Tuesday, March 19, 2013

É ESTE O PAÍS QUE TEMOS

Não, não era isto que eu queria fazer na vida, mas este é o país que temos... Fui militar durante seis anos, cheguei a primeiro-cabo, no fim do contrato mandaram-me embora. A mim e a todos os meus camaradas. Emprego efectivo só é garantido a sargentos e oficiais. Concorrer à escola de sargentos, não posso, nem podia quando fui dispensado. Só até aos vinte e três anos e o décimo segundo completo. Mas aqueles seis anos como militar foram os anos mais felizes da minha vida. Estive no Kosovo dois anos. Não, não andámos aos tiros a ninguém. Estivemos em missão de paz. Patrulhamentos, controles nos check-points, coisas assim. Foram dois anos fantásticos, em contacto com os marines americanos, com os franceses, entendíamos-nos perfeitamente. Aqui, em Tancos, o trabalho diário constava de instrução, preparação física, estratégia, aplicação prática da teoria. Acordávamos às sete da manhã, às oito começávamos uma corrida diária de vinte quilómetros, coisa para cerca de duas horas. Aquela hora começava a corrida, quer o alferes tivesse chegado quer não, sabíamos qual era o programa, cumpríamos. De volta da estafeta, tomava-se o pequeno almoço e seguia-se o treino diário. Sempre o mesmo, claro, o objectivo é a manutenção da forma física e o aperfeiçoamento das tácticas de combate. Tudo para estarmos sempre preparados para a eventualidade de termos de entrar em guerra. Onde? Sei lá. Aconteceu no Kosovo, pode acontecer em qualquer outro lado, não é? No Kosovo esteve um batalhão nosso, cerca de dois mil e quinhentos homens. Tínhamos outro tipo de treino fora de Tancos. Transportavam-nos de helicóptero para as redondezas de Mafra com o objectivo de alcançar o centro de uma aldeia, militar, claro, onde havia um oficial sequestrado. Introduziamos-nos nos colectores dos esgotos e caminhávamos ou rastejávamos até ao local onde subíamos à superfície e resgatávamos o oficial. Depois voltávamos de helicóptero para Tancos. Trabalhávamos cinco dias por semana, claro, mas, por vezes éramos convocados a apresentar-nos  na base às horas mais imprevisíveis. Uma vez, num fim-de-semana, estava a chegar a Santa Apolónia e recebi indicação para voltar à base imediatamente. Para quê? Para isso mesmo. Uma vez apresentado na base, voltei no combóio seguinte para Lisboa. O que não se compreende é que, depois do Estado ter investido na nossa formação e especialização durante seis anos, nos dispense e contrate outros, com os quais vai continuar a gastar o mesmo dinheiro. Saí há dois anos, estive no desemprego um ano, quase ano e meio, quando este restaurante abriu, vim cá, falei com a patroa, e tornei-me empregado de mesa. É este o país que temos. Há dias, quando me viu fardado, tinha acabado aqui o serviço e ia para um torneio de RunScape, uma espécie de simulação de combates reais. É um desporto como o futebol ou o râguebi, com regras e objectivos. Se tem árbitro? Hum! Não há árbitros em combate.
 

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