Mostrar mensagens com a etiqueta Isabel Allende. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Isabel Allende. Mostrar todas as mensagens

setembro 12, 2016

O Jogo de Ripper - Isabel Allende

Título original: El Juego de Ripper
Ano da edição original: 2014
Autor: Isabel Allende
Tradução: Ângela Barroqueiro
Editora: Porto Editora

"Indiana e Amanda Jackson sempre se apoiaram uma à outra. No entanto, mãe e filha não poderiam ser mais diferentes. Indiana, uma bela terapeuta holística, valoriza a bondade e a liberdade de espírito. Há muito divorciada do pai de Amanda, resiste a comprometer-se em definitivo com qualquer um dos homens que a deseja: Alan, membro de uma família da elite de São Francisco, e Ryan, um enigmático ex-navy seal marcado pelos horrores da guerra.
Enquanto a mãe vê sempre o melhor nas pessoas, Amanda sente-se fascinada pelo lado obscuro da natureza humano. Brilhante e introvertida, a jovem é uma investigadora nata, viciada em livros policiais e em Ripper, um jogo de mistério online em que ela participa com outros adolescentes espalhados pelo mundo e com o avô, com quem mantém uma relação de estreita cumplicidade.
Quando uma série de homicídios ocorre em São Francisco, os membros de Ripper encontram terreno para saírem das investigações virtuais, descobrindo, bem antes da polícia, a existência de uma ligação entre os crimes. No momento em que Indiana desaparece, o caso torna-se pessoal, e Amanda tudo fará para deslindar o mistério antes que seja tarde demais."

Não é novidade que gosto de Isabel Allende, mas também não é novidade que nem tudo o que escreve me convence. Este O Jogo de Ripper, uma espécie de policial, é dos que não me convencem. Encaixo este na mesma caixinha onde coloquei as obras que ela foi escrevendo para os netos, como a trilogia As Aventuras da Águia e do Jaguar - composta por A Cidade dos Deuses Selvagens, O Reino do Dragão de Ouro e O Bosque dos Pigmeus, onde ela utiliza uma linguagem mais juvenil que, na minha opinião, resulta em livros menos bem conseguidos em termos de história, com personagens menos desenvolvidas e muito menos interessantes.

Relativamente ao Jogo de Ripper, não há muito a acrescentar à sinopse que vem no livro.
Amanda Jackson é uma miúda de 17 anos (que a mim me pareceu sempre mais nova, menos matura) extremamente inteligente mas muito pouco sociável. Encontra num jogo online, o Jogo de Ripper, que ela própria gere, um grupo de miúdos, que como ela e pelos mais diversos motivos, também não se sentem muito confortáveis com o que o mundo lá fora parece exigir deles. O Jogo de Ripper acaba por ser uma comunidade muito restrita de miúdos unidos pelo gosto em investigar e resolver mistérios.
Quando em São Francisco se inicia uma série de homicídios estranhos, o grupo passa a dedicar-se em exclusivo em descobrir o assassino.
O livro explora a relação desta adolescente meio disfuncional com uma família pouco normal. A mãe, Indiana, é uma mulher que olha o mundo e a vida de forma positiva, que se esforça para ver apenas o lado bom das pessoas. O pai Bob Martín, inspector-chefe, está encarregue da investigação dos crimes que assolam a comunidade. É um homem algo rude, típico macho latino, que tem pela filha um amor genuíno. Divorciado de Indiana, a namorada do tempo do liceu que engravidou e com quem casou, mas que nunca amou realmente. Mantém com a ex-mulher uma relação próxima, protector e fraternal. Amanda vive com o avô, Blake Jackson, que tenta manter alguma sanidade na vida da neta e acaba por ser porto de abrigo para ela. Acompanha-a em tudo, inclusive no Jogo de Ripper, ajudado-a com as investigações.

Infelizmente não gostei muito de O Jogo de Ripper. A história arrasta-se muito e torna-se cansativa e pouco apelativa. As personagens não se destacam em particular e, confesso que prefiro quando a escritora consegue manter as suas crenças religiosas e a espiritualidade fora das suas histórias.

Embora não tenha gostado particularmente deste livro de Isabel Allende, não me parece que haja razões para não o recomendar. Acredito até que existem muitos leitores para ele e que o saberão apreciar. No entanto este não é um livro que espelhe a escritora que Isabel Allende é. Não o recomendo como introdução à obra de Isabel Allende.

Boas leituras!

Excerto (pág. 30):
"Blake Jackson enfiou o nariz na trunfa de cabelo crespo da neta, inspirando o cheiro a salada - tinha-lhe dado para lavar o cabelo com vinagre - e pensou que dentro de poucos meses ela partiria para a universidade e ele não estaria por perto para a proteger; ainda não se tinha ido embora e já tinha saudades dela. Recordou numa sucessão vertiginosa de acontecimentos as etapas daquela curta vida, a rapariguinha arisca e desconfiada, metida durante horas debaixo de uma tenda improvisada feita com lençóis, onde apenas entravam o amigo invisível que a acompanhou durante vários anos, chamado Salve-o-Atum, a sua gata Gina e ele, quando tinha a sorte de ser convidado para tomar chá a brincar em minúsculas chavenazinhas de plástico. «A quem teria saído aquela pirralha?», tinha perguntado Blake Jackson quando Amanda o venceu ao xadrez aos seis anos. Não podia ser a Indiana, que flutuava na estratosfera pregando paz e amor meio século depois dos hippies, e menos ainda a Bob Martín, que por essa altura ainda não tinha lido um livro até ao fim. «Não te preocupes, homem, muitas crianças são geniais na sua infância e depois entram na idade da parvalheira. A tua neta descerá ao nível de idiotice geral, quando lhe despertarem as hormonas», aconselhou Celeste Rolo. "

março 09, 2014

El Cuaderno de Maya - Isabel Allende

Título original: El Cuaderno de Maya
Ano da edição original: 2011
Autor: Isabel Allende
Editora: Debols!llo

"Soy Maya Vidal, diecinueve años, sexo femenino, soltera, sin un enamorado, por falta de oportunidades y no por quisquillosa, nacida en Berkley, California, pasaporte estadoudinense, temporalmente refugiada en una isla al sur del mundo. Me pusieron Maya porque a mi Nini le atrae la India y a mis padres no se les ocurrió otro nombre, aunque tuvieron nueve meses para pensarlo. En hindi, maya significa «hechizo, ilusión, sueño». Nada que ver con mi carácter. Atila me calzaría mejor, porque donde pongo el pie no sale más pasto."

Sou fã da Isabel Allende não só porque a escrita me agrada e as histórias são sempre diferentes, mas também porque se sente que ela trabalha muito para chegar ao produto final, para que tudo o que lemos, faça de uma forma ou de outra sentido, para que as personagens sejam credíveis e os acontecimentos realistas. Gosto principalmente das personagens que cria, normalmente mulheres que ficam connosco depois de lermos a última palavra e fecharmos os livros. El Cuaderno de Maya (edição portuguesa: O Caderno de Maya - Porto Editora) não é uma excepção e nesse aspecto é definitivamente um livro típico da Isabel Allende, a novidade está na época. A história que Maya Vidal escreve no seu caderno é actual. No mundo de Maya existem telemóveis e internet e não se anda a cavalo, mas sim de carro e de avião. :)

Maya Vidal é uma jovem que foi criada pelos avós, o seu Popo e a sua Nini. A mãe deixou-a nos braços do avô com poucos meses de vida, e partiu para a Europa. O pai é piloto e passa temporadas sem vir a casa. Embora goste muito da filha, não existem dúvidas em relação a isso, não tem grande vocação para as coisas de pai. 
Maya cresce protegida pela excentricidade da avó, Nidia Vidal e pelo  amor incondicional do avô, Paul Ditson II. 
Nidia Vidal é chilena, uma das muitas pessoas que abandonaram o Chile após o golpe de estado que matou Salvador Allende e deu início ao período negro de Pinochet. É uma mulher aguerrida e cheia de superstições, que luta para poder dar ao filho um futuro melhor. Encontra o amor da sua vida, Paul Ditson, no Canadá, um professor e astrónomo que não resiste aos encantos da explosiva chilena. Partem para os EUA, casam-se e só a morte os irá separar muitos anos depois.
Maya cresce rodeada de amor, de atenção e de liberdade. É uma miúda inteligente, sonhadora e é nitidamente uma criança feliz. Ninguém poderia sequer imaginar os problemas em que se vai meter...

Quando, o avô morre com um cancro, Maya perde o norte. O seu Popo era a sua vida, o seu pilar. Ele tinha prometido que nunca a iria deixar sozinha... A agora adolescente, enraivecida e a sofrer, começa a consumir drogas, a mentir, a enganar, a perder-se. A avó, também ela alienada pela morte do marido, não se apercebe do que está a acontecer com a neta, uma miúda sempre tão doce e equilibrada.
De alhada em alhada, Maya acaba numa clínica de reabilitação em Oregón, de onde foge acabando sozinha em Las Vegas, a cidade do dinheiro e do vício. Em Las Vegas, Maya conhece Brandon Leeman, um traficante conhecido da zona para quem começa a trabalhar, traficando para ele. Numa descida alucinante aos infernos Maya, bate no fundo e quando a avó finalmente a encontra, a neta está irreconhecível.
Envolvida em actividades ilícitas em Las Vegas, e cúmplice num caso de falsificação de notas, Nidia manda Maya, depois de recuperada das suas dependências químicas, para Chiloé, para junto de um amigo de longa data para que a neta possa recuperar e restabelecer-se e não ser encontrada pelas autoridades e criminosos que julgam andar atrás dela.
Isolada do mundo, em Chiloé, a rapariga vai reaprender a viver e a conhecer-se a si própria. Manuel, o amigo da avó que a acolhe é um sexagenário reservado e austero, ele próprio com traumas por resolver, vê a sua vida virar-se do avesso com a chegada de uma jovem, de cabelo rapado e muito intrometida. A relação destes dois é enternecedora e estas duas personagens juntas, são das melhores duplas que Isabel Allende já criou.
Chiloé e as suas gentes parecem mágicos. Chilóe é um lugar onde todos se conhecem e todos se ajudam e tudo se resolve e é lá que Maya vai encontrar o seu lugar no mundo.

Resumindo e baralhando, El Cuaderno de Maya é um livro com muitas passagens feias e duras de ler, mas é na realidade um livro com uma história humana bem bonita. :)

Recomendo sem reservas!

Boas leituras!

Excerto:
" - Mi Nini siempre ha sido ruda, Manuel, pero mi Popo era un caramelo, él fue el sol de mi vida. Cuando Marta Otter me llevó a la casa de mis abuelos, él me sostuvo contra su pecho con mucho cuidado, porque no había tomado a un recién nacido. Dice que él cariño que sintió por mí lo transtornó. Así me lo contó y nunca he dudado de ese cariño. (...) La inmensa presencia de mi Popo, con su humor socarrón, su bondad ilimitada, su inocencia, su barriga para acunarme y su ternura, llenó mi infancia. Tenía una risa sonora, que nacia en las entrañas de la tierra, le subía por los pies y lo sacudía entero. «Popp, júrame que no te vas a morir nunca», le exigía yo al menos una vez por semana y su respuesta era invariable: »Te juro que siempre estaré contigo»."

fevereiro 23, 2014

[Livro novo] Isabel Allende - O Jogo de Ripper

E já que estamos a falar de novidades literárias, aqui vai mais uma, desta vez de uma outra escritora de eleição, Isabel Allende e O Jogo de Ripper.

Sinopse (retirada do site da Wook)
"Indiana e Amanda Jackson sempre se apoiaram uma à outra. No entanto, mãe e filha não poderiam ser mais diferentes. Indiana, uma bela terapeuta holística, valoriza a bondade e a liberdade de espírito. Há muito divorciada do pai de Amanda, resiste a comprometer-se em definitivo com qualquer um dos homens que a deseja: Alan, membro de uma família da elite de São Francisco, e Ryan, um enigmático ex-navy seal marcado pelos horrores da guerra.

Enquanto a mãe vê sempre o melhor nas pessoas, Amanda sente-se fascinada pelo lado obscuro da natureza humana. Brilhante e introvertida, a jovem é uma investigadora nata, viciada em livros policiais e em Ripper, um jogo de mistério online em que ela participa com outros adolescentes espalhados pelo mundo e com o avô, com quem mantém uma relação de estreita cumplicidade.

Quando uma série de crimes ocorre em São Francisco, os membros de Ripper encontram terreno para saírem das investigações virtuais, descobrindo, bem antes da polícia, a existência de uma ligação entre os crimes. No momento em que Indiana desaparece, o caso torna-se pessoal, e Amanda tentará deslindar o mistério antes que seja demasiado tarde." 


Em breve a minha modesta opinião sobre o nada modesto "El Cuardeno de Maya" de Isabel Allende.

Boas leituras!

abril 08, 2012

Inés da Minha Alma - Isabel Allende

Título original: Inés del Alma Mia
Ano da edição original: 2006
Autor: Isabel Allende
Tradução do francês: Ana Mendes Lopes
Editora: Difel
"«Suponho que venham a colocar estátuas da minha pessoa nas praças, e haverá, por certo, ruas e cidades com o meu nome, tal como as haverá também com o nome de Pedro Valdivia e outros conquistadores, mas as centenas de mulheres que tanto se esforçaram por fundar as cidades, enquanto os seus maridos lutavam, serão, quase de certeza, esquecidas.»
Inés Suárez é uma jovem e humilde costureira, oriunda da Extremadura, que embarca em direcção ao Novo Mundo para procurar o marido, extraviado com os seus sonhos de glória do outro lado do Atlântico. Anseia também por viver uma vida de aventuras, vedada às mulheres na pacata sociedade do século XVI. Na América, Inés não encontra o marido, mas sim uma grande paixão: Pedro de Valdivia, mestre-de-campo de Francisco Pizarro, ao lado de quem Inés enfrenta os riscos e as incertezas da conquista e fundação do reino do Chile.
Neste romance épico, a força do amor concede uma trégua à rudeza, à violência e à crueldade de um momento histórico inesquecível. Através da mão de Isabel Allende confirma-se que a realidade pode ser tão ou mais surpreendente que a melhor ficção, e igualmente cativante."

Isabel Allende raramente desilude e por isso, quando decido ler mais um livro dela sei que vão ser horas bem passadas. Não existem expectativas a gerir, uma vez que é quase garantido que o livro vai ser bom. Inés da Minha Alma é assim, um livro de Isabel Allende que cumpre em todas as vertentes aquilo que se espera desta escritora. Pode até não ser o seu melhor livro mesmo que a época retratada seja fascinante, as personagens cativantes e a história envolvente, não achei este o seu livro mais inspirado. No entanto, é sem qualquer dúvida, um livro que valeu cada segundo que lhe foi dedicado.

O livro relata a história de Inés Suárez, a conquistadora do Chile. Inés Suárez nasceu na Extremadura, em Espanha, de origens humildes, nunca poderia adivinhar que a vida lhe reservava muito mais do que a costura e um casamento mais ou menos feliz.
Quando o marido parte na aventura da descoberta do Novo Mundo, as novas terras conquistadas pelos espanhóis, no outro lado do atlântico, Inés fica, como qualquer esposa da época, à espera do seu regresso ou do anúncio da sua morte. Cansada de esperar por uma coisa ou pela outra, Inés decide aproveitar a oportunidade de cortar com a vida que leva, parte em busca de notícias do marido e embarca num navio que a leva até ao Peru, a mais recente jóia da coroa espanhola. No entanto, não é tanto a busca do marido que a move, e sim a oportunidade de ser mais do que uma humilde costureira, ao recomeçar uma nova vida numa sociedade em construção onde, até as mulheres tem a possibilidade de se sentirem úteis.

Seguindo o rasto do marido, acaba por conhecer o homem que lhe vai mudar a vida, Pedro de Valdivia, com quem parte na conquista do Chile, terra até então inconquistável devido à tenacidade das tribos Mapuche que lá habitavam. Os mapuche eram considerados uma das tribos mais combativas e menos "domesticáveis" de todo o Novo Mundo. Juntos, Inés e Pedro, fundam a primeira cidade do Chile, Santiago e nela iniciam o sonho de construir uma sociedade justa (para os padrões da época), onde os seus habitantes dessem mais importância à fertilidade da terra, ao clima ameno e à beleza da paisagem, em vez de correrem, como loucas atrás do ouro e da prata, abundantes nas regiões conquistadas e muito procurados por aquelas bandas.

Para além da ambição do ouro e da prata, a única coisa que impedia o sonho dos dois de se tornar realidade eram os índios Mapuche, que se recusavam a render, a ser colonizados, recusavam entregar as suas terras e ser evangelizados, e que eram incapazes de perceber como é que os homens barbudos davam mais importância ao ouro e à prata e tão pouca importância à liberdade. Lutaram de forma feroz, suicida, com armas incapazes de derrotar o metal dos europeus, lutaram de forma instintiva, sem qualquer estratégia. Não fossem eles tantos e, provavelmente deles não rezaria a história.

São impressionantes as descrições das batalhas e da forma como os índios, não só os mapuche do Chile, mas todos os colonos das terras conquistadas, eram tratados. A forma como "nós", os Europeus entrámos pelas terras deles, e lhes alterámos a forma de vida, impondo regras e crenças que não conseguiam compreender e das quais não precisavam.
Foi muitas vezes desconfortável ler algumas opiniões, algumas formas de pensar da época, mesmo contextualizado e tentando não ver à luz dos nossos dias, foi muitas vezes revoltante a forma como exaltamos algo que tanto sofrimento trouxe a outros seres humanos. Este livro acaba por ser um misto de sentimentos, porque se por um lado sentimos um grande orgulho na mulher que ajudou a fundar o Chile, que lutou ao lado dos homens e que teve um papel tão ou mais importante que estes, por outro, não deixamos de nos sentir chocados pelo preço que foi infligido aos índios. Se por um lado reconhecemos em Inés e em Pedro, um bom coração, inteligência e muita coragem, por serem duas pessoas que tinham uma forma de pensar diferente da maioria, não podemos, por outro lado, deixar de sentir uma impotência grande porque, em abono da verdade, não havia outra forma de conquistar novos mundos, sem ser com sangue e sacrifício de vidas humanas. Que mundo seria o nosso se todos os povos conquistadores não tivessem aniquilado a cultura e a história dos povos conquistados? É impossível saber...

Gostei bastante do livro, principalmente da história. Acho que Isabel Allende consegue criar, no leitor, este desconforto por fazermos, quer queiramos quer não, parte dos conquistadores, beneficiando até hoje dessas conquistas, que agora nos parecem tão aberrantes. O livro é lido tendo sempre presente esta ambivalência dos sentimentos e da nossa consciência colectiva.

Gostei das personagens, mais uma vez Isabel Allende apresenta-nos uma personagem feminina muito forte, uma autêntica guerreira, sem ser uma amazona e sem perder aquelas características que nos tornam a nós, mulheres, de uma forma ou de outra, semelhantes. Gostei de Inés Suárez, mais ainda sabendo que é uma personagem real, e das restantes personagens.

Recomendo vivamente, não só por ser Isabel Allende, mas porque é mesmo um livro interessante.

Boas leituras!

Excerto:
"Quando chegámos ao Chile nada sabíamos dos Mapuche, pensado que seria fácil submetê-los, como fizemos com povos mais civilizados, os Astecas e os Incas. Demorámos muitos anos a compreender quão errados estávamos. Não se vislumbra o fim desta guerra, porque quando torturamos um toqui logo aparece outro, e quando exterminamos uma tribo inteira, outra sai do bosque e toma o seu lugar. Nós queremos fundar cidades e prosperar, viver com decência e descanso, enquanto eles só querem a liberdade."
"Para eles quem provê é a Santa Terra, as pessoas ficam com o necessário e agradecem, não exigem mais não acumulam; o trabalho é incompreensível, uma vez que não há futuro. Para que serve o ouro? A terra não é de ninguém, o mar não é de ninguém; a simples ideia de os possuir ou dividir produzia ataques de riso ao normalmente soturno Felipe. As pessoas também não pertencem umas às outras. Como podem os huincas comprar e vender gente que não é sua? Por vezes, o menino passava dois ou três dias mudo, esquivo, sem comer, e quando lhe perguntava o que tinha, a resposta era sempre a mesma: «Há dias alegres e dias tristes. Cada um é dono do seu silêncio.»"

março 10, 2010

A Ilha Debaixo do Mar - Isabel Allende

"Para quem era uma escrava na Saint-Domingue dos finais do século XVIII, Zarité tinha tido uma boa estrela: aos nove anos foi vendida a Toulouse Valmorain, um fazendeiro rico, mas não conheceu nem o esgotamento das plantações de cana, nem a asfixia e o sofrimento nos moinhos, porque foi sempre uma escrava doméstica. A sua bondade natural, força de espírito e noção de honra permitiram-lhe partilhar os segredos e a espiritualidade que ajudavam os seus, os escravos, a sobreviver, e a conhecer as misérias dos amos, brancos. Zarité converteu-se no centro de um microcosmos que era um reflexo do mundo da colónia: o amo Valmorain, a sua frágil esposa espanhola e o seu sensível filho Maurice, o sábio Parmentier, o militar Relais e a cortesã mulata Violette, Tante Rose, a curandeira, Gambo, o galante escravo rebelde... e outras personagens de uma cruel conflagração que acabaria por arrasar a sua terra e atirá-los para longe dela. Quando foi levada pelo seu amo para Nova Orleães, Zarité iniciou uma nova etapa onde alcançaria a sua maior aspiração: a liberdade. Para lá da dor e do amor, da submissão e da independência, dos seus desejos e os que lhe tinham imposto ao longo da sua vida, Zarité podia contemplá-la com serenidade e concluir que tinha tido uma boa estrela."

Que bom que foi voltar a Isabel Allende. Já sentia falta das histórias dela, carregadas de vida, de sentimentos e de pessoas reais. :) É tão agradável aprender História através da escrita de Isabel Allende, tudo fica tão bem ligado e é-nos fácil sentir que estamos em todos os locais e acontecimentos que relata.

A Ilha Debaixo do Mar é sobre a escravatura nos fins do século XVIII. O livro está dividido em duas partes, na primeira é-nos dado a conhecer a ilha de Saint-Domingue, actual Haiti, uma colónia francesa e um dos principais destinos dos escravos chegados de África, mais especificamente da Guiné. Na segunda parte, a acção desloca-se para Nova Orleães, antiga colónia francesa, depois espanhola e por fim entregue aos estadudinenses.
A história de Zarité serve de pretexto para visitar estes lugares, conhecer as pessoas e a forma como viviam e pensavam.
Com Zarité vivemos a angústia e a injustiça da escravidão, com ela sentimos a revolta e o choque por nos apercebermos que é no pior que existe em nós que mais nos assemelhamos:
Não há nada tão perigoso como a impunidade, meu amigo, é nessa altura que as pessoas enlouquecem e são cometidas as piores bestialidades; não importa a cor da pele, são todos iguais. Se o senhor visse o que eu vi, seria obrigado a questionar a superioridade da raça branca, que tanta vezes discutimos.
Com Zarité assistimos à revolta de milhões de negros, contra a escravidão, que ocorreu em Saint-Domingue e tornou o futuro Haiti no primeiro país do mundo a abolir a escravatura.
Com ela seguimos a consequente fuga dos brancos para Cuba e posteriormente para Nova Orleães, onde pensavam recomeçar a vida longe dos horrores vividos na ilha maldita.
Vivemos com Zarité o medo de que lhe vendam a filha, a preocupação que sente relativamente ao futuro e a ânsia de ser livre. Vivemos o sentimento de abandono de Zarité quando finalmente é liberta e não sabe o que fazer para se sustentar a si à filha. Por último sentimos com Zarité, que embora a sua z'étoile tivesse sido mais brilhante que a de muitas outras mulheres, a sua vida não tinha sido fácil e, por isso, alegramo-nos com o final tranquilo que autora lhe reservou.
Em Nova Orleães a autora dá um maior destaque à vida das mulheres no século XVIII, onde estas eram completamente controladas pelos homens. Sem acesso à educação a única saída que encontravam era o casamento. No caso das mulatas a ambição era o concubinato com algum homem branco que as sustentasse, pois desprezavam os negros e o casamento com brancos estava-lhes vedado por lei.

Isabel Allende encheu este livro de mulheres e de homens, escravos ou não, cheios de dúvidas, inseguranças e medos, tornando-os tão reais que os amamos a todos. Mesmo Valmorain, com todos os seus actos condenáveis, mais não era que o produto de uma época, não sabia ser de outra forma, fez o que se esperava dele porque só assim poderia garantir o seu futuro. Numa conversa que Valmorain tem com o Parmentier, médico e simpatizante da causa abolicionista, resume-se toda a mentalidade de uma época, onde se consideravam os negros como uma mercadoria, acreditando que estes não eram humanos como os brancos:
(...) Os negros têm constituição para trabalhos pesados, sentem menos dor e a fadiga, o seu cérebro é limitado, não sabem discernir, são violentos, desordeiros, preguiçosos, não têm ambição e sentimentos nobres.
- Poder-se-ia dizer o mesmo de um branco embrutecido pela escravidão, monsieur.
- Que argumento tão absurdo! - sorriu o outro, desdenhoso. - Os negros precisam de mão firme. E para que conste que me refiro a firmeza, não a brutalidade.
- Nisto não há meios-termos. Uma vez aceite a noção de escravatura, o trato vem a dar no mesmo - rebateu o médico.
- Não estou de acordo. A escravidão é um mal necessário, a única forma de tratar de uma plantação, mas pode ser feita de forma humanitária.
- Possui e explorar outra pessoa não pode ser humano - replicou Parmentier.

Embora o racismo e a exploração de homens e mulheres não sejam novidade, a verdade é que nunca deixará de me chocar. Há coisas que pura e simplesmente não consigo perceber e, tenho para mim, que é melhor assim. No dia em que vislumbrar algum sentido em sentimentos destes é porque perdi qualquer sentido de justiça, humanidade e moralidade e, por isso, façam o favor de me internar.

Enfim, é mais um livro excepcional da Isabel Allende. Só tive alguma dificuldade em seguir a cronologia dos acontecimentos porque a passagem do tempo era referida assim muito por alto. Mas nada que contamine a história, pelo menos para mim. Vale mesmo a pena ler A Ilha Debaixo do Mar! :)

P.S. Mais uma vez, para os interessados, a entrevista dada pela autora ao programa da RTPN, Conversas de Escritores.