Costumo dizer, em tom de brincadeira, mas, na realidade, mais a sério de que a brincar, que tivemos um grande azar quanto à “nossa” música africana. Ao passo que países como a França, ou a Inglaterra, ou os EUA, países com uma História de relacionamento com a África, o seu povo e as suas raízes culturais, tão ou mais turbulentas do que as nossas, tiveram a sorte (e o talento) de valorizar e “herdar” dessa relação com as ex-colónias, ou mesmo a importação de escravos, o melhor da inspiração africana, se pensarmos nos “blues”, no “jazz”, ou, na actualidade, nos grandes artistas africanos que fazem boa parte da sua vida nos palcos desses países que antes os colonizaram.
Infelizmente, salvo raras e maravilhosas excepções... não é o nosso caso. Por uma qualquer maldição, ou tendência para atrair a desgraça, parece que fomos condenados a dar guarida a uma música africana meio apimbalhada, própria para alimentar bailaricos copofónicos.
Na verdade, deixando à parte as tais excepções, das quais Cesária Évora é o mais admirável exemplo, exemplo a que se vieram somar nomes jovens como Mayra Andrade ou Lura, para ficar apenas por mulheres... o panorama é pobre.
No caso angolano, agravado pela minha ignorância sobre os novos valores, ignorância muito “ajudada” pela quase total ausência de divulgação de música de qualidade... a minha memória andava parada lá bem longe, no tempo de Monangambé e mais uma mão cheia de saudosas canções do Rui Mingas... e pouco mais. Até há uns poucos dias!
Entra em cena a nossa muito jovem convidada, Aline Frazão. Instrumentista, arranjadora, autora dos textos e das músicas, grande intérprete.
Vinte e poucos anos, angolana, viajada, estudante em Lisboa, depois passando por Barcelona, ganhando asas na Galiza, deixando-se contaminar pela cultura e novos sons dos novos mundos e novas gentes... mas não permitindo que a grande distância a que deixou Angola (ou então exactamente por isso) lhe nublasse a visão sobre a realidade do seu povo. Visão aguda, clara, desassombrada, despida de rodriguinhos e postais ilustrados para turista ver.
A letra da canção que aqui partilho, merece ser lida do princípio ao fim, por isso vai publicada na íntegra.
Grande canção! Grande futuro pode ter esta tão jovem mulher do mundo!
É tanta luz aqui - Que até parece claridade
É tanto amigo aqui - Que até parece que é verdade
É tanta coisa aqui - Que até parece não há custo
É tanta regra aqui - Que até parece um jogo justo
É tanto tempo aqui - Que até parece não há pressa
É tanta pressa aqui - Que até parece não há tempo
É tanto excesso aqui - Que até parece não há falta
É tanto muro aqui - Que até parece que é seguro
Que ninguém sabe quem fez
É tanta pose aqui - Que até parece não há esquema
É tanta História aqui - Que até parece um problema
É tanto festa aqui - Que até parece sexta-feira
É tanta dança aqui - Que até parece a das cadeiras
Tanto flash aqui - Que até parece que ilumina
É tanta frase aqui - Que até parece que resolve
É tanto ecrã aqui - Que até parece um grande invento
É tanta força aqui - Que até parece um movimento.
É tanta coisa aqui - Que até parece não há custo
É tanta regra aqui - Que até parece um jogo justo
É tanto excesso aqui - Que até parece não há falta
É tanto dano aqui - Que até parece ninguém nota