Flamarion Silva
... a professora de português me pediu que fizesse uma redação. Como se não bastasse inventar uma história, ela ainda por cima exigiu que a redação seguisse certas coordenadas. Fiquei desesperado. Ora, ela não sabe, mas sou péssimo em redação. Que jeito. Aqui estou, tentando escrever alguma coisa. Vamos lá.
Bem, já faz algum tempo que estou aqui sentado, mas cadê ideia? Pensei primeiro em escrever alguma coisa sobre minha gata. Não, a namorada não, refiro-me à Lolita, gata de pelo e tudo. Mas Lolita é uma gata tão desinteressante... o melhor que pude fazer foi derrubá-la do telhado. E olhe que o telhado da minha história era alto. A coitadinha morreu.
– Sai, sai prá lá, Lolita, sai. — Lolita roçando nas minhas pernas. Deve estar com fome.
Fui lá fora e coloquei comida; e coloquei água; e disse-lhe:
– Coma tudo, viu, senhorita Lolita. Cuidar de você agora não dá. Ou faço a redação ou tomo zero. E olhe que ainda não escrevi uma linha.
Ela pareceu entender e caiu de boca na ração. Pude enfim ter paz.
Agora é concentrar.
Já pegava uma ideia, quando Bruno, o meu irmão, perguntou-me:
– Tiago, o que você está fazendo?
– Pô! Assim não dá! Falei irritado. Se não me concentro, não crio, logo todo o esforço vai ser em vão.
– Calma! Calma! Não está mais aqui quem falou. Vou é ouvir som no quarto, porque aqui corro risco de vida, ele disse.
– Acho melhor mesmo. Vamos, saia, pois se ficar aqui não me responsabilizo pelos meus atos.
Bruno saiu e tentei lembrar-me a ideia que tive. Para minha decepção, a ideia escapulira. Voltei ao zero. Pensei, pensei, pensei e... ronc! ronc!
– Tiago. Tiago, meu filho, acorde.
– O quê? O quê? Nem um nem outro vão embora. Bruno e Lolita são chatos. Estudei, mas não aprendi. Ou descanso ou me canso, vocês decidem. Vou acordar, porque já é tarde.
– Calma, meu filho, calma. Você estava sonhando, minha mãe disse.
– Ih! Acabei dormindo, falei, ainda meio zonzo.
– E a redação de português, filhinho, você fez?
– Ih! Não fiz. A professora vai me matar! Mas ainda dá tempo, portanto vou fazer agora.
E fiz:
Vou contar uma história. Tudo começou quando...
Flamarion Silva é autor do volume de contos O rato do capitão (Secretaria da Cultura e Turismo, EGBA, 2006 - Coleção Selo Letras da Bahia). Foto "Redação", por grapete, retirada do Flickr.