domingo, 15 de novembro de 2009

SUÍTE DAMA DA NOITE



Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro.——————”
Clarice Lispector in A Paixão Segundo GH

Não saberia responder se alguém lhe perguntasse, afinal, quem era ela de verdade naquele momento, tampouco se seria capaz de prolongar aquele estado até sua plenitude, mas estava ali, e mais, maior que isso: estava sendo. Estava sendo e tinha curiosidade. Uma curiosidade infinita. Finalmente Júlia Capovilla vivia, e apenas, em profundidade,
---------------------------como nunca, desejava viver.
Manoela Sawitzki in Suíte Dama da Noite


Gerana Damulakis

Uma revelação, para mim. A vírgula merece atenção. O romance Suíte Dama da Noite (Record, 2009) foi uma revelação, para mim. O romance da escritora Manoela Sawitzki não é uma revelação, pois já não se trata de uma voz nova que se revela. Ela tem uma estrada caminhada: seu primeiro romance foi Nuvens de Magalhães (Mercado Aberto) e a peça Calamidade (Funarte) rendeu-lhe o Prêmio Açorianos de Melhor Dramaturgia de 2006. Jornalista, colaboradora das revistas Bravo! e Aplauso, trabalhou em roteiros de cinema e televisão.
A história de Suíte Dama da Noite é uma história de amor, mas a ênfase está na expectativa da realização desse amor. E ele se realiza, não sendo, por tal, o que mais importa. A escritora mira a alma transtornada de uma mulher, Júlia Capovilla, plena de perturbações: a obsessão por um homem que conheceu menino (ela também menina) e que atravessa sua juventude, a satisfação por mentir tão bem, a perdição de seus pensamentos.
Porém, ainda não disse a razão do livro ter sido uma revelação. Eis: a elaboração do romance é engenhosa e a história fica bem urdida por conta da edificação do texto. Cada capítulo traz, no início, na página direita, uma mentira; de saída, mentiras que ouvimos no cotidiano, tais como Estou com pressa, Está tudo bem, mas quando a narradora está tratando de Júlia Capovilla ainda criança, as mentiras são típicas daquelas usadas por crianças, sobre o pai, sobre a mãe, sobre a avó, sobre a tia - um cuidado a mais da autora. Na página esquerda, algumas palavras encabeçam e serão relidas, as mesmas, encerrando o capítulo. São quatro partes, cada uma com seus capítulos e seu ritmo. Os pensamentos de Júlia estão sempre entre parêntesis e não obedecem às regras da pontuação, como costumam ser os pensamentos.
Única ressalva: ecos de Clarice Lispector; ainda bem que nem sempre os ouvi. Creio que a literatura brasileira escrita por mulheres chegou a um ponto que, embora Clarice tenha sido e seja fundamental, já é hora de largar sua mão. E Manoela pode seguir com as mãos livres. Ainda escreverei sobre o assunto: Clarice Lispector e Rubem Fonseca, fundamentais, mas...
O escritor angolano Ondjaki, que assina “as orelhas” do livro, registra a importância do romance de Manoela no momento literário: “Manoela Sawitzki inscreve assim, na literatura contemporânea brasileira, um poderoso retrato das querenças, relações e contradições humanas, partindo do olho de um oculto furacão chamado Júlia Capovilla.”

Suíte Dama da Noite, de Manoela Sawitski: uma revelação, para mim.


Foto de Manoela Sawitzki retirada do blog Máquina de escrever.

sábado, 14 de novembro de 2009

ILUSÕES DA VIDA

GD

São 5 os volumes da Antologia dos Poetas Brasileiros (Nova Fronteira, 1996) com organização de Manuel Bandeira. Abro o volume Poesia da fase romântica e vou ao poeta que desejo. Não sei a razão nem quero pensar sobre ela. São versos que surgem e pedem por releitura. Só isso.

ILUSÕES DA VIDA

----------------Francisco Otaviano

Quem passou a vida em branca nuvem,

E em plácido repouso adormeceu;

Quem não sentiu o frio da desgraça,

Quem passou pela vida e não sofreu;

Foi espectro de homem, não foi homem,

Só passou pela vida, não viveu.



Ilustração: "Meu vestido pendurado ali", de Frida Kahlo, 1933.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

JEAN-PHILIPPE TOUSSAINT: FAZER AMOR E FUGIR


Gerana Damulakis

Foi no começo deste novembro, no tradicional almoço, no restaurante Drouant, em Paris, que os membros da Academia Goncourt concluíram sobre o mais importante prêmio literário francês: o resultado favoreceu a escritora de origem senegalesa Marie NDiaye, pelo romance Trois femmes puissantes (Gallimard).
Marie NDiaye contou com cinco votos, contra dois para Jean-Philippe Toussaint e um para Delphine de Vigan.
Não conheço a obra de NDiaye. Preciso ler urgentemente algum livro da vencedora do Prêmio Goncourt 2009.

Conheço e admiro os dois romances que li de Jean-Philippe Toussaint. Estivemos trocando algumas palavras sobre o estilo do escritor, Mayrant Gallo e eu, ambos concordando que o romance Fugir foi uma leitura que proporcionou prazer e admiração estética.

Sobre Fugir (Bertrand Brasil, 2008), o escritor Mayrant Gallo escreveu no seu blog Não leia! (http://nonleia.blogspot.com/): “O mais recente romance do belga Jean-Philippe Toussaint elege a narrativa oriental como tom e faz da linguagem um meio para captar cores, formas, odores, sensações, espaços, épocas, objetos, atmosferas perdidas ou que vão se perder. Ao fim, descobrimos que tudo, da primeira à última palavra, do gesto mais brusco ao olhar mais sutil, forma uma aventura que vai obrigar o protagonista a tomar uma decisão, responder à pergunta: "Será que eu acabaria tudo com Marie?" Ora, ele já respondeu que sim, na segunda linha do romance: "No verão anterior à nossa 'separação', tinha passado algumas semanas em Xangai (...)". Só não sabemos como. O romance é este 'como', e passa por Xangai, Pequim e pela ilha de Elba, onde tudo se decide, em braçadas marinhas de desespero, pavor, amor e amizade. Um périplo no qual a história pouco importa. O fluxo da vida não permite organização com começo, meio e fim precisos. Apenas experiências, que ora faltam ora sobram, e com as quais, se a vida não é clara, benéfica, ao menos torna-se suportável”.

Fazer Amor (Globo, 2005), mais instigante ainda do que Fugir, traz uma metáfora que se realiza totalmente no final do livro. Como uma metáfora se realiza? Na minha opinião, é a grande nota do romance, impossível de ser aqui adiantada sem que se revele muito. O homem e a mulher, Marie, são os mesmos em ambos os livros. Ela é estilista e o casal foi a Tóquio para uma exposição dos modelos de Marie. Sabem que se amam, mas que precisam da separação. Pequenos terremotos servem à perfeição para acrescer de significado o “fazer amor” daquelas duas pessoas. Todo o romance é uma preparação para o término da relação, mas sem palavras, sem debate. E ele leva na viagem um frasco contendo ácido. Não, não há morte, senão a do amor.Há um suave toque de melancolia à moda oriental, não há alarde e peripécias, há um caminho a ser percorrido.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

BANDEIRA E JUNQUEIRA


A noite... O silêncio...
Se fosse só o silêncio!

"Noturno da Mosela" in O Ritmo Dissoluto


Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do
------------------------------------------horizonte?
-O que vejo é o beco. --------------------------------------- --

"Poema do Beco" in Estrela da manhã



Sempre com Bandeira porque necessito de Bandeira. Seus versos vão e voltam em meus pensamentos. Já escrevi aqui muitas vezes sobre o poder dos versos de Manuel Bandeira no meu cotidiano.

Um modo de chegar mais diretamente aos "poemas necessários" é pegar o livro do poeta, tradutor e ensaísta Ivan Junqueira, Testamento de Pasárgada (Nova Fronteira, 2003). Seleta para morar na cabeceira. O modo como Ivan Junqueira construiu a antologia por seções, abrindo cada uma com epígrafes do poeta, seguindo com seu texto crítico e poemas de diferentes fases de Bandeira - de saída, tal originalidade neste tipo de trabalho é ousada e enriquecedora - resulta no traçado dos perfis da poesia bandeiriana e, enfim, resulta num intinerário das sensibilidades do poeta.

Assim, são primorosas as obras de crítica escritas por poetas sobre poetas, sem a burocracia acadêmica, pois esta - a burocracia acadêmica - na maior parte das vezes traz uma obra que está no topo da montanha para a planície (expressão de Aramis Ribeiro Costa, que gosto muito - da expressão e do escritor que a diz).

Na mesma linha, além do Testamento de Pasárgada, de Junqueira, encontro a obra crítica que engrandece e abrilhanta a poesia de Manuel Bandeira em Humildade, Paixão e Morte - A poesia de Manuel Bandeira, de Davi Arrigucci Jr. (Companhia das Letras, 1990), Manuel Bandeira: uma poesia da ausência, de Yudith Rosenbaum (Imago, 1993) e Forma & Alumbramento - Poética e poesia em Manuel Bandeira, de Ruy Espinheira Filho (José Olympio, 2004).
GD


Monumento Escultório Manuel Bandeira
Av. Presidente Wilson, Centro, Rio de Janeiro
Escultor Otto Dumovich
19/04/2007

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

NUNO RAMOS VENCE O PRÊMIO PORTUGAL TELECOM DE LITERATURA

Gerana Damulakis

Diretamente de Portugal, fico sabendo por minha amiga Maria Helena, que Nuno Ramos venceu o Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, na sua sétima edição, com o livro Ó, editado pela Iluminuras.

O livro de Lourenço Mutarelli, A arte de produzir efeito sem causa, ficou em terceiro lugar, atrás do veterano João Gilberto Noll, com o romance Acenos e Afagos.
Júri final do Telecom: Antonio Carlos Secchin, Beatriz Resende, Benjamin Abdala Júnior, Leyla Perrone- Moisés, Regina Ziberman, Sérgio Sá.

Sugestão: na Copa de Literatura (http://copadeliteratura.com/) há excelentes avaliações críticas para os livros: de Mutarelli, vencedor do jogo 7, lido por Luís Francisco Carvalho Filho, e de Noll, participante do jogo 6, lido por Fabio S. Cardoso.
Lembremos que o vencedor do mesmo prêmio no ano passado foi Cristovão Tezza, com O filho eterno.

HOMENAGEM PARA O POETA GREGO DA BAHIA NA ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS

Sosígenes Costa nasceu no dia 14 de novembro de 1901, em Belmonte, Bahia. Há exatos 108 anos, portanto.


Eu faço versos/ para espantar meus males./ Para espantar os tigres que vivem me rondando./ Para afugentar os monstros/ que não me deixam nunca./ Para me livrar dos espectros/ que sempre me aparecem.
Sosígenes Costa in "Quem Canta, Seus Males Espanta".

ENCONTROS

GD

Estivemos, Aramis e eu, no lançamento do segundo livro de poemas de Kátia Borges, Uma balada para Janis, realizado no mesmo momento em que Maxim Malhado também lançava o seu Apenas uma lata, na livraria Tom do Saber; ambos os livros foram editados pela P55 Edições, na Coleção Cartas Bahianas.
Vou escrever uma espécie de crônica social do evento, obedecendo cronologicamente uma sequência dos encontros. Recebemos as dedicatórias de Kátia e de Maxim nos seus respectivos livros. Perguntei para minha afilhada literária se encontrarei poemas que me induzam a constatar que sua poesia mudou desde De volta à caixa de abelhas, então aprovado por mim, com grande entusiasmo, quando participei da comissão do Selo Editorial Letras da Bahia.
Trocamos umas impressões com Cíntia e Claudius Portugal. Aramis seguiu conversando com eles. Encontrei os escritores Suênio Campos de Lucena e Luís Antonio Cajazeira Ramos e louvamos o prêmio que Marcus Vinícius ganhou com seu conto de mestre. Estamos os três encantados e contentes com a vitória de MV. Lembramos, Kátia, o poeta Adelmo Oliveira e eu, a excelente antologia de poesias organizada por Ildásio Tavares. Abracei Florisvaldo Mattos, meu padrinho literário, o primeiro editor de meus textos.
Fomos sentar para comer uma pizza, Aramis e eu, quando tive um prazer enorme: conheci Maria Sampaio, do blog Continhos para cão dormir. Não me contentei com um abraço, fiquei abraçando-a, quatro vezes ao todo. A blogosfera tem esse lance para o qual ainda não achei a palavra certa, definitiva, que carregue o significado do encontro de pessoas que parecem que se conhecem muito, trocam comentários, fazem leituras umas das outras e, no entanto, jamais se viram no mundo de cá. Preciso de uma palavra nova para algo novo assim.
Sentou-se conosco o poeta Cajazeira Ramos, falamos exaustivamente dos Encontros Literários na ALB. Chegou um dos casais mais simpáticos da literatura baiana: os escritores Mônica Menezes e Carlos Barbosa, ambos com boas notícias. Coisa boa mesmo: ouvir novidades que são fatos felizes, sonhos realizados. Outro casal entrou, aproveitei para pedir uma dedicatória a Adelice Souza no seu mais recente livro de prosa curta, todavia não adquirido antes, por ocasião do lançamento. Revi, abracei e beijei algumas pessoas do meu tempo no jornal A TARDE, como Josélia. Estive com mais uma afilhada literária, a poeta Lúcia Carneiro.
Voltamos para o local do lançamento. Beijei Állex Leilla, ficcionista que tem a minha admiração alicerçada há mais de uma década. Perguntei por João, encontrei-o com Padilha, este último me prometeu o envio de seu romance e lembrou uma resenha que fiz na revista Neon sobre seu livro de contos. Vi que João parece restabelecido, falamos um pouco sobre blogs, elogiei seu mais recente poema no blog Hiperghetto.
Outra satisfação enorme: conheci Nilson Pedro, um poeta que também já publicou na Coleção Cartas Bahianas e que impressiona pela qualidade de sua poesia. Comecei a ler seus poemas no blog Blag e não parei mais. Érica tirou fotos nossas com Kátia.
Creio que não sei discorrer muito bem sobre eventos, quis apenas registrar encontros. Leitura boa vem abaixo.

High Ashbury,
San Francisco
------Kátia Borges

7.
Espero
com a paciência dos desesperados
que o destino teça seus dramas

Dama
ás que Deus guardou na manga
para provar que existe e é bom

[quando eu já duvidava]
Não existem mais mistérios
o meu aparelho é stereo e vai do jazz ao
----------------------------[rock n’roll

[e ouço poesia, todo dia, no volume máximo]



Todos os blogs aqui citados estão nos meus "Favoritos".