quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

MARIA MANUELA, A MADRE TERESA BEIRÃ (1ª Parte)

(Maria Manuela Corte Real em Mumemo - Moçambique; foto cedida pela própria)

Já despertou para outra realidade? Já sentiu na pele o que é a falta de bens de primeira necessidade? A escassez de água, alimentos, medicamentos? E se o pouco que tivesse fosse arrastado por cheias? Quem vivia no Bairro Chamanculo, em Maputo, procurou sobreviver a tragédia das chuvas. Refugiaram-se em Mumemo, onde puseram mãos à obra para criar: Mumemo 1/2/3 – Fraternidade São Francisco de Assis. E porque estarei eu a contar-lhes isto? Porque a mais recente convidada do Clube das Mulheres Beiras esteve lá. Passo a passo, deixamo-nos viajar pela sua história de vida.
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A menina Maria Manuela Corte-Real considera-se mais beirã ou cidadã do Mundo?
Sou uma beirã de gema que abraçou o Mundo (sorriso). Nasci no Sátão, um meio pequeno e tranquilo, e cresci no seio de uma família humilde. Tinha um padrasto, mas não gostava dele, nem queria viver com ele. Por isso, não deixei a minha casa de infância até casar.
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E com o casamento, surgiram algumas mudanças?
Claro, primeiro pertinho: Aguiar da Beira. Entretanto, tive dois filhos: um rapaz e uma rapariga. Como nas aldeias, só havia a 4ª classe e eu queria que os meus filhos tivessem estudos, pus o meu mais velho no Colégio Via Sacra, em Viseu, em regime de internato. Mas ele não se sentia bem, custava-lhe a distância… Então, desafiei o meu marido: “Ele não estuda mais e vem para junto de nós ou vamos para Viseu para o bem dele”. E lá fomos.
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E aí irrompe o desejo de trabalhar com crianças?
Este desejo já estava entranhado em mim desde nova.
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Quando concretiza esse sonho?
Tinham passados poucos meses depois do 25 de Abril e nada de trabalho. Chorava muito porque estava sozinha em casa: marido no trabalho, filhos na escola, casa construída, e eu inactiva. Arregacei as mangas e criei uma creche. Eduquei lá muita criança e dei trabalho a quem precisou. Ocupar-me de crianças desde as 7h da manhã, era uma felicidade enorme para mim. Preenchia-me de tal forma, ninguém imagina.
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(Crianças do Bairro de Mumemo - Moçambique; foto cedida por Manuela Corte Real)

Até aparecerem nuvens no seu Paraíso?
É verdade: a doença de Alzheimer do meu marido e o meu cancro do colo do útero. Naquela altura, sabia-se muito pouco acerca da Alzheimer e nem se falava disso. Durante 10 anos, andamos às voltas com tratamentos para outros males. Eu ajudava-o e tínhamos enfermeira ao domicílio. Mesmo assim, fazia questão de manter a casa num brinco. Quando ele deixou de trabalhar, por coincidência ou não, deram-nos outra médica. Foi uma luz nas nossas vidas. Os melhores neurologistas de Coimbra examinaram-no e caiu o veredicto: Alzheimer. Foi difícil, mas tentei ao máximo dar-lhe toda a qualidade de vida possível até nos deixar. Ele faleceu 5 dias depois do casamento da filha. Acho que ele pressentiu porque nesse dia, ele estava na cadeira de rodas, tranquilo, estávamos prestes a dar-lhe a refeição por injecção. Subitamente, ele ganhou forças e comeu com os talheres como se nada fosse. Foi a prenda que ele nos ofereceu antes de partir…
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E a sua batalha?
Depois veio a minha vez de ser eu própria a lutar contra uma fatalidade. Aos 55 anos, estava muito desgastada com a morte do meu marido, mas mesmo assim ia trabalhar para a creche. Passado um ano, fui ao ginecologista. Notícia: Cancro do Colo do Útero em estado avançado. Pensei: “O quê? Eu estou muito cansada mas é do trabalho. Já fiquei caída debaixo de um pinheiro e quebrei duas costelas, e agora isto?”. Fui logo internada para uma catrefada de exames. Depois quis dar-me um momento só para mim antes de enfrentar outros. Fui para Fátima sozinha, rezei, cantei, meditei, nem dormi…

De volta à casa, fui ao hospital com os meus filhos. Acabei por lhes revelar o que tinha, explicando-lhes a operação no IPO de Coimbra. A cirurgia foi demorada porque me retiraram tudo. A minha filha esteve uma semana comigo, dando-me apoio contínuo. Fiz radioterapia intra-vaginal e medicação. O meu corpo rejeitava isso e nem me segurava em pé. Cortei o cabelo e vim para Viseu com a condição expressa de não receber visitas. O Dr. Santos Paulo e uma enfermeira foram os meus amigos nessa luta. Fiz um tratamento experimental e deu resultado. Nas piscinas do Fontelo, pratiquei hidroginástica com uma professora incrível, a quem muito agradeço, porque me amparava para entrar e sair da piscina, escolhia os exercícios em função do meu problema: uma bênção.
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Na próxima 4ª, não perca a 2ª parte: Maria Manuela foi voluntária em Moçambique!!!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

“A SÉRIO, ESTOU GRÁVIDA” (parte 2)


Sílvia, na sua tarefa de animadora, no dia de abertura da loja Bertrand, no Centro Comercial Foz Plaza
(Foto cedida pela própria)

A Sílvia e eu tínhamos à volta de 28 e 23 anos, respectivamente. Queríamos ir a Fátima dar um passeio. Preparamos um piquenique e fomo-nos deitar. Ás 5h da manhã, sinto-a a tremelicar e exclamo a brincar: “Estás com febre ou quê? Estás a tremer.”. Em resposta, ouço uns grunhidos. Pensei que era mau sinal. Dei um pulo da cama, acendi a luz e ao ver a minha amiga com um fio de sangue nos lábios comecei a gritar feito sirene dos bombeiros. Os pais vieram logo para o quarto, medidor de nível de açúcar, língua para fora (tinha-se mordido sem querer) e toca a fazê-la engolir açúcar. Era uma intensa crise de baixa de açúcar. Nunca me tinha contado antes o que poderia acontecer nesses casos e o que fazer. Resultado: a única coisa que me tinha ocorrido, tinha sido gritar por ajuda. Ainda levou algumas horas até os níveis subirem e estar fora de perigo. Ficamos todos a velá-la. São momentos assustadores porque ela podia ter entrado em coma e os tremores lembraram-me incidentes epilépticos, e mesmo esses só vistos na televisão. Quando esses episódios acontecem, é como se o nosso cérebro parasse e demorasse a reactivar-se. A Sílvia não dizia coisa com coisa. Apesar de tudo, nós incentivamo-la a falar, fazendo perguntas mesmo que tontas. Assim que a conseguimos manter de pé, os pais levaram-na para os hospitais de Coimbra onde é seguida desde adolescente. Estabilizou e no mesmo dia, voltou para casa. Outra aventura aconteceu-lhe nos tempos universitários em que ao ir comprar pão, levando um simples porta-moedas, caiu na rua, desanimada. No hospital da Guarda, a médica, sem saber que ela era diabética, pensava que se tratava de uma tentativa de suicídio. Pois, a jovem estava a delirar. Valeu-lhe uma prima que também estudava com ela, correr para o estabelecimento hospitalar e explicar a situação. Hoje em dia, Sílvia tem na carteira o cartão do diabético, mas também na mala ou ao pescoço, um fio com uma placa de informação.

(Imagem retirada da Internet)

Agora, a boa nova: a gravidez desejada, mas não planeada. “Foi assim sem contar, um pouco como uma adolescente. Ups, fiquei grávida. Durante um tratamento experimental que fiz, não podia ter filhos ou tinha que parar. No final, optei por dar alguns dias de descanso a pílula. E pouf, o feijão pegou”, conta às gargalhadas. Normalmente, a gravidez de uma mulher diabética insulinodependente é previamente planeada para que tudo corra o melhor possível e para logo cedo permitirem o uso da bomba de insulina. Com quase seis meses de gestação, Sílvia desdobra-se em cuidados. E verifica minuciosamente a famosa bomba injectora, que colocou aquando as 19 semanas. “A minha glicemia é muito irregular com altos e baixos, tenho de ter ainda mais atenção para conseguir um valor o mais próximo do normal. Um ser depende de mim e por isso vigio o meu estado quase de hora a hora. Até agora as médicas que me seguem afirmam estar tudo bem. Tenho consultas quinzenais na Maternidade Daniel Matos em Coimbra”, informa.

No final, brincamos ao jogo de perguntas e respostas:

Sentimentos e sensações?
“Físicas: enjoos e bailarico do bebe dentro da barriga. Psicológicas: medo, ansiedade e alegria. Receamos sempre que algo corra mal. Contudo, procuro não pensar nisso para não aumentar a ansiedade. As probabilidades de o meu bebé ser diabético são baixas ou praticamente inexistentes. Por isso, tento estar tranquila e fazer tudo bem.

E confrontada com as notícias da gripe A?
“Tendo uma doença crónica, sou obrigatoriamente vacinada neste trimestre. As informações que se ouviram intimidaram-me um bocado. Vou aguardar as ordens das minhas médicas”.

Já pensaste em nome para o bebé?
“Bom, o meu namorado e eu somos um casal muito divertido. A nova graça dele é espicaçar-me, falando que se vai chamar “Cartolina”. Estou mesmo a ver a comédia que vai ser quando a médica nos perguntar – «já escolheram o nome» e nós a responder “Cartolina” em uníssono. Folias à parte, gosto de David para menino e Ângela para menina.

Além de continuar a ser minha grande amiga, o que desejas para os próximos anos? (risos)
“Como costumo dizer que vou viver até aos 90 anos, tenho de fazer por isso, mesmo sendo diabética! E vou lá chegar! Tenho de lutar todos os dias para conseguir ter uma vida o mais saudável possível e viver como toda a gente. Hoje se se descobrisse uma cura para a diabetes, acho que iria estranhar porque isto já faz parte de mim. Tenho a certeza que com o avanço da medicina se vão descobrir novas e melhores formas de tratamento da diabetes para garantir uma boa qualidade de vida! Confio muito no futuro e como o meu está tão próximo. Aponta na agenda: Dia 10 de Junho – dia de Camões e de Portugal, direcção Maternidade Daniel Matos!”

Está é minha amiga Sílvia Rodrigues. Espero que tenham gostado.

























quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

“A SÉRIO, ESTOU GRÁVIDA” (parte 1)


Sílvia Pereira, funcionária da Bertrand do CC. Foz Plaza, vestiu-se de peixeira de Buarcos, para animar o dia de abertura da loja. (Foto cedida pela própria)

Como poderão ler, desta vez, a escrita desta entrevista vai ser um pouco diferente. Pois, a entrevistada é Sílvia Pereira, minha amiga do peito e beirã do coração. Então cá vai esta singela demonstração de amizade.

Lembro-me que foi ela a primeira de 3 amigas minhas a anunciar-me que estava grávida. Sim, é verdade: são 3, estão todas com o mesmo tempo de gestação e vão todas ter os bebés em Junho. A minha sorte ou azar é que são de cidades diferentes e não vão entupir a maternidade. Mas vai ser um rico mês onde vamos festejar os Santos Populares e 3 nascimentos (por enquanto não tive notícias de mais nenhum). Voltando a famosa novidade. Foi-me comunicada pela Internet. Demorei quase 1 hora a acreditar. Ela repetia: “A sério, estou grávida” e eu só escrevia: “Estás a gozar comigo”. Não me interpretem mal, não é que ela não tenha desejado esse estado, nem que não tenha jeito para crianças, pelo contrário. É que a Sílvia tem 34 anos e sofre de diabetes desde os 14 anos. Por isso, pensei que quando fosse para ser mãe, fosse tudo planeado ao pormenor. Além disso, é muito brincalhona, daí eu não me fiar a primeira.

Vou voltar no tempo e contar-vos um pouco da sua história. Nasceu em França, regressando com os pais e irmão mais novo para Portugal, em 1985. Com 9 anos, caiu de paraquedas na Gândara, uma aldeia da bonita vila de Mortágua. Lá cresceu e estudou. “Era uma liberdade enorme, pois contrastava imenso com a vida francesa. Brincava no campo com o meu irmão e primas. Ajudava a minha mãe com as ovelhas, as cabras e a horta. Também ia com o meu pai para tratar das vinhas”, recorda, mantendo ainda hoje esse apoio familiar. Antes de ir estudar para o ensino superior no Politécnico da Guarda, esta filha de pais beirões, começa a sentir sintomas estranhos em Maio de 1990. “Sempre fui boa aluna e tudo corria na perfeição. No entanto, comecei a sentir muita sede e a passar a vida a correr para a casa de banho, a sentir-me muito cansada e a emagrecer. Comentei com a minha mãe. Os dias foram passando, mas tudo na mesma”, descreve. Uma vizinha diabética alerta para a possibilidade de ela ter diabetes. Após ter feito análises, o médico lê o diagnóstico: diabetes – por mais de 200mg de açúcar por dl no sangue, isto em jejum. Resolução: 15 dias de internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra. “Ao princípio, foi um choque. A minha mãe e eu choramos nas primeiras horas de internamento. Sabia que a partir desse dia, a minha vida não voltaria a ser a mesma. Também ficava aflita porque as enfermeiras diziam-me que a diabetes era para toda a vida”, esclarece.

(Imagem retirada da Internet)

A esperança de cura ainda se mantém ancorada no seu coração. Entretanto, ao longo desses 20 anos, Sílvia conseguiu levar a cabo um tratamento de injecção de insulina (4 a 6 vezes ao dia, antes de cada refeição e ao deitar) para manter níveis razoáveis. “É a minha rotina. Tenho de me injectar porque o meu pâncreas não produz insulina, hormona responsável em transformar o açúcar dos alimentos em energia, distribuindo-o pelas células. A sua falta no organismo leva a que não seja utilizado pelo corpo e se acumule no sangue”, explica. Uma pessoa saudável tem de ter os valores de açúcar entre os 80 e 120 mg por dl no sangue em jejum. Abaixo de 80 dá-se o nome de hipoglicémia e acima de 120, hiperglicémia; embora se aceite, para uma pessoa diabética, valores até 150 mg/dl após 1h30 da refeição.

Porém, se não for bem tratada, pode ter não só consequências graves nos olhos, rins, nervos e no coração, como também causar disfunção eréctil e infecções. Sílvia já tem vasos da retina danificados, apesar da sua visão permanecer nos 100%. O controle do peso, do colesterol e da tensão arterial é constante. Além disso, o cuidar do corpo, principalmente dos pés, é mais que uma vaidade, é um dever. Pois, qualquer ferida pode transformar-se num grande problema e ditar uma amputação.

A alimentação é um dos mais importantes factores a ter em consideração. “Embora possa comer de tudo um pouco, tenho de manter uma dieta saudável. Comer de tudo um pouco sem exageros na quantidade”, refere. O exercício físico é outro aliado. “Aqui, eu peco e muito. Não tenho excesso de peso, mas deveria ter um plano semanal de exercício porque ajuda na absorção da insulina pelo organismo e na redução da administração da mesma nas injecções”, confessa.

A diabetes não interfere em nada no trabalho. Prova disso, é esta mulher de 34 anos que após tirar o curso de comunicação e relações públicas, arregaçou as mangas e exerceu diversas actividades na Guarda, em Aveiro, em Viseu e por fim na Figueira da Foz onde se encontra hoje. Esta jovem, cheia de genica, já foi secretária, jornalista, animadora, recepcionista, e actualmente é livreira. “A minha doença não entra em conflito com o meu trabalho. Basta-me seguir direitinho a minha terapêutica: comer bem e dar a insulina nas devidas horas. Isso depende muito da rotina. Se ela se alterar, temos de adequar o tratamento consoante. É uma questão de adaptação correcta”, orienta-me, muito animada. Um pequeno erro (como menos insulina ou mais comida) pode ser fatal ou provocar grandes sustos. Eu senti isso bem de perto…

Não perca pitada dessa história na próxima quarta-feira!!!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

UMA POSTURA FORTE E DETERMINADA DE ESTAR NA VIDA E NA DOENÇA (2ª Parte)


Luísa Silvestre

Face a isso tudo, sente-se tão desanimada que faz novamente as malas para voltar para a sua casa em Viseu. A ressonância magnética (RM) era importante para poder aceitar com toda a tranquilidade a operação. “Grande parte da nossa sexualidade e da nossa vaidade feminina estão no peito. Daí, temos de ficar conscientes dos motivos pelos quais o podemos perder. São 3 partes: ter o problema, estar informada sobre o mesmo para ser capaz de enfrentar tudo o que engloba (tratamentos, operações e reconstruções) e a razão essencial da operação. Por isso, é importante ouvir, mas também ver”, realça.
Na cidade de Viriato, consegue a RM e pede para ser operada pelo Dr. Cortes Vaz. Todos a auxiliam nos aspectos necessários. Profundamente agradecida a todo o “pessoal médico” de Viseu, Luísa refere, satisfeita, “sempre me elucidaram a cada passo. Nunca me senti desamparada, como aconteceu na capital. Actualmente, conto com 21 sessões de quimioterapia injectável e 25 de radioterapia e faço quimio em comprimido. Além disso, sou extremamente vigiada pelos médicos porque tive uma recaída com metástases no esterno e nos pulmões. De momento, estou estável”. Paralelamente, esta gouveiense ainda fez a reconstrução mamária, sentindo-se aliviada mentalmente.

Agora é ela que anima as “novas” pacientes do hospital. Numa primeira fase, entrega-lhes um pequeno livro onde narra a sua experiência. “Faço-as entender que amanhã não é o fim e que têm um longo caminho por percorrer com pessoas e filhos a depender delas”, esclarece. Em segundo lugar, estabelece 3 factores indispensáveis na luta contra o cancro. O primeiro é a Alimentação. Há já alguns anos que Luísa tem por base uma nutrição saudável, principalmente vegetariana com soja, algas, cogumelos e leguminosas. Evita açúcares, carnes e lacticínios de vaca, … “Com a doença, aprofundi ainda mais os meus conhecimentos sobre esse tipo de alimentação. As minhas análises estão sempre bem e sei o que prejudica a minha recuperação ou pelo contrário a favorece”, contrapõe.


(Imagem retirada da Internet)

O segundo ponto é o Desporto. Antes praticava atletismo, presentemente, faz caminhadas no Parque do Fontelo, pelo menos uma hora, 3 vezes por semana. “É fundamental exercitarmo-nos. Apanhamos ar puro e sol. Revigora-nos o corpo e a mente”, foca.
Por último, o indispensável: o aspecto exterior. Quem passa pelos duros tratamentos de um cancro, tem perfeita noção da queda de cabelo. Luísa não foi excepção. “Ao ver o cabelo na almofada, fiquei triste. Fui logo rapá-lo e aí uma sensação de alívio e leveza invadiu-me. Nunca comprei peruca. Já usava chapéus e lenços antes. Renovei o stock e fiquei com um novo look e acessórios novos para combinar com a roupa”, completa. E acrescenta: “Nunca tive vergonha. Sugiro as pessoas para assumirem a doença e habituarem-se a careca, pois o cabelo volta e vê-lo a crescer aos poucos é um sentimento que só nos ajuda”. Daí, denotamos a importância do cuidar da aparência. Maquilhar, pintar as unhas, combinar o vestuário são momentos transmissores de alento e vida. “Já noto que as doentes do hospital deixaram o ar entristecido e abatido e estão mais vaidosas e esperançosas”, comprova com agrado.

Planos para o futuro? Cinco anos a conviver com a luta diária contra o cancro, regulamentou-lhe a vida. Programa o amanhã e vive o presente. “Se marco algo como as viagens que adoro fazer dentro e fora de Portugal (Lisboa, Madeira, Braga ou Alemanha), tenho de confirmar pouco tempo antes. Então, a minha ambição é viver com qualidade, dentro das melhores condições possíveis”, confirma, amena.

Antes de nos despedirmos e voltar na próxima quarta, é primordial dar ênfase a uma das decisões tomadas por esta mulher beirã. É um exemplo, pois poucas pessoas estariam dispostas ao mesmo. “Assinei um documento para que após a minha morte, o meu corpo fosse doado à Faculdade de Medicina de Coimbra. Só em caso de autópsia, é que eles excluem o corpo do programa. Senão, eles poderão estudá-lo e investigar... E quem sabe, isso servirá para outras pessoas.”, concluiu com um sorriso excepcional.



quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

UMA POSTURA FORTE E DETERMINADA DE ESTAR NA VIDA E NA DOENÇA (1ª Parte)



Luísa Silvestre

Até aos 11 anos, uma menina chamada Luísa Silvestre, viveu muito feliz. Ela era a mais nova de três irmãos (dois rapazes e uma rapariga). Moravam na linda cidade beirã de Gouveia, onde nasceu. Tinham uma casa com quintal, onde brincavam alegremente, enquanto os feitores tomavam conta do eiró. O pai era guarda nacional republicano e tinha imensos passatempos: electricidade, carpintaria, bricolage… Luísa nutria por ele uma grande admiração, seguindo-o para todo o lado. “Aprendi muito com ele. Adquiri 99,9% da sua personalidade. Deu-me uma postura forte, uma forma de estar, um andar. Na rua, as pessoas costumam-me dizer: «Vai ali uma tropa».
Ele gostava da ordem, da organização e do serviço bem feito em todos os níveis. Graças a isso, sou assim bem orientada, crescendo diariamente e sem me arrepender das coisas que faço”, afirma com convicção e orgulho. Por isso, aquando a sua morte devido a uma embolia cerebral aos 51 anos, o mundo da jovem desmorona-se. Um ano depois, outra tragédia: um dos irmãos, aviador, tem um acidente fatal. O outro irmão, jovem militar, decide regressar para o Continente. Mais uma desgraça: um incidente deixa-o paralisado durante dois anos. Luísa arregaça as mangas e torna-se o sustento da casa. “Estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Ajudava a minha mãe e o meu irmão. A minha irmã não podia porque tinha marido e filhos e estava mais longe. O falecimento do meu pai custou-me imenso. Demorei cerca de 20 anos a digerir.”, sussurra com um nó na garganta.

Aos 15 anos, vai viver para Viseu. Continua a apoiar o lar, a estudar e a trabalhar como telefonista na empresa Volter. “Era uma menina ingénua, sem saber o que era a vida, o movimento, os carros. Gouveia era uma vila adorável e pouco movimentada em relação a Viseu. Por isso, o trabalho trouxe-me aberturas e crescimento. Fazia quilómetros a pé, a correr de casa para o trabalho e para a escola. Como morava na estrada de Nelas e vinha a meia-noite para casa, vestia-me como um homem para me sentir mais segura”, relata, lembrando-se das correrias e da ausência total de vida pessoal. Dez anos depois, despede-se e parte trabalhar para Leiria durante meio ano. Regressa a Viseu em 1984, empregando-se como contabilista numa firma de construção civil. De repente, surge a doença que a põe 3 anos de baixa até a reforma definitiva.


(Imagem retirada da Internet)
O ano de 2004 estava a ser pautado por momentos de stress intenso. A saúde da própria mãe era trémula e as divergências no emprego aumentavam. O seu sistema nervoso ressentia-se. Luísa começa a ter fortes dores nas costas, mas atribua-as ao cansaço. No entanto, após voltar de férias em Julho, a mãe falece. Numa visita regular ao ginecologista, é aconselhada a fazer uma mamografia, que adia para Outubro. Contudo, as dores permanecem. Numa noite, decide entender de vez o que sente. “Comecei a fazer a apalpação manual e nada. Deitei-me em cima da cama e aí, com o peito achatado, notei uma bola oval. Falei logo para mim própria – tens o cancro da Mama”, recorda. Nessa noite, Luísa não chora, não dramatiza, nem dorme. Toma resoluções: os passos a seguir no dia seguinte. Depois do trabalho, dirige-se ao médico, marca exames e passa até na consulta de obstetrícia do Hospital S. Teotónio de Viseu. Entretanto, informa-se sobre o cancro da mama, junto de um amigo médico. Quando chega a altura dos resultados dos exames, Luísa já sabe perfeitamente que tem cancro, o que lhe vai acontecer, os tratamentos a fazer e as consequências. E exclama uma pergunta pertinente ao médico: “Tenho aí uma linda flor, Doutor. Eu, vegetariana e desportista, saudável e nada de hereditários, diga-me se não é derivado ao sistema nervoso e ao tabaco de 90 cigarros por dia que fumam no meu escritório?”. No hospital, a doutora estranha a reacção passiva da paciente. Luísa estava serena e apenas queria ser tratada. “Admirou-se por eu não me desfazer em lágrimas ou pior. Não sou assim. Sou só consciente e objectiva”, declara.

Após vários exames em Viseu e em Coimbra, prepara algumas bagagens e parte para Lisboa para estar perto da família e seguir lá os tratamentos. Porém, arrepende-se. A família apoiava-a, mas os profissionais da área hospitalar não. Era apenas mais um corpo doente, no meio de tantos outros. As informações eram inexistentes, assim como os cuidados psicológicos para com os pacientes. Por conta própria, Luísa vai a dois psicólogos e a um médico naturista. No hospital, requer uma ressonância magnética que lhe é negada.

Veremos na próxima 4ª, a postura tomada por Luísa e o seu papel no apoio a outras mulheres…