Como acontecera na primeira viagem à Europa, teve a impressão de que algo faltava à cena: altercações, alguma desavença, uma dose de rancor, gritos, alguma irregularidade que aguçasse um pouco essa espécie de doçura arredondada, protetora...
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 51.
Imagem: Patricia Highsmith
Mostrando postagens com marcador Alan Pauls. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Alan Pauls. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 16 de junho de 2015
quarta-feira, 1 de abril de 2015
da - suposta - compreensão
Sofía emudeceu, olhou para ele sem vê-lo e piscou várias vezes em seguida, como se saísse de uma espécie de transe. Depois sorriu e o acariciou suave, ternamente, com aquele ar compreensivo que Rímini conhecia tão bem, como se aceitasse, magnânima, as razões que o levaram a mudar de assunto, mas deixasse evidente, ao mesmo tempo, que não concordava com elas e, até, que as considerasse infantis, filhas não da vontade, e sim do medo, ou seja, de um desejo que Rímini continuava sentindo sem ter coragem de admitir, e portanto candidatas a uma fácil refutação; e Rímini percebeu novamente como a compreensão, com sua prodigiosa capacidade de capturar, absorver, assimilar, era o verdadeiro talismã de Sofía, o antídoto que lhe permitia recompor-se com eficácia e velocidade extraordinárias, deixando para trás os desacertos, os desastres, as loucuras, para transformá-los em grandes façanhas malditas que punham em evidência a insensibilidade ou a idiotice do mundo.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 393.
sexta-feira, 20 de março de 2015
sobrevivente do extinto amor
Então se lembrou de uma frase: Não tente me convencer de que não estou sofrendo. Um clássico de Sofía: um desses estilhaços que o amor esculpe e deixa cravados num órgão a que só ele tem acesso, de modo que sobrevivam a tudo, até mesmo à extinção do amor, e passam a ser essenciais para o organismo onde se incrustaram, a tal ponto que ninguém pode retirá-los sem pôr em risco a vida de seu portador.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 256.
terça-feira, 17 de março de 2015
prescreveu
E a dívida que Rímini contraíra com ela foi perdendo vigor e enlanguescendo, como enlanguescem os objetos perdidos que ninguém reclama, até que prescreveu.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 141.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 141.
quinta-feira, 12 de março de 2015
e, no final
Ao terminar, Rímini estava esgotado - esgotado e perplexo, como aquele que cava um poço para escapar e, no final, diminuto entre altas paredes de terra, descobre que já não tem como sair.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 182.
quarta-feira, 11 de março de 2015
não existe nada atrás
“Estou vendo”, disse Sofía. “Isso é avançar, para você. Cada coisa apagada, um passo à frente, não? E assim você vai se limpando. Assim vai se desfazendo do que não lhe serve. Para que tanto lastro, não é? Junta pó, ocupa espaço, precisa ficar sempre arrumando. Melhor se livrar disso tudo. ‘Libertar-se.’ Por isso você procurou a garota, não? É jovem... Não tem passado (se chama Vera, não é? Vera. Gosto do nome.). Ideal. Atrás não existe nada. Agora está tudo pela frente”.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 149.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 149.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Completamente
Não que Sofía tivesse reaberto uma ferida que continuava viva nele, apesar dele, contra essa vida "cicatrizada" que ele levava; imperdoavelmente, Sofía sacrificava uma oportunidade, e Rímini, favorecido pelo veredicto dessa discutível justiça retrospectiva, agora podia fazer o que até então, por amor ou por medo, evitara: esquecê-la completamente.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 101.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
Foge
Acabava de cometer um erro, o tipo de imprudência que, projetada numa tela de cinema, estremece de espanto e excitação o espectador menos impressionável e lhe arranca uns gritos de alarme que só se lembra de ter dado quando criança, num remoto espetáculo de fantoches. Mas Rímini não era um cínico; ninguém aterrorizado tem tempo para o cinismo: renunciar à partilha das fotos - porque o adiamento era apenas a máscara de algo mais definitivo: uma deserção - não era uma questão de cálculo, mas de sobrevivência. Fugia.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 52.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 52.
Assinar:
Postagens (Atom)