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sábado, 14 de março de 2020

Para pensar

            "Acredito que o universo tem a sua própria forma de equilibrar
                        as coisas com as suas leis, quando elas estão perturbadas.”- Eckhart Tolle
 


“O momento que estamos a viver, cheio de anomalias e paradoxos, faça-nos pensar.

Numa época em que as mudanças climáticas causadas pelos desastres ambientais atingiram níveis preocupantes, a China em primeiro lugar, e muitos países depois, são forçados a congelar; a economia entra em colapso, mas a poluição diminui consideravelmente. O ar melhora. Usa-se máscara, mas respira-se.

Num momento histórico em que certas ideologias e políticas discriminatórias, com fortes referências a um passado mesquinho, estão a ser reativadas no mundo inteiro, aparece um vírus que nos faz ver que, num instante, podemos tornar-nos os discriminados, os segregados, os presos na fronteira, os portadores de doenças. Mesmo que, a culpa não seja nossa. Mesmo que, sejamos brancos, ocidentais ou viajemos em classe executiva.

Numa sociedade baseada na produtividade e no consumo, em que todos corremos 14 horas por dia atrás do desconhecido, sem sábados nem domingos, sem mais vermelhos no calendário (feriados), de um momento para o outro, somos parados. Parados em casa, dias e dias para contar com um tempo cujo valor perdemos se não for mensurável em compensação ou em dinheiro. Ainda sabemos o que fazer com o tempo?

Numa fase em que o crescimento dos filhos é por necessidade, muitas vezes delegado a outras figuras e instituições, o vírus fecha as escolas e obriga-as a encontrar soluções alternativas para voltar a colocar mães e pais junto dos filhos. Obriga-nos começar uma nova família.

Numa dimensão onde as relações, a comunicação, a sociabilidade são lançadas principalmente no "não espaço" das redes sociais dando-nos a ilusão de proximidade, o vírus tira-nos a verdadeira proximidade sem beijar, sem abraçar, á distância do não contacto.
Quando é que tomamos estes gestos e o seu significado como garantidos?

Numa fase social em que pensar no próprio umbigo se tornou a regra, o vírus envia-nos uma mensagem clara: a única saída é a reciprocidade, o sentido de pertença, a comunidade, o sentimento de fazer parte de algo maior que temos de cuidar e que cuida de nós. A responsabilidade partilhada, o sentimento de que o destino não é só o nosso, mas de todos à nossa volta, dependente das ações de todos e de cada um.

Então, se pararmos de fazer à caça às bruxas, a pensar de quem é a culpa ou por que tudo isto aconteceu, mas pensarmos no que podemos aprender com isto, penso que todos temos muito para pensar e com o que nos comprometer. Porque com o universo e com as suas leis, obviamente, temos uma dívida de gratidão. O vírus está a mostrar-nos isso, a grande custo".


Leonardo Morelli




sábado, 7 de março de 2020

Não me apetece



  
Não me apetece...
Não me apetece…

Não me apetece escrever
Não me apetece sair
Não me apetece falar
Não me apetece beijar
Não me apetece sorrir…

Não me apetecem os dias
Não me apetecem as noites
Não me apetecem manhãs orvalhadas
Não me apetece o pôr-do-sol
Não me apetecem as gargalhadas…

Não me apetece ver gente
Não me apetece mentir
Não me apetece ensinar
Não me apetece fugir…

Apetece -me não me apetecer
Apetece-me recordar
Apetece-me olhar o nada
Apetece-me pasmar…

Tudo ou nada, tanto faz
Tanto faz Outono, inverno
Tanto faz viver, morrer…
Mas não! Dá trabalho apetecer!..


Manuela Barroso   -   “Inquietudes”, 2012



sábado, 22 de fevereiro de 2020

Deusa do Bosque



 As ondas das árvores são o balancear da melodia
onde te encontro, num caudal de chilreios desatinados.
A foz é o oásis onde permaneço numa hipnose
tão lúcida!
Cada folha é a nota musical onde repousam
os meus sentidos.
A morada deste corpo consome-se e funde-se
com a terra cravejada de folhas num soalho
feito mortalha, nesta eterna canção a sós.

Pousa em mim, ó deusa do bosque, e rodeia-me
de labirintos de luz.
Entorpece-me com esse relâmpago, onde procuro
um olhar que se perde nas sombras, afogando-se
num sono esquecido.

Fica comigo, deusa, acendamos um fogo que ajude
a pernoitar sob o manto da tua proteção.
Que as labaredas sejam o cálice de brisa quente
acalentando este cansaço abandonado na viagem
que tarda. Volta a adormecer-me antes que ela arda
na cinza da tarde.
Arrasta as violetas do bosque. Quero deleitar-me
com o perfume roxo do coração vertido na sua imagem.
Inunda o vale de insónias para que respire
a  madrugada até à última gota de orvalho.

Quero voltar a adormecer na incandescência do sol,
subir na vertigem das heras, onde se refugia o rouxinol.



Manuela Barroso



sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Sons



 Foto da Net
Das profundezas da terra virão os sons
que não chegam a florir. 
Não são os mastros nos destinos do vento
que levam os cantos das sereias.
São os corais, as pautas onde se guardam
solfejos, bulindo nas águas, capazes de fazer
renascer nos búzios, os sons que guardam na
perfeição das suas sinuosidades a sinfonia das marés,
fazendo rodopiar os peixes
num bailado inacabado.

Os caracóis de sons completam-se em cascatas de harmonia
onde se mergulha num êxtase quase profético, quase celestial.
A limitação humana agride esta ânsia corrosiva de libertar esta
torrente de emoções, tornando agrestes as palavras.

Cai um pingo em cada nota deste vento, deixando 
de ser som, para ser estrela musical, duplicando-se 
na sonoridade que lateja insistente,
nas também cordas do coração. 

Quedo-me absorta numa quietude branca.


Manuela Barroso-" Luminescências"

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Não te peço


      
 Não te peço que me escutes. A tua voz está
na música que abriga a simetria do infinito.
Explica-me, amado, o segredo da harmonia
que se adentra no coração destes sons eflúvios 
que levam as penas da alma e abrem o sorriso
das pupilas, num alerta que se rende ao encanto
deste voo onde se reverencia  a ave que se esconde
dentro de cada célula.
Um voo que se eleva para além da física dos sons
e semeia silêncios de lagos de longas horas.

Nada entendo, senão o êxtase de te ouvir
no compasso flutuante das flautas e violinos
que me prendem a um espelho  que me ofusca,
me apaga.

Basta - me o mistério deste grito interior,
num misto de cumplicidade e alegria,
dor e saudade 
que se exaltam neste incêndio de  magia
como se não fora realidade.

Manuela Barroso, “Luminescências”