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quinta-feira, 17 de março de 2011

GERALDO PEREIRA


Quem ouvir hoje o samba de Geraldo Pereira talvez perceba cadências semelhantes à Bossa Nova, ritmos profundamente singulares. O samba, sincopado por natureza (herança evidentemente africana), na obra de Geraldo Pereira é muito mais “quebrado”, “sacudido”.  Se por um lado torna a música mais dançante, a letra encaixa naturalmente na música. Intuitivo e singular, Geraldo Pereira influenciou diversos artistas, desde Moreira da Silva até João Gilberto.




        Mineiro de Juiz de Fora, Geraldo nasceu em 1918, filho de Clementina Maria Theodoro e Sebastião Maria, casal que teve quatro filhos. Mané-Mané, seu irmão mais velho, tinha uma sanfona de oito baixos, que Geraldo dedilhava escondido: seu primeiro contato com um instrumento musical.     Aos doze anos foi ao Rio de Janeiro – destino de muitos juizforanos, pois a cidade é próxima – para tomar conta do botequim de Mané-Mané.
        Dois anos depois, empregado em uma fábrica de cerâmicas, teve a mão direita esmagada por descuido, deixando sequelas no seu dedo indicador. Com o dinheiro da indenização comprou um violão, que aprendeu a tocar com Aluísio Dias. Depressa começou a acompanhar choros, valsas, polcas, em moda na época. Mas foi especialmente cativado por um estilo que estava na época começando a se consolidar: o samba.
        Lapidou seu conhecimento musical visitando a casa de Alfredo Português, que também era tinha a presença de Carlos Cachaça, Cartola e Nélson Cavaquinho; aos dezenove anos, um tímido compositor, começou a se afastar do morro e ir às rodas artísticas, como a do Café Nice – ponto máximo da música brasileira. Frequentado por todos os tipos de artistas, compositores e cantores; local onde aconteciam novas parcerias, eram vendidas composições e firmados contratos.
        Mulato, alto, de olhos claros e bem vaidoso,  Geraldo não tinha dificuldades em conquistar as mulheres. Além disso, era alegre – ao contrário da fama de brigão que tinha – e contava com uma boa voz, além de tocar violão. Sair para as gafieiras, beber nos bares e ir para noitadas com mulheres tornou-se seu cotidiano.
        Apesar de ter casado - forçadamente -  com Eulíria Salustiano, não deixou a vida boêmia, tendo diversos casos, uns mais longos, outros mais curtos. Nos mais curtos ele nem se preocupava em decorar o nome.  Nesse ir e vir de amores, seu coração teve uma paixão só: Isabel Mendes da Silva, que rendeu diversas homenagens, implícitas ou explicítas, como no samba “Liberta meu Coração”:
        “Enquanto a Isabel, a rendentora, aboliu a escravidão,
        outra Isabel, tão pecadora, escravizou meu coração...
        Ai, meu viver é tão cruel!
        Liberta meu coração, Isabel!” (Liberta meu coração, 1947)
       
        Seu caso com Isabel durou até a morte de Geraldo Pereira, com rompimentos e voltas, brigando e reatando a vida inteira. Sua primeira música gravada veio em 1939, Se você sair chorando, cantada por Roberto Paiva. Geraldo Pereira logo estréia como cantor e até ator, fazendo algumas pontas em filmes como “Berlim na Batucada” e “O rei do samba”.
        Vivendo assim, na boemia e com suas composições, Geraldo compôs clássicos ímpares de nossa música. Sua temática preferida, as mulheres, são o maior pedaço de seu trabalho – uma carreira curta, que terminou quando o compositor faleceu, com apenas 37 anos. De câncer, dizem uns; com um soco de Madame Satã, dizem outros; fato é que sua morte é a parte mais polêmica da vida de Geraldo Pereira. Talvez partindo cedo demais, Geraldo deixou pouco mais de setenta composições gravadas e catalogadas, sem contar nas que foram vendidas, como “Na Subida do Morro”.
        Ao contrário de compositores extremamente diversificados na temática e gênero, Geraldo foi, antes de tudo, sambista e um grande amador das mulheres, a maior parte de sua obra. Seu samba sempre tem um tom humorístico, sarcástico, exaltado ou informal.
As heranças de Minas Gerais são pouco visíveis, talvez por algumas palavras aqui e acolá, um ritmo de calango pegado dos oito baixos do irmão Mané Araújo, misturado ao ritmo de Mangueira e a influência do samba do Rio de Janeiro. Vale lembrar que o samba é sincopado por natureza; no entanto, Geraldo Pereira fez no seu samba adaptações e nuances suaves, que permitem tornar a letra natural, próxima da fala. Comparemos, por exemplo, “Falsa Baiana”, de Geraldo, e “Sina”, de Djavan:

 “Baiana que entra na roda e
só fica parada,
não entra no samba,
não bole, nem nada,
não sabe deixar a mocidade louca...”
e
        “O luar
        estrela do mar
        o sol e o dom      
        quiçá um dia
        a fúria desse front
        virá lapidar
        o sonho até gerar o som.”
        Todas as sílabas tônicas de “Falsa Baiana” na melodia são as sílabas tônicas naturais das palavras. Em “Sina”, isso não acontece sempre, como em “estrela”, “fúria”, “sonho”; desse modo, na canção de Djavan, “estrela” pronuncia-se mais ou menos “estrelá”. Isso não constitui um erro, de forma alguma: a translação da tônica é um fenômeno da língua e da licença poética. Entre outros, esse fênomeno geralmente ocorre em função do esquema do verso ou necessidade da rima - esse último, provavelmente é o motivador da translação na canção do Djavan, já que desse modo “estrela” rima com “mar” e “quiçá”. ¹ Assim, ao recitar uma canção de Geraldo Pereira se chega quase à própria melodia!
        O violão “capenga” de Geraldo Pereira, com as harmonias tocadas de uma forma diferente, meio atrasada, antecede o estilo de João Gilberto e que deu origem à Bossa Nova. Isso 18 anos antes do “Chega de Saudade”. As melodias, ligeiras, cheias de breques, são agradáveis e fáceis de decorar. As letras falam da vida dos homens mais simples do morro, seus amores, suas angústias, por vezes suas desventuras. Como, por exemplo, a cabritada, muito apreciada:
“Bento fez anos,
e para almoçar meu convidou.
Me disse que ia matar um cabrito,
onde tem cabrito eu “tou”.
E quando o comes e bebes começou,
no melhor da cabritada
a polícia e o dono do bicho chegou...”
(Cabritada Malsucedida, 1953)
As rodas de samba - e as brigas - também são cantadas:
“Tá louca chamando pra casa, 
agora que o samba enfezou...
Estou com a turma pra cabeça,
não aborreça... vai que depois eu vou.”
(Vai que depois eu vou, 1946)
       
“Ai, que samba bom!
Ai, ai, ai, que coisa louca!
Eu também estou aí, estou aí,
que que há? Também tô nessa boca!”
(Que samba bom, 1949)
“Pessoal, vamos beber,
pra dona da casa não se aborrecer.
Vamos agradar a Dona Chica,
pra gente não perder essa boca rica...”
(Boca rica, 1950)
        Mas o samba não se limita ao simples festejar, muitas vezes sob a custódia de um mecenas. É uma parte da vida do homem do morro, é quase um costume. Pelo menos é assim nos sambas de Geraldo Pereira: parte do cotidiano. Ir ao samba, na obra dele, é como ir na igreja ou no armazém. Aliás, a mulata muitas vezes é tida como uma musa, heroína, ou até como santa:
“O meu santuário
era um caramanchão,
ela era minha santa
e meu samba a oração...”
(Ai que saudades dela, 1942)
“Abaixo de Deus foi ela,
sim, foi ela quem me ajudou...
Eu caí na cama desempregado
mas nada me faltou...” 
(Abaixo de Deus, 1947)
“A minha companheira
no mundo é a primeira
que me faz acreditar em mulher fiel...”
(A minha companheira, 1949)
Nessas  músicas, a mulata aparece como uma uma companheira que tem enorme amor e zelo pelo seu “pretinho”. São muitos os sambas em que o amante, arrependido, pede perdão à sua musa, à mulher que lhe ama de verdade:
“Entre nós houve uma contrariedade,
pra dizer a verdade
eu não guardo rancor.
Por que é que você quando passa
por mim não me dá mais bonjour?
Se eu sempre vi em você o meu rêve d’amour.”
(Pode ser, 1941)
       
“Vocês brigaram pra valer dessa vez,
e eu sei que não estás com ele há muito mais de um mês.
Será que ainda vais me deixar no abandono?
Vem, oh vem que teu pretinho está doidinho para ser seu dono...”
(Brigaram pra valer, 1949)
“Nega, vem cá,
vem ver só
como é que teu nego ficou,
depois do tal dia, neguinha,
que você me deixou...”
(Você está sumindo, 1943)
        O contrário também acontece: a mulata pode tomar a forma de ingrata, da mulher que abandonou seu amante por motivos banais:
“Eu fui buscar uma mulher na roça
Que não gostasse de samba
E nem gostasse de troça
Uma semana depois que aqui chegou
Mandou esticar os cabelos
E as unhas dos pés pintou
Foi dançar na gafieira
E até hoje não voltou”
(Até hoje não voltou, 1946)

          Esses temas eram muito próximos da vida de Geraldo Pereira, por isso aparecem em abundância. Mas outros temas, como o trabalho e a regeneração também aparecem. O melhor exemplo é a belissima música “Pedro do Pedregulho”, na íntegra:
“Pedro dos Santos
vivia no morro do Pedregulho,
quebrando o buteco, fazendo barulho,
até com a própria polícia brigou.
Vivia no jogo e quando perdia só mesmo muamba,
rasgava pandeiro, acabava com o samba,
parece mentira, Pedro endireitou.
Estelinha, o orgulho do morro,
mulher disputada, que, quando ia ao samba
saía pancada, ao Pedro dos Santos deu seu grande amor.
E ele trocou o revólver que usava, fingindo embrulho
Por uma marmita, e sobe o Pedregulho
De noite cansado do seu batedor.”

(Pedro do Pedregulho, 1951)
        A troca da malandragem e da briga pela vida doméstica e pelo amor é uma fábula antiga, que ficou muito bela nessa música. Provavelmente essa música inspirou “Tião”, composta por Waldemar de Abreu e Jair Amorim:
“Tião, Sebastião de Jesus, era o maior valentão
dele fugiam como o diabo foge da cruz.
Quem viu do que ele era capaz,
sabe que a própria polícia sempre evitava esse rapaz...
Um dia Rosinha de tal, essa fera domou com seu olhar.
E o pobre Tião, de repente, que era valente
se pôs a sonhar.
E então... era uma vez um Tião,
sua navalha vendeu para comprar um violão...”

(Tião, 1959)

        A casualidade, a fé e o “sobrenatural” também tem suas aparições. É interessante notar que isso é característico da cultura popular brasileira, de todas as regiões. ² Elementos de religiões africanas e outras crenças populares também aparecem, apesar de serem escassas as referências na obra de Geraldo Pereira.
“Desde o dia em que passei
numa esquina e pisei num despacho,
entro samba, meu corpo ‘tá duro,
bem que procuro a cadência e não acho.”
(Pisei num despacho, 1947)
“O escurinho era um escuro direitinho,
agora ‘tá com essa mania de brigão.
Parece praga de madrinha ou macumba
de alguma escurinha que ele fez ingratidão.”
(Escurinho, 1955)
“Parece que eu estava adivinhando, ó Juraci,
que hoje você vinha por aqui.
Você não morre tão cedo, eu digo isso porque
agora mesmo eu falava em você.”
(Juraci, 1954)
Geraldo Pereira olhava com certo sarcasmo o modo como a sociedade desprezava (e ainda despreza) o “morro”, esquecendo as pessoas mais pobres. O que pareceria um elogio ao governo de Getúlio Vargas, “Ministério da Economia” é antes uma sátira para chamar a atenção do governo:
“Seu presidente,
graças a Deus não vou comer mais gato,
carne de vaca no açougue é mato,
com meu amor eu já posso viver...
Eu vou buscar a minha nega pra morar comigo,
pois sei que agora não há mais perigo,
porque de fome ela não vai morrer...”
(Ministério da Economia, 1951)
Como defensor do samba, da morena, do morro e da brasilidade, Geraldo Pereira certamente olhava com deprezo os brasileiros que, pela moda da época (que perdura até hoje) vangloriavam o importado, menosprezando o nacional. Em uma das poucas e raras gravações em que Geraldo aparece como intérprete sem ter composto a letra, ele canta:
“Você diz que é patriota,
mas seu charuto preferido é o cubano.
Esquece que na Bahia, que hiprocrisia,
há o charuto baiano.
Você diz que é patriota,
Sua bebida é de marca escocesa,
Não bebe nossa cachaça,
E ergue a taça
Com a champanhe francesa.
Seu carro é americano,
Seu queijo é holandês,
Seu azeite vem da Espanha,
O seu vinho é português,
Dentro do seu palacete só se fala inglês,
Dentro do seu palacete só se fala inglês.”
Não canta nosso samba,
Não gosta de pandeiro,
Veste um tecido nosso,
Diz que é do estrangeiro.
        (Falso Patriota, 1953)


Esse mesmo Brasil que Geraldo defendia em seus sambas foi o que jogou o compositor no esquecimento. Entrevistas, depoimentos e declarações são escassas. Quem quiser rememorar esse grande sambista, comece por seus sambas, e assim chegaremos na alma de mais um compositor genuinamente nacional, que enriqueceu o panorama da música brasileira e foi diretamente responsável para o surgimento da Bossa Nova.

***

1. Nomenclatura de acordo com CHOCIAY, 1974. À guisa de curiosidade, transcrevo um verso de Castro Alves em que ocorre o fenômeno:
“Prostituta em negra órgia,
Sê hoje Lucrécia Bórgia...” Em outras situações, o poeta escreve orgia, mas, pela necessidade da rima, deslocou a sílaba tônica para trás.
2. Câmara Cascudo, por exemplo, afirma que a simpatia é um tipo de “magia” popular em todo mundo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

LAMARTINE BABO


Versátil, satírico, inusitado e bem à frente de seu tempo, Lamartine Babo foi um dos poucos compositores de sua época a criar sucessos em quase todos os estilos musicais em voga. De suas inesquecíveis marchas de carnaval até as valsas românticas, Lamartine escreveu clássicos que até hoje são cantados.


Dizer que Lamartine Babo é o compositor da Velha Guarda que hoje é mais cantado pode soar estranho. Esse posto não seria de Noel Rosa, cujos sambas são amplamente estudados, ou de um Ary Barroso, que compôs centenas de clássicos?
Os dois compositores são muito mais ouvidos hoje - isso é pura verdade - mas quem criou os hinos de futebol que estão na boca de qualquer carioca foi Lamartine Babo. Pela rua eu nunca vi alguém cantar "Serra da Boa Esperança", é verdade, mas o "Hino do Flamengo" é coisa que se vê sempre.

Lamartine nasceu em 1904, no Rio de Janeiro, no mesmo ano da fundação do América Football Club, o time de futebol que ditava seu coração. Desde pequeno já imitava os instrumentos das bandas de rua, cada instrumento com um pedaço da boca ou do corpo diferente. As imitações acabaram se tornando uma de suas marcas, presente em diversas gravações, além de terem uma função de composição. Por não saber escrever em partituras, Lamartine solfejava as notas dos instrumentos para os maestros ou músicos com que estava trabalhando. Extremamente magro, de voz fina (dizia: não tenho voz, tenho vez), de porte engraçado, Lamartine tinha tudo para não ingressar no universo da música brasileira da época, de galãs com vozes poderosas e grandes orquestras.


Seus primeiros sucessos vieram com as marchinhas de carnaval, no início da década de 30, quase todas sempre na boca de Mário Reis - o compositor que dividiu o canto da música brasileira. Isso porque, antes de Mário Reis, se cantava com inclinação ao bel-canto, com a voz poderosa, mais "virtuosa". Mário Reis, que iniciou a carreira com composições de Sinhô, tinha a voz mais contida, que se aproximava mais da fala, não do canto. Outro motivo de sucesso, além de seu talento e espontaneidade, são suas melodias simples, satíricas, bem completadas, como se vê em A.E.I.O.U., de Lamartine e Noel Rosa:


Mário Reis, que cantou vários clássicos de Lamartine.
 "A Juju já sabe ler,
A Juju sabe escrever
Há dez anos na cartilha.
A Juju já sabe ler,
A Juju sabe escrever,
Escreve sal com cê cedilha"

E não é aí que param as sátiras. Além de adorar trocadilhos - o que o fazia popular na imprensa da época - Lamartine era o primeiro compositor no Brasil a adotar o humor nonsense. Tudo o que se podia satirizar era satirizado. Como um tango seríssimo de Discépolo, na voz de Gardel, que em suas mãos se tornou "Família Urango-tango":

"Eu não suporto as intrigas,
apenas eu cito pessoas amigas.
Mas disse alguém lá do 100
que a família Urango não paga ninguém..."


As mudanças de época são muito presentes em suas canções, onde ele colocava em contraste os tempos antigos (como preferia de chamar: tempo da vovó) e moderno, as novidades que borbulhavam em sua época. As rádios, os novos estilos musicais, os novos comportamentos - tudo isso era notado por Lamartine. As canções abundam:
Lamartine Babo ao piano.

"Rancheira é espécie de mazurca
mais velha que o morro da Urca
me faz lembrar o meu avô
nos tempos de noivado ao lado da vovó...
"
(Babo...zeira, 1932)

"Toda gente agora pode
Ser bem forte, ser um "taco"
Ser bem ágil como um bode
E ter alma de macaco.
A velhice na cidade
Canta em coro a nova estrofe,
E já sente a mocidade
Que lhe trouxe o Voronoff...
"
(Seu Voronoff, 1928)

 "Não mostres à Vovó
minha conta da pensão,
deixa a velhinha
viver na ilusão..."
(Deixa a Velhinha, 1934)

Em "Babo...zeira", além do trocadilho do título com o nome do autor, a música fala da transformação dos ranchos no samba e marcha modernos, com um gingado totalmente diferente. Em "Seu Voronoff", o cirurgião russo Serge Voronoff é o tema: suas ideias eram de intervenções cirúrgicas entre homens e animais, em busca do rejuvenescimento. Louvado na época, Voronoff logo viu suas exóticas teorias caírem por terra antes de sua morte. Já "Deixa a Velhinha" é atualíssima, e é até espantosa se forem olhados os versos "esconde essas notícias de desastre de avião...".
Mas Lamartine não perdoaria os jovens. Já na sua primeira marcha a ser gravada, "Os Calças Largas", dizia:

Dança charleston, famosa na década de 20.
"Do tal charleston é bom não se falar
Faz lembrar peru de água
Quando a gente o quer matar"

(Os Calças Largas, 1927)

Se não era da moda ou das danças, era dos costumes novos dos jovens, como o de flertar não por amor, mas por ser "bom":

"Vamos flertar, 
(oh sim!)
Beijos trocar, 

(sem fim!)
Lá no Leblon

(por quê?)
Porque é bom.
"
(Que pequena levada, 1928)

O mesmo Lamartine que logo em frente veremos idealizar a mulher (e o carnaval) era o que criticava. Em "Maria da Luz", a própria idealização era criticada - a imagem da mulher sensual ao passar da rua. Uma curiosidade é que, além do belíssimo arranjo em que Lamartine canta, é uma versão de "Whistling in the Dark", de um filme americano famoso na época.

"É um tipo esbelto de mulher
e a gente faz o que ela quer,
é mais cotada que o café
pois tem aroma até no pé...


[...]

Maria da Luz
É o "ai jesus" de todos nós
Seu corpo fino tão franzino
Parece um tubo de retrós..."

(Maria da Luz, 1932)


Com a chegada da gravação, os intérpretes começaram a definir tudo o que era cantado, a fim de "direcionar" o público da música. Dos primórdios da gravação até os anos 50, era quase regra constar o gênero da música.

Selo de disco onde se vê o gênero após o título. De: outrasbossas.blogspot.com
Essa banalização era criticada por Lamartine Babo, que inventava estilos a cada nova gravação: "marcha-enxerto", "marcha digestiva"... Esse lado satírico foi o mais conhecido, através dessas marchas, clássicos que surgiam aos montes em cada carnaval. Mas não foi só nesse gênero que Lamartine foi eminente, apesar do seu humor fino trespassar toda a obra.Valsa, samba, cateretê, fox blue e toada são só alguns dos estilos por onde Lamartine Babo passou.
Dedicou-se à valsa já mais velho, após anos e mais anos de sucessos com marchas e sambas. A saudade, a idealização lírica são sempre presentes: 

"Só nos dois num salão e esta valsa
E uma orquestra de anjos divinos
Uns acordes de um toque de sinos
Nos finais desta valsa de amor."
(Só nós dois no salão (e essa valsa), 1937) 

"Mais uma valsa, mais uma saudade
De alguém que não me quis
Vivo cantando a sós pela cidade
Fingindo ser feliz"
(Mais uma valsa, mais uma saudade,  1937)

Entre a marcha e a valsa, Lamartine veio a criar suas músicas que mais fizeram sucesso: os hinos de futebol. Apaixonado pelo esporte, em 1943 criou um hino para cada clube da primeira série do campeonato, e os apresentou num programa radiofônico, obtendo enorme sucesso. A maioria dos clubes já tinha seu hino, mas os criado por Lamartine Babo são os cantados até hoje. Sua paixão, claro, era o América:

"Hei de torcer, torcer, torcer,
hei de torcer até morrer, morrer, morrer,
pois a torcida americana é toda assim
a começar por mim
a cor do pavilhão é a cor do nosso coração..."
(Hino do América, 1943)

O que não diminui a qualidade dos outros hinos. Por ser um compositor intuitivo, ele criava melodias leves, sempre bem cuidadas e que são fáceis de aprender, o que facilitou o sucesso de suas músicas. Até chegava a imitar a si mesmo, com partes de melodias quase iguais, como se vê em "Grau Dez" e "Ride Palhaço". 

Morreu em 1963, pouco antes da estréia de uma apresentação de uma grande homenagem a ele, ficando para sempre no panteão dos compositores da música brasileira.



Escolhi cinco gravações como um panorama de sua obra, que estão disponíveis para ouvir logo abaixo do texto.

"Canção para inglês ver" abriu as portas para o humor nonsense na música brasileira. A letra, que aparentemente não tem muito sentindo como um todo, critica os estrangeirismos em moda na época. Ouviremos na gravação original, de 1931, com Lamartine Babo cantando.

"Ai loviu 
forguétiscleine meini itapirú
forguetifaive 
anda u dai xeu
no bonde Silva Manuel, Manuel..." 

 

"Parei Contigo" é uma divertida crítica aos supostos amigos, que se aproveitam dos outros e depois somem. Ouviremos a gravação original, de 1934, com Mário Reis e Lamartine Babo.

"Um dia eu fui parar contigo
num hotel em casca-dura
me roubaste a dentadura..."


"No Rancho Fundo" é um clássico da nossa música. A bela letra adaptada por Lamartine Babo harmoniza perfeitamente com a música de Ary Barroso, o que deixa um ar meio rural e saudoso. Ouviremos com Elizeth Cardoso, gravação de 1956.

"No rancho fundo
bem pra lá do fim do mundo
nunca mais houve alegria
nem de noite, nem de dia.
Os arvoredos 
já não contam mais segredos
e a última palmeira
já morreu na cordilheira."


"Maria da Luz" tem uma melodia bonita, bem orquestrada. A letra de Lamartine satiriza as mulheres idealizadas, e a abertura satiriza as rádios e os bondes. Ouviremos com o próprio Lamartine, em gravação de
1932.

"Maria da Luz
É o "ai jesus" de todos nós
Seu corpo fino tão franzino
Parece um tubo de retrós
"


Finalizando, "Serra da Boa Esperança", canção por demais melancólica e bela, com Francisco Alves em gravação de 1937.

"Nós os poetas erramos, porque rimamos também
Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem..."

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Elomar Figueira de Mello

Quem pensa que o trovadorismo morreu lá pelos anos da Idade Média, é porque não conhece Elomar Figueira de Mello, que é o tema da coluna de hoje.

O POETA E O MÚSICO

Elomar Figueira de Mello nasceu por ali mesmo, na Bahia, na velha casa da fazenda Boa Vista, em Dezembro de 1937. Descendente de hebraicos e de trovadores, de lá mudou para Vitória da Conquista três anos mais tarde, devido a frágil saúde do garoto Elomar; seus pais, trabalhando duro na cidade, voltam para o campo novamente, onde Elomar conclui o primário escolar.

Em 1954, Elomar vai para Salvador cursar o "científico", que abandona dois anos depois para servir o Exército, o qual retorna e completa em 1957. Cada vez mais enreda-se com a poesia e a música nos meios dali, o que o faz perder o vestibular de Geologia do ano seguinte, e, em 1959, passa no vestibular para Arquitetura, onde se forma, em 1964, quando retira-se de volta e definitivamente para o Sertão, onde começa a compor sua obra e tendo a Arquitetura apenas como suporte financeiro mínimo. 'Inda hoje vive pelas bandas do Sertão, com sua casa-fundação "Casa dos Carneiros".

Desde pequeno Elomar se interessou pela música rústica (até certo ponto, pois é algo que vem naturalmente) dos cantadores poetas do sertão. Suas primeiras composições datam de 7, 8 anos, quando, de noite, saía de casa às escondidas para assistir e aprender com os músicos.

Em 1960 lhe chegam ideias de trabalhos mais envergados, em comparação com as antigas cantigas que ia compondo. Nessa época, já havia anos e anos que era apaixonado pelos romances de cavalaria e pela cultura que ele define como "sertaneza". Elomar compõe então óperas, antífonas e galopes estradeiros, esses últimos, sinfonias compactas.

Elomar tem no seu currículo um caderno com pouco mais de 80 canções, 11 óperas, 11 antífonas, 4 galopes estradeiros, 3 concertos, 1 sinfonia e 12 peças para violão-solo.

O mais relevante, no entanto, em sua obra, é a capacidade de Elomar em combinar o que é folclórico, "de raiz", com o erudito, chegando ao universal com a linguagem regional, e tudo isso com enorme maestria.

Prepare-se para uma das maiores viagens da sua vida.

Das barrancas do Rio Gavião... (1972)

Faixas: 
01. O Violêro 
02. O Pidido 
03. Zefinha 
04. Incelença do Amor Retirante 
05. Joana Flôr Das Alagoas 
06. Cantiga de Amigo 
07. Cavaleiro do São Joaquim 
08. Na Estrada Das Areias de Ouro 
09. Retirada 
10. Cantada 
11. Acalanto 
12. Canção Da Catingueira

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E, como extra, uma letra de Elomar:

INCELENÇA PARA O AMOR RETIRANTE

Vem, amiga, visitar
A terra, o lugar
Que você abandonou
Inda ouço murmurar
Nunca vou te deixar
Por Deus nosso Senhor
Pena cumpanheira agora
Que você foi embora
A vida fulorô
Ouço em toda noite escura
Como eu a sua procura
Um grilo a cantar
Lá no fundo do terreiro
Um grilo violeiro
Inhambado a procurar
Mas já pela madrugada
Ouço o canto da amada
Do grilo cantador
Geme os rebanhos na aurora
Mugindo cadê a senhora
Que nunca mais voltou
Ao senhô peço clemência
Num canto de incelença
Pro amor que retirou.
Faz um ano in janeiro
Que aqui pousou um tropeiro
O cujo prometeu
De na derradeira lua
Trazer notícia sua
Se vive ou se morreu
Derna aquela madrugada
Tenho os olhos na istrada
E a tropa não voltou.


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Canto Gregoriano


Olá! O "E, na vitrola..." de hoje falará do Canto Gregoriano.

A característica principal do Canto Gregoriano é sua monofonia (uso de apenas uma melodia), ausência de acompanhamento instrumental, uso da voz e apenas a voz, ritmo livre e não medido, além de ser utilizado na liturgia católica.

O texto no canto gregoriano tem primazia sobre a melodia, herança antiga da oração cristã cantada, os cantores do canto gregoriano devem ter compreendido, absorvido o texto, para interpretá-lo. 

As formas do canto gregoriano foram herdadas de salmos judaicos e modos (escalas musicais) gregos, compilados assim por Gregório Magno no século VI para ser utilizado nas cerimônias litúrgicas católicas.

(partitura de um canto gregoriano, detalhe para a forma ancestral de escrita musical)

Existem várias formas para o canto gregoriano, relacionada com a função: ofertório, hino, antífona, etc.

Na página abaixo você poderá fazer o download de diversos cantos gregorianos, e legalmente:

http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/cantos_selec.html

REVIVALISMO LITERÁRIO


Poesia Retrô é um grupo de revivalismo literário fundado por Rommel Werneck e Gabriel Rübinger em março de 2009. São seus principais objetivos:

* Promoção de Revivalismo;

* O debate sadio sobre os tipos de versos: livres, polimétricos e isométricos, incluindo a propagação destes últimos;

* O estudo de clássicos e de autores da História, Teoria, Crítica e Criação Literária;

* Influenciar escritores e contribuir com material de apoio com informações sobre os assuntos citados acima;

* Catalogar, conhecer, escrever e difundir as várias formas fixas clássicas (soneto, ghazal, rondel, triolé etc) e contemporâneas (indriso, retranca, plêiade, etc.).