Os nossos políticos não percebem nada de economia.
Mas os políticos não percebem porque o povo (que é quem os elege) também não percebe nem quer perceber.
Os políticos em democracia são, por natureza, populistas porque querem ter votos o. Só resta aos políticos que querem ter sucesso dizer mentiras (afirmando aquilo em que não acreditam) ou serem ignorantes.
No meu entender, é melhor ter políticos que mentem para convencer o povinho a votar neles (mas que sabem a verdade e, "na escuridão"", vão introduzindo as políticas corretas) do que políticos verdadeiros mas que não percebem nada do assunto.
Vamos então ao sistema monetário.
1 = Os bens têm de ter um preço.
Para termos uma economia complexa, em que há vendas e compras de bens, cada bem tem de ter um preço.
O PREÇO REAL
O preço real tem por referência um bem da economia que tem valor e que vai funcionar como unidade de valor. Vamos supor que o "bem de referência" é um quilograma de arroz carolino de marca branca (vou-lhe chamar ACMB). A partir daqui, podemos dizer os preços reais dos bens:
O preço do frango é 1.8 ACMB por quilograma.
O preço de um Tesla modelo 3 é de 41499 ACMB.
Usar o ACMB como moeda é difícil. Imaginar chegar a um stand e entregar 41499 kg de arroz para comprar o tesla. Além da quantidade, o arroz precisa de boas condições de armazenamento e, com o tempo, estraga-se.
Historicamente, o "bem de referência" é o Ouro (e os trocos, a prata). Cada bem tem um preço em gramas de ouro.
O preço do frango é 0,042 g de ouro por kg e o preço do Tesla modelo 3 é 864 g de ouro.
A quantidade de ouro em circulação não é controlável.
A moeda é usada nas transacções mas também como reserva de valor (as pessoas podem guardar moeda debaixo do colchão para usar no futuro).
O que se observa é que, quando a economia cresce, é preciso mais moeda porque há mais transacções. Se, por exemplo, a economia cresce 5%/ano, mantendo tudo o resto constante, será preciso aumentar a quantidade de moeda em circulação em 5%/ano. Isto é verdade mas apenas no longo prazo.
No curto prazo, há flutuações nas necessidades de moeda. Observa que, quando há uma crise, as pessoas guardam muita moeda "debaixo do colchão" e, pelo contrário, quando a crise acaba, as pessoas tiram a moeda e colocam-na em circulação.
O efeito de curto prazo é muito mais forte que o efeito de longo prazo, e a função do Banco Central é manter a quantidade de moeda em circulação na linha de tendência de longo prazo. Assim, tem de meter mais moeda em circulação quando as pessoas a metem debaixo do colchão (durante as crises) e vice-versa.
O problema do ouro é que a "emissão de nova moeda" está dependente da produção das minas que não tem ligação com as necessidades monetárias.
O PREÇO NOMINAL.
Para a quantidade de moeda em circulação ser controlável pelo soberano, é necessário que seja barata de fazer, difícil de falsificar, fácil de transportar e que não se estrague com o tempo.Surgiu então o papel moeda (as notas).
As notas não têm valor intrinco, são apenas papeis cujo valor de troca está apenas baseado na palavra do soberano de que, no longo prazo, não vai imprimir mais notas.
Agora, os preços deixam de ser REAIS, ser denominados em termos de um bem com valor, e passam a ser NOMINAIS, serem apenas denominados em referência a um número, euros, dólares ou pesos.
Os preços denominados em papel são os preços que vemos no supermercado.
Agora, se aumentar a quantidade de papel em circulação, isto é, o soberano imprimir muitas notas, o papel perde valor (se há mais, então, passa a valer menos), isto é, a moeda desvaloriza o que é a contrapartida para os preços nominais aumentarem.
Se ontem um papel permitia comprar um quilograma de carne, como hoje há muito mais papel, este vale menos passando a ser necessário 2 papeis para comprar a mesma quantidade de carne. A inflação foi de 100%.
A importância da promessa do soberano.
É que quando as pessoas guardam notas debaixo do colchão querem que o seu valor perdure no tempo. Se o soberano, de hoje para amanhã, imprime mais notas, as notas guardadas perdem valor.
Ao perderem valor, ninguém quer usar as notas que, rapidamente, perdem o valor e, consequentemente, a inflação dispara.
2 = Vamos ao Banco Central.
O banco central tem por única função manter a quantidade de moeda em circulação constante.
Quando, no princípio das crises, as pessoas metem as notas debaixo do colchão, o banco central lança mais notas na economia. no fim das crises, quando as pessoas começam a tirar as notas do colchão, o banco central tem de retirar notas de circulação.
O banco central mede se há notas em excesso, observando a taxa de inflação.
Se a taxa de inflação é elevada, então, as notas estão a desvalorizar o que traduz que há notas a mais a circular. Tira notas da economia.
Se a taxa de inflação é baixa (podendo ser negativa), então, as notas estão a valorizar o que traduz que há notas a menos a circular. Mete notas na economia.
O banco central deveria ter retirado notas de circulação em 2021.
Quando veio a crise de 2020 (em resposta ao confinamento da pandemia), os bancos centrais injectaram muita moeda nas economia. Essa moeda foi transformada em subsídios por parte dos estados que se traduziu em poupança das famílias que era falsa (aparentemente poupou-se mas foram apenas notas a substituir o que não foi produzido durante o confinamento).
Quando as pessoas começaram a gastar essas notas, não havia bens na economia o que fez com que os preços aumentassem.
Essas notas deveriam ter sido retiradas de circulação quando o confinamento acabou.
Deveria mas os governos populistas não deixaram.
O discurso foi "Este aumento dos preços é de curto prazo".
Como as notas não foram retiradas de circulação em 2021, foi preciso retira-las em 2022 e 2023.
3 = E como o banco central retira as notas de circulação?
Se o banco central quiser meter mais notas em circulação, o mais intuitivo é "comprar" títulos de dívida pública (que guarda no cofre) com dinheiro novo (que imprime ou que tinha guardado no cofre).
Se o banco central quiser retirar notas de circulação, o mais intuitivo é "vender" os títulos de dívida pública que tem no cofre e destruir o dinheiro arrecadado (metê-lo no cofre à espera da próxima crise).
O banco central também pode obrigar os bancos a guardar notas!
Os bancos aceitam depósitos (de notas) e concedem crédito (em notas). O banco central pode impor aos bancos que X% dos depósitos têm de ser guardados no cofre (são as reservas obrigatórias).
Vamos supor que as reservas obrigatórias são 20% dos depósitos.
Se o banco central pretender que a quantidade de notas em circulação aumente, diz aos bancos "A partir de hoje, as reservas obrigatórias descem para 19%".
Se o banco central pretender que a quantidade de notas em circulação dimnua, diz aos bancos "A partir de hoje, as reservas obrigatórias descem para 21%".
O banco central não tem nada a ver com taxas de juro!
O banco central compra coisas (lança notas na economia) e vende coisas (retira notas da economia). Depois, se a taxa de juro aumenta ou diminui é um problema do equilíbrio do mercado da poupança.
4 = De onde vem a taxa de juro (taxa de desconto) do banco central?
É que o banco central pode aumentar ou diminuir a quantidade de moeda em circulação concedendo empréstimos ou aceitando depósitos.
Em vez de comprar/vender activos ou impor reservas aos bancos, o banco central vai anunciar uma taxa de juro, por exemplo, 3%/ano e aceita todos os depósitos em notas que o sistema bancário quiser depositas a 2.5%/ano (taxa de desconto passiva) e concede todo o crédito em notas que os bancos queiram pedir (taxa de desconto activa).
A diferença chama-se Janela de Desconto.
Porque se chama taxa de desconto.
Quando uma pessoa pede 100€ durante um ano à taxa de 10%/ano, vai pagar no fim do prazo 110€.
No banco central, a pessoa pede 100€, que vai pagar no fim do ano, mas só vai receber 90,91€. Somando 10% aos 90.91€, teremos de pagar 100€. Como o dinheiro que recebemos tem "um desconto", chama-se "taxa de desconto" a esta taxa de juro.
A gestão com a taxa de desconto transmite mais informação ao mercado.
A gestão de uma zona monetária usando a janela de desconto permite um comportamento mais suave da economia mas há países que não utilizam este instrumento.
Nesses países em que o povo é ignorante, onde pensam que o EURIBOR sobe por causa da taxa de desconto do banco central subir, o governador do banco central não consegue resistir à pressão política pelo que não concede nem aceita notas (não fixa nenhuma taxa de desconto).
Parece que Portugal está no grupo dos "países ignorantes"
Eu ouço iminentes professores catedráticos, presidente da república, líder da oposição, comentadores de economia e o povo dizer que o BCE tem de parar com os aumentos na taxa de desconto "porque as pessoas estão à rasca com o crédito à habitação".
Mas nada disso é verdade, a intervenção do BCE não é a causa da subida da EURIBOR mas o contrário, a subida da EURIBOR é que obriga o BCE a subir a taxa de desconto.
A EURIBOR é a taxa de juro com que um banco se pode financiar junto de outro banco. Se o BCE emprestar notas a uma taxa de juro menor, isso vai inundar a economia com notas novas.
FINALMENTE = Como se pode resolver o problema dos créditos à habitação.
Os juros que se pagam têm uma parte que é a taxa de juro real e a outra parte é a inflação.
O que o governo pode fazer é obrigar os bancos a retirar a inflação das amortizações.
Vou detalhar.
A taxa de inflação deveria ser de 2%/ano e está em 5.5%/ano. Vamos calcular a diferença, 5.5%-2% = 3.5%.
Agora, vamos à taxa da EURIBOR por exemplo, 4,3%/ano, e retiramos os 3.5%, ficando 0,8%/ano.
A prestação passa a ser calculada com os 0,8%/ano e os 3.5% aumentam o valor em dívida.
Quando a taxa de inflação descer, faz-se a conta em sentido contrário.
Solução simples, economicamente fundamentada e fácil de implementar.
No Brasil chama-se a isto "correcção monetária".