo depois, anotei aqui, a propósito de uma notícia que tinha lido no Expresso há precisamente um ano, a continuidade do abraço de Putin aos conturbados países mediterrânicos culturalmente próximos da Rússia. O Chipre tinha, então, obtido um empréstimo de 2,5 mil milhões na Rússia.  
 
Hoje é notícia que - vd aqui - que o Chipre está a negociar com a Rússia a renegociação das condições daquele empréstimo e o alargamento da ajuda russa, envolvendo o negócio a concessão da prospecção de gás na  plataforma continental da ilha.
 
No fim de contas, um negócio interessante para ambas as partes: As máfias russas, clientes e amigas dos banqueiros cipriotas e da direita no poder não contribuem com cerca de dois mil milhões para o resgate de Chipre, - como era, sabe-se agora, intenção da proposta inicial aparecida no Eurogrupo de aplicar a taxa apenas sobre depósitos acima de 100 mil euros -, Putin & Companhia ficarão a saber quem e quanto colocaram os seus mafiosos em Chipre, o Governo do Chipre ganha poder negocial junto da UE, os russos ganham ainda mais influência num ponto do globo estrategicamente fundamental e apropriam-se das reservas petrolíferas cipriotas.
 
A União Europeia, sem desígnio comum nem estratégia  global, afunda-se em, cada dia que passa.
Por amor aos seus  queridos banqueiros.

Tuesday, March 19, 2013

É ESTE O PAÍS QUE TEMOS

Não, não era isto que eu queria fazer na vida, mas este é o país que temos... Fui militar durante seis anos, cheguei a primeiro-cabo, no fim do contrato mandaram-me embora. A mim e a todos os meus camaradas. Emprego efectivo só é garantido a sargentos e oficiais. Concorrer à escola de sargentos, não posso, nem podia quando fui dispensado. Só até aos vinte e três anos e o décimo segundo completo. Mas aqueles seis anos como militar foram os anos mais felizes da minha vida. Estive no Kosovo dois anos. Não, não andámos aos tiros a ninguém. Estivemos em missão de paz. Patrulhamentos, controles nos check-points, coisas assim. Foram dois anos fantásticos, em contacto com os marines americanos, com os franceses, entendíamos-nos perfeitamente. Aqui, em Tancos, o trabalho diário constava de instrução, preparação física, estratégia, aplicação prática da teoria. Acordávamos às sete da manhã, às oito começávamos uma corrida diária de vinte quilómetros, coisa para cerca de duas horas. Aquela hora começava a corrida, quer o alferes tivesse chegado quer não, sabíamos qual era o programa, cumpríamos. De volta da estafeta, tomava-se o pequeno almoço e seguia-se o treino diário. Sempre o mesmo, claro, o objectivo é a manutenção da forma física e o aperfeiçoamento das tácticas de combate. Tudo para estarmos sempre preparados para a eventualidade de termos de entrar em guerra. Onde? Sei lá. Aconteceu no Kosovo, pode acontecer em qualquer outro lado, não é? No Kosovo esteve um batalhão nosso, cerca de dois mil e quinhentos homens. Tínhamos outro tipo de treino fora de Tancos. Transportavam-nos de helicóptero para as redondezas de Mafra com o objectivo de alcançar o centro de uma aldeia, militar, claro, onde havia um oficial sequestrado. Introduziamos-nos nos colectores dos esgotos e caminhávamos ou rastejávamos até ao local onde subíamos à superfície e resgatávamos o oficial. Depois voltávamos de helicóptero para Tancos. Trabalhávamos cinco dias por semana, claro, mas, por vezes éramos convocados a apresentar-nos  na base às horas mais imprevisíveis. Uma vez, num fim-de-semana, estava a chegar a Santa Apolónia e recebi indicação para voltar à base imediatamente. Para quê? Para isso mesmo. Uma vez apresentado na base, voltei no combóio seguinte para Lisboa. O que não se compreende é que, depois do Estado ter investido na nossa formação e especialização durante seis anos, nos dispense e contrate outros, com os quais vai continuar a gastar o mesmo dinheiro. Saí há dois anos, estive no desemprego um ano, quase ano e meio, quando este restaurante abriu, vim cá, falei com a patroa, e tornei-me empregado de mesa. É este o país que temos. Há dias, quando me viu fardado, tinha acabado aqui o serviço e ia para um torneio de RunScape, uma espécie de simulação de combates reais. É um desporto como o futebol ou o râguebi, com regras e objectivos. Se tem árbitro? Hum! Não há árbitros em combate.
 

Monday, March 18, 2013

PIOR, SERIA IMPENSÁVEL

O acordo, unânime, segundo as notícias vindas a público, dos membros do Eurogrupo de impor aos cipriotas uma taxa sobre os depósitos em bancos, está a merecer críticas contundentes nos mais destacados media do mundo. O que terá levado um grupo que é suposto ser constituido por gente  competente e ponderada a subscrever uma proposta idiota? Alucinação colectiva ou síndrome de rebanho extremo?  A nenhum ocorreu que a medida pode desencadear uma corrida generalizada aos bancos sem que o BCE disponha de extintores com capacidade suficiente pra dominar o incêndio?  
 
O senhor Carlos Costa, dito governador do Banco de Portugal, disse hoje que "os portugueses podem estar tranquilos porque taxa não é transponível para outros países" . Mas quem é que, hoje, acredita no que dizem os Carlos Costas deste país? Portugal tem um sistema financeiro estável e capitalizado, acrescentou C Costa. Admitamos que isso é verdade, ainda que os sinais exteriores de equilíbrio do sistema estejam longe de ser tranquilizantes. Mesmo assim, o senhor Carlos Costa sabe que por mais irracionais que sejam os começos de uma corrida aos bancos elas tornam-se a breve trecho racionais e imparáveis. Concorde-se, no entanto, que o senhor Carlos Costa disse o que, na circunstância, tinha a dizer.
 
Voltando ao acordo subscrito pelo Eurogrupo, muito provavelmente imposto pelos alemães, Angela Merkel, dizem as notícias, pretendia uma taxa superior: Independentemente do facto de os bancos em Chipre serem lavadouro de dinheiros de origens mais suspeitas e os seus clientes russos os maiores utilizadores das instalações cipriotas - envolvendo depósitos da ordem dos 40 mil milhões de euros - os banqueiros - sempre eles - banquetearam-se, e, à imagem e semelhança do que aconteceu na Islândia, a conta é agora apresentada aos depositantes, incluindo os dos cipriotas que não são banqueiros nem russos.

Porém, para lá das consequências desastrosas que a medida pode ter, e que nenhum Carlos Costa deste mundo pode desactivar, há uma prepotência que lhe está subjacente que, por ser profundamente anti democrática, é altamente preocupante que todas as cabeças que adoptaram o aborto tenham abanado para o mesmo lado esquecendo que a democracia é o valor maior das sociedades ocidentais.

E por quanto? Por talvez menos que dois buracos do tamanho do BPN. Um escândalo que o tempo promete fazer esquecer.

Sunday, March 17, 2013

VALE TUDO

Durante quase dois anos os resultados dos exames ao cumprimento do contrato assinado pelo trio - PS, PSD, CDS - com a troica foram publicamente anunciados como positivos, regozijando-se o Governo português, o FMI, a União Europeia e o Banco Central Europeu com os esforços, a disciplina e a resistência do povo português, o melhor do mundo, segundo o senhor Vítor Gaspar, num dia em que tinha recebido os parabens dos examinadores à sua capacidade para cumprir o programa de ajustamento.
 
Hoje, disse o senhor Daniel Bessa, "estamos todos a evitar anunciar a bancarrota". O senhor Daniel Bessa é livre de dizer o que bem entende mas, em matéria de economia, é suposto que entende da poda. Como é que foi possível só agora se tornar nítido que estamos mais próximos do precipício do que quando pedimos ajuda para evitar a queda no abismo? Erraram todos, troicos e Governo, durante trimestres seguidos, e só agora compreenderam que o compromisso era incumprível desde o momento em que foi negociado e assinado?
 
Ou enviesou-lhes os cálculos a ideologia com que o FMI compõe a sua metodologia, e a União Europeia fervorosamente abraçou por determinação da senhora Merkel? Nunca acreditei nisso. Se as recomendações da troica em matéria de reestruturação do Estado eram geralmente pertinentes - e muita gente concluiu que nunca a troica poderia ter feito um diagnóstico tão preciso se não tivesse recebido sugestões dos entrevistados -, por que razão só agora a troica acusa o Governo de ter descurado essa parte fundamental do programa? 
 
Por uma questão de tempo. O tempo necessário para retirar os bancos, nomeadamente alemães e franceses, do atoleiro para onde nos tinham conduzido. Vítor Gaspar errou quase todas as previsões, mas não errou só agora. A reforma do Estado continua em grande medida por fazer e não é razoável imputar a Gaspar toda a culpa do fracasso.  Porquê, então, só à sétima avaliação, Gaspar é chumbado? Porque ainda não tinha sido atingido o objectivo primordial: salvar o sistema. E, para o salvar, sabemos agora, segundo eles, vale tudo. 
 
Ontem soube-se que aos cipriotas foi imposto, sem aviso nem aprovação no parlamento, um corte nos seus depósitos bancários. Hoje, os cipriotas, amanhã quem? Paul Krugman escreveu hoje no seu blog, a este propósito, "It´s as if Europeans are holding up a neon sign, written in Greek and Italian, saying "time to stage a run on your banks!".
 
As corridas aos bancos começam por ser irracionais e tornam-se, naturalmente, racionais.
Amanhã, veremos.
 

Saturday, March 16, 2013

CORRALITO CIPRIOTA

As condições de resgate de 10 mil milhões de euros que ontem - vd aqui, aqui, aqui, aqui - foram impostas aos cipriotas, ou me engano muito ou sentenciaram o princípio do fim do euro.
E da União Europeia. Adensam-se as nuvens que presagiam um furacão destruidor da Europa. Anotei várias vezes, há muito tempo já, esse perigo neste caderno de apontamentos. Jean-Claude Juncker afirmava recentemente em entrevista ao Der Spiegel - vd aqui - que "os demónios da Europa estão apenas adormecidos". Alguns chamam-lhe "The prophet of doom and gloom", o profeta da desgraça e da tristeza.
 
Por razões que um cidadão comum não entende, FMI & Companhia irresponsável chegaram em Nicósia um fósforo ao rastilho que pode fazer espatifar um edifício sexagenário com evidentes fissuras nas estruturas fundamentais. Estarão loucos? Prefiro acreditar que sou eu que não entendo as artes da pirotecnia. E que também Jean-Claude Juncker anda acabrunhado com algum contratempo pessoal.
 

Friday, March 15, 2013

PREVISÕES

Chuva intensa para amanhã no norte do país.
Chuva intensa para amanhã no centro do país.
Chuva intensa para amanhã no sul do país.
Chuva intensa para amanhã na Madeira.
Chuva intensa para amanhã nos Açores.

Previsivelmente, quaisquer outras previsões anunciadas hoje estarão erradas.

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Correl. - Passos Coelho: "Devemos procurar desmentir estas previsões" do Governo

Thursday, March 14, 2013

O CARTEL OFICIAL

A semana passada foi excitada pela notícia de estarem em campo 15 juízes e 25 procuradores para buscas nos bancos por suspeitas de estarem os banqueiros conluiados para aumentar "spreads" e comissões e, deste modo, extorquirem ilegalmente os clientes sem capacidade de negociação, nomeadamente os devedores por empréstimos à habitação. Aqui, anotei a minha estranheza que fossem os banqueiros tão bimbos que fizessem acordos de preços entre eles recorrendo a meios registados nos computadores ou qualquer outro suporte denunciador. Fiquei supreendido quando dias depois li que as diligências tinham sido desencadeadas por uma denúncia feita pelo Barclays com o  objectivo de se safar às eventuais penalizações (que podem ser quase simbólicas) a que estão sujeitos os eventuais prevaricadores. O Barclays não comentou, o  assunto deve estar a abeberar até arrefecer e esquecer.
 
Hoje leio que "Bancos querem limites mais baixos nas taxas de juro que pagam nos depósitos a prazo". Não é novidade. Essa limitação foi imposta há alguns meses atrás, provavelmente há banqueiros pretendem agora que o Banco de Portugal coloque a rédea mais curta a alguns deles. Compreende-se a intenção, o que não se compreende é que, neste caso, ninguém veja, desde a quase inútil Autoridade da Concorrência até ao misterioso Ministério Público, um declarado cartel solicitado por alguns banqueiros, sancionado pelo Banco de Portugal.
 
Quem não é completamente ignorante na matéria, sabe que os acordos de preços são realizados entre um número reduzido de parceiros que detêm a totalidade ou quase totalidade de um sector de negócio num espaço económico que pode ser mais ou menos amplo. E é fácil perceber que esses acordos são feitos para contrariar o sentido do mercado, em situação de livre concorrência. No caso dos bancos, antes da erupção da crise, o crédito era fácil e barato, os bancos competiam entre eles, recorrendo até ao concurso de vedetas do futebol, da televisão, entre outros. Scolari e Catarina Furtado, pela Caixa, Ronaldo pelo BES, Figo e Catarina Furtado pelo BPN, por exemplo. Os lucros dos bancos eram anunciados com foguetório de artifício porque o mercado estava vendedor. Ninguém falava em carteis. Se havia um cartel, era o do silêncio conivente de alguns perante os sinais evidentes de burlas de outros. Nessa altura, nem a Associação Portuguesa de Bancos nem nenhum banco reclamou do Banco de Portugal uma vistoria que permitisse facilmente concluir que não podia o BPN ou o BPP oferecer as condições que ofereciam aos depositantes sem que houvesse ratos no ninho. Estavam todos satisfeitos com a prodigiosa produtividade do sector bancário em Portugal.
 
A crise alterou as linhas com que se cosem os carteis? De modo algum. Se há alguma lei que não falha em economia, essa lei é a da oferta e da procura. Por isso continua-me a parecer ridícula a operação (estranhamente, ainda sem nome) das buscas da semana passada. Os acordos de cartel realizam-se de forma implícita quando aproveitam os ventos do mercado. Basta que um aumente os "spreads" para que os outros o sigam. Acontece o mesmo com as petrolíferas, por exemplo. Por que razões trocariam de informações registadas ou escutáveis? Hoje, os bancos não competem para vender crédito (que é escasso, salvo estranhíssimas insistências de utilização de cartões de crédito que são remunaradas a juros escandalosamente usurários aos clientes mais fragilizados), competem para captar depósitos. E, neste caso sim, estando os ventos contrários pedem ao Banco de Portugal que sirva de moderador nas taxas de juro dos depósitos, oficializando o cartel.
Em nome da estabilidade do sistema.
 
São uns finórios, estes banqueiros.

Wednesday, March 13, 2013

FUMO AMARELO

O que não é mau sinal. Significa que desta vez as discussões estão mais apertadas porque é cada vez mais evidente que não pode desatar-se o imbróglio continuando a puxar para o mesmo lado. O examinando estará, presume-se, a mostrar-se menos atento, venerador e obrigado com o examinador.

Ouvi esta manhã na rádio que "patrões e sindicatos estão de acordo que um ano é insuficiente para corrigir o défice". Mas, depreendi que também não disseram quantos são precisos. Ou não fizeram as contas ou não conseguiram acertar com resultados aceitáveis alterando apenas o prazo.
 
Quando um dia a História julgar os portugueses de hoje será implacável com a estroinice a que se entregaram, embriagados pelo crédito com que os aliciaram os bancos, e a vergonhosa submissão às exigências impostas por uma troica que elegeu como objectivo maior a salvação do sistema financeiro.

Repito-me: a solução do endividamento excessivo de Portugal não é, ou não é principalmente uma questão de tempo. Nem o endividamento das famílias portuguesas.  Hoje soube-se que  - vd. aqui -  que

"o Governo aprovou novas medidas de apoio às famílias endividadas, que impõem um limite de 27,5% nos juros de crédito aos cartões de crédito e descobertos bancários, e de 19,5% para créditos pessoais, medidas que põem fim à eescalada de juros que no final de 2012 se aproximaram dos 40%" .

Alguém de boa fé e com um mínimo siso acredita que alguém que não paga  a totalidade do valor utilizada num cartão de crédito mensalmente alguma vez vai poder pagar depois o que não pagou antes com juros 27,5%/ano em cima?  Entretanto, os bancos e outros parabancários continuam a pressionar os portugueses a endividar-se.

Brincamos, senhores banqueiros?

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Correl.- Estudo do FMI conclui que austeridade pode fazer subir a dívida pública
As descobertas que estes (estes quê) fazem!