O primeiro volume (nossa opção), de capa vermelha, apresenta um homem na capa, que é, poderemos considerar, o seu protagonista. “Já Natal” ou “Já é Natal”, reza o seu título: a consideração da data constata a sua chegada, mas não há forma de perceber se é alívio ou desilusão (“Já!” ou “Já?”). O segundo, de capa negra, mostra uma mulher, protagonista desse segundo volume. “Em breve o Verão”, e novamente a ambivalência do tom: cansaço ou esperança?
Cada livro é constituído por o que parecem ser cenas soltas, apontamentos diarísticos, gráficos, projeccionais, de cenas desirmanadas mas que gravitam em torno destas personagens e das suas preocupações mais ou menos concentradas. Um segundo nível de atenção permitirá deslindar que haverá tantas sequências como interrupções das mesmas: é possível coordenar cenas, ora em unidades de páginas duplas, ora em cenas comunicantes, mais ou menos alargadas ao longo de páginas, ora apresentadas em cenas singulares, mas de alguma forma modulares e que vão fazendo “crescer um sentido” à medida que se lêem estas páginas… As variações e associações gráficas, que atravessam ambos os tomos, criam a ideia de um fio vermelho que deve ser perseguido, atinja-se ou não uma conclusão, uma decisão.
Há matéria verbal. Mas se por vezes parece inconsequente, por outras parece enamorar-se de si mesma e cair graças à gravidade da sua presença: listas, números sequentes, contas, discursos que irrompem do nada e continuam para além da legibilidade, mas não parecem oferecer ancoramento nenhum, e até páginas de texto invertido, confundindo ainda mais as suas funções - expectáveis - de esclarecimento. Além disso, no seu interior, a autora dá primazia a jogos de palavras, rimas, homofonias, variações, espécies de lenga-lengas e de destrava-línguas ou então fórmulas feitas e esvaziadas (como os próprios títulos), que põem em causa, num grau adicional, a comunicabilidade esperada da língua. “Não é por aí”, parecem dizer…Mas o ritmo é insistente e faz compreender que há uma musicalidade que deve ser fruída e que ajuda à construção dos sentidos emocionais de ambos os volumes.
Os melodramas existem, mesmo que fugidios, e são feitos dessa matéria de tensões domésticas. Há “une histoire”, quase apagada. Entre um “já” e um “em breve”, talvez estes livros sejam uma tentativa de fazer o retrato de uma coisa, também ela fugidia, mas perseguida pelas duas personagens, encontrada e logo perdida, ou presente precisamente porque fugaz: uma espécie de felicidade, “uma felicidade banal. Parar de acreditar que é a felicidade ideal no interior do mundo onde estamos destinados a nascer e a morrer, sem um além”.
Nota: agradecimentos a Isabel Baraona, pelo empréstimo dos livros.
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