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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A FORTE LIGAÇÃO MATERNA DE UMA VOUZELENSE



Era uma vez uma menina que brincava sozinha com uma boneca de trapos. Era filha única, de pai incógnito. A mãe tinha de ir trabalhar e não tinha com quem a deixar. Falamos de Lucília Pereira. Lucília é uma vouzelense de gema e mora na freguesia de Queirã, terra materna. “A minha mãe ia vender sardinha e eu ficava em casa, a brincar com uma boneca de farrapos. Sentia-me um pouco solitária”, conta. Aos 7 anos, vê a mãe casar, tendo assim um padrasto. Aos poucos, afluem crianças à aldeia e Lucília já tem companhia nos jogos tradicionais. “Jogávamos à macaca, às escondidas, à agacha galinha…”, exemplifica. Após terminar a quarta classe, sai da escola com 11 anos. Na adolescência, ajuda na lide da casa, vai aos montes com as vacas e apanha comida para os animais. No cimo do monte, sempre que ouvia o som do bailarico, ia com as amigas dar passinhos de dança. Por isso, considera a sua infância e os tempos de juventude “alegres e livres no campo”.

E foi um pouco devido ao gosto pela dança que conheceu o marido. “Ele estava na tropa. Quando vinha a casa, espreitava-me nos bailes. Começou a escrever-me, mas eu não lhe dava troco”, revela. Até que se inscreve como sua madrinha de guerra e aí iniciam uma troca de aerogramas. Apesar de não pensar em casar, Lucília casa aos 18 anos. Dois factos curiosos: o casamento é feito por procuração e na cerimónia, o noivo não está presente. “O meu marido tinha de acabar a tropa, então não podia vir. Fiz uma festa na mesma que correu de forma normal”, relata. No entanto, o soldado acaba o tempo de serviço e emprega-se em Angola. Lucília decide ir viver para lá. “Viajei 10 dias sozinha no barco, sem medo e com muitas perspectivas. Como tinha lá familiares meus, fui-me adaptando. Lembro-me de estar sentada à beira-rio e de recordar as aulas de geografia sobre esse mesmo país e os seus rios”, evoca.

No entanto, engravida, e na mesma altura, em Portugal, a mãe adoece, padecendo do estômago. “Tive de voltar. Com o meu filho de um mês nos braços, regressei para cuidar da minha mãe. O meu marido chegaria pouco tempo depois”. De Dezembro a Fevereiro, a jovem zela pela saúde da progenitora. Contudo, esta acaba por falecer com a jovem idade de 44 anos. “A perda da minha mãe foi o pior momento da minha vida. Marcou-me para sempre porque sinto muito a sua falta. O meu padrasto não era compreensível e tinha o vício da bebida. A minha avó materna, que viveu mais tempo que a minha mãe, era uma pessoa fria e distante. Daí, a minha mãe e eu sermos tão ligadas uma à outra. Por isso, quis estar ao pé dela e dar-lhe o meu apoio e carinho”, expressa com o sentimento de tristeza profunda estampada no rosto.

Depois deste trágico episódio, Lucília e o marido pensam em voltar para Angola. O 25 de Abril impede-os. Lisboa torna-se uma hipótese de trabalho. Com um curso de dactilografia tirado em Viseu, prepara-se para rumar até a capital. Porém, o filho contrai uma bronquite asmática e os planos modificam-se uma vez mais. “Como não tinha ninguém a quem deixar o meu pequenino, optei por ficar com um café na terra do meu marido. Mas não aguentei ver as pessoas com fome, sem conseguirem pagar…”, e acrescenta, “depois, também engravidei da minha filha. Aí, decidi permanecer em Queirã e cuidar dos meus filhos”. A vouzelense investe então todo o seu tempo na educação e formação moral dos filhos, nas tarefas domésticas e na criação de leitões. Enquanto isso, o marido torna-se de novo emigrante: passando 10 meses em Israel na construção civil e 12 anos na Suiça onde a família o visita nas férias. Em Portugal, trabalhava sempre na área dos transportes. Até quando regressa definitivamente, arranja emprego numa firma de camionagem de Oliveira do Hospital, onde se encontra actualmente. Durante a semana, Lucília fica assim sozinha em casa, mas não deixa por isso de se manter ocupada. “Com o meu cão e a minha gata, vou tratando dos animais e da horta. Quando tenho possibilidade, vou até à Madeira visitar a minha filha”.

As palavras da beirã reflectem simplicidade e tranquilidade, aliadas a uma grande nobreza de espírito. “As alegrias da minha vida foram os meus filhos e a dedicação à minha família. De resto, sou feliz com a minha vida pacata. Quando me canso da calma do campo, guio até a cidade. Vou ao jardim, às lojas e vejo as montras… Estou bem assim sem grandes ambições, pois como costumo dizer «rico não é quem tem muito, é aquele a quem não falta nada»” finaliza, acarinhando um dos seus queridos coelhos.