Não posso negar.
Eu tenho uma visão bem dura sobre o
World Endurance Championship.
Acho pouco acessível.
Pelo formato.
Confunde.
Os construtores aparecem bem mais que os pilotos.
Isso dificulta.
Pois falta a referência.
Há tropeços até na transmissão ao tentar identificar quem está
conduzindo o carro em certo momento.
Outra.
Uma prova.
Não é um produto que consegue um acordo decente com a
televisão.
Por isso é facilmente encontrado ao vivo na internet.
Fato.
O Endurance não tem uma audiência absurda e muito menos
cobertura da mídia.
Quer um exemplo?
Dois anos atrás
Mark Webber se sagrou campeão mundial.
Você estava presente nas 6 horas de Xangai quando a Porsche
garantiu seu título?
Nem qualquer jornalista australiano compatriota de Webber.
Não estou implicando de forma gratuita com a categoria.
(que é trabalhosa e possui uma história muito bonita)
Mas é preciso dimensionar de forma correta as coisas.
Enquanto tudo que acontece na
Fórmula 1 é notícia no planeta,
a WEC precisa pagar para divulgar seus feitos.
Pra piorar, a LMP1 com seus motores híbridos se tornou excessivamente
custosa.
Como disse de forma cirúrgica o di Grassi.
"
A LMP1-HY tem um modelo de negócio muito caro para pouco
retorno.
Então as montadoras estão saindo e dificilmente outras entrarão."
OK.
Não vamos ficar apenas no mal.
A tradição fala alto.
Comove o orgulho francês com as
24 horas de Le Mans.
Nurburgring, Spa-Francorchamps...
E faz pensar também.
Brendon Hartley fez parte do trio que conduziu o bólido da Porsche
que venceu a mais famosa das provas de maratona automobilística.
Após ser criado respirando motores em sua terra natal, esse piloto
da Nova Zelândia veio tentar sua sorte na Europa.
Adotado pelo
programa Red Bull, chegou ao título da Fórmula
Renault 2.0 em 2007.
Hartley tinha 18 anos na época.
Campeonato que teve participação de nomes como Daniel Ricciardo,
Fabio Leimer, Roberto Merhi, Oliver Turvey,
Jules Bianchi e Charles
Pic.
Significativo.
Pois é um torneio que teve pilotos importantes que levantaram a
taça ao longo dos anos.
Podemos citar alguns.
Kamui Kobayshi,
Valtteri Bottas, Stoffel Vandoorne, Pierre Gasly
e Lando Norris.
Após a conquista, a Red Bull deu trabalho para o rapaz no ano
seguinte.
Testes na Toro Rosso, exibições e trabalho no simulador de Milton
Keynes.
Em 2009 ele se tornou o
terceiro piloto das duas escuderias da
turma do energético.
Parecia que era uma questão de tempo para ele ser titular na
Fórmula 1.
Mas seus resultados insípidos em 2010 e a alta concorrência interna
no programa da Red Bull consumiram suas chances.
Jaime Alguersuari,
Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne se tornaram
favoritos.
Hartley insistiu.
Patinou na GP2 por três temporadas.
Em 2012 foi convidado para ser piloto de teste da
Mercedes
na F1.
(foto acima)
Ficou no posto por dois anos.
Nesse período, Hartley começou sua trajetória no Endurance.
Em 2014 já estava defendendo a
Porsche.
Se tornou campeão mundial na WEC no ano seguinte ao lado
de Webber.
E em 2017 venceu em Le Mans.
Fincou sua bandeira no topo da categoria.
Como eu disse, fiquei pensando em tudo que esse rapaz passou.
Ele tem mais ou menos a mesma idade de
Sebastian Vettel.
O supra-sumo da metodologia de Helmut Marko.
Quatro títulos mundiais na categoria máxima do automobilismo.
Mas e o resto?
Alguersuari, Vergne, Felix da Costa, Juncadella, Aleshin...
Onde estão?
Não devemos esquecer de Ricciardo, Verstappen, Kvyat e Sainz Jr.
Algum desses conseguirá repetir o brilho de Vettel?
Todos conseguirão pelo menos um título na Fórmula 1?
Difícil, não?
Tem que ser cascudo.
Brendon Hartley não fez escolhas.
Somente ficou com uma das opções que sobraram após seu sonho
da F1 se extinguir.
Por fim, se colocou no lugar certo e na hora certa.
Venceu.
E provou uma coisa.
Nada dessa bobagem de que há vida fora da Fórmula 1.
A palavra aqui é luta.
Ação.
Resistência.
Mesmo que tudo pareça estar contra você.
A tribulação, a dificuldade, produz a paciência.
Por sua vez, a paciência nos traz a experiência pra lidarmos com os infortúnios.
E a experiência se transforma em esperança.
Com segurança.
Pois não há mais confusão ou incertezas.
Brandon Hartley sabe onde está.
Seu nome está escrito ao lado de Graham e Phil Hill, Ickx, McLaren, Shelby,
Froilán Gonzalez e
Nuvolari.
E, curiosamente, Helmut Marko (o vencedor de 1971).
Interessante.
Era para ser apenas um registro.
Porém, apesar de tanto tempo depois de ter sido feita, a imagem abaixo
continua viva.
Pois segue ainda adquirindo novos significados devido às vitórias
que estão sendo acrescentadas à mesma.
Isso se chama fazer seu próprio caminho.
Hartley não aceitou qualquer
rótulo imposto.
Continuou se definindo pelos seus feitos.
E, assim, vem fazendo história.
Inspirador.