Por Randy Booth
Bem, em certo sentido a Bíblia diz que todos nós somos criancinhas, como Jesus indicou quando disse a seus discípulos: “Filhinhos, ainda um pouco estou convosco” (João 13:33). Portanto, em princípio, está claro que as crianças pequenas devem adorá-Lo. Mas há um outro sentido em que falamos “crianças pequenas”, e que, claro, se refere a bebês que ainda dão os primeiros passos. Que obrigação têm eles, se têm, no culto a Deus e, mais particularmente, que lugar eles têm, se têm, na reunião de culto a Deus?
Como povo de Deus, nós devemos nos regozijar ao ouvir barulho de crianças em nosso meio. Isso é uma indicação da bênção que elas têm na aliança e de seu dom da vida. Deus dessa forma aumenta nosso número e avança seu reino através das gerações. Mas isso significa que, sem exceção, as crianças devem sempre estar presentes com seus pais na congregação? Este artigo busca oferecer algumas diretrizes bíblicas tanto para pais de crianças pequenas como para a congregação ao se reunir para adoração.
A menor das crianças é capaz de aprender grandes coisas
Crianças pequenas são esponjas quando se trata de absorver nova informação. Em Lucas 1:44 a Bíblia registra esta assertiva de Isabel, a mãe de João Batista, quando ela ouviu Maria: “Pois, logo que me chegou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criança estremeceu de alegria dentro em mim”. Mesmo quando eles parecem não estar prestando atenção, as crianças menores com freqüência nos surpreendem quando as ouvimos recitar exatamente o que nós pensávamos que eles tinham deixado passar (às vezes, para nosso deleite ou desgosto). A partir do momento em que uma criança nasce (ou talvez mesmo antes disso), os pais começam a ensinar seus filhos falando, cantando e praticando perante eles a vida cristã. O fato de elas não poderem articular ou imitar imediatamente tudo o que compartilhamos com elas não nos leva a parar de ensiná-las. Nós sabemos que logo elas vão pegar e imitar o que lhes foi ensinado. Mesmo que a criança não entenda tudo o que ela está fazendo, ela está aprendendo que essas são as coisas que o povo de Deus faz. No seu tempo ela entenderá por quê.
Não há nada mais importante para uma criança aprender do que o culto a Deus, privado e na congregação. Essa é uma das principais obrigações de todas as criaturas de Deus. Assim como ensinamos nossos filhos a andar e a falar, ao mesmo tempo nós deveríamos diligentemente ensiná-las as Escrituras e como elas devem adorar a Deus ao “sentarem em sua casa”, ao “andarem pelo caminho”, ao “deitar”, ao “levantar” (Dt 6:6-7). Nós temos um exemplo claro na Bíblia da importância desse treinamento desde cedo encontrado em 2 Timóteo 3:15, onde o apóstolo Paulo escreve a Timóteo, dizendo: “E que desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus.” A palavra grega para “infância” neste texto é a palavra usada para descrever um bebê de berço. Sem dúvida, o infante Timóteo ouviu a palavra de Deus da boca de sua mãe fiel Eunice e de sua avó Lóide desde que nasceu.
Ser adulto não é garantia de que se aprenderá ou compreenderá a verdade de Deus. Jesus é grato porque a verdade é revelada mesmo aos imaturos: “Naquela hora exultou Jesus no Espírito Santo e exclamou: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Lc 10:21). Enquanto possa ser um mistério para os adultos, contudo Deus é claramente capaz de se comunicar com e receber louvor até mesmo de bebês. De fato, nós lemos a profecia no Salmo 8:2 de que, na verdade, é assim que acontece; uma profecia que foi cumprida em Mateus 21:15-16: “Mas vendo os principais sacerdotes e os escribas as maravilhas que Jesus fazia, e os meninos clamando: Hosana ao Filho de Davi, indignaram-se, e perguntaram-lhe: Ouves o que estão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Sim; nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?” Embora os cristãos não devam ser místicos, entretanto, também não devemos rejeitar o fato de que há mistérios nos caminhos de Deus, e que o Espírito, assim como o vento, “sopra onde quer” (Jo 3:8).
Crianças são membros da comunidade do pacto
Nós precisamos entender de forma clara que todas as promessas de Deus com relação ao pacto pertencem a “ti e teus filhos”. Os filhos da aliança são membros da comunidade da aliança e tem direito a seus benefícios. Assim como a circuncisão era um benefício dos judeus [“Muita, sob todos os aspectos” (Rm3:2)], assim também, aqueles que receberam o sinal do pacto e selo do batismo têm todos os privilégios do pacto. Paulo especialmente aponta para o fato de que o principal privilégio deles é que a eles foram dados “os oráculos de Deus”. Em outras palavras, a Palavra de Deus é dada a todos os membros da comunidade do pacto, incluindo as crianças pequenas.
Quando Moisés reuniu a congregação do Senhor, pelo que Deus os estabeleceu como Seu povo da aliança, a congregação estava toda incluída: “Vós estais hoje todos perante o Senhor vosso Deus: os cabeças de vossas tribos, vossos anciãos e os vossos oficiais, todos os homens de Israel: os vossos meninos, as vossas mulheres, e o estrangeiro que está no meio do vosso arraial; desde o vosso rachador de lenha até ao vosso tirador de água; para que entres na aliança do Senhor teu Deus, e no seu juramento que hoje o Senhor teu Deus faz contigo; para que hoje te estabeleça por seu povo, e ele te seja por Deus, como te tem prometido, como jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó. Não é somente convosco que faço esta aliança, e este juramento, porém com aquele que hoje aqui está conosco perante o Senhor nosso Deus, e também com aquele que não está aqui hoje conosco” (Dt 29:10-15).
O pacto de Deus com seu povo obviamente inclui não apenas seus filhinhos, mas até mesmo aqueles ainda não são nascidos. Esse pacto continua na Nova Aliança, onde a promessa é ratificada no dia de Pentecoste: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar” (At 2:39). As epístolas do Novo Testamento são com freqüência endereçadas aos membros constituintes da família da aliança, i.e., maridos, pais, mulheres, mães, filhos e servos (cf. Ef 5:6; Cl 3:18-25).
Os filhos eram centrais na obra da Antiga Aliança e, sendo que a Nova Aliança não é senão uma expansão da Antiga Aliança, eles continuam a ser centrais na obra redentora de Deus entre Seu povo. No coração da aliança de Deus com Abraão estava a condição que Deus estabeleceu a Abraão: “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor, e pratiquem a justiça e o juízo; para que o Senhor faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito” (Gn 18:19).
Crianças pequenas devem ser incluídas na reunião do culto público?
Esta é uma importante pergunta. Nós encontramos precedentes bíblicos tanto para resposta afirmativa como para negativa, ou talvez melhor dizendo: às vezes, sim; e às vezes, não. Com freqüência, quando a Bíblia se refere à assembléia do povo de Deus ou à congregação, as crianças menores estão incluídas. Por exemplo, em 2 Crônicas 20:13: “Todo o Judá estava em pé diante do Senhor, como também as suas crianças, as suas mulheres, e os seus filhos”; e em Josué 8:35: “Palavra nenhuma houve, de tudo o que Moisés ordenara, que Josué não lesse para toda a congregação de Israel, e para as mulheres, e os meninos, e os estrangeiros, que andavam no meio deles”. Da mesma forma, em Joel 2:15 nós lemos: “Tocai a trombeta em Sião, promulgai um santo jejum, proclamai uma assembléia solene. Congregai o povo, santificai a congregação, ajuntai os anciãos, reuni os filhinhos e os que mamam; saia o noivo de sua recâmara, e a noiva de seu aposento.” Logo após este chamado de trombeta nesta profecia (2:28-32), Pedro nos diz que Joel estava falando do derramamento do Espírito Santo no Dia de Pentecostes.
O próprio Jesus pensou que era apropriado que crianças fossem trazidas à sua presença: Marco 10:13-16: “Então lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele. Então, tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava.” Novamente, a palavra grega usada aqui é “bebês”. Parece ser um erro proibir mesmo as crianças mais pequenas de participar do culto a Cristo.
Como regra, os filhos da aliança devem estar presentes com a congregação no culto. Eles fazem parte do corpo unido e por isso devem fazer parte do culto unido. Isso faz parte da essência de quem eles são como filhos do pacto, contudo, isso não é o mesmo que dizer que seja sempre necessário que esses pequeninos estejam presentes em todo tipo de reunião congregacional. Algumas reuniões podem não ser apropriadas para crianças muito pequenas. No Velho Testamento nós vemos que três vezes ao ano apenas os homens apareciam perante o Senhor, e em Neemias 8:2 nós lemos: “Esdras, o sacerdote, trouxe a lei perante a congregação, assim de homens como de mulheres, e de todos os que eram capazes de entender o que ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês.” Algumas reuniões podem ser especialmente engendradas para homens, ou pastores, ou alguma outra ocasião especial. Elas podem ser muito longas para crianças pequenas, como no caso de conferências com múltiplas sessões, ou (como no caso citado acima) o assunto simplesmente esteja além de sua compreensão. Contudo, essas reuniões são primariamente mais para instrução do que para culto.
Quando crianças são trazidas ao culto é essencial que os pais estejam conscientes do fato de que não basta que simplesmente elas estejam presente, mas também que elas devem ser treinadas no modo apropriado de cultuar. As crianças devem ser ensinadas a sentar e permanecer quietas em respeito a seus pais e aos outros, e elas devem também aprender que a razão disso é a honra e a adoração a Deus. Os pais, da mesma forma, têm uma obrigação para com os outros adoradores e para com o próprio Deus em não permitir que seus filhos se distraiam no culto. É responsabilidade dos pais ensinar, disciplinar e manter controle de seus filhos no culto. O objetivo é treinar as crianças a exercer autocontrole e aprender como adorar.
Os pais devem estabelecer de forma clara as regras de comportamento para suas crianças, assim como ajudá-las a entender a razão por que elas estão no culto. Durante o processo deste treino as crianças inevitavelmente cruzarão linhas e precisarão de mais ensino, reprovação, correção e instrução na justiça (2 Tm 3:16). Eu mencionei na introdução que as congregações “deveriam se regozijar ao ouvir o barulho de infantes em seu meio”. Um dos sons sobre o que elas deveriam se regozijar são os sons da disciplina: uma criança senso discretamente corrigida por seu pai ou mãe, ou até o som ocasional de choro ao serem elas levadas do santuário para uma forma mais intensa de repreensão.
Pais com crianças muito pequenas, ou aqueles com filhos no processo de serem treinadas, deveriam sentar próximo à porta e estar preparadas para discretamente sair do santuário, se seus filhos começarem a chorar, ou, do contrário, distrairão os outros. Um choramingo ou acalento ocasional é normal e geralmente não requer muito mais que pegar a criança e embalá-la ou dar-lhe palmadinhas nas costas. Contudo, se isso não for o suficiente para sossegar a criança, os pais devem, por cortesia e respeito pelos outros e pelo culto, retirar seu filho da assembléia até que ele tenha sido acalmado.
Crianças que estão começando a andar são um desafio diferente para os pais. A esta altura elas deveriam estar treinadas a entender o que a palavra “não” significa e deve-se esperar que permaneçam sentadas durante o culto tranquilamente. Se fracassarem em fazer assim, então elas devem ser tratadas como em qualquer outra desobediência obstinada (i.e., pecado) e a disciplina apropriada deve ser aplicada. Todos nós entendemos que elas são “crianças pequenas”, mas lembre-se, nossa responsabilidade como pais é trazê-las à maturidade ensinando-as o que devemos e insistindo que elas obedeçam. Se uma criança está geniosa porque esteve doente, ou está nascendo dente, ou tem alguma outra razão legítima para não se sentir bem, então, talvez, não seja adequado que ela esteja presente com a congregação nesse dia. Entretanto, mesmo cansada ou doente as crianças não devem ser permitidas que pequem. Algumas sugestões práticas para pais de crianças que estão começando a andar são:
1. Fique certo de que você deixou claro quais são as regras de comportamento com relação ao que você espera de seu filho durante o culto (ex: não falar, não fazer outros barulhos, mexendo-se, rasgando papel, dando voltas ao redor do assento, etc.).Ensine-o para o que é o culto, usando termos apropriados para a sua idade. Pratique durante o culto doméstico como eles devem se comportar no culto público: ensine-os a ficar quietos quando a Bíblia é lida, a ouvir o pregador, e a cantar salmos e hinos. Se você faz culto regularmente e com ordem em casa, você não deverá ter problema no culto público no Dia do Senhor.
2. Pais sabem quais são as necessidades de seus filhos. Algumas crianças precisam queimar um pouco de energia (ex: correndo e brincando), enquanto outras é melhor que não se firam antes ou entre os cultos. Em ambas, os pais são responsáveis por ajudá-las a estarem preparadas para o culto e as crianças têm o dever de obedecer aos seus pais e a se conduzirem de maneira respeitosa.
3. Leve-os à sala de descanso e para tomar água antes ou entre os cultos.
4. Se seu filho quebrar as regras durante o culto, e uma correção menor não o fizer se conformar, então os pais deverão retirar-se com a criança, discipliná-la e trazê-la de volta. Levá-la simplesmente para fora do culto ou levá-la à sala de berço sem disciplina não funcionará. Eles simplesmente aprenderão que seu mau comportamento os habilita a manipular seus pais.
5. Quando os pais ensinam a seus filhos de forma consistente que o que eles dizem é sério e os punirão de forma consistente se eles não obedecerem, suas crianças estarão mais inclinadas a atender à correção sussurrada durante o culto.
6. Os pais devem ter em mente que o “culto de uma criança que está aprendendo a andar” vai parecer diferente do culto adulto. Elas podem segurar o hinário de cabeça para baixo, ou dizer amém na hora errada. Além do mais, isso variará de criança para criança e elas não aprenderão todas do mesmo jeito ou ao mesmo passo. O importante é que elas estão aprendendo como adorar.
E sobre berçários?
É óbvio que nas Escrituras há um silêncio sobre aquilo que passamos a chamar de berçário. O princípio bíblico que governa esta questão é o fato de que os pais são responsáveis por seus filhos. A igreja não tem nenhuma obrigação específica de providenciar serviços com crianças, embora certamente obras de misericórdia possam conclamar por ajuda voluntária em circunstâncias especiais. Todos vimos com simpatia os fardos de uma mãe de primeira-viagem ou uma mãe com muitos filhos. Às vezes, ela se sente sobrecarregada com suas responsabilidades e pode pensar: “Não vale a pena ir à igreja, se tenho que lidar com todas essas crianças.” Talvez as sugestões seguintes possam ser de alguma ajuda:
1. Os pais deveriam providenciar algum tempo livre para as mães durante a semana, cuidando das crianças eles mesmos ou pelo menos assegurando que sua esposa tenha outra forma de assistência de seus constantes labores. Isto evitará que o domingo pareça ser o único tempo que ela tenha uma folga.
2. Membros regulares da igreja devem trazer seus filhos ao culto imediatamente, a fim de começar a treiná-los em uma das coisas mais importantes que Deus nos chama a fazer: adorar.
3. Membros amigos na igreja ou parentes podem ser chamados para auxiliar nessa tarefa de ajudar com as crianças durante o culto, especialmente quando há muitas crianças para cuidar.
4. Os diáconos devem assegurar que os assentos próximos à porta do santuário permaneçam disponíveis para pais com crianças pequenas a fim de facilitar melhor uma saída necessária.
5. Os diáconos, onde for possível, poderiam providenciar uma “sala do choro” para mães e seus filhos. Essa sala poderia ser equipada com som, vídeo ou um vidro com película espelhada de modo que as mães possam ainda receber alguma porção do culto, se elas precisarem estar ausentes temporariamente.
6. Uma lista de voluntários para trabalhar no berçário deveria ser mantida em caso de necessidades especiais, especialmente para visitantes cujas crianças possam não ficar sob controle ou não estar preparadas para permanecer sentadas durante o culto.
Conclusão
Obviamente, crianças pequenas devem fazer parte do culto. Elas estão prontas para participar junto com a congregação tão logo os pais assumam a responsabilidade de ensinar, treinar e disciplinar seus filhos para o culto. Certamente, há exceções em que não será sábio ou apropriado que crianças pequenas estejam presentes numa reunião congregacional. Nesses casos, embora os pais continuem responsáveis pelo cuidado de seus filhos, um berçário voluntário poderá se provar um genuíno serviço cristão para se lidar com essas necessidades temporárias. Quando os pais levam a sério sua responsabilidade em treinar seus filhos para participar do culto do Senhor (respeitando as necessidades dos outros presentes), então seus pequeninos serão um deleite para todos: especialmente para o Senhor. Da mesma forma, a paciência, orações e auxílio dados a esses pais e crianças pelo resto da congregação facilitará a preparação dos filhos da aliança para o culto. Esse labor será muito válido quando outra geração de crianças for habilitada para servir e adorar fielmente ao nosso glorioso Deus.
_______________
Robert [Randy] Booth tem sido pastor da Igreja Presbiteriana do Pacto da Graça (PCA) em Texarkana, Arkansas, nos últimos 16 anos. Ele também serve como diretor da Covenant Media Foundation e é um membro do corpo docente da Veritas Classical Christian School, e é o autor do livro Filhos da Promessa.
Extraído do Ordained Servant, vol. 8, nº 4 (Outubro 1999).
Revisado por Ewerton B. Tokashiki
O labor teológico de quem se preocupa em oferecer a sistematização e aplicabilidade das Escrituras para a proclamação do Reino de Deus
08 março 2018
23 fevereiro 2018
Um breve e-mail ao Pr Gnésio Carismato
[o e-mail e o pastor são fictícios]
Meu querido Rev Gnésio Carismato
Quanta saudade!
É triste morarmos tão longe um do outro e não podermos, de vez em quando, beber um cafezinho acompanhado de pães de queijo. Os meus filhos sentem falta de seus “causos” e aquelas boas piadas que você conta tão bem.
Meu nobre irmão resolvi enviar este e-mail a fim de falar, com temor e tremor no Senhor, acerca de algo que você anda escrevendo. Recentemente li algumas de suas cartas na internet e tenho tirado bom proveito delas. Entretanto, preciso observar que embora elas gotejem alguma sabedoria e instruam a muitos em linhas gerais, parece-me que quem conhece o contexto de alguns assuntos nestes escritos, na verdade soam como desabafos de mágoas não resolvidas, e desafetos que ainda incomodam os seus pensamentos. Talvez, seja apenas uma errônea impressão minha, mas outros leitores têm a mesma percepção. Admiro-o, e não gostaria que as pessoas o lessem, lendo as entrelinhas, e percebendo que, às vezes, o amor cristão está ausente. E pior, que você está atacando, envergonhando, desmoralizando e matando a reputação de irmãos que poderiam ser corrigidos numa conversa franca, conforme nos instruí o Senhor Jesus em Mt 18.
Mas você também poderia ponderar que, talvez, a sua opinião esteja errada, e você se faz reprovado ao condenar o que pode ser verdadeiro. Afinal, somos uma igreja confessional, e este é o critério objetivo para julgar questões doutrinárias e morais, práticas litúrgicas, tradições ou inovações. Os padrões de fé são a norma normata, e nós juramos, em nossa ordenação, subscrição integral a estes documentos. Declaramos vigorosamente "sim" quando questionados se "2º. Vocês recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras?". Somos confessionais, então, pratiquemos a subscrição confessional.
Preocupo-me com a sua boa reputação, porque você é alguém muito querido ao meu coração. Meu irmão, se há alguma mágoa, algum pecado que precisa ser confessado, odiado e rejeitado, então o faça. Faça-o primeiro diante do Senhor, e se for necessário procure quem for preciso, mas não direcione a sua indisposição contra os nossos irmãos em Cristo, causando divisões, e fazendo sangrar o corpo do Redentor. Infelizmente, às vezes, as suas cartas têm ajudado a criar espantalhos, e lembre-se, pessoas machucadas atacam pessoas, e por vezes, usam rótulos amorfos convergindo neles sentimentos pecaminosos. Não criemos rótulos confusos que mais prejudicam do que esclarecem. Se discordamos de ideias ou doutrinas, seja o pensamento a arena de discussão, e não as nossas relações fraternas. Creio que na promoção de inimizades no meio da nossa denominação Deus não está sendo glorificado! Não alimente o pecado dessas pessoas.
Quando vier por estas bandas avise-me com antecedência. Quero recebê-lo em minha casa, e você sabe que a minha esposa e filhos o amam, e é sempre uma alegria tê-lo conosco. Você é bem-vindo ao meu lar!
P.S.* ainda aguardo que me devolva o livro que lhe emprestei. Antes tarde do que nunca kkkk
Um forte abraço,
De seu conservo.
Meu querido Rev Gnésio Carismato
Quanta saudade!
É triste morarmos tão longe um do outro e não podermos, de vez em quando, beber um cafezinho acompanhado de pães de queijo. Os meus filhos sentem falta de seus “causos” e aquelas boas piadas que você conta tão bem.
Meu nobre irmão resolvi enviar este e-mail a fim de falar, com temor e tremor no Senhor, acerca de algo que você anda escrevendo. Recentemente li algumas de suas cartas na internet e tenho tirado bom proveito delas. Entretanto, preciso observar que embora elas gotejem alguma sabedoria e instruam a muitos em linhas gerais, parece-me que quem conhece o contexto de alguns assuntos nestes escritos, na verdade soam como desabafos de mágoas não resolvidas, e desafetos que ainda incomodam os seus pensamentos. Talvez, seja apenas uma errônea impressão minha, mas outros leitores têm a mesma percepção. Admiro-o, e não gostaria que as pessoas o lessem, lendo as entrelinhas, e percebendo que, às vezes, o amor cristão está ausente. E pior, que você está atacando, envergonhando, desmoralizando e matando a reputação de irmãos que poderiam ser corrigidos numa conversa franca, conforme nos instruí o Senhor Jesus em Mt 18.
Mas você também poderia ponderar que, talvez, a sua opinião esteja errada, e você se faz reprovado ao condenar o que pode ser verdadeiro. Afinal, somos uma igreja confessional, e este é o critério objetivo para julgar questões doutrinárias e morais, práticas litúrgicas, tradições ou inovações. Os padrões de fé são a norma normata, e nós juramos, em nossa ordenação, subscrição integral a estes documentos. Declaramos vigorosamente "sim" quando questionados se "2º. Vocês recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como fiel exposição do sistema de doutrina ensinado nas Santas Escrituras?". Somos confessionais, então, pratiquemos a subscrição confessional.
Preocupo-me com a sua boa reputação, porque você é alguém muito querido ao meu coração. Meu irmão, se há alguma mágoa, algum pecado que precisa ser confessado, odiado e rejeitado, então o faça. Faça-o primeiro diante do Senhor, e se for necessário procure quem for preciso, mas não direcione a sua indisposição contra os nossos irmãos em Cristo, causando divisões, e fazendo sangrar o corpo do Redentor. Infelizmente, às vezes, as suas cartas têm ajudado a criar espantalhos, e lembre-se, pessoas machucadas atacam pessoas, e por vezes, usam rótulos amorfos convergindo neles sentimentos pecaminosos. Não criemos rótulos confusos que mais prejudicam do que esclarecem. Se discordamos de ideias ou doutrinas, seja o pensamento a arena de discussão, e não as nossas relações fraternas. Creio que na promoção de inimizades no meio da nossa denominação Deus não está sendo glorificado! Não alimente o pecado dessas pessoas.
Quando vier por estas bandas avise-me com antecedência. Quero recebê-lo em minha casa, e você sabe que a minha esposa e filhos o amam, e é sempre uma alegria tê-lo conosco. Você é bem-vindo ao meu lar!
P.S.* ainda aguardo que me devolva o livro que lhe emprestei. Antes tarde do que nunca kkkk
Um forte abraço,
De seu conservo.
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23 janeiro 2018
Quem deve pregar a Palavra de Deus? - CMW Q/R - 158
Por Johannes Geerhardus Vos
Pergunta 158. Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
R. A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que forem suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
Referências bíblicas
• 1Tm 3.2, 6; Ef 4.8-11; Os 4.6; Ml 2.7; 2Co 3.6. Aqueles que pregam a Palavra de Deus publicamente devem possuir obrigatoriamente certas qualificações definidas na Bíblia.
• Jr 14.15; Rm 10.15; Hb 5.4; 1Co 12.28-29; 1Tm 3.10; 4.14; 5.22. A Palavra de Deus deve ser pregada publicamente somente pelos que foram legitimamente chamados para o ofício do ministério da Palavra.
Comentário
1. Essa pergunta do catecismo trata especialmente de que tipo de pregação da Palavra?
Trata da pregação da Palavra numa congregação da igreja de Cristo. Pode-se inferir isso das palavras “em público para a congregação” na resposta da Pergunta 156. Quem não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação pública oficial da Palavra na igreja deve ser feita apenas por aqueles devidamente separados para essa obra.
2. Por que a pregação oficial da Palavra deve ser feita só “pelos que forem suficientemente dotados”?
Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado. Um homem que não tenha nascido de novo e que não seja um consistente crente em Cristo, não tem obviamente condição de pregar a Palavra de Deus aos outros; seria apenas um cego conduzindo outro. Um homem incapaz de pensar corretamente, incapaz de detectar falácias de um argumento perverso, é passível de ser ele mesmo desviado por um falso ensinamento e, por sua vez, capaz de desviar outros. Um homem a quem falta educação geral e teológica normalmente não será capaz de fazer justiça à grande obra de pregação da Palavra de Deus e correrá o perigo de pregar uma mensagem desequilibrada ou parcial. Quando Deus chama um homem para a obra do ministério, também o aparelha com as habilidades e qualificações necessárias para que possa realizar a obra adequadamente.
3. Por que a nossa igreja, e a maioria das igrejas protestantes, exige a formação superior completa num seminário para o ofício do ministério?
Quanto mais importante for a obra, mais importante será que tenham o treinamento adequado os que a realizarão. Sempre tem havido quem ache que seja perda de tempo, em maior ou menor grau, gastar sete anos na formação superior num seminário, preparando-se para a obra do ministério. Há hoje em muitas denominações a pressão constante para que essas exigências sejam relaxadas e que sejam admitidos no ministério homens que tenham menos do que isso. Alguns consideram quer as matérias ensinadas em um curso superior – como filosofia, história e literatura – sejam inúteis ao ministério e uma perda de tempo que deveria ser investido “ganhando almas”. Há, da mesma maneira, quem pense que um breve “Curso de Bíblia” e mais algumas matérias práticas como a retórica religiosa (homilética) e prática pastoral devam ser suficientes e que o amplo estudo de Hebraico, Grego, História Eclesiástica e Teologia Sistemática sejam desperdício de tempo.
Ninguém que precisasse passar por uma cirurgia estaria disposto a ir a um cirurgião que obteve o seu treinamento através de atalhos. O Estado insiste, corretamente, que aqueles cujas decisões e ações envolva a vida ou a morte de seus semelhantes estejam plenamente treinados para o exercício de seu ofício. Quão mais importante é que os ministros do evangelho, cujo trabalho pode afetar o destino eterno de seres humanos, estejam plenamente instruídos para a tarefa a eles designada. Considerando-se o espaço tempo necessário ao treinamento na medicina e de outras doutas profissões, os quatro ou cinco anos empenhados no curso superior de um seminário não são demasiados para o treinamento ministerial.
O ministro a quem faltar o treinamento num seminário dificilmente conseguirá entender o mundo moderno ao qual ele tem de entregar a sua mensagem. O estudo de filosofia, história e de outras matérias acadêmicas está longe de ser uma perda de tempo. Elas apresentam o cenário do pensamento moderno e habilitam o ministro a proclamar todo o conselho de Deus de um modo que confronte cabalmente a situação dos dias presentes. Semelhantemente o estudo de Grego, Hebraico, Teologia Sistemática, etc., é qualquer coisa, menos perda de tempo, pois permitem ao ministro conhecer de primeira-mão a Bíblia e seus ensinamentos, e pregar uma mensagem bíblica, consistente e integrada.
A tendência moderna de contar os estudos “teóricos” e aumentar os estudos “práticos” na preparação para o ministério é deplorável e deve ser resistida. Existem dois tipos de seminários teológicos e institutos bíblicos. Num deles o alvo é instrumentar o estudante com uma certa quantidade de material pronto com o qual ele pode sair e ir pregar. No outro, o objetivo é colocar nas mãos do estudante as ferramentas do estudo bíblico e da pesquisa teológica e treiná-lo para usá-las corretamente. Daí, então, ele pode sair e pregar e a matéria-prima da sua pregação jamais vai se esgotar enquanto viver. Cremos que este último é que é o único e apropriado tipo de treinamento para a obra do ministério.
Não se deve entender, pelo que foi dito, que jamais haja exceções a essas regras. É obvio que alguns discípulos do nosso Senhor tiveram pouca ou nenhuma educação formal, mas tornaram-se eficazes ministros da Palavra. Eles, no entanto, gozaram de inestimável vantagem de passarem três anos na companhia de Jesus sob a Sua instrução pessoal. Deus às vezes chama para o oficio ministerial um homem com pouca ou nenhuma educação formal e nesses casos excepcionais, onde está evidente a chamada divina, a igreja não deve hesitar e, ordenar o candidato ao ministério. Tais casos, contudo, são muito raros, especialmente em dias em que são normais as oportunidades para a aquisição da educação. Não se deve permitir que a exceção torne-se regra.
4. Que significa “devidamente aprovados e chamados”?
Há uma chamada divina para o ministério e uma chamada para a igreja. Devemos lembrar sempre que o ministério não é uma profissão, mas um ofício. Ninguém pode simplesmente decidir tornar-se um ministro da mesma maneira que decide tornar-se advogado ou exercer uma linha de trabalho. É preciso ter alguma razão para se crer que seja chamado para o ministério. Isso não quer dizer uma revelação especial do céu, como um sonho ou uma visão, mas a consciência de que se possui em alguma medida as qualificações exigidas, juntamente com o sincero desejo de pregar o evangelho, a disposição para fazer sacrifícios pela causa de Cristo e de empenhar-se para obter a preparação necessária. Deus conduzirá ao ministério, as Sua própria maneira, àqueles a quem Ele chamar.
A chamada da igreja consiste, primeiro, em autenticar a chamada de Deus pela “devida aprovação” do candidato, suas convicções religiosas, sua habilidade geral e a sua preparação acadêmica e teológica. Essa “aprovação” está normalmente dividida em vários estágios. Primeiro, o candidato é recebido sob os cuidados de um presbitério como estudante para o ministério; depois de uma preparação parcial ele é licenciado para pregar; finalmente, depois de completada a preparação e com o convite de uma congregação ou junta missionária é ordenado ao ofício do ministério.
A chamada formal da igreja é o convite de alguma congregação para que o candidato venha ser o seu pastor, ou de alguma junta missionária ou outra agência da igreja visível para que o candidato se engaje na obra missionária local ou no estrangeiro, ou em algum outro aspecto da obra ministerial. Em todo caso, antes que o homem seja ordenado, deve haver uma chamada definitiva – seja para o pastorado de alguma congregação ou de outro campo de trabalho específico.
5. Por que antes de entrar no ofício ministerial o homem tem de ser devidamente chamado por Deus e pela igreja?
Nem mesmo o nosso Senhor Jesus Cristo fez de si sumo sacerdote, mas foi chamado por Deus para esse ofício da mesma maneira que Arão o fora (Hb 5.4-5). Apesar disso existem hoje muitos pregadores e missionários freelancers e independentes. Essa é uma tendência errada e deve ser desencorajada. Muitos desses pregadores e missionários independentes podem verdadeiramente ter sido chamados por deus e podem estar fazendo um bom trabalho pregando a Cristo, e este crucificado; mas há uma certa falta de consideração e negligência da igreja visível como instituição divina comprometida com a atitude deles, e3 que não pode ser aprovada. O chamado de Deus e o chamado da igreja não são antagônicos, toda verdadeira igreja é instrumento de Deus para o treinamento e o ordenamento de homens no ofício ministerial. Alguns há que, alegando uma piedade superior, sustentam que a chamada de Deus é suficiente e que eles não precisam da chamada e da ordenação da igreja. Essa falta de respeito para com a igreja visível não é bíblica e deve ser desestimulada.
Extraído de Johannes Geerhardus Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2007), pp. 508-511.
Revisado por Ewerton B. Tokashiki
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Pergunta 158. Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
R. A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que forem suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
Referências bíblicas
• 1Tm 3.2, 6; Ef 4.8-11; Os 4.6; Ml 2.7; 2Co 3.6. Aqueles que pregam a Palavra de Deus publicamente devem possuir obrigatoriamente certas qualificações definidas na Bíblia.
• Jr 14.15; Rm 10.15; Hb 5.4; 1Co 12.28-29; 1Tm 3.10; 4.14; 5.22. A Palavra de Deus deve ser pregada publicamente somente pelos que foram legitimamente chamados para o ofício do ministério da Palavra.
Comentário
1. Essa pergunta do catecismo trata especialmente de que tipo de pregação da Palavra?
Trata da pregação da Palavra numa congregação da igreja de Cristo. Pode-se inferir isso das palavras “em público para a congregação” na resposta da Pergunta 156. Quem não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação pública oficial da Palavra na igreja deve ser feita apenas por aqueles devidamente separados para essa obra.
2. Por que a pregação oficial da Palavra deve ser feita só “pelos que forem suficientemente dotados”?
Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado. Um homem que não tenha nascido de novo e que não seja um consistente crente em Cristo, não tem obviamente condição de pregar a Palavra de Deus aos outros; seria apenas um cego conduzindo outro. Um homem incapaz de pensar corretamente, incapaz de detectar falácias de um argumento perverso, é passível de ser ele mesmo desviado por um falso ensinamento e, por sua vez, capaz de desviar outros. Um homem a quem falta educação geral e teológica normalmente não será capaz de fazer justiça à grande obra de pregação da Palavra de Deus e correrá o perigo de pregar uma mensagem desequilibrada ou parcial. Quando Deus chama um homem para a obra do ministério, também o aparelha com as habilidades e qualificações necessárias para que possa realizar a obra adequadamente.
3. Por que a nossa igreja, e a maioria das igrejas protestantes, exige a formação superior completa num seminário para o ofício do ministério?
Quanto mais importante for a obra, mais importante será que tenham o treinamento adequado os que a realizarão. Sempre tem havido quem ache que seja perda de tempo, em maior ou menor grau, gastar sete anos na formação superior num seminário, preparando-se para a obra do ministério. Há hoje em muitas denominações a pressão constante para que essas exigências sejam relaxadas e que sejam admitidos no ministério homens que tenham menos do que isso. Alguns consideram quer as matérias ensinadas em um curso superior – como filosofia, história e literatura – sejam inúteis ao ministério e uma perda de tempo que deveria ser investido “ganhando almas”. Há, da mesma maneira, quem pense que um breve “Curso de Bíblia” e mais algumas matérias práticas como a retórica religiosa (homilética) e prática pastoral devam ser suficientes e que o amplo estudo de Hebraico, Grego, História Eclesiástica e Teologia Sistemática sejam desperdício de tempo.
Ninguém que precisasse passar por uma cirurgia estaria disposto a ir a um cirurgião que obteve o seu treinamento através de atalhos. O Estado insiste, corretamente, que aqueles cujas decisões e ações envolva a vida ou a morte de seus semelhantes estejam plenamente treinados para o exercício de seu ofício. Quão mais importante é que os ministros do evangelho, cujo trabalho pode afetar o destino eterno de seres humanos, estejam plenamente instruídos para a tarefa a eles designada. Considerando-se o espaço tempo necessário ao treinamento na medicina e de outras doutas profissões, os quatro ou cinco anos empenhados no curso superior de um seminário não são demasiados para o treinamento ministerial.
O ministro a quem faltar o treinamento num seminário dificilmente conseguirá entender o mundo moderno ao qual ele tem de entregar a sua mensagem. O estudo de filosofia, história e de outras matérias acadêmicas está longe de ser uma perda de tempo. Elas apresentam o cenário do pensamento moderno e habilitam o ministro a proclamar todo o conselho de Deus de um modo que confronte cabalmente a situação dos dias presentes. Semelhantemente o estudo de Grego, Hebraico, Teologia Sistemática, etc., é qualquer coisa, menos perda de tempo, pois permitem ao ministro conhecer de primeira-mão a Bíblia e seus ensinamentos, e pregar uma mensagem bíblica, consistente e integrada.
A tendência moderna de contar os estudos “teóricos” e aumentar os estudos “práticos” na preparação para o ministério é deplorável e deve ser resistida. Existem dois tipos de seminários teológicos e institutos bíblicos. Num deles o alvo é instrumentar o estudante com uma certa quantidade de material pronto com o qual ele pode sair e ir pregar. No outro, o objetivo é colocar nas mãos do estudante as ferramentas do estudo bíblico e da pesquisa teológica e treiná-lo para usá-las corretamente. Daí, então, ele pode sair e pregar e a matéria-prima da sua pregação jamais vai se esgotar enquanto viver. Cremos que este último é que é o único e apropriado tipo de treinamento para a obra do ministério.
Não se deve entender, pelo que foi dito, que jamais haja exceções a essas regras. É obvio que alguns discípulos do nosso Senhor tiveram pouca ou nenhuma educação formal, mas tornaram-se eficazes ministros da Palavra. Eles, no entanto, gozaram de inestimável vantagem de passarem três anos na companhia de Jesus sob a Sua instrução pessoal. Deus às vezes chama para o oficio ministerial um homem com pouca ou nenhuma educação formal e nesses casos excepcionais, onde está evidente a chamada divina, a igreja não deve hesitar e, ordenar o candidato ao ministério. Tais casos, contudo, são muito raros, especialmente em dias em que são normais as oportunidades para a aquisição da educação. Não se deve permitir que a exceção torne-se regra.
4. Que significa “devidamente aprovados e chamados”?
Há uma chamada divina para o ministério e uma chamada para a igreja. Devemos lembrar sempre que o ministério não é uma profissão, mas um ofício. Ninguém pode simplesmente decidir tornar-se um ministro da mesma maneira que decide tornar-se advogado ou exercer uma linha de trabalho. É preciso ter alguma razão para se crer que seja chamado para o ministério. Isso não quer dizer uma revelação especial do céu, como um sonho ou uma visão, mas a consciência de que se possui em alguma medida as qualificações exigidas, juntamente com o sincero desejo de pregar o evangelho, a disposição para fazer sacrifícios pela causa de Cristo e de empenhar-se para obter a preparação necessária. Deus conduzirá ao ministério, as Sua própria maneira, àqueles a quem Ele chamar.
A chamada da igreja consiste, primeiro, em autenticar a chamada de Deus pela “devida aprovação” do candidato, suas convicções religiosas, sua habilidade geral e a sua preparação acadêmica e teológica. Essa “aprovação” está normalmente dividida em vários estágios. Primeiro, o candidato é recebido sob os cuidados de um presbitério como estudante para o ministério; depois de uma preparação parcial ele é licenciado para pregar; finalmente, depois de completada a preparação e com o convite de uma congregação ou junta missionária é ordenado ao ofício do ministério.
A chamada formal da igreja é o convite de alguma congregação para que o candidato venha ser o seu pastor, ou de alguma junta missionária ou outra agência da igreja visível para que o candidato se engaje na obra missionária local ou no estrangeiro, ou em algum outro aspecto da obra ministerial. Em todo caso, antes que o homem seja ordenado, deve haver uma chamada definitiva – seja para o pastorado de alguma congregação ou de outro campo de trabalho específico.
5. Por que antes de entrar no ofício ministerial o homem tem de ser devidamente chamado por Deus e pela igreja?
Nem mesmo o nosso Senhor Jesus Cristo fez de si sumo sacerdote, mas foi chamado por Deus para esse ofício da mesma maneira que Arão o fora (Hb 5.4-5). Apesar disso existem hoje muitos pregadores e missionários freelancers e independentes. Essa é uma tendência errada e deve ser desencorajada. Muitos desses pregadores e missionários independentes podem verdadeiramente ter sido chamados por deus e podem estar fazendo um bom trabalho pregando a Cristo, e este crucificado; mas há uma certa falta de consideração e negligência da igreja visível como instituição divina comprometida com a atitude deles, e3 que não pode ser aprovada. O chamado de Deus e o chamado da igreja não são antagônicos, toda verdadeira igreja é instrumento de Deus para o treinamento e o ordenamento de homens no ofício ministerial. Alguns há que, alegando uma piedade superior, sustentam que a chamada de Deus é suficiente e que eles não precisam da chamada e da ordenação da igreja. Essa falta de respeito para com a igreja visível não é bíblica e deve ser desestimulada.
Extraído de Johannes Geerhardus Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2007), pp. 508-511.
Revisado por Ewerton B. Tokashiki
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21 janeiro 2018
Sete marcas de um ministério do púlpito puritano
Por Chad van Dixhoorn
Os membros da Assembleia em sua reforma do ministério da pregação na Inglaterra, concordaram com um rígido delineamento do que seria o perfil dos pregadores e a natureza da pregação. Este estudo final resume sete pontos de uma visão puritana dominante acerca do púlpito como articulado pela Assembleia de Westminster e seus membros.
1. Os embaixadores de Deus: pregadores ordenados
A primeira marca do púlpito puritano é que ele seja ocupado por um homem, ordenado para o Ministério do Evangelho, pela Igreja de Cristo. George Gillespie (1613-1648) teve a ordenação em mente quando recordou uma importante questão feita pelo apóstolo Paulo: “como eles pregarão, a menos que sejam enviados”? Com isso, ele inferiu que os pregadores recebem um chamado especial e um ofício especial. Nem toda ovelha é um pastor. Nem todo cidadão é um embaixador.
Gillespie estava respondendo aos contemporâneos que achavam que não havia “um chamado sagrado, nem a separação solene dos homens para o ministério”, uma visão que ele achava impraticável e não bíblica. Ele retrata o caos se todos fossem pregadores, e ele retorna à palavra do apóstolo Paulo: alguns são separados; apenas eles são “enviados”. Esse é o núcleo da doutrina da ordenação.
2. Pregadores treinados
Os ministros precisavam ser ordenados e igualmente serem treinados. John Lightfoot (1602-1675) argumentou que o estudo era necessário para que alguém fosse um pregador, pois ele foi necessário até mesmo para os apóstolos. Eles se comprometeram a “ouvir, estudar, conferir e meditar”, e estavam com o próprio Cristo por um ano inteiro, antes de serem enviados para pregar.
Alguns “criticam aprender e estudar”. Mas Thomas Goodwin (1600-1680) observa que se exigiu de Timóteo que estudasse. Goodwin argumenta que a pregação extemporânea apenas, sem estudo, é realmente contrária à Escritura. Ele também comenta (perceptivamente) que aqueles que argumentam contra o estudo ainda dependem muito do que ouviram e discutiram. Ninguém entra no púlpito como uma lousa em branco.
Mas isso não significava que a sua erudição sempre fosse exibida no púlpito. Em um longo debate na Assembleia de Westminster, alguns homens argumentaram contra citar autores ou usar frases estrangeiras no púlpito. John Arrowsmith (1602-1659) era daqueles que discordava. Exibições de aprendizagem seriam permitidas e ele não resistiria em citar Agostinho (em latim) para mostrar que esta não é uma nova opinião na igreja.
3. Pregadores piedosos
Os pregadores precisavam ser ordenados e treinados, mas também precisavam ser “piedosos”, uma palavra que resume muito do que se diz sobre os presbíteros em 1 Timóteo e Tito. Na verdade, à Assembleia de Westminster foi dada a responsabilidade de identificar os ministros envolvidos em escândalos para que fossem removidos dos púlpitos, e substituídos por ministros instruídos e piedosos.
Inicialmente, o Parlamento exigiu que a Assembleia examinasse os candidatos acerca da sua instrução e piedade. Na primavera de 1646, o parlamento mudou de opinião sobre o critério da piedade e exigiu que a Assembleia examinasse os pregadores somente se eram instruídos.
A Assembleia suspendeu a mudança da redação imediatamente e resolveu não aprovar novos ministros até que o problema fosse resolvido. Depois de alguns dias de deliberação, eles enviaram apenas o Dr. Peter Smith (1586-1653) para uma comissão do Parlamento para pressionar o caso da Assembleia. A Assembleia escolheu seu homem com sabedoria, pois ganhou a sua causa e retomaram a questionar os pregadores sobre a doutrina e a vida deles. A Palavra de Deus não deixa espaço para se comprometer a piedade.
4. A Palavra de Deus
A quarta característica de um ministério do púlpito puritano é frequentemente encontrada nas exortações aos ouvintes dos sermões, e não apenas aos pregadores. Os ministros precisavam ser ordenados, instruídos e piedosos, porque (citando Gillespie novamente) os ouvintes deveriam “receber a palavra da boca dos ministros, como Palavra de Deus”. De acordo com William Gouge (1575-1653), esta é a mensagem de Hebreus 13, que diz: “Lembrai-vos dos que dominam sobre vós, que vos falaram a Palavra de Deus”. Poderia “adequadamente o som da voz de um homem, naquilo que os verdadeiros ministros de Deus pregam, no exercício de seu ofício ministerial, é a Palavra de Deus”.
Jeremiah Burroughs pontuou vinculando à Isaías 66 – “e que tema a minha Palavra” – para promover um pouco de reverência entre seus ouvintes. Um homem, ou mulher, temente à Deus, diz ele, não vem “ouvir a Palavra do modo comum, simplesmente para passar o tempo, ou ouvir o que um homem pode lhe dizer”. Pelo contrário, a Palavra, “lida ou pregada”, é recebida “com reverência”. Ele examina a pregação, mas “não se sofisma contra ela”.
Burroughs apresenta o rei Eglom de Moabe como um exemplo a ser seguido pelos santos, é claro, que não em seus caminhos “pagãos”, nem em sua morte intempestiva e nojenta, mas como alguém que se levantou para receber Ehud como embaixador com “uma mensagem de Deus “. Burroughs então empurra a faca um pouco mais fundo, perguntando a seus ouvintes se seus “corações”. . . inundam contra a “pregação”, perguntando o que eles realmente pensam sobre a pregação e denunciando a ironia daqueles que pensam que escaparam do mundo, mas ainda mostram o pior orgulho de se rebelar contra a Palavra de Deus.
Essa discussão de irreverência e orgulho é a premissa básica, óbvia para Burroughs, de que a pregação fiel da Palavra de Deus é a Palavra de Deus. Porque a pregação é a Palavra de Deus, a irreverência e o orgulho são escandalosos.
5. Os meios de graça externos e ordinários: a pregação
Se a pregação da Palavra de Deus é a Palavra de Deus, então, qual é o seu lugar na vida e no culto cristão? Não surpreendente que os teólogos respondam que a pregação é o meio comum da graça para os cristãos, que é o meu quinto ponto. Anthony Burgess (falecido em 1664) afirma que o ministério fiel da Palavra é “o caminho certo e comum para a conversão dos homens de seus caminhos perversos”.
Ele afirma isso mais vigorosamente em sua exposição de 1 Co 3: “O ministério é o único caminho comum que Deus designou, quer para o começo ou o auge da graça”. Afinal, “fé é recebida pelo que se ouve”, e em seu próprio texto informa aos corintos que Paulo e Apolo eram os “ministros por meio de quem eles creram”.
Em 1649, William Greenhill (1597/8-1671) dedicou um prefácio a uma parte de seu comentário de Ezequiel para a defesa da primazia da pregação, pois “onde a Palavra de Deus não é exposta, pregada e aplicada” o povo “perece”.
Mas esse é sempre o caso? E se as pessoas não se beneficiarem dos sermões? Alexander Henderson (c. 1583-1646) admitiu em um sermão: “Conheço muitos de vocês que disseram, quando saíram da pregação. . . que suas almas não foram nada melhoradas por ela”. As pessoas eram, talvez, um pouco mais francas naqueles dias! Uma questão que muitos puritanos perguntariam aos pregadores quando surgisse o problema: eles estavam pregando à Cristo?
6. Pregação centrada no Cristo
Quando ele leu sobre a prática de Ezequiel de proclamar tudo o que o Senhor lhe mostrou, Greenhill teve pouca dificuldade em ver um imperativo aos ministros: eles devem somente pregar e pregar tudo o que eles aprendem na escola de Cristo.
Ecoando sentimentos semelhantes, Obadiah Sedgwick (1599/1600-1658) afirma que o sermão é “um trabalho inútil se expor qualquer coisa, se não for a Cristo”. Os ministros devem “fixar a convicção de pregarem a Cristo”. Novamente, “seus esforços na pregação, resultarão em pouco, talvez em nada, se não for Cristo, ou algo em referência a Cristo, no qual você insiste laboriosamente na pregação”.
Goodwin afirma que os pregadores “acrescentariam mais beleza aos seus próprios pés” se pregassem mais o evangelho e menos “verdades de momentos insignificantes”. Esses sentimentos são tão comuns nos escritos dos teólogos que eu considero a pregação centrada em Cristo como a sexta das sete marcas de um ministério do púlpito puritano.
Como Arrowsmith escreve, os verdadeiros ministros “confirmaram Cristo em seu ministério; eles se contentam em ficar na multidão e levantar Cristo sobre os ombros; conteúdo, não para ser visto, para que Cristo seja exaltado”.
7. “A obra do Espírito”
A última, mas não menos distinta marca de um ministério do púlpito puritano, é a dependência do Espírito Santo. Argumenta-se que a pregação dos puritanos estava sempre pronta para admitir que a pregação não parecia ser um meio sensato de avançar o evangelho. Mesmo no século XVII, a pregação era “muito desprezível e indesejável para a razão humana”.
Mas o chamado “problema” com a pregação é em si a resposta. Deus escolheu deliberadamente um meio humilde que ampliaria a sua própria grandeza e a obra do Espírito Santo. Burgess retoma a figura de 1 Coríntios 3, onde Paulo lembra aos leitores que o pregador pode semear e regar, mas Deus é quem dá o aumento. Como na administração dos sacramentos, a pregação não é automaticamente efetiva. A Palavra, seja visível ou audível, precisa ser recebida pela fé que é dada pelo Espírito. E assim, embora os pregadores sejam descritos como cooperadores da obra de Deus, Burgess nos lembra que mesmo um ministro sendo fiel, pode não ter sucesso porque “o sucesso é a obra de Deus, e não o dever dos ministros”.
Samuel Rutherford (1600-1661) diz o mesmo, e aplica essa verdade muito mais a pregação. Ele nos lembra que o benefício de tudo o que fazemos depende da “obra do Espírito”. E, assim como, às vezes, refletimos sobre nossos pecados e falhas como pregadores, lembremo-nos do poder do Espírito Santo e da graça de Deus através de Jesus Cristo – não apenas pelo bem de nossos ouvintes, mas também por nós mesmos.
Este artigo é um extrato e adaptação do livro de Chad Van Dixhoorn, God’s Ambassadors: The Westminster Assembly and the reform of the English pulpit, 1643-1653. Nele são encontradas notas de rodapé, referências e discussões mais completas sobre este assunto.
Extraído DAQUI
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Os membros da Assembleia em sua reforma do ministério da pregação na Inglaterra, concordaram com um rígido delineamento do que seria o perfil dos pregadores e a natureza da pregação. Este estudo final resume sete pontos de uma visão puritana dominante acerca do púlpito como articulado pela Assembleia de Westminster e seus membros.
1. Os embaixadores de Deus: pregadores ordenados
A primeira marca do púlpito puritano é que ele seja ocupado por um homem, ordenado para o Ministério do Evangelho, pela Igreja de Cristo. George Gillespie (1613-1648) teve a ordenação em mente quando recordou uma importante questão feita pelo apóstolo Paulo: “como eles pregarão, a menos que sejam enviados”? Com isso, ele inferiu que os pregadores recebem um chamado especial e um ofício especial. Nem toda ovelha é um pastor. Nem todo cidadão é um embaixador.
Gillespie estava respondendo aos contemporâneos que achavam que não havia “um chamado sagrado, nem a separação solene dos homens para o ministério”, uma visão que ele achava impraticável e não bíblica. Ele retrata o caos se todos fossem pregadores, e ele retorna à palavra do apóstolo Paulo: alguns são separados; apenas eles são “enviados”. Esse é o núcleo da doutrina da ordenação.
2. Pregadores treinados
Os ministros precisavam ser ordenados e igualmente serem treinados. John Lightfoot (1602-1675) argumentou que o estudo era necessário para que alguém fosse um pregador, pois ele foi necessário até mesmo para os apóstolos. Eles se comprometeram a “ouvir, estudar, conferir e meditar”, e estavam com o próprio Cristo por um ano inteiro, antes de serem enviados para pregar.
Alguns “criticam aprender e estudar”. Mas Thomas Goodwin (1600-1680) observa que se exigiu de Timóteo que estudasse. Goodwin argumenta que a pregação extemporânea apenas, sem estudo, é realmente contrária à Escritura. Ele também comenta (perceptivamente) que aqueles que argumentam contra o estudo ainda dependem muito do que ouviram e discutiram. Ninguém entra no púlpito como uma lousa em branco.
Mas isso não significava que a sua erudição sempre fosse exibida no púlpito. Em um longo debate na Assembleia de Westminster, alguns homens argumentaram contra citar autores ou usar frases estrangeiras no púlpito. John Arrowsmith (1602-1659) era daqueles que discordava. Exibições de aprendizagem seriam permitidas e ele não resistiria em citar Agostinho (em latim) para mostrar que esta não é uma nova opinião na igreja.
3. Pregadores piedosos
Os pregadores precisavam ser ordenados e treinados, mas também precisavam ser “piedosos”, uma palavra que resume muito do que se diz sobre os presbíteros em 1 Timóteo e Tito. Na verdade, à Assembleia de Westminster foi dada a responsabilidade de identificar os ministros envolvidos em escândalos para que fossem removidos dos púlpitos, e substituídos por ministros instruídos e piedosos.
Inicialmente, o Parlamento exigiu que a Assembleia examinasse os candidatos acerca da sua instrução e piedade. Na primavera de 1646, o parlamento mudou de opinião sobre o critério da piedade e exigiu que a Assembleia examinasse os pregadores somente se eram instruídos.
A Assembleia suspendeu a mudança da redação imediatamente e resolveu não aprovar novos ministros até que o problema fosse resolvido. Depois de alguns dias de deliberação, eles enviaram apenas o Dr. Peter Smith (1586-1653) para uma comissão do Parlamento para pressionar o caso da Assembleia. A Assembleia escolheu seu homem com sabedoria, pois ganhou a sua causa e retomaram a questionar os pregadores sobre a doutrina e a vida deles. A Palavra de Deus não deixa espaço para se comprometer a piedade.
4. A Palavra de Deus
A quarta característica de um ministério do púlpito puritano é frequentemente encontrada nas exortações aos ouvintes dos sermões, e não apenas aos pregadores. Os ministros precisavam ser ordenados, instruídos e piedosos, porque (citando Gillespie novamente) os ouvintes deveriam “receber a palavra da boca dos ministros, como Palavra de Deus”. De acordo com William Gouge (1575-1653), esta é a mensagem de Hebreus 13, que diz: “Lembrai-vos dos que dominam sobre vós, que vos falaram a Palavra de Deus”. Poderia “adequadamente o som da voz de um homem, naquilo que os verdadeiros ministros de Deus pregam, no exercício de seu ofício ministerial, é a Palavra de Deus”.
Jeremiah Burroughs pontuou vinculando à Isaías 66 – “e que tema a minha Palavra” – para promover um pouco de reverência entre seus ouvintes. Um homem, ou mulher, temente à Deus, diz ele, não vem “ouvir a Palavra do modo comum, simplesmente para passar o tempo, ou ouvir o que um homem pode lhe dizer”. Pelo contrário, a Palavra, “lida ou pregada”, é recebida “com reverência”. Ele examina a pregação, mas “não se sofisma contra ela”.
Burroughs apresenta o rei Eglom de Moabe como um exemplo a ser seguido pelos santos, é claro, que não em seus caminhos “pagãos”, nem em sua morte intempestiva e nojenta, mas como alguém que se levantou para receber Ehud como embaixador com “uma mensagem de Deus “. Burroughs então empurra a faca um pouco mais fundo, perguntando a seus ouvintes se seus “corações”. . . inundam contra a “pregação”, perguntando o que eles realmente pensam sobre a pregação e denunciando a ironia daqueles que pensam que escaparam do mundo, mas ainda mostram o pior orgulho de se rebelar contra a Palavra de Deus.
Essa discussão de irreverência e orgulho é a premissa básica, óbvia para Burroughs, de que a pregação fiel da Palavra de Deus é a Palavra de Deus. Porque a pregação é a Palavra de Deus, a irreverência e o orgulho são escandalosos.
5. Os meios de graça externos e ordinários: a pregação
Se a pregação da Palavra de Deus é a Palavra de Deus, então, qual é o seu lugar na vida e no culto cristão? Não surpreendente que os teólogos respondam que a pregação é o meio comum da graça para os cristãos, que é o meu quinto ponto. Anthony Burgess (falecido em 1664) afirma que o ministério fiel da Palavra é “o caminho certo e comum para a conversão dos homens de seus caminhos perversos”.
Ele afirma isso mais vigorosamente em sua exposição de 1 Co 3: “O ministério é o único caminho comum que Deus designou, quer para o começo ou o auge da graça”. Afinal, “fé é recebida pelo que se ouve”, e em seu próprio texto informa aos corintos que Paulo e Apolo eram os “ministros por meio de quem eles creram”.
Em 1649, William Greenhill (1597/8-1671) dedicou um prefácio a uma parte de seu comentário de Ezequiel para a defesa da primazia da pregação, pois “onde a Palavra de Deus não é exposta, pregada e aplicada” o povo “perece”.
Mas esse é sempre o caso? E se as pessoas não se beneficiarem dos sermões? Alexander Henderson (c. 1583-1646) admitiu em um sermão: “Conheço muitos de vocês que disseram, quando saíram da pregação. . . que suas almas não foram nada melhoradas por ela”. As pessoas eram, talvez, um pouco mais francas naqueles dias! Uma questão que muitos puritanos perguntariam aos pregadores quando surgisse o problema: eles estavam pregando à Cristo?
6. Pregação centrada no Cristo
Quando ele leu sobre a prática de Ezequiel de proclamar tudo o que o Senhor lhe mostrou, Greenhill teve pouca dificuldade em ver um imperativo aos ministros: eles devem somente pregar e pregar tudo o que eles aprendem na escola de Cristo.
Ecoando sentimentos semelhantes, Obadiah Sedgwick (1599/1600-1658) afirma que o sermão é “um trabalho inútil se expor qualquer coisa, se não for a Cristo”. Os ministros devem “fixar a convicção de pregarem a Cristo”. Novamente, “seus esforços na pregação, resultarão em pouco, talvez em nada, se não for Cristo, ou algo em referência a Cristo, no qual você insiste laboriosamente na pregação”.
Goodwin afirma que os pregadores “acrescentariam mais beleza aos seus próprios pés” se pregassem mais o evangelho e menos “verdades de momentos insignificantes”. Esses sentimentos são tão comuns nos escritos dos teólogos que eu considero a pregação centrada em Cristo como a sexta das sete marcas de um ministério do púlpito puritano.
Como Arrowsmith escreve, os verdadeiros ministros “confirmaram Cristo em seu ministério; eles se contentam em ficar na multidão e levantar Cristo sobre os ombros; conteúdo, não para ser visto, para que Cristo seja exaltado”.
7. “A obra do Espírito”
A última, mas não menos distinta marca de um ministério do púlpito puritano, é a dependência do Espírito Santo. Argumenta-se que a pregação dos puritanos estava sempre pronta para admitir que a pregação não parecia ser um meio sensato de avançar o evangelho. Mesmo no século XVII, a pregação era “muito desprezível e indesejável para a razão humana”.
Mas o chamado “problema” com a pregação é em si a resposta. Deus escolheu deliberadamente um meio humilde que ampliaria a sua própria grandeza e a obra do Espírito Santo. Burgess retoma a figura de 1 Coríntios 3, onde Paulo lembra aos leitores que o pregador pode semear e regar, mas Deus é quem dá o aumento. Como na administração dos sacramentos, a pregação não é automaticamente efetiva. A Palavra, seja visível ou audível, precisa ser recebida pela fé que é dada pelo Espírito. E assim, embora os pregadores sejam descritos como cooperadores da obra de Deus, Burgess nos lembra que mesmo um ministro sendo fiel, pode não ter sucesso porque “o sucesso é a obra de Deus, e não o dever dos ministros”.
Samuel Rutherford (1600-1661) diz o mesmo, e aplica essa verdade muito mais a pregação. Ele nos lembra que o benefício de tudo o que fazemos depende da “obra do Espírito”. E, assim como, às vezes, refletimos sobre nossos pecados e falhas como pregadores, lembremo-nos do poder do Espírito Santo e da graça de Deus através de Jesus Cristo – não apenas pelo bem de nossos ouvintes, mas também por nós mesmos.
Este artigo é um extrato e adaptação do livro de Chad Van Dixhoorn, God’s Ambassadors: The Westminster Assembly and the reform of the English pulpit, 1643-1653. Nele são encontradas notas de rodapé, referências e discussões mais completas sobre este assunto.
Extraído DAQUI
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
16 janeiro 2018
24 falácias lógicas de argumentação
Por Fábio Rodrigues
Já demos algumas pinceladas sobre o tema aqui no PapodeHomem, mencionando algumas das famosas falácias de lógica argumentativa -- que são um capítulo específico dentro do tema, mas que tem aplicações bem práticas. E estamos também preparando um novo material, bem completo, tratando não só de lógica, mas das noções de debate, diálogo e conversação, que são temas relacionados, igualmente ricos, complexos e comumente pouco explorados.
Agora achei o site Thou Shalt Not Commit Logical Fallacies, o mais simpático que já vi sobre o assunto. Ele lista as 24 falácias mais comuns, em linguagem simples, com exemplos engraçadinhos, e tem até um pôster para você baixar em PDF, mandar imprimir na gráfica e colar na parede. Tudo de graça.
Como em português o material sobre isso é escasso, e esse é um conhecimento bem importante quando se quer travar diálogos e debates saudáveis, resolvemos fazer um esforço extra e traduzir todo o conteúdo do Thou Shalt Not... para disponibilizar aqui.
Abaixo, 24 das mais comuns falácias lógicas argumentativas. A numeração não indica nenhum tipo de hierarquia entre elas, é apenas para facilitar futuras referencias a exemplos específicos.
Leia, entenda e não as use.
1. Espantalho
Você desvirtuou um argumento para torná-lo mais fácil de atacar.
Ao exagerar, desvirtuar ou simplesmente inventar um argumento de alguém, fica bem mais fácil apresentar a sua posição como razoável ou válida. Este tipo de desonestidade não apenas prejudica o discurso racional, como também prejudica a própria posição de alguém que o usa, por colocar em questão a sua credibilidade – se você está disposto a desvirtuar negativamente o argumento do seu oponente, será que você também não desvirtuaria os seus positivamente?
Exemplo: Depois de Felipe dizer que o governo deveria investir mais em saúde e educação, Jader respondeu dizendo estar surpreso que Felipe odeie tanto o Brasil, a ponto de querer deixar o nosso país completamente indefeso, sem verba militar.
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2. Causa Falsa
Você supôs que uma relação real ou percebida entre duas coisas significa que uma é a causa da outra.
Uma variação dessa falácia é a "cum hoc ergo propter hoc" (com isto, logo por causa disto), na qual alguém supõe que, pelo fato de duas coisas estarem acontecendo juntas, uma é a causa da outra. Este erro consiste em ignorar a possibilidade de que possa haver uma causa em comum para ambas, ou, como mostrado no exemplo abaixo, que as duas coisas em questão não tenham absolutamente nenhuma relação de causa, e a sua aparente conexão é só uma coincidência.
Outra variação comum é a falácia "post hoc ergo propter hoc" (depois disto, logo por causa disto), na qual uma relação causal é presumida porque uma coisa acontece antes de outra coisa, logo, a segunda coisa só pode ter sido causada pela primeira.
Exemplo: Apontando para um gráfico metido a besta, Rogério mostra como as temperaturas têm aumentado nos últimos séculos, ao mesmo tempo em que o número de piratas têm caído; sendo assim, obviamente, os piratas é que ajudavam a resfriar as águas, e o aquecimento global é uma farsa.
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3. Apelo à emoção
Você tentou manipular uma resposta emocional no lugar de um argumento válido ou convincente.
Apelos à emoção são relacionados a medo, inveja, ódio, pena, orgulho, entre outros.
É importante dizer que às vezes um argumento logicamente coerente pode inspirar emoção, ou ter um aspecto emocional, mas o problema e a falácia acontecem quando a emoção é usada no lugar de um argumento lógico. Ou, para tornar menos claro o fato de que não existe nenhuma relação racional e convincente para justificar a posição de alguém.
Exceto os sociopatas, todos são afetados pela emoção, por isso apelos à emoção são uma tática de argumentação muito comum e eficiente. Mas eles são falhos e desonestos, com tendência a deixar o oponente de alguém justificadamente emocional.
Exemplo: Lucas não queria comer o seu prato de cérebro de ovelha com fígado picado, mas seu pai o lembrou de todas as crianças famintas de algum país de terceiro mundo que não tinham a sorte de ter qualquer tipo de comida.
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4. A falácia da falácia
Supor que uma afirmação está necessariamente errada só porque ela não foi bem construída ou porque uma falácia foi cometida.
Há poucas coisas mais frustrantes do que ver alguém argumentar de maneira fraca alguma posição. Na maioria dos casos um debate é vencido pelo melhor debatedor, e não necessariamente pela pessoa com a posição mais correta. Se formos ser honestos e racionais, temos que ter em mente que só porque alguém cometeu um erro na sua defesa do argumento, isso não necessariamente significa que o argumento em si esteja errado.
Exemplo: Percebendo que Amanda cometeu uma falácia ao defender que devemos comer alimentos saudáveis porque eles são populares, Alice resolveu ignorar a posição de Amanda por completo e comer Whopper Duplo com Queijo no Burger King todos os dias.
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5. Ladeira Escorregadia
Você faz parecer que o fato de permitirmos que aconteça A fará com que aconteça Z, e por isso não podemos permitir A.
O problema com essa linha de raciocínio é que ela evita que se lide com a questão real, jogando a atenção em hipóteses extremas. Como não se apresenta nenhuma prova de que tais hipóteses extremas realmente ocorrerão, esta falácia toma a forma de um apelo à emoção do medo.
Exemplo: Armando afirma que, se permitirmos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, logo veremos pessoas se casando com seus pais, seus carros e seus macacos Bonobo de estimação.
Exemplo 2: a explicação feita após o terceiro subtítulo - "O voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski e a ladeira escorregadia" - deste texto sobre aborto. Vale a leitura.
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6. Ad hominem
Você ataca o caráter ou traços pessoais do seu oponente em vez de refutar o argumento dele.
Ataques ad hominem podem assumir a forma de golpes pessoais e diretos contra alguém, ou mais sutilmente jogar dúvida no seu caráter ou atributos pessoais. O resultado desejado de um ataque ad hominem é prejudicar o oponente de alguém sem precisar de fato se engajar no argumento dele ou apresentar um próprio.
Exemplo: Depois de Salma apresentar de maneira eloquente e convincente uma possível reforma do sistema de cobrança do condomínio, Samuel pergunta aos presentes se eles deveriam mesmo acreditar em qualquer coisa dita por uma mulher que não é casada, já foi presa e, pra ser sincero, tem um cheiro meio estranho.
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7. Tu quoque (você também)
Você evitar ter que se engajar em críticas virando as próprias críticas contra o acusador – você responde críticas com críticas.
Esta falácia, cuja tradução do latim é literalmente “você também”, é geralmente empregada como um mecanismo de defesa, por tirar a atenção do acusado ter que se defender e mudar o foco para o acusador.
A implicação é que, se o oponente de alguém também faz aquilo de que acusa o outro, ele é um hipócrita. Independente da veracidade da contra-acusação, o fato é que esta é efetivamente uma tática para evitar ter que reconhecer e responder a uma acusação contida em um argumento – ao devolver ao acusador, o acusado não precisa responder à acusação.
Exemplo: Nicole identificou que Ana cometeu uma falácia lógica, mas, em vez de retificar o seu argumento, Ana acusou Nicole de ter cometido uma falácia anteriormente no debate.
Exemplo 2: O político Aníbal Zé das Couves foi acusado pelo seu oponente de ter desviado dinheiro público na construção de um hospital. Aníbal não responde a acusação diretamente e devolve insinuando que seu oponente também já aprovou licitações irregulares em seu mandato.
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8. Incredulidade pessoal
Você considera algo difícil de entender, ou não sabe como funciona, por isso você dá a entender que não seja verdade.
Assuntos complexos como evolução biológica através de seleção natural exigem alguma medida de entendimento sobre como elas funcionam antes que alguém possa entendê-los adequadamente; esta falácia é geralmente usada no lugar desse entendimento.
Exemplo: Henrique desenhou um peixe e um humano em um papel e, com desdém efusivo, perguntou a Ricardo se ele realmente pensava que nós somos babacas o bastante para acreditar que um peixe acabou evoluindo até a forma humana através de, sei lá, um monte de coisas aleatórias acontecendo com o passar dos tempos.
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9. Alegação especial
Você altera as regras ou abre uma exceção quando sua afirmação é exposta como falsa.
Humanos são criaturas engraçadas, com uma aversão boba a estarem errados.
Em vez de aproveitar os benefícios de poder mudar de ideia graças a um novo entendimento, muitos inventarão modos de se agarrar a velhas crenças. Uma das maneiras mais comuns que as pessoas fazem isso é pós-racionalizar um motivo explicando o porque aquilo no qual elas acreditavam ser verdade deve continuar sendo verdade.
É geralmente bem fácil encontrar um motivo para acreditar em algo que nos favorece, e é necessária uma boa dose de integridade e honestidade genuína consigo mesmo para examinar nossas próprias crenças e motivações sem cair na armadilha da auto-justificação.
Exemplo: Eduardo afirma ser vidente, mas quando as suas “habilidades” foram testadas em condições científicas apropriadas, elas magicamente desapareceram. Ele explicou, então, que elas só funcionam para quem tem fé nelas.
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10. Pergunta carregada
Você faz uma pergunta que tem uma afirmação embutida, de modo que ela não pode ser respondida sem uma certa admissão de culpa.
Falácias desse tipo são particularmente eficientes em descarrilar discussões racionais, graças à sua natureza inflamatória – o receptor da pergunta carregada é compelido a se justificar e pode parecer abalado ou na defensiva. Esta falácia não apenas é um apelo à emoção, mas também reformata a discussão de forma enganosa.
Exemplo: Graça e Helena estavam interessadas no mesmo homem. Um dia, enquanto ele estava sentado próximo suficiente a elas para ouvir, Graça pergunta em tom de acusação: “como anda a sua rehabilitação das drogas, Helena?”
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11. Ônus da prova
Você espera que outra pessoa prove que você está errado, em vez de você mesmo provar que está certo.
O ônus (obrigação) da prova está sempre com quem faz uma afirmação, nunca com quem refuta a afirmação. A impossibilidade, ou falta de intenção, de provar errada uma afirmação não a torna válida, nem dá a ela nenhuma credibilidade.
No entanto, é importante estabelecer que nunca podemos ter certeza de qualquer coisa, portanto devemos valorizar cada afirmação de acordo com as provas disponíveis. Tirar a importância de um argumento só porque ele apresenta um fato que não foi provado sem sombra de dúvidas também é um argumento falacioso.
Exemplo: Beltrano declara que uma chaleira está, nesse exato momento, orbitando o Sol entre a Terra e Marte e que, como ninguém pode provar que ele está errado, a sua afirmação é verdadeira.
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12. Ambiguidade
Você usa duplo sentido ou linguagem ambígua para apresentar a sua verdade de modo enganoso.
Políticos frequentemente são culpados de usar ambiguidade em seus discursos, para depois, se forem questionados, poderem dizer que não estavam tecnicamente mentindo. Isso é qualificado como uma falácia, pois é intrinsecamente enganoso.
Exemplo: Em um julgamento, o advogado concorda que o crime foi desumano. Logo, tenta convencer o júri de que o seu cliente não é humano por ter cometido tal crime, e não deve ser julgado como um humano normal.
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13. Falácia do apostador
Você diz que “sequências” acontecem em fenômenos estatisticamente independentes, como rolagem de dados ou números que caem em uma roleta.
Esta falácia de aceitação comum é provavelmente o motivo da criação da grande e luminosa cidade no meio de um deserto americano chamada Las Vegas.
Apesar da probabilidade geral de uma grande sequência do resultado desejado ser realmente baixa, cada lance do dado é, em si mesmo, inteiramente independente do anterior. Apesar de haver uma chance baixíssima de um cara-ou-coroa dar cara 20 vezes seguidas, a chance de dar cara em cada uma das vezes é e sempre será de 50%, independente de todos os lances anteriores ou futuros.
Exemplo: Uma roleta deu número vermelho seis vezes em sequência, então Gregório teve quase certeza que o próximo número seria preto. Sofrendo uma forma econômica de seleção natural, ele logo foi separado de suas economias.
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14. Ad populum
Você apela para a popularidade de um fato, no sentido de que muitas pessoas fazem/concordam com aquilo, como uma tentativa de validação dele.
A falha nesse argumento é que a popularidade de uma ideia não tem absolutamente nenhuma relação com a sua validade. Se houvesse, a Terra teria se feito plana por muitos séculos, pelo simples fato de que todos acreditavam que ela era assim.
Exemplo: Luciano, bêbado, apontou um dedo para Jão e perguntou como é que tantas pessoas acreditam em duendes se eles são só uma superstição antiga e boba. Jão, por sua vez, já havia tomado mais Guinness do que deveria e afirmou que já que tantas pessoas acreditam, a probabilidade de duendes de fato existirem é grande.
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15. Apelo à autoridade
Você usa a sua posição como figura ou instituição de autoridade no lugar de um argumento válido. (A popular "carteirada".)
É importante mencionar que, no que diz respeito a esta falácia, as autoridades de cada campo podem muito bem ter argumentos válidos, e que não se deve desconsiderar a experiência e expertise do outro.
Para formar um argumento, no entanto, deve-se defender seus próprios méritos, ou seja, deve-se saber por que a pessoa em posição de autoridade tem aquela posição. No entanto, é claro, é perfeitamente possível que a opinião de uma pessoa ou instituição de autoridade esteja errada; assim sendo, a autoridade de que tal pessoa ou instituição goza não tem nenhuma relação intrínseca com a veracidade e validade das suas colocações.
Exemplo: Impossibilitado de defender a sua posição de que a teoria evolutiva "não é real", Roberto diz que ele conhece pessoalmente um cientista que também questiona a Evolução e cita uma de suas famosas falas.
Exemplo 2: Um professor de matemática se vê questionado de maneira insistente por um aluno especialmente chato. Lá pelas tantas, irritado após cometer um deslize em sua fala, o professor argumenta que tem mestrado pós-doutorado e isso é mais do que suficiente para o aluno confiar nele.
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16. Composição/Divisão
Você implica que uma parte de algo deve ser aplicada a todas, ou outras, partes daquilo.
Muitas vezes, quando algo é verdadeiro em parte, isso também se aplica ao todo, mas é crucial saber se existe evidência de que este é mesmo o caso.
Já que observamos consistência nas coisas, o nosso pensamento pode se tornar enviesado de modo que presumimos consistência e padrões onde eles não existem.
Exemplo: Daniel era uma criança precoce com uma predileção por pensamento lógico. Ele sabia que átomos são invisíveis, então logo concluiu que ele, por ser feito de átomos, também era invisível. Nunca foi vitorioso em uma partida de esconde-esconde.
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17. Nenhum escocês de verdade...
Você faz o que pode ser chamado de apelo à pureza como forma de rejeitar críticas relevantes ou falhas no seu argumento.
Nesta forma de argumentação falha, a crença de alguém é tornada infalsificável porque, independente de quão convincente seja a evidência apresentada, a pessoa simplesmente move a situação de modo que a evidência supostamente não se aplique a um suposto "verdadeiro" exemplo. Esse tipo de pós-racionalização é um modo de evitar críticas válidas ao argumento de alguém.
Exemplo: Angus declara que escoceses não colocam açúcar no mingau, ao que Lachlan aponta que ele é um escocês e põe açúcar no mingau. Furioso, como um "escocês de verdade", Angus berra que nenhum escocês de verdade põe açúcar no seu mingau.
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18. Genética
Você julga algo como bom ou ruim tendo por base a sua origem.
Esta falácia evita o argumento ao levar o foco às origens de algo ou alguém. É similar à falácia ad hominem no sentido de que ela usa percepções negativas já existentes para fazer com que o argumento de alguém pareça ruim, sem de fato dissecar a falta de mérito do argumento em si.
Exemplo: Acusado no Jornal Nacional de corrupção e aceitação de propina, o senador disse que devemos ter muito cuidado com o que ouvimos na mídia, já que todos sabemos como ela pode não ser confiável.
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19. Preto-ou-branco
Você apresenta dois estados alternativos como sendo as únicas possibilidades, quando de fato existem outras.
Também conhecida como falso dilema, esta tática aparenta estar formando um argumento lógico, mas sob análise mais cuidadosa fica evidente que há mais possibilidades além das duas apresentadas.
O pensamento binário da falácia preto-ou-branco não leva em conta as múltiplas variáveis, condições e contextos em que existiriam mais do que as duas possibilidades apresentadas. Ele molda o argumento de forma enganosa e obscurece o debate racional e honesto.
Exemplo: Ao discursar sobre o seu plano para fundamentalmente prejudicar os direitos do cidadão, o Líder Supremo falou ao povo que ou eles estão do lado dos direitos do cidadão ou contra os direitos.
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20. Tornando a questão supostamente óbvia
Você apresenta um argumento circular no qual a conclusão foi incluída na premissa.
Este argumento logicamente incoerente geralmente surge em situações onde as pessoas têm crenças bastante enraizadas, e por isso consideradas verdades absolutas em suas mentes. Racionalizações circulares são ruins principalmente porque não são muito boas.
Exemplo: A Palavra do Grande Zorbo é perfeita e infalível. Nós sabemos disso porque diz aqui no Grande e Infalível Livro das Melhores e Mais Infalíveis Coisas do Zorbo Que São Definitivamente Verdadeiras e Não Devem Nunca Serem Questionadas.
Exemplo 2: O plano estratégico de marketing é o melhor possível, foi assinado pelo Diretor Bam-bam-bam.
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21. Apelo à natureza
Você argumenta que só porque algo é "natural", aquilo é válido, justificado, inevitável ou ideal.
Só porque algo é natural, não significa que é bom. Assassinato, por exemplo, é bem natural, e mesmo assim a maioria de nós concorda que não é lá uma coisa muito legal de você sair fazendo por aí. A sua "naturalidade" não constitui nenhum tipo de justificativa.
Exemplo: O curandeiro chegou ao vilarejo com a sua carroça cheia de remédios completamente naturais, incluindo garrafas de água pura muito especial. Ele disse que é natural as pessoas terem cuidado e desconfiarem de remédios "artificiais", como antibióticos.
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22. Anedótica
Você usa uma experiência pessoal ou um exemplo isolado em vez de um argumento sólido ou prova convincente.
Geralmente é bem mais fácil para as pessoas simplesmente acreditarem no testemunho de alguém do que entender dados complexos e variações dentro de um continuum.
Medidas quantitativas científicas são quase sempre mais precisas do que percepções e experiências pessoais, mas a nossa inclinação é acreditar naquilo que nos é tangível, e/ou na palavra de alguém em quem confiamos, em vez de em uma realidade estatística mais "abstrata".
Exemplo: José disse que o seu avô fumava, tipo, 30 cigarros por dia e viveu até os 97 anos -- então não acredite nessas meta análises que você lê sobre estudos metodicamente corretos provando relações causais entre cigarros e expectativa de vida.
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23. O atirador do Texas
Você escolhe muito bem um padrão ou grupo específico de dados que sirva para provar o seu argumento sem ser representativo do todo.
Esta falácia de "falsa causa" ganha seu nome partindo do exemplo de um atirador disparando aleatoriamente contra a parede de um galpão, e, na sequência, pintando um alvo ao redor da área com o maior número de buracos, fazendo parecer que ele tem ótima pontaria.
Grupos específicos de dados como esse aparecem naturalmente, e de maneira imprevisível, mas não necessariamente indicam que há uma relação causal.
Exemplo: Os fabricantes do bebida gaseificada Cocaçúcar apontam pesquisas que mostram que, dos cinco países onde a Cocaçúcar é mais vendida, três estão na lista dos dez países mais saudáveis do mundo, logo, Cocaçúcar é saudável.
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24. Meio-termo
Você declara que uma posição central entre duas extremas deve ser a verdadeira.
Em muitos casos, a verdade realmente se encontra entre dois pontos extremos, mas isso pode enviezar nosso pensamento: às vezes uma coisa simplesmente não é verdadeira, e um meio termo dela também não é verdadeiro. O meio do caminho entre uma verdade e uma mentira continua sendo uma mentira.
Exemplo: Mariana disse que a vacinação causou autismo em algumas crianças, mas o seu estudado amigo Calebe disse que essa afirmação já foi derrubada como falsa, com provas. Uma amiga em comum, a Alice, ofereceu um meio-termo: talvez as vacinas causem um pouco de autismo, mas não muito.
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Espero que essa lista seja útil.
Por fim, questiono: onde já identificaram falácias lógicas em seu dia-a-dia? Compartilhem suas dúvidas e percepções sobre o tema.
Já demos algumas pinceladas sobre o tema aqui no PapodeHomem, mencionando algumas das famosas falácias de lógica argumentativa -- que são um capítulo específico dentro do tema, mas que tem aplicações bem práticas. E estamos também preparando um novo material, bem completo, tratando não só de lógica, mas das noções de debate, diálogo e conversação, que são temas relacionados, igualmente ricos, complexos e comumente pouco explorados.
Agora achei o site Thou Shalt Not Commit Logical Fallacies, o mais simpático que já vi sobre o assunto. Ele lista as 24 falácias mais comuns, em linguagem simples, com exemplos engraçadinhos, e tem até um pôster para você baixar em PDF, mandar imprimir na gráfica e colar na parede. Tudo de graça.
Como em português o material sobre isso é escasso, e esse é um conhecimento bem importante quando se quer travar diálogos e debates saudáveis, resolvemos fazer um esforço extra e traduzir todo o conteúdo do Thou Shalt Not... para disponibilizar aqui.
Abaixo, 24 das mais comuns falácias lógicas argumentativas. A numeração não indica nenhum tipo de hierarquia entre elas, é apenas para facilitar futuras referencias a exemplos específicos.
Leia, entenda e não as use.
1. Espantalho
Você desvirtuou um argumento para torná-lo mais fácil de atacar.
Ao exagerar, desvirtuar ou simplesmente inventar um argumento de alguém, fica bem mais fácil apresentar a sua posição como razoável ou válida. Este tipo de desonestidade não apenas prejudica o discurso racional, como também prejudica a própria posição de alguém que o usa, por colocar em questão a sua credibilidade – se você está disposto a desvirtuar negativamente o argumento do seu oponente, será que você também não desvirtuaria os seus positivamente?
Exemplo: Depois de Felipe dizer que o governo deveria investir mais em saúde e educação, Jader respondeu dizendo estar surpreso que Felipe odeie tanto o Brasil, a ponto de querer deixar o nosso país completamente indefeso, sem verba militar.
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2. Causa Falsa
Você supôs que uma relação real ou percebida entre duas coisas significa que uma é a causa da outra.
Uma variação dessa falácia é a "cum hoc ergo propter hoc" (com isto, logo por causa disto), na qual alguém supõe que, pelo fato de duas coisas estarem acontecendo juntas, uma é a causa da outra. Este erro consiste em ignorar a possibilidade de que possa haver uma causa em comum para ambas, ou, como mostrado no exemplo abaixo, que as duas coisas em questão não tenham absolutamente nenhuma relação de causa, e a sua aparente conexão é só uma coincidência.
Outra variação comum é a falácia "post hoc ergo propter hoc" (depois disto, logo por causa disto), na qual uma relação causal é presumida porque uma coisa acontece antes de outra coisa, logo, a segunda coisa só pode ter sido causada pela primeira.
Exemplo: Apontando para um gráfico metido a besta, Rogério mostra como as temperaturas têm aumentado nos últimos séculos, ao mesmo tempo em que o número de piratas têm caído; sendo assim, obviamente, os piratas é que ajudavam a resfriar as águas, e o aquecimento global é uma farsa.
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3. Apelo à emoção
Você tentou manipular uma resposta emocional no lugar de um argumento válido ou convincente.
Apelos à emoção são relacionados a medo, inveja, ódio, pena, orgulho, entre outros.
É importante dizer que às vezes um argumento logicamente coerente pode inspirar emoção, ou ter um aspecto emocional, mas o problema e a falácia acontecem quando a emoção é usada no lugar de um argumento lógico. Ou, para tornar menos claro o fato de que não existe nenhuma relação racional e convincente para justificar a posição de alguém.
Exceto os sociopatas, todos são afetados pela emoção, por isso apelos à emoção são uma tática de argumentação muito comum e eficiente. Mas eles são falhos e desonestos, com tendência a deixar o oponente de alguém justificadamente emocional.
Exemplo: Lucas não queria comer o seu prato de cérebro de ovelha com fígado picado, mas seu pai o lembrou de todas as crianças famintas de algum país de terceiro mundo que não tinham a sorte de ter qualquer tipo de comida.
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4. A falácia da falácia
Supor que uma afirmação está necessariamente errada só porque ela não foi bem construída ou porque uma falácia foi cometida.
Há poucas coisas mais frustrantes do que ver alguém argumentar de maneira fraca alguma posição. Na maioria dos casos um debate é vencido pelo melhor debatedor, e não necessariamente pela pessoa com a posição mais correta. Se formos ser honestos e racionais, temos que ter em mente que só porque alguém cometeu um erro na sua defesa do argumento, isso não necessariamente significa que o argumento em si esteja errado.
Exemplo: Percebendo que Amanda cometeu uma falácia ao defender que devemos comer alimentos saudáveis porque eles são populares, Alice resolveu ignorar a posição de Amanda por completo e comer Whopper Duplo com Queijo no Burger King todos os dias.
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5. Ladeira Escorregadia
Você faz parecer que o fato de permitirmos que aconteça A fará com que aconteça Z, e por isso não podemos permitir A.
O problema com essa linha de raciocínio é que ela evita que se lide com a questão real, jogando a atenção em hipóteses extremas. Como não se apresenta nenhuma prova de que tais hipóteses extremas realmente ocorrerão, esta falácia toma a forma de um apelo à emoção do medo.
Exemplo: Armando afirma que, se permitirmos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, logo veremos pessoas se casando com seus pais, seus carros e seus macacos Bonobo de estimação.
Exemplo 2: a explicação feita após o terceiro subtítulo - "O voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski e a ladeira escorregadia" - deste texto sobre aborto. Vale a leitura.
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6. Ad hominem
Você ataca o caráter ou traços pessoais do seu oponente em vez de refutar o argumento dele.
Ataques ad hominem podem assumir a forma de golpes pessoais e diretos contra alguém, ou mais sutilmente jogar dúvida no seu caráter ou atributos pessoais. O resultado desejado de um ataque ad hominem é prejudicar o oponente de alguém sem precisar de fato se engajar no argumento dele ou apresentar um próprio.
Exemplo: Depois de Salma apresentar de maneira eloquente e convincente uma possível reforma do sistema de cobrança do condomínio, Samuel pergunta aos presentes se eles deveriam mesmo acreditar em qualquer coisa dita por uma mulher que não é casada, já foi presa e, pra ser sincero, tem um cheiro meio estranho.
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7. Tu quoque (você também)
Você evitar ter que se engajar em críticas virando as próprias críticas contra o acusador – você responde críticas com críticas.
Esta falácia, cuja tradução do latim é literalmente “você também”, é geralmente empregada como um mecanismo de defesa, por tirar a atenção do acusado ter que se defender e mudar o foco para o acusador.
A implicação é que, se o oponente de alguém também faz aquilo de que acusa o outro, ele é um hipócrita. Independente da veracidade da contra-acusação, o fato é que esta é efetivamente uma tática para evitar ter que reconhecer e responder a uma acusação contida em um argumento – ao devolver ao acusador, o acusado não precisa responder à acusação.
Exemplo: Nicole identificou que Ana cometeu uma falácia lógica, mas, em vez de retificar o seu argumento, Ana acusou Nicole de ter cometido uma falácia anteriormente no debate.
Exemplo 2: O político Aníbal Zé das Couves foi acusado pelo seu oponente de ter desviado dinheiro público na construção de um hospital. Aníbal não responde a acusação diretamente e devolve insinuando que seu oponente também já aprovou licitações irregulares em seu mandato.
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8. Incredulidade pessoal
Você considera algo difícil de entender, ou não sabe como funciona, por isso você dá a entender que não seja verdade.
Assuntos complexos como evolução biológica através de seleção natural exigem alguma medida de entendimento sobre como elas funcionam antes que alguém possa entendê-los adequadamente; esta falácia é geralmente usada no lugar desse entendimento.
Exemplo: Henrique desenhou um peixe e um humano em um papel e, com desdém efusivo, perguntou a Ricardo se ele realmente pensava que nós somos babacas o bastante para acreditar que um peixe acabou evoluindo até a forma humana através de, sei lá, um monte de coisas aleatórias acontecendo com o passar dos tempos.
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9. Alegação especial
Você altera as regras ou abre uma exceção quando sua afirmação é exposta como falsa.
Humanos são criaturas engraçadas, com uma aversão boba a estarem errados.
Em vez de aproveitar os benefícios de poder mudar de ideia graças a um novo entendimento, muitos inventarão modos de se agarrar a velhas crenças. Uma das maneiras mais comuns que as pessoas fazem isso é pós-racionalizar um motivo explicando o porque aquilo no qual elas acreditavam ser verdade deve continuar sendo verdade.
É geralmente bem fácil encontrar um motivo para acreditar em algo que nos favorece, e é necessária uma boa dose de integridade e honestidade genuína consigo mesmo para examinar nossas próprias crenças e motivações sem cair na armadilha da auto-justificação.
Exemplo: Eduardo afirma ser vidente, mas quando as suas “habilidades” foram testadas em condições científicas apropriadas, elas magicamente desapareceram. Ele explicou, então, que elas só funcionam para quem tem fé nelas.
***
10. Pergunta carregada
Você faz uma pergunta que tem uma afirmação embutida, de modo que ela não pode ser respondida sem uma certa admissão de culpa.
Falácias desse tipo são particularmente eficientes em descarrilar discussões racionais, graças à sua natureza inflamatória – o receptor da pergunta carregada é compelido a se justificar e pode parecer abalado ou na defensiva. Esta falácia não apenas é um apelo à emoção, mas também reformata a discussão de forma enganosa.
Exemplo: Graça e Helena estavam interessadas no mesmo homem. Um dia, enquanto ele estava sentado próximo suficiente a elas para ouvir, Graça pergunta em tom de acusação: “como anda a sua rehabilitação das drogas, Helena?”
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11. Ônus da prova
Você espera que outra pessoa prove que você está errado, em vez de você mesmo provar que está certo.
O ônus (obrigação) da prova está sempre com quem faz uma afirmação, nunca com quem refuta a afirmação. A impossibilidade, ou falta de intenção, de provar errada uma afirmação não a torna válida, nem dá a ela nenhuma credibilidade.
No entanto, é importante estabelecer que nunca podemos ter certeza de qualquer coisa, portanto devemos valorizar cada afirmação de acordo com as provas disponíveis. Tirar a importância de um argumento só porque ele apresenta um fato que não foi provado sem sombra de dúvidas também é um argumento falacioso.
Exemplo: Beltrano declara que uma chaleira está, nesse exato momento, orbitando o Sol entre a Terra e Marte e que, como ninguém pode provar que ele está errado, a sua afirmação é verdadeira.
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12. Ambiguidade
Você usa duplo sentido ou linguagem ambígua para apresentar a sua verdade de modo enganoso.
Políticos frequentemente são culpados de usar ambiguidade em seus discursos, para depois, se forem questionados, poderem dizer que não estavam tecnicamente mentindo. Isso é qualificado como uma falácia, pois é intrinsecamente enganoso.
Exemplo: Em um julgamento, o advogado concorda que o crime foi desumano. Logo, tenta convencer o júri de que o seu cliente não é humano por ter cometido tal crime, e não deve ser julgado como um humano normal.
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13. Falácia do apostador
Você diz que “sequências” acontecem em fenômenos estatisticamente independentes, como rolagem de dados ou números que caem em uma roleta.
Esta falácia de aceitação comum é provavelmente o motivo da criação da grande e luminosa cidade no meio de um deserto americano chamada Las Vegas.
Apesar da probabilidade geral de uma grande sequência do resultado desejado ser realmente baixa, cada lance do dado é, em si mesmo, inteiramente independente do anterior. Apesar de haver uma chance baixíssima de um cara-ou-coroa dar cara 20 vezes seguidas, a chance de dar cara em cada uma das vezes é e sempre será de 50%, independente de todos os lances anteriores ou futuros.
Exemplo: Uma roleta deu número vermelho seis vezes em sequência, então Gregório teve quase certeza que o próximo número seria preto. Sofrendo uma forma econômica de seleção natural, ele logo foi separado de suas economias.
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14. Ad populum
Você apela para a popularidade de um fato, no sentido de que muitas pessoas fazem/concordam com aquilo, como uma tentativa de validação dele.
A falha nesse argumento é que a popularidade de uma ideia não tem absolutamente nenhuma relação com a sua validade. Se houvesse, a Terra teria se feito plana por muitos séculos, pelo simples fato de que todos acreditavam que ela era assim.
Exemplo: Luciano, bêbado, apontou um dedo para Jão e perguntou como é que tantas pessoas acreditam em duendes se eles são só uma superstição antiga e boba. Jão, por sua vez, já havia tomado mais Guinness do que deveria e afirmou que já que tantas pessoas acreditam, a probabilidade de duendes de fato existirem é grande.
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15. Apelo à autoridade
Você usa a sua posição como figura ou instituição de autoridade no lugar de um argumento válido. (A popular "carteirada".)
É importante mencionar que, no que diz respeito a esta falácia, as autoridades de cada campo podem muito bem ter argumentos válidos, e que não se deve desconsiderar a experiência e expertise do outro.
Para formar um argumento, no entanto, deve-se defender seus próprios méritos, ou seja, deve-se saber por que a pessoa em posição de autoridade tem aquela posição. No entanto, é claro, é perfeitamente possível que a opinião de uma pessoa ou instituição de autoridade esteja errada; assim sendo, a autoridade de que tal pessoa ou instituição goza não tem nenhuma relação intrínseca com a veracidade e validade das suas colocações.
Exemplo: Impossibilitado de defender a sua posição de que a teoria evolutiva "não é real", Roberto diz que ele conhece pessoalmente um cientista que também questiona a Evolução e cita uma de suas famosas falas.
Exemplo 2: Um professor de matemática se vê questionado de maneira insistente por um aluno especialmente chato. Lá pelas tantas, irritado após cometer um deslize em sua fala, o professor argumenta que tem mestrado pós-doutorado e isso é mais do que suficiente para o aluno confiar nele.
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16. Composição/Divisão
Você implica que uma parte de algo deve ser aplicada a todas, ou outras, partes daquilo.
Muitas vezes, quando algo é verdadeiro em parte, isso também se aplica ao todo, mas é crucial saber se existe evidência de que este é mesmo o caso.
Já que observamos consistência nas coisas, o nosso pensamento pode se tornar enviesado de modo que presumimos consistência e padrões onde eles não existem.
Exemplo: Daniel era uma criança precoce com uma predileção por pensamento lógico. Ele sabia que átomos são invisíveis, então logo concluiu que ele, por ser feito de átomos, também era invisível. Nunca foi vitorioso em uma partida de esconde-esconde.
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17. Nenhum escocês de verdade...
Você faz o que pode ser chamado de apelo à pureza como forma de rejeitar críticas relevantes ou falhas no seu argumento.
Nesta forma de argumentação falha, a crença de alguém é tornada infalsificável porque, independente de quão convincente seja a evidência apresentada, a pessoa simplesmente move a situação de modo que a evidência supostamente não se aplique a um suposto "verdadeiro" exemplo. Esse tipo de pós-racionalização é um modo de evitar críticas válidas ao argumento de alguém.
Exemplo: Angus declara que escoceses não colocam açúcar no mingau, ao que Lachlan aponta que ele é um escocês e põe açúcar no mingau. Furioso, como um "escocês de verdade", Angus berra que nenhum escocês de verdade põe açúcar no seu mingau.
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18. Genética
Você julga algo como bom ou ruim tendo por base a sua origem.
Esta falácia evita o argumento ao levar o foco às origens de algo ou alguém. É similar à falácia ad hominem no sentido de que ela usa percepções negativas já existentes para fazer com que o argumento de alguém pareça ruim, sem de fato dissecar a falta de mérito do argumento em si.
Exemplo: Acusado no Jornal Nacional de corrupção e aceitação de propina, o senador disse que devemos ter muito cuidado com o que ouvimos na mídia, já que todos sabemos como ela pode não ser confiável.
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19. Preto-ou-branco
Você apresenta dois estados alternativos como sendo as únicas possibilidades, quando de fato existem outras.
Também conhecida como falso dilema, esta tática aparenta estar formando um argumento lógico, mas sob análise mais cuidadosa fica evidente que há mais possibilidades além das duas apresentadas.
O pensamento binário da falácia preto-ou-branco não leva em conta as múltiplas variáveis, condições e contextos em que existiriam mais do que as duas possibilidades apresentadas. Ele molda o argumento de forma enganosa e obscurece o debate racional e honesto.
Exemplo: Ao discursar sobre o seu plano para fundamentalmente prejudicar os direitos do cidadão, o Líder Supremo falou ao povo que ou eles estão do lado dos direitos do cidadão ou contra os direitos.
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20. Tornando a questão supostamente óbvia
Você apresenta um argumento circular no qual a conclusão foi incluída na premissa.
Este argumento logicamente incoerente geralmente surge em situações onde as pessoas têm crenças bastante enraizadas, e por isso consideradas verdades absolutas em suas mentes. Racionalizações circulares são ruins principalmente porque não são muito boas.
Exemplo: A Palavra do Grande Zorbo é perfeita e infalível. Nós sabemos disso porque diz aqui no Grande e Infalível Livro das Melhores e Mais Infalíveis Coisas do Zorbo Que São Definitivamente Verdadeiras e Não Devem Nunca Serem Questionadas.
Exemplo 2: O plano estratégico de marketing é o melhor possível, foi assinado pelo Diretor Bam-bam-bam.
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21. Apelo à natureza
Você argumenta que só porque algo é "natural", aquilo é válido, justificado, inevitável ou ideal.
Só porque algo é natural, não significa que é bom. Assassinato, por exemplo, é bem natural, e mesmo assim a maioria de nós concorda que não é lá uma coisa muito legal de você sair fazendo por aí. A sua "naturalidade" não constitui nenhum tipo de justificativa.
Exemplo: O curandeiro chegou ao vilarejo com a sua carroça cheia de remédios completamente naturais, incluindo garrafas de água pura muito especial. Ele disse que é natural as pessoas terem cuidado e desconfiarem de remédios "artificiais", como antibióticos.
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22. Anedótica
Você usa uma experiência pessoal ou um exemplo isolado em vez de um argumento sólido ou prova convincente.
Geralmente é bem mais fácil para as pessoas simplesmente acreditarem no testemunho de alguém do que entender dados complexos e variações dentro de um continuum.
Medidas quantitativas científicas são quase sempre mais precisas do que percepções e experiências pessoais, mas a nossa inclinação é acreditar naquilo que nos é tangível, e/ou na palavra de alguém em quem confiamos, em vez de em uma realidade estatística mais "abstrata".
Exemplo: José disse que o seu avô fumava, tipo, 30 cigarros por dia e viveu até os 97 anos -- então não acredite nessas meta análises que você lê sobre estudos metodicamente corretos provando relações causais entre cigarros e expectativa de vida.
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23. O atirador do Texas
Você escolhe muito bem um padrão ou grupo específico de dados que sirva para provar o seu argumento sem ser representativo do todo.
Esta falácia de "falsa causa" ganha seu nome partindo do exemplo de um atirador disparando aleatoriamente contra a parede de um galpão, e, na sequência, pintando um alvo ao redor da área com o maior número de buracos, fazendo parecer que ele tem ótima pontaria.
Grupos específicos de dados como esse aparecem naturalmente, e de maneira imprevisível, mas não necessariamente indicam que há uma relação causal.
Exemplo: Os fabricantes do bebida gaseificada Cocaçúcar apontam pesquisas que mostram que, dos cinco países onde a Cocaçúcar é mais vendida, três estão na lista dos dez países mais saudáveis do mundo, logo, Cocaçúcar é saudável.
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24. Meio-termo
Você declara que uma posição central entre duas extremas deve ser a verdadeira.
Em muitos casos, a verdade realmente se encontra entre dois pontos extremos, mas isso pode enviezar nosso pensamento: às vezes uma coisa simplesmente não é verdadeira, e um meio termo dela também não é verdadeiro. O meio do caminho entre uma verdade e uma mentira continua sendo uma mentira.
Exemplo: Mariana disse que a vacinação causou autismo em algumas crianças, mas o seu estudado amigo Calebe disse que essa afirmação já foi derrubada como falsa, com provas. Uma amiga em comum, a Alice, ofereceu um meio-termo: talvez as vacinas causem um pouco de autismo, mas não muito.
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Espero que essa lista seja útil.
Por fim, questiono: onde já identificaram falácias lógicas em seu dia-a-dia? Compartilhem suas dúvidas e percepções sobre o tema.
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Homilética,
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Pregação
15 janeiro 2018
Esboço para a preparação de sermões
Por John R.W. Stott
I. Escolha seu texto
A. É melhor confiar em estudos expositivos do livro para a sólida dieta de seu povo, porque isto assegurará de que eles receberão “todo o conselho de Deus”.
B. Contudo, o seguinte pode ser ocasiões para sermões especiais:
1. Ocasiões especiais do calendário: Natal, Páscoa, etc.
2. Circunstâncias externas especiais que estão na mente pública.
3. Necessidades especiais discernidas pelo pregador ou por outros.
4. Verdades que têm especialmente inspirado o pregador.
C. Mantenha um caderno para escrever idéias para sermões, percepções, apreensões, ilustrações, etc. Registre-os imediatamente sempre que eles vieram à mente, porque você geralmente esquecê-los-á mais tarde.
II. Medite sobre o texto
A. Sempre que possível, planeje os textos semanas ou meses antecipadamente. Isto dá o benefício da “incubação subconsciente”.
B. A “incubação” concentrada deve iniciar pelo menos uma semana antes da pregação. Deve envolver o seguinte:
1. Ler, re-ler, e re-re-ler o texto.
2. Estar certo de que você compreende o que ele significa. Faça o seu próprio trabalho interpretativo. Não use comentários até que você tenha formulado as questões interpretativas específicas que você foi incapaz de responder, ou até que você tenha completado seu trabalho interpretativo.
3. Considere detenidamente como ele se aplica ao seu povo, à cultura, a você, etc.
4. Ore a Deus para iluminar o texto, especialmente sua aplicação.
5. Escreva notas de pensamentos, idéias, etc.
6. Solicite as percepções de outros através de fitas, conversando com outros pregadores, etc.
III. Isole o pensamento dominante
(Este é o propósito da seção II.)
A. Seu sermão deve transmitir somente uma mensagem principal. Todos os detalhes de seu sermão devem ser organizados para ajudar seu povo a captar esta mensagem e sentir seu poder.
B. Você deve ser capaz de expressar o pensamento dominante em uma curta, clara e vívida sentença.
IV. Arranje seu material para servir ao pensamento dominante
A. Esculpa e modele seu material. Descarte implacavelmente todo material que é irrelevante para o pensamento dominante. Subordine o material restante ao pensamento dominante usando este material para iluminar e reforçar o pensamento dominante.
B. A estrutura de seu sermão deve ser adaptada ao texto, não artificialmente imposta. Evite a estrutura que é muito destra, proeminente ou complexa.
C. Decida sobre seu método de pregação para este texto: argumentação, facetação, categorização, analogia, etc.
D. Escolha cuidadosamente palavras que sejam precisas, simples, claras, vívidas e honestas. Escreva as seções chaves, frases e sentenças para ajudá-lo em sua escolha da palavra. Prenda-se às sentenças declarativas e interrogativas com poucas, se alguma, cláusulas subordinadas.
E. Sugira ilustrações e exemplos que explanem e convençam. Empregue uma larga variedade: figuras de linguagem, imagens, recontando histórias bíblicas em linguagem contemporânea, inventando novas parábolas, recontando histórias verdadeiras e/ou eventos biográficos, etc. Mantenha um fichário destes, especialmente se eles não lhe vêem facilmente. Evite fazer ilustrações e exemplos tão proeminentes que eles diminuam o pensamento dominante. Também, evite aplicá-los inapropriadamente ou exageradamente.
V. Adicione a introdução e conclusão
A. A introdução não deve ser elaborada, mas suficiente para estimular sua curiosidade, para molhar seus apetites e para introduzir o pensamento dominante. Isto pode ser feito por uma variedade de meios: explanando o cenário da passagem, história, o evento ou assunto atual, etc.
B. A conclusão não deve ser meramente recapitular seu sermão – ela deve aplicá-lo. Obviamente, você deve aplicá-lo durante todo o tempo, mas você deve guardar algo para o fim que persuadirá seu povo a fazer algo. “Nenhuma intimação, nenhum sermão”. Pregue tanto para a cabeça como para o coração (isto é, vontade). O objetivo do sermão deve ser “atacar a fortificação da vontade e capturá-la para Jesus Cristo”. O que você quer que eles façam? Empregue uma variedade de métodos para fazer isto:
1. Argumento: antecipe objeções e refute-as.
2. Admoestação: advirta das conseqüências da desobediência.
3. Convicção Indireta: desperte a indignação moral e então a volte para eles (Natã e Davi).
4. Imploração: aplique as gentis pressões do amor de Deus, o interesse pelo seu bem-estar e as necessidades de outros.
5. Visão: pinte uma figura do que é possível através da obediência a Deus nesta área.
VI. Escreva sua mensagem e ore por ela
A. Escrever seu sermão lhe força a pensar francamente e suficientemente. Expõe o pensar preguiçoso e o cura. Depois que você estiver perfeitamente familiarizado com seu esboço, reduza-o a pequenas notas.
B. Ore a Deus para lhe capacitar para “tanto possuir a mensagem, que a mensagem o possua”.
NOTA: Este esboço foi condensado a partir de John R. W. Stott, Between Two Worlds (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1982), pp. 211-216.
Revisado por Ewerton B. Tokashiki
I. Escolha seu texto
A. É melhor confiar em estudos expositivos do livro para a sólida dieta de seu povo, porque isto assegurará de que eles receberão “todo o conselho de Deus”.
B. Contudo, o seguinte pode ser ocasiões para sermões especiais:
1. Ocasiões especiais do calendário: Natal, Páscoa, etc.
2. Circunstâncias externas especiais que estão na mente pública.
3. Necessidades especiais discernidas pelo pregador ou por outros.
4. Verdades que têm especialmente inspirado o pregador.
C. Mantenha um caderno para escrever idéias para sermões, percepções, apreensões, ilustrações, etc. Registre-os imediatamente sempre que eles vieram à mente, porque você geralmente esquecê-los-á mais tarde.
II. Medite sobre o texto
A. Sempre que possível, planeje os textos semanas ou meses antecipadamente. Isto dá o benefício da “incubação subconsciente”.
B. A “incubação” concentrada deve iniciar pelo menos uma semana antes da pregação. Deve envolver o seguinte:
1. Ler, re-ler, e re-re-ler o texto.
2. Estar certo de que você compreende o que ele significa. Faça o seu próprio trabalho interpretativo. Não use comentários até que você tenha formulado as questões interpretativas específicas que você foi incapaz de responder, ou até que você tenha completado seu trabalho interpretativo.
3. Considere detenidamente como ele se aplica ao seu povo, à cultura, a você, etc.
4. Ore a Deus para iluminar o texto, especialmente sua aplicação.
5. Escreva notas de pensamentos, idéias, etc.
6. Solicite as percepções de outros através de fitas, conversando com outros pregadores, etc.
III. Isole o pensamento dominante
(Este é o propósito da seção II.)
A. Seu sermão deve transmitir somente uma mensagem principal. Todos os detalhes de seu sermão devem ser organizados para ajudar seu povo a captar esta mensagem e sentir seu poder.
B. Você deve ser capaz de expressar o pensamento dominante em uma curta, clara e vívida sentença.
IV. Arranje seu material para servir ao pensamento dominante
A. Esculpa e modele seu material. Descarte implacavelmente todo material que é irrelevante para o pensamento dominante. Subordine o material restante ao pensamento dominante usando este material para iluminar e reforçar o pensamento dominante.
B. A estrutura de seu sermão deve ser adaptada ao texto, não artificialmente imposta. Evite a estrutura que é muito destra, proeminente ou complexa.
C. Decida sobre seu método de pregação para este texto: argumentação, facetação, categorização, analogia, etc.
D. Escolha cuidadosamente palavras que sejam precisas, simples, claras, vívidas e honestas. Escreva as seções chaves, frases e sentenças para ajudá-lo em sua escolha da palavra. Prenda-se às sentenças declarativas e interrogativas com poucas, se alguma, cláusulas subordinadas.
E. Sugira ilustrações e exemplos que explanem e convençam. Empregue uma larga variedade: figuras de linguagem, imagens, recontando histórias bíblicas em linguagem contemporânea, inventando novas parábolas, recontando histórias verdadeiras e/ou eventos biográficos, etc. Mantenha um fichário destes, especialmente se eles não lhe vêem facilmente. Evite fazer ilustrações e exemplos tão proeminentes que eles diminuam o pensamento dominante. Também, evite aplicá-los inapropriadamente ou exageradamente.
V. Adicione a introdução e conclusão
A. A introdução não deve ser elaborada, mas suficiente para estimular sua curiosidade, para molhar seus apetites e para introduzir o pensamento dominante. Isto pode ser feito por uma variedade de meios: explanando o cenário da passagem, história, o evento ou assunto atual, etc.
B. A conclusão não deve ser meramente recapitular seu sermão – ela deve aplicá-lo. Obviamente, você deve aplicá-lo durante todo o tempo, mas você deve guardar algo para o fim que persuadirá seu povo a fazer algo. “Nenhuma intimação, nenhum sermão”. Pregue tanto para a cabeça como para o coração (isto é, vontade). O objetivo do sermão deve ser “atacar a fortificação da vontade e capturá-la para Jesus Cristo”. O que você quer que eles façam? Empregue uma variedade de métodos para fazer isto:
1. Argumento: antecipe objeções e refute-as.
2. Admoestação: advirta das conseqüências da desobediência.
3. Convicção Indireta: desperte a indignação moral e então a volte para eles (Natã e Davi).
4. Imploração: aplique as gentis pressões do amor de Deus, o interesse pelo seu bem-estar e as necessidades de outros.
5. Visão: pinte uma figura do que é possível através da obediência a Deus nesta área.
VI. Escreva sua mensagem e ore por ela
A. Escrever seu sermão lhe força a pensar francamente e suficientemente. Expõe o pensar preguiçoso e o cura. Depois que você estiver perfeitamente familiarizado com seu esboço, reduza-o a pequenas notas.
B. Ore a Deus para lhe capacitar para “tanto possuir a mensagem, que a mensagem o possua”.
NOTA: Este esboço foi condensado a partir de John R. W. Stott, Between Two Worlds (Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1982), pp. 211-216.
Revisado por Ewerton B. Tokashiki
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Homilética,
Teologia pastoral
12 janeiro 2018
Carta ao Papa Pio IX por Charles Hodge
A seguinte carta foi transcrita de um esboço manuscrito de Charles Hodge, que a escreveu em nome de duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, para explicar por que motivo declinou.se do convite do Papa aos Protestantes para enviarem delegados ao Primeiro Concílio Vaticano de 1869 a 1870.
A Pio IX, Bispo de Roma.
Pela vossa encíclica, datada de 1869, convidais os protestantes a enviarem delegados para o Concílio convocado a reunir-se em Roma durante o mês de dezembro, do corrente ano. Esta carta foi levada ao conhecimento de duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América. Estas Assembleias representam cerca de cinco mil ministros e um número bem maior de congregações cristãs. Crendo, como cremos, que é a vontade de Cristo que a Sua Igreja na terra deva ser unida, e reconhecendo que temos o dever de fazer coerentemente tudo que pudermos para promover a caridade e a comunhão cristã, julgamos por certo apresentar resumidamente as razões que nos proíbem de participar nas deliberações do Concílio vindouro.
Não é que tenhamos rejeitado nenhum artigo da fé católica. Não somos heréticos. Recebemos sinceramente todas as doutrinas contidas no Símbolo conhecido como o Credo dos Apóstolos. Consideramos todas as decisões doutrinárias dos primeiros seis concílios ecumênicos como consistentes com a Palavra de Deus, e por causa disso os recebemos como expressão da nossa fé. Cremos, portanto, na doutrina da Trindade e da pessoa de Cristo conforme expressas nos símbolos adotados pelo Concílio de Nicéia (321 A.D.), nos do Concílio de Constantinopla (381 A.D.), e mais inteiramente nos do Concílio de Calcedônia (451 A.D.). Cremos que há três pessoas na Divindade, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo; e estes três são de uma mesma substância e iguais em poder e glória. Cremos que o Eterno Filho de Deus tornou-se homem ao tomar sobre si um corpo verdadeiro e alma racional, e assim foi e continua a ser, igualmente Deus e homem, em duas naturezas distintas numa pessoa para todo sempre. Cremos que o nosso adorável Senhor e Salvador Jesus Cristo é o profeta que deveria vir ao mundo, em cujos ensinamentos devemos crer, e em cujas promessas, confiar. Ele é o Sumo Sacerdote de quem a infinita satisfação meritória à justiça divina, e intercessão sempre eficaz, é a única base para a aceitação e justificação do pecador diante de Deus. Reconhecemo-Lo como nosso Senhor não apenas por sermos Suas criaturas, mas por termos sido comprados pelo Seu sangue. À Sua autoridade devemos nos submeter, em Seu cuidado confiar, e todas as criaturas no céu e na terra devem ser consagradas ao Seu serviço.
Recebemos todas aquelas doutrinas concernentes ao pecado, à graça e a predestinação - conhecidas coma Agostinianas - que foram sancionadas não apenas pelo Concilio de Cartago e outros Sínodos provinciais, mas também pelo Concílio Ecumênico de Éfeso (431 AD.), e por Zózimo, bispo de Roma. Não podemos, por essa causa, ser acusados de heréticos sem que, conjuntamente, se condene toda a antiga igreja.
Tampouco somos cismáticos. Afetuosamente reconhecemos como membros da Igreja visível de Cristo na terra, todos aqueles que, juntamente com seus filhos, professam a verdadeira religião. Não só estamos dispostos, mas também ardentemente desejosos em manter comunhão cristã com eles, desde que não exijam, como condição desta comunhão, que professemos doutrinas que a Palavra de Deus condena, ou que devamos fazer o que ela proíbe. Em todo caso, qualquer igreja que estabelece tais termos antibíblicos para a comunhão, o erro e a falta está nesta igreja, e não em nós. Embora não declinamos do vosso convite por sermos heréticos ou cismáticos, somos, entretanto, impedidos de aceitá-lo porque adotamos, com uma confiança cada vez maior, os princípios pelos quais nosso pais foram excomungados e amaldiçoados pelo Concílio de Trento, que representou, e ainda representa, Igreja sobre a qual presidis. O mais importante desses princípios são: primeiro, que a Palavra de Deus, contida nas Escrituras do Velho e do Novo Testamento é a única e infalível regra de fé e de prática. O Concílio de Trento, contudo, declarou anátema todo aquele que não recebe o ensinamento da tradição "pari pietatis affectu" (com igual sentimento piedoso) como as próprias Escrituras. Não podemos fazer isso sem incorrer na condenação que nosso Senhor pronunciou contra os fariseus que invalidavam a Palavra de Deus pelas tradições deles (Mt. 15:6).
Em segundo lugar, o direito de julgamento individual. Quando abrimos as Escrituras, descobrimos que elas são voltadas para as pessoas. Elas falam conosco. Somos ordenados a buscá-las (Jo 5:39), a crer no que elas ensinam. Somos pessoalmente responsáveis pela nossa fé. O apóstolo nos ordena a denunciar como anátema, apóstolo ou anjo descido do céu que ensine qualquer coisa contrária à Palavra de Deus divinamente autenticada (Gal.1:8). Ele nos tornou juízes, colocando em nossas mãos o preceito do julgamento, e nos fez responsáveis pelos nossos julgamentos. Ainda mais, encontramos que o ensinamento do Espírito Santo foi prometido por Cristo não apenas ao clero, muito menos a uma específica ordem clerical, mas a todos os crentes. Está escrito: "E serão todos ensinados por Deus". O apóstolo João diz aos crentes: E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento [...] Quanto a vós outros, a unção que dEle recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, com a Sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nEle, como também ela vos ensinou" (1 João 2:20,27). Este ensinamento do Espírito autentica a si mesmo, como o mesmo apóstolo nos ensina, quando diz: "Aquele que crê no Filho de Deus tem, em si, o testemunho" (1 João 5:10). Não vos escrevi porque não saibais a verdade: antes, porque a sabeis e porque mentira alguma jamais procede da verdade" (1 João 2:21). O julgamento particular, é, portanto, não apenas um direito, mas um dever, do qual homem algum pode isentar-se a si mesmo, ou ser desobrigado por outros.
Cremos, em terceiro lugar, no sacerdócio universal dos crentes, isto é, todos os crentes têm através de Cristo acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2:18); para que possamos nos achegar com ousadia ao trono da graça, para alcançarmos misericórdia e encontrar graça para socorro em tempo de necessidade (Hb.4:16); "Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela Sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura" (Hb. 10:19-22). Admitir, portanto, o sacerdócio do clero, como intervenção necessária para nos assegurar a remissão do pecado e outros benefícios da redenção de Cristo, é renunciar ao sacerdócio de nosso Senhor, ou a suficiência deste sacerdócio em nos assegurar a reconciliação com Deus.
Em quarto lugar, negamos a perpetuidade do apostolado. Assim como nenhum homem poder ser apóstolo sem o Espírito de profecia, também nenhum homem pode ser apóstolo sem os dons de apóstolo. Tais dons, como aprendemos pela Escritura, eram o conhecimento plenário da verdade derivada de Cristo pela revelação imediata (Gl 1:12), e infalibilidade pessoal como mestres e legisladores. Paulo nos ensina quais eram os selos do apostolado, quando diz aos Coríntios: "Pois as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos" (2 Co 12:12). Não podemos nos submeter a prelados que reivindicam ser apóstolos, e que requerem a mesma confiança em seus ensinamentos, e a mesma submissão à sua autoridade, como a que é devida aos inspirados mensageiros de Cristo. Isto seria conceder a homens falíveis a submissão devida somente à Deus ou aos seus mensageiros divinamente autenticados e infalíveis. Muito menos podemos reconhecer o Bispo de Roma como o vigário de Cristo sobre a terra, coberto da autoridade que Cristo exerceu sobre a Igreja e o mundo, quando aqui esteve encarnado. É patente que ninguém que não tenha os atributos de Cristo não pode ser o vigário de Cristo. Considerar o Bispo de Roma como vigário de Cristo, é, portanto, reconhecê-lo virtualmente como divino. Devemos permanecer firmes na liberdade com que Cristo nos libertou. Não podemos ser despojados da nossa salvação por colocarmos um homem no lugar de Deus; concedendo a alguém semelhante a nós, o controle interior e exterior de nossa vida, o que é devido unicamente Àquele em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, e em quem habita a plenitude da Divindade.
Poder-se-iam assinalar outras razões, igualmente compulsórias, pelas quais não podemos, de boa consciência, ser representados no Concílio proposto. Entretanto, como o Concilio de Trento, cujos cânones ainda vigoram, declarou maldito todo aquele que crê nos princípios enumerados acima, nada mais é necessário para demonstrar qual a razão por que declinamos do vosso convite. Conquanto não possamos voltar à comunhão com a Igreja de Roma, desejamos viver em caridade com todos os homens. Amamos todos aqueles que sinceramente amam ao nosso Senhor Jesus Cristo. Consideramos como irmãos em Cristo todos aqueles que O adoram, O amam, e O obedecem como seu Deus e Salvador; e esperamos estar juntos no Céu com todo aquele que juntamente conosco na terra, declara: "Àquele que nos ama, e, pelo Seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o Seu Deus e Pai, a Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém" (Ap 1:6).
Assinado em nome das duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América, Dr. Charles Hodge.
A Pio IX, Bispo de Roma.
Pela vossa encíclica, datada de 1869, convidais os protestantes a enviarem delegados para o Concílio convocado a reunir-se em Roma durante o mês de dezembro, do corrente ano. Esta carta foi levada ao conhecimento de duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América. Estas Assembleias representam cerca de cinco mil ministros e um número bem maior de congregações cristãs. Crendo, como cremos, que é a vontade de Cristo que a Sua Igreja na terra deva ser unida, e reconhecendo que temos o dever de fazer coerentemente tudo que pudermos para promover a caridade e a comunhão cristã, julgamos por certo apresentar resumidamente as razões que nos proíbem de participar nas deliberações do Concílio vindouro.
Não é que tenhamos rejeitado nenhum artigo da fé católica. Não somos heréticos. Recebemos sinceramente todas as doutrinas contidas no Símbolo conhecido como o Credo dos Apóstolos. Consideramos todas as decisões doutrinárias dos primeiros seis concílios ecumênicos como consistentes com a Palavra de Deus, e por causa disso os recebemos como expressão da nossa fé. Cremos, portanto, na doutrina da Trindade e da pessoa de Cristo conforme expressas nos símbolos adotados pelo Concílio de Nicéia (321 A.D.), nos do Concílio de Constantinopla (381 A.D.), e mais inteiramente nos do Concílio de Calcedônia (451 A.D.). Cremos que há três pessoas na Divindade, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo; e estes três são de uma mesma substância e iguais em poder e glória. Cremos que o Eterno Filho de Deus tornou-se homem ao tomar sobre si um corpo verdadeiro e alma racional, e assim foi e continua a ser, igualmente Deus e homem, em duas naturezas distintas numa pessoa para todo sempre. Cremos que o nosso adorável Senhor e Salvador Jesus Cristo é o profeta que deveria vir ao mundo, em cujos ensinamentos devemos crer, e em cujas promessas, confiar. Ele é o Sumo Sacerdote de quem a infinita satisfação meritória à justiça divina, e intercessão sempre eficaz, é a única base para a aceitação e justificação do pecador diante de Deus. Reconhecemo-Lo como nosso Senhor não apenas por sermos Suas criaturas, mas por termos sido comprados pelo Seu sangue. À Sua autoridade devemos nos submeter, em Seu cuidado confiar, e todas as criaturas no céu e na terra devem ser consagradas ao Seu serviço.
Recebemos todas aquelas doutrinas concernentes ao pecado, à graça e a predestinação - conhecidas coma Agostinianas - que foram sancionadas não apenas pelo Concilio de Cartago e outros Sínodos provinciais, mas também pelo Concílio Ecumênico de Éfeso (431 AD.), e por Zózimo, bispo de Roma. Não podemos, por essa causa, ser acusados de heréticos sem que, conjuntamente, se condene toda a antiga igreja.
Tampouco somos cismáticos. Afetuosamente reconhecemos como membros da Igreja visível de Cristo na terra, todos aqueles que, juntamente com seus filhos, professam a verdadeira religião. Não só estamos dispostos, mas também ardentemente desejosos em manter comunhão cristã com eles, desde que não exijam, como condição desta comunhão, que professemos doutrinas que a Palavra de Deus condena, ou que devamos fazer o que ela proíbe. Em todo caso, qualquer igreja que estabelece tais termos antibíblicos para a comunhão, o erro e a falta está nesta igreja, e não em nós. Embora não declinamos do vosso convite por sermos heréticos ou cismáticos, somos, entretanto, impedidos de aceitá-lo porque adotamos, com uma confiança cada vez maior, os princípios pelos quais nosso pais foram excomungados e amaldiçoados pelo Concílio de Trento, que representou, e ainda representa, Igreja sobre a qual presidis. O mais importante desses princípios são: primeiro, que a Palavra de Deus, contida nas Escrituras do Velho e do Novo Testamento é a única e infalível regra de fé e de prática. O Concílio de Trento, contudo, declarou anátema todo aquele que não recebe o ensinamento da tradição "pari pietatis affectu" (com igual sentimento piedoso) como as próprias Escrituras. Não podemos fazer isso sem incorrer na condenação que nosso Senhor pronunciou contra os fariseus que invalidavam a Palavra de Deus pelas tradições deles (Mt. 15:6).
Em segundo lugar, o direito de julgamento individual. Quando abrimos as Escrituras, descobrimos que elas são voltadas para as pessoas. Elas falam conosco. Somos ordenados a buscá-las (Jo 5:39), a crer no que elas ensinam. Somos pessoalmente responsáveis pela nossa fé. O apóstolo nos ordena a denunciar como anátema, apóstolo ou anjo descido do céu que ensine qualquer coisa contrária à Palavra de Deus divinamente autenticada (Gal.1:8). Ele nos tornou juízes, colocando em nossas mãos o preceito do julgamento, e nos fez responsáveis pelos nossos julgamentos. Ainda mais, encontramos que o ensinamento do Espírito Santo foi prometido por Cristo não apenas ao clero, muito menos a uma específica ordem clerical, mas a todos os crentes. Está escrito: "E serão todos ensinados por Deus". O apóstolo João diz aos crentes: E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento [...] Quanto a vós outros, a unção que dEle recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, com a Sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nEle, como também ela vos ensinou" (1 João 2:20,27). Este ensinamento do Espírito autentica a si mesmo, como o mesmo apóstolo nos ensina, quando diz: "Aquele que crê no Filho de Deus tem, em si, o testemunho" (1 João 5:10). Não vos escrevi porque não saibais a verdade: antes, porque a sabeis e porque mentira alguma jamais procede da verdade" (1 João 2:21). O julgamento particular, é, portanto, não apenas um direito, mas um dever, do qual homem algum pode isentar-se a si mesmo, ou ser desobrigado por outros.
Cremos, em terceiro lugar, no sacerdócio universal dos crentes, isto é, todos os crentes têm através de Cristo acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2:18); para que possamos nos achegar com ousadia ao trono da graça, para alcançarmos misericórdia e encontrar graça para socorro em tempo de necessidade (Hb.4:16); "Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela Sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura" (Hb. 10:19-22). Admitir, portanto, o sacerdócio do clero, como intervenção necessária para nos assegurar a remissão do pecado e outros benefícios da redenção de Cristo, é renunciar ao sacerdócio de nosso Senhor, ou a suficiência deste sacerdócio em nos assegurar a reconciliação com Deus.
Em quarto lugar, negamos a perpetuidade do apostolado. Assim como nenhum homem poder ser apóstolo sem o Espírito de profecia, também nenhum homem pode ser apóstolo sem os dons de apóstolo. Tais dons, como aprendemos pela Escritura, eram o conhecimento plenário da verdade derivada de Cristo pela revelação imediata (Gl 1:12), e infalibilidade pessoal como mestres e legisladores. Paulo nos ensina quais eram os selos do apostolado, quando diz aos Coríntios: "Pois as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos" (2 Co 12:12). Não podemos nos submeter a prelados que reivindicam ser apóstolos, e que requerem a mesma confiança em seus ensinamentos, e a mesma submissão à sua autoridade, como a que é devida aos inspirados mensageiros de Cristo. Isto seria conceder a homens falíveis a submissão devida somente à Deus ou aos seus mensageiros divinamente autenticados e infalíveis. Muito menos podemos reconhecer o Bispo de Roma como o vigário de Cristo sobre a terra, coberto da autoridade que Cristo exerceu sobre a Igreja e o mundo, quando aqui esteve encarnado. É patente que ninguém que não tenha os atributos de Cristo não pode ser o vigário de Cristo. Considerar o Bispo de Roma como vigário de Cristo, é, portanto, reconhecê-lo virtualmente como divino. Devemos permanecer firmes na liberdade com que Cristo nos libertou. Não podemos ser despojados da nossa salvação por colocarmos um homem no lugar de Deus; concedendo a alguém semelhante a nós, o controle interior e exterior de nossa vida, o que é devido unicamente Àquele em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, e em quem habita a plenitude da Divindade.
Poder-se-iam assinalar outras razões, igualmente compulsórias, pelas quais não podemos, de boa consciência, ser representados no Concílio proposto. Entretanto, como o Concilio de Trento, cujos cânones ainda vigoram, declarou maldito todo aquele que crê nos princípios enumerados acima, nada mais é necessário para demonstrar qual a razão por que declinamos do vosso convite. Conquanto não possamos voltar à comunhão com a Igreja de Roma, desejamos viver em caridade com todos os homens. Amamos todos aqueles que sinceramente amam ao nosso Senhor Jesus Cristo. Consideramos como irmãos em Cristo todos aqueles que O adoram, O amam, e O obedecem como seu Deus e Salvador; e esperamos estar juntos no Céu com todo aquele que juntamente conosco na terra, declara: "Àquele que nos ama, e, pelo Seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o Seu Deus e Pai, a Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém" (Ap 1:6).
Assinado em nome das duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América, Dr. Charles Hodge.
30 dezembro 2017
O que significa subscrever os Padrões de Westminster?
G. I. Williamson
Ninguém pode ser um ministro, presbítero regente ou diácono na Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC, na sigla em inglês) sem, primeiro, responder afirmativamente à seguinte pergunta:
“Você sinceramente recebe e adota a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras?”
Todos estamos familiarizados com este voto, mas o que ele significa? Segundo Charles Hodge, nossos votos têm sido entendidos de três diferentes maneiras na história do presbiterianismo. “Primeiro”, diz Hodge, “para alguns eles significam que cada proposição contida na Confissão de fé se inclui na profissão feita na ordenação. Segundo, outros dizem que eles significam apenas aquilo a que as palavras se referem. O que se adota é o ‘sistema de doutrina’. O sistema das Igrejas Reformadas é um esquema de doutrina conhecido e admitido, e é esse esquema, nem mais nem menos, que nós professamos adotar. A terceira visão do assunto é esta: por sistema de doutrina contido na Confissão deve-se entender as doutrinas essenciais do cristianismo, e nada mais” (ênfase do editor).
I
A primeira, diz Hodge, nunca foi a visão sequer entre os presbiterianos da Velha Escola. Sempre houve liberdade para se afirmar o pensamento de que esta ou aquela palavra (ou frase) não seja a melhor forma de expressar o ensino bíblico. E, com isso, estou de pleno acordo. Para explicar por que, quero citar dois exemplos. (1) No capítulo VII, seção 4, da Confissão de Westminster, lemos que “este pacto da graça é frequentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de testamento [...]”. O problema é que, embora tudo o mais nesta afirmação seja verdade, eu não penso que a palavra “frequentemente” seja precisa. Será então que não tenho a liberdade de asseverar esse fato sem que alguém me acuse de discordar da doutrina do pacto? (2) Ou tome a afirmação do capítulo XXI, seção 8, no qual a Confissão explica como o Dia do Senhor deve ser santificado. Aqui somos informados de que os homens não apenas estão obrigados a guardar “durante todo o dia um santo descansos das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto [a Deus] [...]”. O meu problema aqui não é discordar da doutrina, mas pensar que esta não seja a melhor forma de afirmá-la. Eu não penso que nós possamos nos envolver com empregos ou recreações “seculares” em qualquer dia da semana mais do que no Dia do Senhor. Penso que, aqui, um termo melhor seria “diários” ou “cotidianos”. O outro termo que eu gostaria de poder ver aperfeiçoado seria a palavra “exercícios”. Essa palavra me parece invocar a ideia de um tipo de espiritualidade mecanizada, como passar o domingo inteiro lendo a Bíblia ou orando. Em alguns momentos, penso, a melhor coisa que eu posso fazer num domingo é tirar um breve cochilo (o que dificilmente poderia ser chamado de um exercício)!
Poderíamos dar outros exemplos. Mas o meu ponto é que o texto da Confissão não é perfeito como o texto inspirado da Bíblia o é. Então, tem de haver o direito de discordar de uma expressão específica aqui e acolá, contanto que a discordância de fato seja com o fraseado, não com as doutrinas.
II
A outra visão à qual Charles Hodge se opôs foi o que se pode chamar de “visão da substância da doutrina”. E, também aqui, estou de pleno acordo com ele. Se há uma coisa que eu aprendi na história recente da igreja, é a devastação que essa perspectiva trouxe sobre as igrejas presbiterianas ao redor do mundo.
Em 1879, a Igreja Presbiteriana Unida na Escócia inventou o que ficou conhecido como Ato Declaratório (ou Resolução Declaratória). Outras igrejas rapidamente seguiram o exemplo (a Igreja Livre em 1892 e a Igreja Presbiteriana na Nova Zelândia (PCNZ) em 1901). Por essa resolução, a PCNZ estabeleceu que “a diversidade de opinião é admitida naqueles pontos da Confissão que não envolvem a substância da fé reformada, sendo da igreja a competência privativa para determinar que pontos se enquadram nessa descrição”. Qualquer que tenha sido a intenção de se adotar esse ato, como observou o Rev. Jack Sawyer, “o notório efeito histórico desse ato foi possibilitar que os concílios da igreja admitissem desvios cada vez mais sérios das proposições doutrinárias expressas na Confissão de Westminster, até o ponto em que a Confissão de Westminster, na verdade, deixou de ter qualquer autoridade vinculante como um padrão subordinado da igreja”.[1]
Como o próprio Dr. Hodge afirmou, “a substância da doutrina não é a doutrina, assim como a substância do homem não é o homem”. Dizer “Eu adoto a Confissão de Fé e os Catecismos desta igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Escrituras” é uma coisa. Dizer “Eu adoto a substância do sistema de doutrina contido nos ensinos da Confissão de Fé e dos Catecismos” é outra coisa.
O erro fatal dessa visão é que não existe nenhuma definição do que seja a substância do sistema de doutrina. Nós sabemos o que é o sistema de doutrina, porque ele está claramente (conquanto não perfeitamente) expresso nos Padrões de Westminster. Mas ninguém sabe o que significa falar numa “substância” dessa doutrina.
III
Então, segundo o Dr. Hodge, a única visão aceitável é a adoção da Confissão de Fé e dos Catecismos como contendo o sistema de doutrina ensinado na Bíblia. E, a esse respeito, o Dr. Hodge diz: “o candidato não tem nenhum direito de atribuir o seu próprio sentido às palavras que lhe são propostas. Ele não tem nenhum direito de escolher, de todos os significados possíveis dessas palavras, o sentido particular que se amolde aos seus propósitos, ou aquele que ele acredite poder salvar sua consciência. É bem sabido que esse caminho tem sido abertamente defendido, não apenas pelos jesuítas, mas por homens desta geração, neste país e na Europa. Diz-se que a ‘química do pensamento’ pode tornar iguais todos os credos. Os homens se orgulham em afirmar que poderiam subscrever qualquer símbolo de fé ou credo. Para um homem num balão a terra parece uma planície, perdendo-se de vista, na distância, todas as irregularidades de sua superfície. E eis aqui uma elevação filosófica a partir da qual todas as formas de crença humana parecem indistintas. Elas se sublimam em fórmulas genéricas, as quais incluem tudo e nada distinguem. O Professor Newman, pouco antes de sua apostasia declarada, publicou um tratado no qual defendia seu direito de permanecer na Igreja da Inglaterra, mesmo sustentando as doutrinas da Igreja de Roma. Ele reivindicava subscrever os Trinta e Nove Artigos em um “sentido não-natural”; isto é, no sentido que ele próprio escolhia atribuir às palavras. Isso é uma afronta ao senso comum e à honestidade comum aos homens. Não é preciso arrazoar sobre a matéria. A torpeza de tal princípio é vista com muito mais clareza intuitivamente do que discursivamente”.
“São dois os princípios que, pelo consenso comum de todos os homens honestos, determinam a interpretação de juramentos e profissões de fé: primeiro, o significado natural e histórico das palavras; e, segundo, o animus imponentis, isto é, a intenção da parte que impõe o juramento ou exige a profissão. Portanto, as palavras ‘sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras’ devem ser tomadas em seu sentido natural e histórico. Um homem não tem a liberdade de entender as palavras ‘Sagradas Escrituras’ como significando todos os livros escritos por homens santos, pois, embora tal interpretação possa estar de acordo com a significação das palavras, ela é inconsistente com o sentido histórico da frase. Tampouco ele as pode entender como se incluíssem os apócrifos, como fariam os romanistas, porquanto as palavras usadas por uma igreja protestante devem ser tomadas num sentido protestante. Também não pode o candidato dizer que entende por “sistema de doutrina” o cristianismo em oposição ao islamismo, nem o protestantismo em oposição ao romanismo, nem o evangelicalismo em contraste com a teologia das igrejas reformadas (isto é, calvinistas), porque as palavras usadas por uma igreja reformada devem ser entendidas no sentido que aquela igreja, sabidamente, lhes atribui. Se um homem professa receber a doutrina da Trindade, a palavra deve ser tomada em seu sentido cristão; o candidato não pode substituí-lo por aquela ideia sabeliana de uma trindade modal, nem pela tricotomia filosófica do panteísmo. O mesmo pode ser dito de todas as demais expressões que possuem um significado histórico fixo. Mais uma vez, no que se refere ao animus imponentis, deve-se entender não a mente ou intenção do bispo que ordena, na Igreja Episcopal, nem do presbitério que ordena, na Igreja Presbiteriana; e sim a mente ou intenção da Igreja, da qual o bispo ou presbitério é o órgão ou agente. Ainda que um bispo da Igreja da Inglaterra, simpatizante da doutrina romanista, atribuísse um significado “não-natural” aos Trinta e Nove Artigos, o sacerdote que os subscrevesse em tal sentido não seria inocente do crime de perjúrio moral; e ainda que um presbitério atribuísse um significado totalmente errôneo à Confissão de Westminster, isso não justificaria que um candidato à ordenação adotasse aquele sentido. A Confissão deve ser adotada no sentido da Igreja, a cujo serviço o ministro, em virtude dessa adoção, é recebido. Esses são princípios básicos de honestidade, e nós presumimos que eles são universalmente aceitos, ao menos no que se refere à nossa Igreja”.[2]
A história presbiteriana e reformada demonstra o fato de que não existe salvaguarda absoluta em nenhuma forma de subscrição. Isso não significa que nenhum aperfeiçoamento seja possível. Quando as Igrejas Reformadas da Nova Zelândia adotaram a Confissão de Fé de Westminster ao lado das Três Formas de Unidade, elas também modificaram o texto da fórmula de subscrição. A frase “todos os pontos de doutrina” foi substituída por “todo o sistema de doutrina”. E a minha opinião é que esse foi um modesto aperfeiçoamento. Mas, seja como for, permanece o fato de que nada protegerá a igreja do erro senão a diligência da parte daqueles que administram esse juramento.
Em outras palavras, os homens que já são ministros e presbíteros regentes devem ser diligentes e zelosos ao examinarem outros homens que aspirem aos ofícios bíblicos. Eles devem fazer isso a fim de descobrir, com a maior clareza possível, o que tais homens de fato querem dizer ao afirmar que sinceramente recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos como expressões fiéis (conquanto não infalíveis) do ensino bíblico. Na minha opinião, é isso – mais do que tudo – que tem permitido à Igreja Presbiteriana Ortodoxa continuar alinhada com aqueles homens que tanto sacrificaram, em 1936, por crerem nessas doutrinas.
Nós, como oficiais da OPC, precisamos ser homens de integridade. Precisamos examinar nossos próprios corações diante do Senhor, a fim de nos certificarmos de que somos fieis a nossos compromissos. E um desses compromissos é o dever de verificar se aqueles a quem ordenamos dão evidências convincentes de sua plena concordância com o sistema de doutrina contido nos Padrões de Westminster.
NOTAS:
[1] D. G. Vanderpyyl, Trust and Obey: A forty year history of the Reformed Churches of New Zealand, p. 453.
[2] Todas as citações de Hodge são da sua obra Church Polity, recentemente republicada por Westminster Discount Books of Scarsdale, N.Y..
“… o credo é o vínculo de comunhão... e um instrumento para a preservação tanto da pureza como da paz. Os que subscrevem ao credo se obrigam a devotar-se ao seu ensino, ao mesmo tempo em que desfrutam dos privilégios decorrentes daquela subscrição e da comunhão que ela promove. Eles devem renunciar tais privilégios tão logo não sejam mais capazes de confessar os princípios expressos no credo.” (John Murray)
Tradução: Pb. Vinícius Silva Pimentel
Revisão Rev. Ewerton B. Tokashiki
Ninguém pode ser um ministro, presbítero regente ou diácono na Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC, na sigla em inglês) sem, primeiro, responder afirmativamente à seguinte pergunta:
“Você sinceramente recebe e adota a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras?”
Todos estamos familiarizados com este voto, mas o que ele significa? Segundo Charles Hodge, nossos votos têm sido entendidos de três diferentes maneiras na história do presbiterianismo. “Primeiro”, diz Hodge, “para alguns eles significam que cada proposição contida na Confissão de fé se inclui na profissão feita na ordenação. Segundo, outros dizem que eles significam apenas aquilo a que as palavras se referem. O que se adota é o ‘sistema de doutrina’. O sistema das Igrejas Reformadas é um esquema de doutrina conhecido e admitido, e é esse esquema, nem mais nem menos, que nós professamos adotar. A terceira visão do assunto é esta: por sistema de doutrina contido na Confissão deve-se entender as doutrinas essenciais do cristianismo, e nada mais” (ênfase do editor).
I
A primeira, diz Hodge, nunca foi a visão sequer entre os presbiterianos da Velha Escola. Sempre houve liberdade para se afirmar o pensamento de que esta ou aquela palavra (ou frase) não seja a melhor forma de expressar o ensino bíblico. E, com isso, estou de pleno acordo. Para explicar por que, quero citar dois exemplos. (1) No capítulo VII, seção 4, da Confissão de Westminster, lemos que “este pacto da graça é frequentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de testamento [...]”. O problema é que, embora tudo o mais nesta afirmação seja verdade, eu não penso que a palavra “frequentemente” seja precisa. Será então que não tenho a liberdade de asseverar esse fato sem que alguém me acuse de discordar da doutrina do pacto? (2) Ou tome a afirmação do capítulo XXI, seção 8, no qual a Confissão explica como o Dia do Senhor deve ser santificado. Aqui somos informados de que os homens não apenas estão obrigados a guardar “durante todo o dia um santo descansos das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto [a Deus] [...]”. O meu problema aqui não é discordar da doutrina, mas pensar que esta não seja a melhor forma de afirmá-la. Eu não penso que nós possamos nos envolver com empregos ou recreações “seculares” em qualquer dia da semana mais do que no Dia do Senhor. Penso que, aqui, um termo melhor seria “diários” ou “cotidianos”. O outro termo que eu gostaria de poder ver aperfeiçoado seria a palavra “exercícios”. Essa palavra me parece invocar a ideia de um tipo de espiritualidade mecanizada, como passar o domingo inteiro lendo a Bíblia ou orando. Em alguns momentos, penso, a melhor coisa que eu posso fazer num domingo é tirar um breve cochilo (o que dificilmente poderia ser chamado de um exercício)!
Poderíamos dar outros exemplos. Mas o meu ponto é que o texto da Confissão não é perfeito como o texto inspirado da Bíblia o é. Então, tem de haver o direito de discordar de uma expressão específica aqui e acolá, contanto que a discordância de fato seja com o fraseado, não com as doutrinas.
II
A outra visão à qual Charles Hodge se opôs foi o que se pode chamar de “visão da substância da doutrina”. E, também aqui, estou de pleno acordo com ele. Se há uma coisa que eu aprendi na história recente da igreja, é a devastação que essa perspectiva trouxe sobre as igrejas presbiterianas ao redor do mundo.
Em 1879, a Igreja Presbiteriana Unida na Escócia inventou o que ficou conhecido como Ato Declaratório (ou Resolução Declaratória). Outras igrejas rapidamente seguiram o exemplo (a Igreja Livre em 1892 e a Igreja Presbiteriana na Nova Zelândia (PCNZ) em 1901). Por essa resolução, a PCNZ estabeleceu que “a diversidade de opinião é admitida naqueles pontos da Confissão que não envolvem a substância da fé reformada, sendo da igreja a competência privativa para determinar que pontos se enquadram nessa descrição”. Qualquer que tenha sido a intenção de se adotar esse ato, como observou o Rev. Jack Sawyer, “o notório efeito histórico desse ato foi possibilitar que os concílios da igreja admitissem desvios cada vez mais sérios das proposições doutrinárias expressas na Confissão de Westminster, até o ponto em que a Confissão de Westminster, na verdade, deixou de ter qualquer autoridade vinculante como um padrão subordinado da igreja”.[1]
Como o próprio Dr. Hodge afirmou, “a substância da doutrina não é a doutrina, assim como a substância do homem não é o homem”. Dizer “Eu adoto a Confissão de Fé e os Catecismos desta igreja como contendo o sistema de doutrina ensinado nas Escrituras” é uma coisa. Dizer “Eu adoto a substância do sistema de doutrina contido nos ensinos da Confissão de Fé e dos Catecismos” é outra coisa.
O erro fatal dessa visão é que não existe nenhuma definição do que seja a substância do sistema de doutrina. Nós sabemos o que é o sistema de doutrina, porque ele está claramente (conquanto não perfeitamente) expresso nos Padrões de Westminster. Mas ninguém sabe o que significa falar numa “substância” dessa doutrina.
III
Então, segundo o Dr. Hodge, a única visão aceitável é a adoção da Confissão de Fé e dos Catecismos como contendo o sistema de doutrina ensinado na Bíblia. E, a esse respeito, o Dr. Hodge diz: “o candidato não tem nenhum direito de atribuir o seu próprio sentido às palavras que lhe são propostas. Ele não tem nenhum direito de escolher, de todos os significados possíveis dessas palavras, o sentido particular que se amolde aos seus propósitos, ou aquele que ele acredite poder salvar sua consciência. É bem sabido que esse caminho tem sido abertamente defendido, não apenas pelos jesuítas, mas por homens desta geração, neste país e na Europa. Diz-se que a ‘química do pensamento’ pode tornar iguais todos os credos. Os homens se orgulham em afirmar que poderiam subscrever qualquer símbolo de fé ou credo. Para um homem num balão a terra parece uma planície, perdendo-se de vista, na distância, todas as irregularidades de sua superfície. E eis aqui uma elevação filosófica a partir da qual todas as formas de crença humana parecem indistintas. Elas se sublimam em fórmulas genéricas, as quais incluem tudo e nada distinguem. O Professor Newman, pouco antes de sua apostasia declarada, publicou um tratado no qual defendia seu direito de permanecer na Igreja da Inglaterra, mesmo sustentando as doutrinas da Igreja de Roma. Ele reivindicava subscrever os Trinta e Nove Artigos em um “sentido não-natural”; isto é, no sentido que ele próprio escolhia atribuir às palavras. Isso é uma afronta ao senso comum e à honestidade comum aos homens. Não é preciso arrazoar sobre a matéria. A torpeza de tal princípio é vista com muito mais clareza intuitivamente do que discursivamente”.
“São dois os princípios que, pelo consenso comum de todos os homens honestos, determinam a interpretação de juramentos e profissões de fé: primeiro, o significado natural e histórico das palavras; e, segundo, o animus imponentis, isto é, a intenção da parte que impõe o juramento ou exige a profissão. Portanto, as palavras ‘sistema de doutrina ensinado nas Sagradas Escrituras’ devem ser tomadas em seu sentido natural e histórico. Um homem não tem a liberdade de entender as palavras ‘Sagradas Escrituras’ como significando todos os livros escritos por homens santos, pois, embora tal interpretação possa estar de acordo com a significação das palavras, ela é inconsistente com o sentido histórico da frase. Tampouco ele as pode entender como se incluíssem os apócrifos, como fariam os romanistas, porquanto as palavras usadas por uma igreja protestante devem ser tomadas num sentido protestante. Também não pode o candidato dizer que entende por “sistema de doutrina” o cristianismo em oposição ao islamismo, nem o protestantismo em oposição ao romanismo, nem o evangelicalismo em contraste com a teologia das igrejas reformadas (isto é, calvinistas), porque as palavras usadas por uma igreja reformada devem ser entendidas no sentido que aquela igreja, sabidamente, lhes atribui. Se um homem professa receber a doutrina da Trindade, a palavra deve ser tomada em seu sentido cristão; o candidato não pode substituí-lo por aquela ideia sabeliana de uma trindade modal, nem pela tricotomia filosófica do panteísmo. O mesmo pode ser dito de todas as demais expressões que possuem um significado histórico fixo. Mais uma vez, no que se refere ao animus imponentis, deve-se entender não a mente ou intenção do bispo que ordena, na Igreja Episcopal, nem do presbitério que ordena, na Igreja Presbiteriana; e sim a mente ou intenção da Igreja, da qual o bispo ou presbitério é o órgão ou agente. Ainda que um bispo da Igreja da Inglaterra, simpatizante da doutrina romanista, atribuísse um significado “não-natural” aos Trinta e Nove Artigos, o sacerdote que os subscrevesse em tal sentido não seria inocente do crime de perjúrio moral; e ainda que um presbitério atribuísse um significado totalmente errôneo à Confissão de Westminster, isso não justificaria que um candidato à ordenação adotasse aquele sentido. A Confissão deve ser adotada no sentido da Igreja, a cujo serviço o ministro, em virtude dessa adoção, é recebido. Esses são princípios básicos de honestidade, e nós presumimos que eles são universalmente aceitos, ao menos no que se refere à nossa Igreja”.[2]
A história presbiteriana e reformada demonstra o fato de que não existe salvaguarda absoluta em nenhuma forma de subscrição. Isso não significa que nenhum aperfeiçoamento seja possível. Quando as Igrejas Reformadas da Nova Zelândia adotaram a Confissão de Fé de Westminster ao lado das Três Formas de Unidade, elas também modificaram o texto da fórmula de subscrição. A frase “todos os pontos de doutrina” foi substituída por “todo o sistema de doutrina”. E a minha opinião é que esse foi um modesto aperfeiçoamento. Mas, seja como for, permanece o fato de que nada protegerá a igreja do erro senão a diligência da parte daqueles que administram esse juramento.
Em outras palavras, os homens que já são ministros e presbíteros regentes devem ser diligentes e zelosos ao examinarem outros homens que aspirem aos ofícios bíblicos. Eles devem fazer isso a fim de descobrir, com a maior clareza possível, o que tais homens de fato querem dizer ao afirmar que sinceramente recebem e adotam a Confissão de Fé e os Catecismos como expressões fiéis (conquanto não infalíveis) do ensino bíblico. Na minha opinião, é isso – mais do que tudo – que tem permitido à Igreja Presbiteriana Ortodoxa continuar alinhada com aqueles homens que tanto sacrificaram, em 1936, por crerem nessas doutrinas.
Nós, como oficiais da OPC, precisamos ser homens de integridade. Precisamos examinar nossos próprios corações diante do Senhor, a fim de nos certificarmos de que somos fieis a nossos compromissos. E um desses compromissos é o dever de verificar se aqueles a quem ordenamos dão evidências convincentes de sua plena concordância com o sistema de doutrina contido nos Padrões de Westminster.
NOTAS:
[1] D. G. Vanderpyyl, Trust and Obey: A forty year history of the Reformed Churches of New Zealand, p. 453.
[2] Todas as citações de Hodge são da sua obra Church Polity, recentemente republicada por Westminster Discount Books of Scarsdale, N.Y..
“… o credo é o vínculo de comunhão... e um instrumento para a preservação tanto da pureza como da paz. Os que subscrevem ao credo se obrigam a devotar-se ao seu ensino, ao mesmo tempo em que desfrutam dos privilégios decorrentes daquela subscrição e da comunhão que ela promove. Eles devem renunciar tais privilégios tão logo não sejam mais capazes de confessar os princípios expressos no credo.” (John Murray)
Tradução: Pb. Vinícius Silva Pimentel
Revisão Rev. Ewerton B. Tokashiki
28 dezembro 2017
O que é Escolasticismo Reformado?
por Willem J. Van Asselt
Por que Escolasticismo Reformado?
Este livro é uma introdução ao método teológico conhecido, geralmente, como Escolasticismo Reformado. Esta reflexão e exposição sobre as doutrinas da Igreja cristã é considerada forçada na maioria das vezes, fazendo vir à mente imagens de teólogos rígidos do século XVII que, após Calvino, colocaram a mensagem cristã em formas aristotélicas, de modo que nada da mensagem pura e original que os reformadores tivessem lhes passado ainda existisse. Os estudantes da Divindade foram enviados às igrejas com um sistema morto e inflexível usado para punir a congregação a partir do púlpito a cada domingo. O resultado foi uma fé fatiada e seca, desprovida de uma vida e de uma teologia, direcionadas para um caminho de morte ou, ainda pior, presas nas garras do racionalismo.
Os escritores deste livro acreditam que essa imagem se baseia em uma gama de desentendimentos históricos e sistemáticos. Em primeiro lugar, o escolasticismo não era algo praticado somente por teólogos reformados “rígidos”; autores luteranos e católicos também se usaram amplamente desse método depois da Reforma. Desse modo, o escolasticismo era uma atividade ecumênica. Em segundo lugar, o escolasticismo não era utilizado somente no século XVII. Toda a Igreja ocidental havia criado uma teologia escolástica desde o século XI. Uma aproximação escolástica também era aplicada em outras disciplinas acadêmicas. O termo “escolasticismo”, portanto, não deveria estar tão associado assim com o conteúdo, mas sim com o método, uma forma acadêmica de argumentação e disputa.
Tudo isso, de forma alguma, significa a única visão sobre o escolasticismo. A nossa perspectiva positiva é combatida por aqueles que argumentam que afirmações de fé não devem tolerar qualquer tipo de método escolástico de pensamento, ou de que o escolasticismo envolve uma distorção racionalista do testemunho bíblico. Outros ponderam sobre como o escolasticismo se relaciona aos reformadores. Será que eles não tinham rompido com o escolasticismo? E quanto aos seus seguidores que, uma vez mais, bebiam dos escritores medievais? Será que isso não era simplesmente um retorno às “trevas” da Idade Média? Outros questionam o valor do escolasticismo para o presente. Será que não estaríamos lidando apenas com uma relíquia do passado, ou será que poderia ajudar a se navegar pelo emaranhado de diversos impasses teológicos e ecumênicos? Essas são questões que serão tratadas neste livro. Esta introdução, assim, se resume às questões de continuidade e descontinuidade. Será que houve um rompimento radical entre a mensagem dos reformadores e a teologia da Idade Média? E será que a teologia da ortodoxia protestante teria sido, então, uma traição da mensagem original da Reforma? Ao se cuidar desses assuntos, este livro abre caminho para os dois lados do debate. Sem saltar para as conclusões do nosso estudo, queremos tocar no motivo de consideramos o estudo do escolasticismo reformado ser muito importante: primeiramente, a universalidade do escolasticismo reformado; em segundo lugar, o seu sentido histórico-teológico e, finalmente, a sua relevância teológica- sistemática. Pela universalidade do escolasticismo reformado, nós queremos dizer que aqueles que o praticaram buscaram, de forma explícita, permanecer dentro da tradição de toda a Igreja. Eles não tinham pretensão alguma de promover uma originalidade ou de desenvolverem uma “verdadeira doutrina”. Como estudantes dos reformadores, eles queriam desenvolver uma teologia na qual houvesse uma vasta reflexão sobre o âmago do Evangelho, com todas as suas implicações. Eles se colocaram em linha com a teologia de todos os tempos, e se engajaram em uma reflexão teológica “juntos com todos os santos”. Eles não olharam somente para o passado, mas também para o futuro. Os escolásticos reformados pretenderam contribuir para a existência contínua da Igreja no futuro. É necessário prestar atenção ao escolasticismo reformado a partir de uma perspectiva histórica-teológica, conforme o interesse tem apenas recentemente sido mostrado na história da teologia reformada de depois da época da Reforma. Diferentes abordagens podem ser tomadas, tanto históricas, como sistemáticas.
A tarefa do historiador é a de mergulhar em autores e em seus respectivos escritos em termos do relacionamento que eles tiveram com eventos anteriores, contemporâneos ou posteriores. A análise e a avaliação do conteúdo e da intenção, como também da coerência de vários pontos de doutrina, são mais sistemáticos em sua natureza. Os autores desta introdução creem que uma combinação dessas duas abordagens é algo desejável, e, diversas vezes, até mesmo necessário. Esse período na história do protestantismo reformado conecta a teologia reformada do presente com a da Reforma e com a teologia de todos os tempos. Finalmente, estamos convencidos de que a teologia sistemática atual é aprimorada por um conhecimento profundo da teologia desse período. Nós mencionamos três importantes fatores: primeiro, a tentativa de unir a teologia sistematicamente com a prática de fé, por ser o mais importante de tudo como, por exemplo, na reforma posterior holandesa (Nadere Reformatie). Segundo, nós apontamos a qualidade argumentativa da teologia reformada. Como veremos, os teólogos orientados de modo sistemático colocavam ênfase grande na argumentação sistemática e ordenada, e tinham como alvo uma definição clara dos termos que utilizavam. Com grande cuidado, eles explicavam em suas teses os termos que eles usavam e percebiam os diversos significados que um único termo poderia ter. Os escolásticos reformados não se limitavam à apenas um aspecto da teologia, mas viam cada parte em relação ao todo. Respostas para uma única questão não poderiam conflitar com as de outra. O que era argumentado em conexão com a doutrina de Deus não poderia conflitar com o que já havia sido exposto para a doutrina da Providência. Terceiro, a teologia escolástica era praticada em conexão íntima com outras disciplinas, tais como filologia, exegese, filosofia e assim por diante. As posições tomadas neste contexto eram exaustivamente defendidas. Não bastava simplesmente que se reproduzisse a visão de uma outra pessoa. Era dado espaço para contra-argumentações e objeções. Isso era um reconhecimento explícito ou implícito de que diferentes métodos poderiam ser seguidos para se explicar diferentes pontos teológicos de doutrina. A teologia escolástica não era nem uma roupagem rígida de doutrina, tampouco uma caça às bruxas de heresias, mas sim apontando para a análise da posição de alguém, assim como para as de outros e clarificando as consequências de um determinado ponto de vista. Esses três fatores – prática de fé, qualidade argumentativa e relacionamento com outras disciplinas – podem, da mesma maneira, serem proveitosas para a prática da teologia sistemática nos dias atuais.
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Por que Escolasticismo Reformado?
Este livro é uma introdução ao método teológico conhecido, geralmente, como Escolasticismo Reformado. Esta reflexão e exposição sobre as doutrinas da Igreja cristã é considerada forçada na maioria das vezes, fazendo vir à mente imagens de teólogos rígidos do século XVII que, após Calvino, colocaram a mensagem cristã em formas aristotélicas, de modo que nada da mensagem pura e original que os reformadores tivessem lhes passado ainda existisse. Os estudantes da Divindade foram enviados às igrejas com um sistema morto e inflexível usado para punir a congregação a partir do púlpito a cada domingo. O resultado foi uma fé fatiada e seca, desprovida de uma vida e de uma teologia, direcionadas para um caminho de morte ou, ainda pior, presas nas garras do racionalismo.
Os escritores deste livro acreditam que essa imagem se baseia em uma gama de desentendimentos históricos e sistemáticos. Em primeiro lugar, o escolasticismo não era algo praticado somente por teólogos reformados “rígidos”; autores luteranos e católicos também se usaram amplamente desse método depois da Reforma. Desse modo, o escolasticismo era uma atividade ecumênica. Em segundo lugar, o escolasticismo não era utilizado somente no século XVII. Toda a Igreja ocidental havia criado uma teologia escolástica desde o século XI. Uma aproximação escolástica também era aplicada em outras disciplinas acadêmicas. O termo “escolasticismo”, portanto, não deveria estar tão associado assim com o conteúdo, mas sim com o método, uma forma acadêmica de argumentação e disputa.
Tudo isso, de forma alguma, significa a única visão sobre o escolasticismo. A nossa perspectiva positiva é combatida por aqueles que argumentam que afirmações de fé não devem tolerar qualquer tipo de método escolástico de pensamento, ou de que o escolasticismo envolve uma distorção racionalista do testemunho bíblico. Outros ponderam sobre como o escolasticismo se relaciona aos reformadores. Será que eles não tinham rompido com o escolasticismo? E quanto aos seus seguidores que, uma vez mais, bebiam dos escritores medievais? Será que isso não era simplesmente um retorno às “trevas” da Idade Média? Outros questionam o valor do escolasticismo para o presente. Será que não estaríamos lidando apenas com uma relíquia do passado, ou será que poderia ajudar a se navegar pelo emaranhado de diversos impasses teológicos e ecumênicos? Essas são questões que serão tratadas neste livro. Esta introdução, assim, se resume às questões de continuidade e descontinuidade. Será que houve um rompimento radical entre a mensagem dos reformadores e a teologia da Idade Média? E será que a teologia da ortodoxia protestante teria sido, então, uma traição da mensagem original da Reforma? Ao se cuidar desses assuntos, este livro abre caminho para os dois lados do debate. Sem saltar para as conclusões do nosso estudo, queremos tocar no motivo de consideramos o estudo do escolasticismo reformado ser muito importante: primeiramente, a universalidade do escolasticismo reformado; em segundo lugar, o seu sentido histórico-teológico e, finalmente, a sua relevância teológica- sistemática. Pela universalidade do escolasticismo reformado, nós queremos dizer que aqueles que o praticaram buscaram, de forma explícita, permanecer dentro da tradição de toda a Igreja. Eles não tinham pretensão alguma de promover uma originalidade ou de desenvolverem uma “verdadeira doutrina”. Como estudantes dos reformadores, eles queriam desenvolver uma teologia na qual houvesse uma vasta reflexão sobre o âmago do Evangelho, com todas as suas implicações. Eles se colocaram em linha com a teologia de todos os tempos, e se engajaram em uma reflexão teológica “juntos com todos os santos”. Eles não olharam somente para o passado, mas também para o futuro. Os escolásticos reformados pretenderam contribuir para a existência contínua da Igreja no futuro. É necessário prestar atenção ao escolasticismo reformado a partir de uma perspectiva histórica-teológica, conforme o interesse tem apenas recentemente sido mostrado na história da teologia reformada de depois da época da Reforma. Diferentes abordagens podem ser tomadas, tanto históricas, como sistemáticas.
A tarefa do historiador é a de mergulhar em autores e em seus respectivos escritos em termos do relacionamento que eles tiveram com eventos anteriores, contemporâneos ou posteriores. A análise e a avaliação do conteúdo e da intenção, como também da coerência de vários pontos de doutrina, são mais sistemáticos em sua natureza. Os autores desta introdução creem que uma combinação dessas duas abordagens é algo desejável, e, diversas vezes, até mesmo necessário. Esse período na história do protestantismo reformado conecta a teologia reformada do presente com a da Reforma e com a teologia de todos os tempos. Finalmente, estamos convencidos de que a teologia sistemática atual é aprimorada por um conhecimento profundo da teologia desse período. Nós mencionamos três importantes fatores: primeiro, a tentativa de unir a teologia sistematicamente com a prática de fé, por ser o mais importante de tudo como, por exemplo, na reforma posterior holandesa (Nadere Reformatie). Segundo, nós apontamos a qualidade argumentativa da teologia reformada. Como veremos, os teólogos orientados de modo sistemático colocavam ênfase grande na argumentação sistemática e ordenada, e tinham como alvo uma definição clara dos termos que utilizavam. Com grande cuidado, eles explicavam em suas teses os termos que eles usavam e percebiam os diversos significados que um único termo poderia ter. Os escolásticos reformados não se limitavam à apenas um aspecto da teologia, mas viam cada parte em relação ao todo. Respostas para uma única questão não poderiam conflitar com as de outra. O que era argumentado em conexão com a doutrina de Deus não poderia conflitar com o que já havia sido exposto para a doutrina da Providência. Terceiro, a teologia escolástica era praticada em conexão íntima com outras disciplinas, tais como filologia, exegese, filosofia e assim por diante. As posições tomadas neste contexto eram exaustivamente defendidas. Não bastava simplesmente que se reproduzisse a visão de uma outra pessoa. Era dado espaço para contra-argumentações e objeções. Isso era um reconhecimento explícito ou implícito de que diferentes métodos poderiam ser seguidos para se explicar diferentes pontos teológicos de doutrina. A teologia escolástica não era nem uma roupagem rígida de doutrina, tampouco uma caça às bruxas de heresias, mas sim apontando para a análise da posição de alguém, assim como para as de outros e clarificando as consequências de um determinado ponto de vista. Esses três fatores – prática de fé, qualidade argumentativa e relacionamento com outras disciplinas – podem, da mesma maneira, serem proveitosas para a prática da teologia sistemática nos dias atuais.
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05 dezembro 2017
Resenha de Synopsis Purioris Theologiae
por Dr. Ryan M. McGraw
Esta tradução apresenta um texto da ortodoxia reformada historicamente importante para o mundo de língua inglesa. Quatro professores da Universidade de Leiden (Walaeus, Polyander, Thysius e Rivetus) produziram esse texto em 1625 para apresentar uma alternativa "mais pura" em relação à teologia dos arminiano, recentemente expulsa daquela instituição. Este volume atual é o primeiro de três volumes planejados, que incluem o texto paralelo em latim e em inglês. Como este texto permaneceu importante no mundo reformado por pelo menos até o final do século XIX, estudantes modernos de teologia reformada deveriam usá-lo como meio de conectá-los ao histórico ensino reformado.
Este trabalho possui muitas qualidades úteis. É inerentemente importante como um resumo da teologia reformada daquele período. Hoje em dia, os estudantes de teologia começam a surpreender ao saber que a maioria dos autores reformados no passado escreveram as suas principais obras teológicas em latim. Isso significa que muitos leitores modernos são limitados do que é, indiscutivelmente, o período mais significativo no desenvolvimento da teologia reformada. Algumas seções na sinopse, como a Disputa vinte e um acerca do Sábado, expressam debates em grande parte de questões entre os holandeses. No entanto, a maioria dos capítulos ajudará os leitores a compreenderem melhor a substância e a estrutura da ortodoxia reformada a partir da doutrina do conhecimento de Deus e da Escritura, através da criação, do homem e do pecado, às relações e diferenças entre o Antigo e o Novo Testamento. As notas de rodapé dispostas ao longo deste volume também ajudarão muitos leitores a entender melhores referências as filosóficas, teológicas e históricas no texto original.
O Leiden Synopsis, no entanto, tem algumas deficiências surpreendentes. Muitas discussões estão incompletas ou qualificadas de forma inadequada. Por exemplo, Thysius mencionou, mas largamente omitiu, a suficiência da Escritura em seu tratamento da perfeição das Escrituras, a favor de combater a visão papal da tradição não escrita (107). As definições de teologia, que ocuparam um lugar tão proeminente em outros sistemas na época, são declaradas e aprovadas nas primeiras páginas do livro, a fim de desenvolver a doutrina das Escrituras com mais rapidez. O pecado é descrito como a ausência do bem sem a realidade metafísica. No entanto, este ponto pode enganar os leitores sem explicar que os autores reformados geralmente tratavam o pecado como uma ação direcionada a uma extremidade errada em vez de não ser. Outros tópicos, como artigos fundamentais, os decretos de Deus (subordinados e renomeados sob a providência), e a aliança de redenção, são omitidos inteiramente. A teologia da aliança vem diretamente na Disputa vinte e três, que aborda a relação entre o Antigo e o Novo Testamento. A terminologia não é explicada o suficiente para ser uma boa fonte para entender as nuanças do desenvolvimento reformado da aliança. Muitos tratamentos doutrinários nesta obra são muito breves para ajudar os leitores modernos a entender a teologia que está por trás dessas declarações. Várias posições são simplesmente declaradas sem argumentação da Escritura. Esses pontos, surpreendentemente, contrastam com o mais curto Compendium Christianae Theologiae do mesmo período de tempo de Johannes Wollebius.
O Synopsis Purioris Theologiae[1] é um trabalho, historicamente, muito importante da teologia reformada. Embora seja um texto de leitura obrigatória daquele período, provavelmente, não será o melhor ponto de partida para os leitores novatos em ler fontes primárias na ortodoxia reformada. É uma sinopse de uma tradição teológica mais ampla. O seu principal valor consiste em ensinar aos leitores quais as perguntas a foram feitas e onde procurar a expansão teológica em outras publicações reformadas.
Ryan M. McGraw
Greenville Presbyterian Theological Seminary
Te Velde, Dolf (ed.). et al. Synopsis Purioris Theologiae / Synopsis of a Purer Theology: Latin Text and English Translation. Vol. 1, Disputations 1-23. Translated by Riemer A. Faber. Studies in Medieval and Reformation Traditions 187; Text and Sources, 5. Leiden: Brill, 2014.
NOTAS:
[1] O título original é Synopsis purioris theologiae: disputationibus quinquaginta duabus comprehensa ac conscripta per Johannem Polyandrum, Andream Rivetum, Antonium Walaeum, Antonium Thysium, S. S. theologiae doctores et professores in Academia Leidensi.
Esta tradução apresenta um texto da ortodoxia reformada historicamente importante para o mundo de língua inglesa. Quatro professores da Universidade de Leiden (Walaeus, Polyander, Thysius e Rivetus) produziram esse texto em 1625 para apresentar uma alternativa "mais pura" em relação à teologia dos arminiano, recentemente expulsa daquela instituição. Este volume atual é o primeiro de três volumes planejados, que incluem o texto paralelo em latim e em inglês. Como este texto permaneceu importante no mundo reformado por pelo menos até o final do século XIX, estudantes modernos de teologia reformada deveriam usá-lo como meio de conectá-los ao histórico ensino reformado.
Este trabalho possui muitas qualidades úteis. É inerentemente importante como um resumo da teologia reformada daquele período. Hoje em dia, os estudantes de teologia começam a surpreender ao saber que a maioria dos autores reformados no passado escreveram as suas principais obras teológicas em latim. Isso significa que muitos leitores modernos são limitados do que é, indiscutivelmente, o período mais significativo no desenvolvimento da teologia reformada. Algumas seções na sinopse, como a Disputa vinte e um acerca do Sábado, expressam debates em grande parte de questões entre os holandeses. No entanto, a maioria dos capítulos ajudará os leitores a compreenderem melhor a substância e a estrutura da ortodoxia reformada a partir da doutrina do conhecimento de Deus e da Escritura, através da criação, do homem e do pecado, às relações e diferenças entre o Antigo e o Novo Testamento. As notas de rodapé dispostas ao longo deste volume também ajudarão muitos leitores a entender melhores referências as filosóficas, teológicas e históricas no texto original.
O Leiden Synopsis, no entanto, tem algumas deficiências surpreendentes. Muitas discussões estão incompletas ou qualificadas de forma inadequada. Por exemplo, Thysius mencionou, mas largamente omitiu, a suficiência da Escritura em seu tratamento da perfeição das Escrituras, a favor de combater a visão papal da tradição não escrita (107). As definições de teologia, que ocuparam um lugar tão proeminente em outros sistemas na época, são declaradas e aprovadas nas primeiras páginas do livro, a fim de desenvolver a doutrina das Escrituras com mais rapidez. O pecado é descrito como a ausência do bem sem a realidade metafísica. No entanto, este ponto pode enganar os leitores sem explicar que os autores reformados geralmente tratavam o pecado como uma ação direcionada a uma extremidade errada em vez de não ser. Outros tópicos, como artigos fundamentais, os decretos de Deus (subordinados e renomeados sob a providência), e a aliança de redenção, são omitidos inteiramente. A teologia da aliança vem diretamente na Disputa vinte e três, que aborda a relação entre o Antigo e o Novo Testamento. A terminologia não é explicada o suficiente para ser uma boa fonte para entender as nuanças do desenvolvimento reformado da aliança. Muitos tratamentos doutrinários nesta obra são muito breves para ajudar os leitores modernos a entender a teologia que está por trás dessas declarações. Várias posições são simplesmente declaradas sem argumentação da Escritura. Esses pontos, surpreendentemente, contrastam com o mais curto Compendium Christianae Theologiae do mesmo período de tempo de Johannes Wollebius.
O Synopsis Purioris Theologiae[1] é um trabalho, historicamente, muito importante da teologia reformada. Embora seja um texto de leitura obrigatória daquele período, provavelmente, não será o melhor ponto de partida para os leitores novatos em ler fontes primárias na ortodoxia reformada. É uma sinopse de uma tradição teológica mais ampla. O seu principal valor consiste em ensinar aos leitores quais as perguntas a foram feitas e onde procurar a expansão teológica em outras publicações reformadas.
Ryan M. McGraw
Greenville Presbyterian Theological Seminary
Te Velde, Dolf (ed.). et al. Synopsis Purioris Theologiae / Synopsis of a Purer Theology: Latin Text and English Translation. Vol. 1, Disputations 1-23. Translated by Riemer A. Faber. Studies in Medieval and Reformation Traditions 187; Text and Sources, 5. Leiden: Brill, 2014.
NOTAS:
[1] O título original é Synopsis purioris theologiae: disputationibus quinquaginta duabus comprehensa ac conscripta per Johannem Polyandrum, Andream Rivetum, Antonium Walaeum, Antonium Thysium, S. S. theologiae doctores et professores in Academia Leidensi.
04 dezembro 2017
Arquivo de textos de teologia reformada
Talvez você ainda não conheça a minha página no site ACADEMIA.EDU onde arquivo artigos que escrevo e traduzo, e alguns projetos de livros.
Acesse, conheça e receba notificações de novas postagens, optando por seguir-me.
Boa leitura.
Pr Ewerton B. Tokashiki
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Pr Ewerton B. Tokashiki
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