Mostrando postagens com marcador braseiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador braseiro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A segunda vinda de Roberta Sá

Antes de Que belo estranho dia para se ter alegria chegar ao público, Roberta Sá se apresentou pela primeira vez no Canecão. O show trazia um repertório dividido igualmente entre canções de Braseiro e do disco a ser lançado. Talvez por falta de intimidade com as novas canções, ou pelo peso da estréia no mais famoso palco carioca, ela mostrou-se insegura, chegando até mesmo a se atrapalhar durante a execução de "Girando na Renda". Apesar da produção caprichada, a cantora não chegou a empolgar a casa lotada. Aprisionada pela rigidez da direção de Pedro Luis e Bianca Ramoneda, deixou transparecer artificialidade em gestos e movimentos estudados. De positivo, houve as canções que estariam no novo trabalho. A prévia revelou escolhas acertadas que apontavam para um segundo disco promissor.


Pois na semana passada, Roberta voltou aos palcos cariocas, desta vez no acolhedor Teatro Rival, depois de ter feito alguns shows em São Paulo e uma apresentação fechada no Estrela da Lapa para gravação do programa Palco MPB. Colhendo os frutos do sucesso de público e crítica, Roberta apresentou um show já amadurecido, conduzido pela segurança de uma cantora com pleno domínio do novo repertório. Uma evolução considerável, tanto mais porque duas semanas antes, no evento promovido pela rádio MPB FM, ela demonstrara insegurança nos dois números de abertura do espetáculo.

No palco, Roberta Sá é uma cantora que se afirma pela voz e a entrada em cena com "O Pedido", de Júnio Barreto e Jam da Silva, serve para que ela, a voz, imponha sua presença. Grande parte da platéia marca com palmas o ritmo da música enquanto Roberta canta com os olhos fechados. A empatia com o público é imediata, sem a necessidade de artifícios ensaiados. Vem "Alô Fevereiro", do finado Sidney Miller, samba de cadência contagiante que já no show do Canecão se apresentara como um dos pontos altos de Que belo estranho dia para se ter alegria. Liberta das rígidas amarras da direção, Roberta já não se vê constrangida a balançar os braços durante o coro tal qual uma Ivete Sangalo do samba. Apenas canta e é o que basta para encantar. A tímida dança durante o solo em baixaria da violonista Antônia Adnet é o máximo de desinibição a que ela se permite. Os efeitos eletrônicos que emulam scratches de um DJ, e soam anacrônicos no disco em um samba dos anos 70, ao vivo não têm o mesmo destaque. A versão sai ganhando, embora o belo arranjo de metais não seja reproduzido no palco.

A propósito, os efeitos eletrônicos presentes no disco soam como uma tentativa de modernizar a sonoridade de uma cantora que tem suas referências musicais calcadas no samba e em outros ritmos regionais cuja base instrumental das canções é fundamentalmente acústica. Se em Braseiro e no palco eles são discretos e funcionam basicamente como overdubs, em Que belo estranho dia para se ter alegria eles se destacam em diversas faixas e, definitivamente, não funcionam. São efeitos por si só antiquados em relação às experimentações elterônicas realizadas hoje em dia. Soam como ruídos estranhos à sonoridade das canções. É bem mais interessante, em termos de efeito modernizador, a introdução de uma guitarra em solo permanente sobre a base de "Interessa", um samba remoto cuja ingenuidade da letra cai bem à interpretação recatada da cantora.

O que fixa Roberta Sá como uma das grandes cantoras brasileiras da atualidade, além da voz, é claro, são os compositores que ela grava, especialmente os seus contemporâneos. Assim que, quando após as três músicas iniciais, ela volta ao primeiro disco, esperava-se que entre os sucessos obrigatórios - "A Vizinha do Lado", "Cicatrizes" e "Casa Pré-fabricada" - houvesse espaço para "Lavoura" , de Tereza Cristina e Pedro Amorim. Mas por enquanto não há. Se impõem até um Chico Buarque menor, como o de "Pelas Tabelas", possivelmente pelo significado deste nome para qualquer platéia de música brasileira.

Fechado o parentese, Roberta volta a Que belo estranho dia para se ter alegria com sua primeira canção autoral, feita em parceria com Pedro Luis. E a beleza de "Janeiros" se assenta justamente sobre a forma como a letra, dele, casa-se perfeitamente à bela melodia criada por ela em um samba-choro a altura da tradição do gênero. O mais recente sucesso aparece na metade do show: "Mais Alguém", de Moreno Veloso e Quito Ribeiro, o grande achado do novo disco, surpreendentemente levada à condição de música de trabalho. Roberta contou a Moreno que gostaria de gravar "Um passo à frente", porém, o compositor advertiu-a de que tal canção já havia sido registrada em disco por Gal Costa, mas prometeu que faria uma canção especialmente para ela. O resultado é uma fusão entre o samba de roda da Bahia, o axé e a bossa pós-tropicalista sobre versos que tangenciam os limites do brega romântico. Uma combinação original na qual se percebe de imediato a marca da dupla. No palco, a interpretação contida não diminui a potência vocal de Roberta ao mesmo tempo que desnuda toda a delicadeza de sua voz.

A ela seguem-se os dois números menos interessantes tanto do show quanto do disco. "Cansei de esperar você", de Dona Yvone Lara e Délcio Carvalho, é um samba morno que, pela temperatura, caíria melhor no Samba Meu de Maria Rita ou no universo de Marisa Monte não fosse ele particular. Com sua voz límpida, Roberta faz bonito, mas o arranjo pouco inspirado não justifica seu registro em disco. Na mesma linha há "Belo e estranho dia de amanhã". Esta uma bossa recauchutada cuja sonoridade passadista paga tributo à estética criada pelo produtor Lincoln Olivetti nos anos 80. Em sintonia com o arranjo, a letra dispara críticas à modernidade até cair em um refrão romântico daqueles que gruda no ouvido, mesmo que a contragosto. Por ironia, a canção é assinada por Lula Queiroga, o mesmo autor daquela que é o ponto alto de Braseiro: "Ah se eu vou". Ao cantá-la, mais tarde, Roberta o redimiria arrancando aplausos entusiasmados da platéia. No show atual não há mais o improviso sobre tema do Samba de Coco Raízes de Arcoverde. Pena, pois a combinação das duas músicas na voz de Roberta configurava-se em um dos grandes momentos do show de Braseiro.

A predominância de Pedro Luis entre os compositores do novo disco se explica pela promixidade entre o compositor e a cantora. Na parte final do espetáculo, Roberta apresentou as canções dele em parceria com Carlos Rennó - "Fogo e Gasolina" e "Samba do Amor e Ódio". Se não figuram entre as mais inspiradas do disco, servem para que Roberta explore o alcance e a potência de sua voz para deleite da platéia. O bis foi todo centrado em músicas do compositor: "No braseiro" e, antes do adeus definitivo, "Girando na Renda". A despedida antes do bis coube a "Laranjeira", de Roque Ferreira, em que o samba navega pelas águas do Rio e da Bahia. Em entrevista ao Estadão, Roberta sugeiriu que no futuro vai dedicar um disco inteiro às canções do compositor baiano no qual terá o acompanhamento do Trio Madeira Brasil. Resta esperar e torcer que os bons ventos realmente o tragam à luz. Pelo aperitivo oferecido em "Afefé", presente na coletânea Samba Novo, tem tudo para entrar para a galeria de clássicos da música brasileira.

A nota final fica por conta de uma dupla de compositores gravados por Roberta que não estão tendo destaque no show. São eles Rodrigo Maranhão e Edu Krieger. A nova versão de "Samba de um minuto", de autoria do primeiro, enxuta, com um arranjo quase minimalista, em que, no show, por vezes a voz de Roberta é acompanhada apenas por percussão, perdeu força e intensidade. "Novo Amor", do segundo, foi registrada em estúdio com o acompanhamento único do bandolim de Hamilton de Holanda e acabou excluída dos shows por não poder ser fielmente reproduzida ao vivo. Lamenta-se, pois a versão de Roberta vai além de uma simples releitura. Ela recria a música ressaltando sua riqueza harmônica e a beleza da melodia. Talvez fosse o caso de criar um arranjo em voz e violão que mantivesse o clima de intimidade entre cantora e instrumentista e o diálogo entre o som e o silêncio. Casaria-se perfeitamente a "Olho de Boi", última música de Braseiro, de autoria de Rodrigo Maranhão, outra que raramente é executada ao vivo, possivelmente pelo mesmo motivo - a sutileza da combinação de voz, violão e ataúde da versão gravada em estúdio. Juntas no roteiro do show elas propiciariam o ápice da comunhão entre a jovem cantora e o seu público apaixonado.

Roberta Sá confirmou no palco a excelência artística de seus discos. O espetáculo está bonito, mas tende a melhorar à medida que as apresentações forem se sucedendo, assim como aconteceu com os shows de Braseiro, e as emoções contidas da intérprete se misturem à razão da cantora irrepreensível com cada vez mais naturalidade. E também com maior abertura ao imponderável.

domingo, 22 de julho de 2007

Noite de (diferentes) estréias no Canecão

Não foi uma noite memorável como se esperava. Ao contrário das expectativas provocadas desde o anúncio do show há alguns meses atrás, o que se viu no Canecão foram dois espetáculos desiguais costurados pelo desajeitado encontro final entre compositor e intérprete.

O devido reconhecimento a um grande compositor
Rodrigo Maranhão subiu ao palco ao lado de seus comparsas com a simplicidade habitual. O cenário composto apenas pelos instrumentos, dispensando adereços, jogo de luzes ou qualquer outro elemento que não tivesse relação direta com a música. A distorção que antecedeu o primeiro acorde sugeriu que ele começaria com "Caminho das Águas". o Um artifício para conquistar o público logo de cara. Mas não. Veio “Baião Digital”, música que dá nome ao show e estabelece o conceito musical de Bordado. Nem é exatamente um baião, muito menos digital. E o público foi sendo conquistado aos poucos, revelando a porção mineira do carioca de origens nordestinas que carrega o Maranhão no nome e o Brasil em voz e violão. A empatia entre músico e platéia seguiu uma curva ascendente que atingiu seu ápice em “Noites do Irã”. A poesia desenhando a melodia acompanhada pela sanfona de Marcelo Caldi fluindo macia sobre os seixos da percussão até a catarse na coda conduzida pelo ecoar do lamento triste na voz prenhe de emoção sobre o batuque dos tambores, acentuando a dor dos escravos da globalização. Naquele momento, cada um dos presentes na casa definitivamente se entregou de corpo e alma à música de Rodrigo Maranhão. Justamente na música preferida pelo seu pai, conforme ele revelou na estréia do show no Centro Cultural Carioca. Daí em diante, ele ficou mais solto, passou a conversar com o público, às vezes fazendo graça de si mesmo, fazendo do show uma celebração divertida.

A estréia no Canecão foi um evento natural para o compositor. Comportou-se como se estivesse em casa, com autoridade musical. Da primeira à última canção, Rodrigo mostrou uma obra digna da estatura do palco que o abrigava mesmo que o show tenha tido uma duração reduzida. A se lamentar apenas o constante vai e vem dos garçons da casa, talvez motivados por alguns freqüentadores mais interessados no gelo do seu uísque do que no show em si, atrapalhando a visão e, assim, comprometendo a perfeita fruição do espetáculo por parte da maioria.

Roberta Sá: Stage Fright
Roberta Sá entrou em campo com o jogo ganho de antemão. Esse parece ser um dom da cantora. Foi assim em sua estréia em disco, quando recebeu acolhida imediata por parte da grande imprensa e conquistou um público fiel e devotado, entre os quais se inclui o papa pop da MPB, Caetano Veloso. De fato, Roberta Sá tem uma bela voz, de timbre ao mesmo tempo potente e delicado. Construiu um repertório que mescla canções de compositores consagrados às de alguns dos melhores representantes da nova geração, valorizou o onipresente samba e pode-se dizer que é hoje a mais bem sucedida cantora entre as muitas que seguem esta linha. Braseiro foi mesmo uma estréia respeitável, com dois grandes achados - “Lavoura”, de Tereza Cristina e Pedro Amorim, e “Ah se eu vou”, de Lula Queiroga -, uma representante da unanimidade hermânica – “Casa pré-fabricada” – e um sucesso de novela das oito – “A Vizinha do Lado”.

Quando já se esperava o segundo disco, veio a notícia da estréia no Canecão. A produção caprichada com cenário e figurino inéditos, créditos de abertura animados no telão, direção de Pedro Luis e Bianca Ramoneda, criou um clima de show de lançamento não-oficial de Que belo e estranho dia para se ter alegria. A entrada com “Eu Sambo Mesmo” trouxe-nos de volta ao passado. Apesar da usual receptividade de seu público, Roberta não parecia muito a vontade. Se em espaços pequenos sua presença de palco mostrou algum progresso, na amplidão do palco do Canecão ela perdeu toda a espontaneidade arduamente conquistada. Parecendo seguir rigorosamente à marcação de palco dos diretores, executando movimentos ensaiados, cada gesto previamente coreografado, Roberta se entregou a uma interpretação à beira da dislexia. A concentração dividida entre a música e o cerimonial fez a apresentação mais fria e racional. Por vezes, a emoção da voz se perdendo no automatismo da movimentação cênica, distanciando a cantora do público, especialmente nas músicas novas. Nas velhas conhecidas de Braseiro, mesmo que houvesse um afastamento durante a execução, mais um gelinho no copo, um comentário aqui e ali tecendo elogios, palmas de acompanhamento que não sustentavam o ritmo e a intensidade sugerida por Roberta, inevitavelmente, no final, se dava a usual comunhão entre o público, com aplausos e apupos, e a artista, agradecida e feliz.

Até aí, nada que tenha feito do show um mau espetáculo, mas com certeza seria fácil aos seus inúmeros fãs, mesmo que admitindo somente na intimidade de um pensamento nunca verbalizado, lembrarem de apresentações muito mais intensas. O melhor do show foi ter conhecido algumas das músicas que vão estar no disco novo, que ela prometeu para agosto. Embora se configure como uma continuação de Braseiro, o repertório de Que belo e estranho dia para se ter alegria é bem menos óbvio e, por isso, representa um passo a frente em relação ao seu antecessor. No processo ainda não concluído de construção de uma identidade musical própria, Roberta dá mais um passo em direção ao samba.

“Alô Fevereiro”, ao contrário do que foi escrito no post anterior, seria melhor definida como um clássico obscuro. Ao primeiro verso reconheci o samba contagiante do pouco lembrado Sidney Miller. Pelo que se ouviu no show, a versão de Roberta deve superar àquela gravada por Dóris Monteiro no passado.

”Laranjeira” e ”Janeiros também são coisa da antiga. A primeira é um samba de partido alto - um refrão que se repete preparando a passagem para um possível improviso na segunda parte, como a água correndo para o mar. A segunda, assinada pela própria cantora em parceria com Pedro Luís é um típico samba-canção, o qual Roberta interpreta com uma impostação emprestada das cantoras da era de ouro do rádio.

A contida “Mais Alguém” faz ponte com a tradição baiana do samba de roda, mas também flerta com o axé e o samba reggae, uma síntese que só se encontra nas composições de Moreno Veloso, provável autor da canção. A letra versando sobre um amor rasgado, beirando o brega, sobre uma levada percussiva em emulação dissimulada dos tambores do Olodum.

Outros representantes da nova geração gravados por Roberta em seu novo disco são Edu Krieger, de quem escolheu “Novo Amor”, e Pedro Luís e Carlos Rennó com “Fogo e Gasolina” e “Samba do Amor e Ódio” e a já conhecida “Girando na Renda”, única que foi apresentada no show. O que deveria ser o ápice da apresentação, por acidente, proporcionou o maior constrangimento da noite. À entrada de Pedro Luis - mais um convidado especial além de Rodrigo Maranhão no cavaquinho, e Marcelo Caldi na sanfona -, a cantora se perdeu e emendou um verso errado. Corrigiu-se no seguinte e o show continuou. Não estivesse publicamente registrado, rapidamente se poderia esquecer. Menos evidente foi a entrada em tonalidades conflitantes das vozes de Roberta Sá e Rodrigo Maranhão no dueto protagonizado entre os dois em “Samba de Um Minuto”. A cantora foi obrigada a conter o seu alcance vocal adequando-o à voz pequena do compositor enquanto cantavam a primeira estrofe. Mesmo sem soltar a voz como faz em sua interpretação solo, ficou claro que o novo disco de Roberta traz pelo menos um clássico da música brasileira contemporânea.

Conhecidas muitas das músicas, resta agora aguardar o lançamento do disco para ver se a produção de Rodrigo Campello, que também produziu Braseiro, tenha sabido valorizar as vicissitudes de cada canção e o resultado seja menos homogêneo e pasteurizado do que o do disco de estréia e aponte um rumo mais claro à carreira de Roberta, que fuja à sombra de Marisa Monte. “Afefé”, de Roque Ferreira, gravada no disco Samba Novo na companhia do Trio Madeira Brasil, já mostrou que é possível.