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30 janeiro 2020

Declarações da Posição das Igrejas Reformadas e o Abuso Sexual

por Rev. Wes Bredenhof


Eu gostaria de saber menos sobre abuso sexual. Na minha vida pessoal e pastoral, aprendi muito sobre a realidade horrível que alguns humanos são capazes de fazer aos outros em busca de seus próprios prazeres. No entanto, o conhecimento que Deus providencialmente me concedeu tem me motivado a defender os abusados. Desenvolvi as seguintes declarações de posição com o intuito de conscientização e provocação de discussões em nossas comunidades reformadas.

Deixe-me, primeiramente, definir alguns termos. Em geral, abuso é uma conduta imprópria em relação a outra pessoa. Pode ser um evento único ou um padrão de comportamento. Em particular, abuso sexual é “a exploração sexual de uma pessoa ou qualquer intimidade sexual imposta a uma pessoa (física ou não). O abuso sexual de crianças pode incluir tirar proveito de uma criança que não é capaz de entender atos sexuais e nem de resistir à coerção, que pode vir na forma de ameaças ou de presentes. O abuso sexual inclui assédio por meio de comportamento verbal, ou físico de natureza sexual, provocado por um indivíduo visando uma pessoa, ou grupo de pessoas em particular, com a intenção de obter favores sexuais”. Essas definições vêm da Child Abuse Policy of the Free Reformed Church of Launceston [Política de Abuso Infantil da Igreja Reformada Livre de Launceston]. Além disso, o abuso sexual infantil ocorre quando as leis da idade de consentimento são violadas. No Canadá, por exemplo, a idade de consentimento é 16 anos [ou seja, essa é a idade mínima em que, outra pessoa acima ou na idade de consentimento está autorizada a exercer atividade sexual com ela].

Quando, abaixo, eu escrevo “igrejas reformadas”, refiro-me às igrejas com as quais estou mais familiarizado: as igrejas reformadas canadenses e as igrejas reformadas livres da Austrália. Isso não significa que outras igrejas reformadas não sejam afetadas, nem que todas as congregações individuais da CanRC e da FRC sejam igualmente afetadas. Estou simplesmente comentando da perspectiva de alguém familiarizado com essas federações da igreja.

DECLARAÇÕES DE POSIÇÃO

1. As igrejas reformadas devem condenar inequívoca e publicamente todas as formas de abuso
Embora devamos sempre acolher pecadores verdadeiramente arrependidos, nossas igrejas nunca devem dar a impressão de ser um porto seguro para abusadores. Em vez disso, nós devemos refletir o coração compassivo do nosso Deus para aqueles que são oprimidos e aflitos (Salmo 34.18). Além disso, nós devemos procurar criar um ambiente seguro e de cura em nossas igrejas para aqueles que sofreram abusos. Finalmente, nós devemos ser igreja onde a justiça e a retidão são mantidas, onde as vítimas não são mais abusadas e os criminosos são devidamente responsabilizados pelos seus pecados. Tudo isso começa com uma clara condenação do abuso, quando apropriado, em nossos sermões, artigos, etc.

2. O abuso sexual tem ocorrido em nossas igrejas
Embora eu não conheça qualquer dado oficial, evidências pessoais certamente indicam muitos casos de abuso sexual. Não se sabe se esses casos são desproporcionais à população em geral (certamente são dignos de um estudo competente). No entanto, com pesar, devemos admitir humildemente que isso aconteceu no passado. Poderíamos esperar que isso não mais acontecesse; porém, como as igrejas são constituídas de seres humanos pecadores e, também, de uma mistura de crentes e incrédulos (Confissão Belga, art. 29), devemos esperar, de modo real, ocorrências contínuas. No entanto, devemos fazer todo o possível para erradicar esse mal da igreja de Cristo.

3. Frequentemente há um vínculo entre abuso sexual e espiritualidade doentia
Vítimas de abuso frequentemente lutam em seu relacionamento com Deus. Devido ao mal terrível infligido a eles (geralmente quando bem jovens), eles podem questionar a bondade, o amor e a providência de Deus. Se eles foram abusados pelo pai ou por uma figura de autoridade, eles podem ter dificuldade em se relacionar com Deus como um Pai amoroso. Eles podem também ter dificuldades em entender, e se apossarem do ensinamento bíblico sobre sexualidade, família e estruturas de autoridade matrimonial. As consequências espirituais do abuso podem ser profundas e aumentar a culpa carregada pelos agressores.

4. Frequentemente há um vínculo entre abuso sexual e problemas de saúde mental
O abuso sexual é uma forma de trauma. É uma atrocidade que pode esmagar quem a experimentou. Qualquer tipo de trauma pode ter implicações na saúde mental. Depressão, ansiedade, automutilação, distúrbios de personalidade múltipla, vícios e outros efeitos podem resultar do abuso sexual, especialmente se não abordado. Esses problemas de saúde mental também podem apresentar desafios à saúde espiritual de uma vítima de abuso sexual.

5. Há um vínculo entre pornografia e abuso sexual contra crianças e cônjuges
Em geral, a pornografia torna pessoas em objetos como um meio de gratificação sexual. Isso predispõe um indivíduo que usa pornografia a ser um abusador. Esse efeito é agravado pela maneira como o uso da pornografia mergulha em níveis cada vez mais depravados. A extensa disponibilidade de pornografia violenta e abusiva aumenta, comprovadamente, o predomínio do abuso sexual. Consequentemente, as igrejas reformadas devem se manifestar sobre os perigos da pornografia, bem como fornecer recursos para que seus membros escapem da escravidão desse pecado.

6. Ao pregar e ensinar o Quinto Mandamento, as igrejas reformadas também devem abordar o abuso de autoridade
Evidências pessoais relatam que, algumas vezes, abusadores invocam o Quinto Mandamento (“honra teu pai e tua mãe”) como forma de justificar e continuar seus abusos. Igrejas reformadas regularmente pregam o Quinto Mandamento (com o Dia do Senhor 39 do Catecismo de Heidelberg) e devem aproveitar a oportunidade para enfatizar que esta lei não tolera comportamentos abusivos. Devemos deixar claro que o abuso é contrário à vontade de Deus; e que os abusadores que usam a lei de Deus para se justificar são duplamente condenados.

7. As igrejas reformadas devem desenvolver políticas de abuso para lidar com abusos do passado e prevenir futuros abusos
Quando colocamos as coisas no papel, indicamos que as levamos a sério. Uma questão tão importante quanto o abuso sexual não deve ser negligenciada. Embora nem todas as circunstâncias possam ser previstas, algumas diretrizes gerais para líderes e membros da igreja podem ajudar bastante a lidar efetivamente com abusos recentes na igreja. Além disso, políticas para impedir futuros abusos também devem estar em vigor como uma questão de devida diligência na proteção das ovelhas e cordeiros do rebanho de Deus.

8. Qualquer igreja local que facilite o abuso, acobertando-o ou recusando-se a denunciá-lo, põe em questão seu status de verdadeira Igreja de Cristo
Uma das marcas da verdadeira igreja é o fiel exercício da disciplina. Se uma igreja local permite que o abuso permaneça encoberto, em vez de atribuir a esse pecado a maior gravidade que existe, ela está dramaticamente longe dessa marca. Se os oficiais de uma igreja se recusam a denunciar abusos às autoridades apropriadas, eles também mostram uma falha significativa em lidar adequadamente com o pecado. Uma igreja verdadeira leva a sério os pecados sérios e os trata de acordo, tanto pelas chaves do reino dos céus quanto pela cooperação com as autoridades civis, quando apropriado.

9. Há esperança para os abusadores e os abusados no evangelho do Senhor Jesus Cristo
Para aqueles que sofreram abusos, as feridas podem ser saradas. Eles podem ser curados quando o bálsamo do evangelho é aplicado, assim, aprendemos a entender melhor a insondável graça de Deus para conosco e para com os outros. Os autores de abusos no passado também podem encontrar ajuda e cura na cruz. Se eles verdadeiramente se arrependerem dos seus pecados, se eles forem humildes e honestos, se eles olharem apenas para Cristo como sua justiça, eles poderão receber perdão de um Deus gracioso e uma mudança significativa em suas vidas pelo poder do Espírito Santo. No entanto, isso de forma alguma diminui as consequências pessoais, criminais ou eclesiásticas desse pecado.


NOTAS:
[1] Extraído de https://yinkahdinay.wordpress.com/2018/10/30/position-statements-on-reformed-churches-and-sexual-abuse/
[2] Nota do autor: eu não reivindico exaustividade a essas declarações, nem afirmo que elas são a melhor e final maneira de enquadrar os problemas abordados. Se outros desejarem melhorá-las, certamente serão bem-vindos.

Tradução de Daniel Tanure
Revisado por Rev Ewerton B. Tokashiki

24 novembro 2017

Remédios preciosos contra as artimanhas do Diabo - Capítulo 2

Por Thomas Brooks
Originalmente publicado em 1652 na Inglaterra

Neste capítulo trataremos de duas formas como Satanás procura desviar o crente para o pecado. Uma maneira é tornando-o muito atraente e outra é persuadindo aos crentes de que os seus pecados são pequenos e sem importância.

Primeiro, o diabo engana aos crentes fazendo do pecado algo atrativo, natural e de aparência normal e aceitável. O pecado quase sempre se disfarça com esta aparência. Talvez muitos crentes se apeguem demasiadamente em sua própria aparência, suas roupas, seus pertences, em sua reputação. O diabo lhes diz que isto não é orgulho, que é algo normal, que todos fazem isto. Talvez alguns crentes são cobiçosos e Satanás lhes sussurrará que isto é justo, que é normal, que consigam e atesourem tudo o que puderem, afinal, todo mundo o faz. Talvez uma pessoa tenha a tentação de beber. Então o diabo lhe dirá que não é pecado embriagar-se. Simplesmente lhes dirá que é uma diversão saudável, uma forma de convivência e de ser amistoso com os demais. Depois lhes dirá que merecem e fará com que o vício lhe pareça muito atrativo, acrescentando-lhes uma posição social, um prestígio, lindas mulheres, prosperidade, simpatia, etc.

Quando Satanás se dedica a seduzir-nos desta forma, então temos que recordar de quatro fatos importantes:

Primeiro, o pecado não é menos vil e abominável quando é apresentado numa forma mais atraente. O diabo gosta de esconder a verdade acerca do pecado. O Novo Testamento diz que o diabo pode transfigurar-se num anjo de luz (2 Co 11.14) que o lobo pode se disfarçar com pele de ovelha. Mas Satanás e o pecado continuarão sendo “Satanás e o pecado”; não importa como se disfarcem.

Segundo, quanto mais atrativo se apresenta o pecado, resulta em maior perigo. O veneno mais perigoso se encontra, frequentemente, nas flores mais bonitas. A roupa mais cara, em geral, é usada para cobrir os corpos mais indignos e o corpo mais perfeito cobre a alma mais vil. Do mesmo modo, os nomes mais sofisticados e os títulos mais elevados são usados para falar dos vícios mais horríveis e dos pecados mais abomináveis.

Terceiro, é necessário que vejamos o pecado tal como o veremos no dia do juízo. Nesse dia todos verão a verdadeira face do pecado. Quando todos os povos estiverem reunidos diante do Grande Juiz do universo, então apreciarão a pecaminosidade do pecado. Nesse momento o pecado será desmascarado e será despojado de sua atrativa vestimenta; aparecerá mais sujo e mais desprezível que o próprio inferno. O que antes parecia formoso e atraente, se manifestará feio e repugnante. A Bíblia descreve o pecado comparando-o com várias coisas: o vômito de um cão, uma ferida apodrecida, a lepra, o esterco, a espuma do mar, etc. Também compara os pecadores com os porcos que se revolvem no lodo, bestas embrutecidas, animais irracionais (cabras, cães, bois), agitadas ondas do mar, estrelas errantes, árvores desarraigadas, etc. É necessário ver o pecado tal como o veremos no dia da morte. A consciência pode estar adormecida por um longo tempo, mas no dia da morte e do juízo se despertará e nos mostrará o dano e amargura do pecado. Então devemos aprender a ver o pecado não como é apresentado pelo diabo, senão como o veremos na eternidade.

Quarto, os pecados que parecem mais atrativos provocaram a morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Somente podemos avaliar o pecado à luz da crucificação de Cristo. Devemos ver a Cristo em sua paixão e sofrimento pelo pecado: afligido, chicoteado, ferido, humilhado, angustiado, suando grandes gotas de sangue, seu corpo desfigurado, seu sangue derramado, o Juiz do universo condenado, o Senhor de vida morto, sua cabeça que levava a coroa de glória, coroada de espinhos. Seus ouvidos que recebiam o louvor celestial, agora recebem o desprezo e as blasfêmias da multidão. O rosto mais formoso dos filhos dos homens é cuspido e desfigurado. As mãos que sustentavam o cetro agora são cravadas numa cruz. Tudo isso foi originado pelos pecados que o diabo procura apresentar de modo tão atrativo. Quando os crentes veem a Cristo sofrendo e morrendo pelo pecado, percebem o quão mau ele é, e eles lhe viram as costas e lutam contra ele. Outra maneira como Satanás seduz os crentes ao pecado é dizer-lhes que os seus pecados são “pecadinhos”, ou seja, que seus pecados são pequenos e sem importância. Quando Satanás age assim, quer que os crentes passem desapercebidos de certos pecados e que se acostumem com eles. Ele intenciona que classifiquem os seus próprios pecados como ínfimos em comparação com os pecados dos demais. Deseja que os crentes pensem do pecado como se houvessem apenas pecados grandes e escandalosos, para que evitem apenas estes últimos.

O primeiro remédio contra essa tática é percebermos que os pecados que parecem pequenos atraem a ira de Deus. Mesmo o menor pecado é uma transgressão contra a santa lei de Deus. Os pecados que parecem “pequenos” são ofensas contra a glória e a bondade de Deus. Um único pecado arruinou toda a raça humana. Por pecados que aos homens parecem pequenos, Deus derramou o inferno sobre Sodoma e Gomorra.

Segundo, os pecados pequenos inevitavelmente conduzem a pecados maiores. O pecado se contamina a vida pouco a pouco. Os que continuam vivendo em pecados pequenos, terminarão vivendo completamente em pecado. Quando cometemos um único pecado, nunca saberemos até que ponto nos levará. O rei David começou desejando a Bate-Seba e terminou adulterando e assassinando a Urias, o heteu, seu marido. Os que começam com pequenos pecados não podem deter-se, e normalmente terminam em grandes pecados.

Terceiro, é algo triste afastar-se de Deus devido a um pecado pequeno. Podemos dizer que por menor força seja a tentação, maior é o pecado; os pecados menores deveriam ser os mais fáceis de se evitar. Quando alguém é tentado numa coisa pequena e cede, demonstra o quão mau é. Indica que prefere gozar um poco do pecado, do que se satisfazer em Deus. Quando nos desgostamos com um amigo acerca de uma coisa pequena, isto demonstra nossa necessidade e nossa falta de humildade. Do mesmo modo é tolice e perversidade pecar contra Deus e afastar-nos dele por causa de um pecado pequeno.

Quarto, frequentemente há um perigo enorme no pecado menor. Os pecados pequenos podem influenciar-nos por longos períodos de tempo até que nos causem muitos danos. Um pequeno furo num barco permite a passagem da água até que finalmente o afunde. Assim, um pequeno pecado pode afetar-nos paulatinamente até arruinar a nossa vida.

Quinto, ao longo da história sabemos que os crentes escolheram sofrer os piores tormentos do que participar dos pecados pequenos. Daniel e seus amigos puderam pecar facilmente, mas estavam dispostos a sofrer. De igual forma muitos crentes sofrem por se negarem a participar da idolatria, do mundanismo, dos erros doutrinários, etc.

Finalmente, quando Deus mostra aos homens quão poderoso é o pequeno pecado, não poderão manter-se de pé diante da culpa do menor deles. Os egípcios consideravam a praga das moscas como o “dedo de Deus”. E mesmo sendo criaturas pequenas se tornaram poderosas quando foram usadas por Deus para juízo. Então, quando Deus mostra aos crentes o mal e o grande poder dos pecados pequenos, não poderão pensar superficialmente neles.

23 abril 2017

A ideia de liberdade em Agostinho [uma breve nota]

Agostinho ensinava os quatro estágios da libertas naturae [liberdade da natureza], Richard A. Muller explica que “a liberdade que é própria de um ser dada a sua natureza particular”. Os quatro estados da libertas naturae são: 1) libertas Adami [liberdade de Adão]: “antes da queda - isto é a capacidade ou poder para não pecar”. 2) libertas peccatorum [liberdade de pecadores]: “uma liberdade que é própria e restrita aos limites da natureza caída e é, portanto, uma incapacidade absoluta de fazer o bem, ou para agir para o bem, sendo o pecador incapaz de não pecar”. 3) libertas fidelium [liberdade dos fiéis]: “a liberdade daqueles que são regenerados pelo Espírito Santo, que é próprio da natureza regenerada e, é caracterizada pela capacidade para o pecado e para fazer o bem”. 4) libertas gloriae [liberdade de glória]: “uma liberdade adequada à natureza redimida integralmente, que, como residentes do reino do céu estão agora caracterizados pela incapacidade para o pecado”.

Em outras palavras, os quatro estados do homem em relação ao pecado enumerados por Agostinho de Hipona são: 1) no estado antes da queda, o homem era capaz de não pecar (posse non peccare); 2) após a queda, ele é incapaz de não pecar (non posse non peccare); 3) sendo regenerado ele se torna capaz de não pecar (non posse peccare); e 4) no estado de glorificação ele será incapaz de pecar (peccare non posse).

Veja Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms (Baker Book), p. 176.

07 abril 2016

Uma declaração da cosmovisão reformada - revisada

Apresento de modo sistemático uma declaração da cosmovisão reformada. Este é um resumo de como interpretamos o mundo a partir de uma perspectiva calvinista, os acontecimentos e como a vida está sob o governo e relacionada com o soberano Deus, e como todos os valores se organizam a partir dele.

1. Cremos que Deus é um Ser em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. O nosso Deus é infinito, eterno, perfeito, autossuficiente e imutável em seu Ser. Ele em tudo manifesta a sua bondade, conhecimento, sabedoria, poder, e a justiça segundo o seu soberano propósito eterno. Ele é o criador de tudo o que existe, pela Palavra do seu poder. Ele realiza, em tudo e todos, a sua sábia providência, de modo que, não existe acaso, nem fatalismo nos acontecimentos que vivenciamos, mas o absoluto controle em cada situação é a realização da sua perfeita vontade. Tudo o que ele realiza é reflexo daquilo que ele é. As nossas vidas e nossas famílias estão seguras em suas misericordiosas mãos.

2. Cremos que o nosso Deus é pessoal. Ele se revelou através de homens escolhidos, de eventos em diversos momentos e finalmente em seu Filho, e tudo o que é proveitoso para desvendar o seu Ser e a sua vontade, ele inspirou de modo escrito, para evitar a corrupção e o engano. Ele fez que se registrasse a sua Palavra progressivamente, para que se tornasse o livro de mediação e revelação das suas obras e do seu propósito conosco. Hoje, Deus fala verbalmente conosco somente na sua inspirada Palavra, pois, cessaram os agentes revelacionais [apóstolos e profetas], as modalidades revelacionais e a entrega de novas revelações. Por isso, submetemo-nos somente à autoridade da Escritura Sagrada como sendo a única fonte e regra de fé e prática. Somente ela é a inerrante, clara e suficiente Palavra de Deus. Em sua Palavra, Deus o padrão absoluto da verdade, bem como explica a origem do universo, da vida e das espécies, quem somos, qual o propósito da nossa vida, indicando a finalidade de toda a existência que é glorificá-lo e desfrutar dos benefícios da sua comunhão.

3. Cremos que o ser humano é criado à imagem de Deus. Deus criou a humanidade: homem e mulher, e ambos de igual modo refletem com dignidade espiritual os atributos que Deus lhes comunicou e, também representam o Senhor como administradores responsáveis de preservar e usufruir da criação. Tanto o homem como a mulher, são iguais em capacidade e responsabilidades; mas o homem deve exercer a sua autoridade como cabeça sobre a mulher, e esta liderança masculina deve ser sem opressão, nem omissão, pois, embora tendo diferentes papéis, exercem funções complementares. O casamento faz parte do projeto pactual de Deus conosco, por isso, a união entre Cristo e a Igreja é o paradigma do casamento. O casamento, entre um homem e uma mulher adultos, é um valor ético que devemos nutrir e defender contra toda ideologia de gênero e os intentos pós-modernos de reconfigurar a família.

4. Cremos que Deus fez uma aliança de vida com Adão. Como o nosso primeiro pai, ele foi o nosso representante nesta aliança. Todavia, sendo Adão tentado por Satanás, ele violou este pacto ao desobedecer um claro comando de Deus, perdendo a comunhão espiritual e todos os seus benefícios prometidos. Toda criação que era “muito boa” tornou-se corrompida em seu sistema ecológico. Sobre toda a humanidade foi creditada esta maldição, o pecado é a herança natural que todos recebem de Adão. Por causa deste mal moral todos perderam a santidade, a justiça e o conhecimento perfeito de Deus. O pecado produz inimizade, perda de significado, e por fim, a vergonhosa morte. Embora corrompidos, ainda somos portadores da imagem de Deus.

5. Cremos que Satanás e seus demônios, agentes do mal, conspiram contra tudo o que procede de Deus. Ele tentou os nossos primeiros pais, e os induziu a rebelião contra Deus, e nos confronta tentando seduzir-nos, despertando a nossa cobiça e aguçando o nosso orgulho. Ele é soberbo, assassino, acusador, e inimigo de Deus. Satanás não é co-igual a Deus, pelo contrário, ele é uma criatura submissa ao controle soberano do Senhor. O nosso acusador está condenado, e haverá de ser banido ao sofrimento eterno sob a justa ira no juízo de Deus.

6. Cremos que o mal é tão real quanto indesejável o sofrimento por ele produzido em toda a criação. Entretanto, o mal físico é parte da consequente maldição do pecado herdado dos nossos primeiros pais. O pecado gera desordem e destruição no indivíduo e sociedade. Todavia, não acreditamos que Deus seja mero espectador da presença do pecado na história da humanidade, mas de modo misterioso participante de tudo o que acontece, sem ser o culpado do pecado, e sem anular a responsabilidade do pecador. Cremos que todas as coisas, em especial aquelas que parecem escombros depois da destruição do pecado, são matéria-prima que Deus está usando para transformar a nossa vida, conforme à imagem de Cristo, em seu louvor e glória.

7. Cremos que o nascimento de Jesus Cristo teve o propósito de reconciliar pecadores escolhidos com o santo Deus. Sendo o Filho de Deus uma Pessoa que subsiste em duas naturezas, divina e humana, é o completo e final revelador entre Deus e os homens. O sofrimento, obediência, morte e ressurreição de Cristo obtiveram a justiça necessária para merecer-nos a aceitação de Deus, bem como a suficiente satisfação da sua ira, realizando a anulação da condenação pelos nossos pecados. Somos perdoados pela justiça e amor de Cristo Jesus, o nosso mediador. Ele eficazmente intercederá por nós até a Sua segunda vinda. A obra de Cristo é o fundamento para a renovação de toda a criação pela presença espiritual e transformadora do Seu reino, que foi inaugurado.

8. Cremos que o Espírito Santo inicia a obra da salvação em nós, regenerando e concedendo-nos entendimento espiritual para crermos em Cristo como o nosso salvador. Recebemos no poder do Espírito, e pela aplicação da Palavra de Deus em nós, o dom da fé salvadora e arrependimento necessário para a nossa conversão. Em Cristo a justificação é declarada e creditada a nós. Através da adoção somos feitos participantes da família de Deus. A santificação estimulada pelo Espírito e, exercida em nossos pensamentos, emoções e ações confirmam a nossa eleição e filiação divina. Somos preservados em graça, pelo poder de Deus, para sermos continuamente salvos até o fim. Deus tem uma graciosa Aliança da graça conosco e os nossos filhos, tendo o Senhor Jesus como o nosso único mediador.

9. Cremos que o Espírito Santo está presente em nós num relacionamento pactual conosco, habitados por ele, somos batizados no Corpo de Cristo. Ele continua a pairar acima do caos causado pelo pecado, todavia, sem estar alienado ao mal que há no mundo, mas convence-nos da justiça e do juízo, e concede forma à nova criação e fazendo-nos novas criaturas pela regeneração. O Espírito nos une como Igreja, capacitando-nos com dons para o serviço e edificação pela prática da comunhão mútua. Ele testemunha internamente, pela iluminação da Palavra de Deus, e somos continuamente santificados sob a sua poderosa influência. Toda a sua obra tem a finalidade de glorificar a Cristo.

10. Cremos que a Igreja é responsável de ser testemunha da verdade e do amor de Deus neste mundo afetado pelo pecado. Somos o povo escolhido para proclamarmos a mensagem de reconciliação e perdão, convidando pecadores ao arrependimento, para confiarem na suficiência de Cristo para a sua salvação. Temos o compromisso de ouvir, viver e ensinar a Palavra de Deus. A salvação não é somente da nossa alma, mas da nossa mente, cultura e sociedade, apresentando o evangelho integral para o homem em todas as suas necessidades. Cuidamos uns dos outros no amor de Deus, vivendo uma comunhão de reciprocidade e compromisso, proporcionando um ambiente de fraternidade e santidade. A Igreja visível é a comunhão daqueles que professam Cristo como o Senhor, reunidos para a celebração, a adoração, a comunhão, edificação e serviço. Buscamos intimidade com Deus através da Palavra, oração e dos sacramentos e, confirmamos a nova aliança com Deus simbolizada pelo do batismo e ceia do Senhor. A imagem de Deus é vivida na mutualidade dos relacionamentos.

11. Cremos que o objetivo histórico da obra de Cristo foi a inauguração do seu reino sobre a terra. Isto inclui a salvação de indivíduos, bem como uma nova ordem na sociedade. Todavia, cremos que somente com os valores do reino de Deus, num discipulado integral, em que os cristãos se envolvem produtivamente em todas as áreas da vida, podendo participar pelo processo de restauração, transformação e desenvolvimento, reconhecendo Cristo como o Senhor em todas as esferas da nossa existência.

12. Cremos que este mundo experimenta a deterioração dos valores que Deus estabeleceu para preservá-lo. A falta de sentido e propósito também produz a desesperança. A sociedade busca a sua redenção na tecnologia, cultura, política, economia e no sexo, todavia, estes meios são ineficazes de transformá-la construtivamente. Reconhecemos que várias formas de idolatria são fabricadas pela cultura pós-moderna. Mas, infelizmente, a sociedade inclina-se a não reconhecer a verdade como absoluta, ridicularizando a concepção e a ação de Deus no mundo. Estamos chegando ao fim da história humana não em direção ao desespero e caos, mas à consumação do propósito eterno de Deus. Cristo Jesus julgará toda a humanidade de todas as épocas e culturas, a uns dará a salvação segundo a sua misericórdia, e a outros segundo a sua justiça concederá a merecida condenação dos seus pecados.

13. Cremos que o nosso mundo pertence a Deus. Apesar de toda miséria e dor, todas as coisas estão sob o seu absoluto controle. A nossa esperança de uma nova terra não está presa ao que os homens podem fazer, porque cremos que após o dia do Juízo, todo desafio ao governo de Deus, e toda resistência a sua vontade será anulada, o seu reino, que é inaugurado entre nós, se manifestará em sua plenitude, e o nosso Senhor Jesus governará para sempre com o seu povo. Assim “Deus enxugará dos olhos toda lágrima”, Ele abolirá as nossas enfermidades, findará os nossos conflitos, e implantará a Sua perfeita justiça sobre a terra.

A cosmovisão cristã deve ser implantada pela influência da Igreja em todas as esferas da sociedade. O verdadeiro cristianismo propõe que crer e também pensar. Em tudo dependemos de Deus, para ele vivemos e a ele pertencemos, e isso só é possível se a nossa mente for dominada com a verdade (Rm 11:33). A mentira de que a fé não precisa da razão deve ser desprezada, e afirmado que a razão sem a fé se torna em loucura (Rm 1:22-23). James Orr acertadamente disse que “uma religião divorciada do pensamento rigoroso e elevado pode ser vista no curso inteiro da história da Igreja, e por isso, ela sempre tendeu a ser débil, árida e pouco saudável; bem como o intelecto privado de seus direitos dentro da religião, buscou a sua satisfação fora dela, e se transformou num racionalismo secular”. Este é um erro que não podemos repetir. Cada membro de nossa igreja precisa se convencer de que uma fé vigorosa somente glorifica a Deus se ela estiver comprometida com toda a verdade. A finalidade da nossa vida é glorificar a Deus, e a nossa mente não pode ser desprezada no desemprenho deste dever, porque como disse: crer é também pensar!

17 abril 2014

Karl Marx contra a moralidade

Escrito por Allen Wood

1. Introdução

Os marxistas expressam frequentemente uma atitude depreciativa para com a moralidade, que (segundo dizem) não é mais do que uma forma de ilusão, uma falsa consciência ou ideologia. Mas, outros (tanto os que se consideram marxistas, como quem não) frequentemente consideram difícil de compreender esta atitude. Os marxistas condenam o capitalismo por explorar a classe trabalhadora e condenar à maioria das pessoas a levar uma vida alienada e insatisfeita. Quais razões podem oferecer para isto, e como podem esperar que outros façam o mesmo, se abandonam todo apelo à moralidade? Todavia, a rejeição marxista da moralidade começa com o próprio Marx. E esta é – segundo vou argumentar – uma concepção defensável, uma consequência natural, como a respeito dela disse Marx, da concepção materialista da história. Ainda que não aceitemos as ideias restantes de Marx, o seu ataque à moralidade estabelece questões importantes relativas à maneira em que devemos concebê-la.


2. O antimoralismo de Marx

Marx geralmente permanece em silêncio acerca do tipo de questões que interessam aos moralistas e aos filósofos éticos. Mas deve-se observar que claramente este silêncio não se deve a um complacente descuido. A sua atitude é de hostilidade aberta à teorização moral, aos valores morais e inclusive contra a própria moralidade. Contra Pierre Proudhon, Karl Heinzen e os “socialistas autênticos” alemães, Marx utiliza regularmente os termos “moralidade” e “crítica moralizante” como epítetos insultuosos. Condena amargamente a exigência de “salários justos” e “distribuição justa” do Programa de Gotha, afirmando que estas expressões “confundem a perspectiva realista da classe trabalhadora” com a “verborragia desatualizada” e o “lixo ideológico” que seu enfoque científico se torna obsoleto (MEW 19:22, SW 325). Quando outros persuadem a Marx a que inclua uma retórica moral suave nas regras para a Primeira Internacional, ele sente que deve desculpar-se com Engels por isto: “vi-me obrigado a introduzir duas expressões sobre “dever” e “o correto” ... ou seja, sobre “a verdade, a moralidade e a justiça”, mas, estão situadas de tal forma que não podem causar nenhum dano” (CW 42, p. 18).

Normalmente Marx descreve a moralidade, junto à religião e ao direito, como formas de ideologia taxando-a como “outros tantos preconceitos burgueses pelos quais se escondem outros tantos interesses ideológicos” (MEW 4, p. 472; CW 6, p. 494-495, cf. MEW 3, p. 26; CW 5, p. 36). Porém, não somente condena as ideias burguesas sobre a moralidade. Seu alvo é a própria moralidade, toda moralidade. A ideologia alemã afirma que a concepção materialista da história, ao mostrar a vinculação entre ideologia moral e interesses materiais de classe “quebrou o suporte de toda a moralidade”, independentemente de seu conteúdo ou filiação de classe (MEW 3, p. 404; CW 5, p. 419). Quando um crítico imaginário critica que “o comunismo anula toda a moralidade e religião, em vez de formá-las de novo”, o Manifesto Comunista responde não negando a verdade da acusação, mas por sua vez observando como a revolução comunista significará uma ruptura radical com todas as relações tradicionais de propriedade, também significará o corte mais radical ainda com todas as ideias tradicionais (MEW 4, p. 480-481; CW 6, p. 504). Evidentemente Marx pensou do mesmo modo que a abolição da propriedade burguesa será uma tarefa da revolução comunista, outra será a “abolição de toda moralidade”. Marx inclusive chega a unir-se ao mal moral contra o bem moral. Insiste que na história “é sempre o lado mal o que finalmente triunfa sobre o bem. Pois, o lado mal é o que indica o movimento da vida, o que faz a história levando a luta à sua maturidade” (MEW 4, p. 140; CW 6, p. 174).


[...] para leitura do texto completo [14 páginas] - acesse aqui!

08 abril 2014

Marxismo e Cristianismo - como cosmovisões rivais

Escrito por Leslie Stevenson & David I. Haberma

CONCEPÇÕES RIVAIS DA NATUREZA HUMANA

Há muitas coisas que dependem de nossa concepção da natureza humana: no caso dos indivíduos, o significado e o propósito de nossa vida, o que devemos fazer ou nos empenhar por conseguir, o que podemos alimentar a esperança de realizar ou de vir a ser; no caso das sociedades humanas, rumo a que visão de comunidade humana podemos esperar caminhar ou que tipo de mudanças sociais deveríamos fazer. Nossas respostas a todas essas perguntas tão complexas dependem de pensarmos se existe ou não alguma natureza “verdadeira” ou “inata” dos seres humanos. Se existe, qual é essa natureza? Ela difere entre homens e mulheres? Ou não existe nenhuma natureza humana “essencial”, mas apenas uma capacidade de ser moldado pelo ambiente social – por forças econômicas, políticas e culturais?

Há muitíssimas divergências acerca dessas questões fundamentais sobre a natureza humana. “O que é o homem, para dele te lembrares? ... Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor” – escreveu o autor do Salmo 8 no Antigo Testamento. A Bíblia vê os seres humanos como tendo sido criados por um Deus transcendente com um propósito definido para nossa vida. “A real natureza do homem é a totalidade das relações sociais”, escreveu Karl Marx em meados do século XIX. Marx negou a existência de Deus e sustentou que toda pessoa é um produto do estágio econômico particular da sociedade em que vive. “O homem está condenado a ser livre”, afirmou Jean-Paul Sartre, que escreveu na França ocupada pela Alemanha, nos anos 1940. Sartre também era ateu, mas diferia de Marx ao sustentar que nossa natureza não é determinada pela sociedade, nem por nenhuma outra coisa. Ele sustentava que toda pessoa individual é completamente livre para decidir o que quer ser e fazer. Em contraste com isso, recentes teóricos sociobiológicos trataram os seres humanos como um produto da evolução, sendo nós dotados de padrões de comportamento biologicamente determinados específicos da espécie.

Não há de escapar à atenção dos leitores contemporâneos que essas três citações, da Bíblia, de Marx e de Sartre, usam todas elas a palavra masculina “homem” (em tradução para o português) quando a intenção era presumivelmente fazer referência a todos os seres humanos, incluindo mulheres e crianças. Esse uso tem sido generalizado e costuma ser defendido como uma abreviação conveniente, mas viu-se recentemente criticado por contribuir para pressupostos questionáveis acerca do domínio da natureza humana masculina e para a consequente negligência com a relação à natureza feminina – ou para a consequente opressão desta. Há aqui importantes questões, que implicam bem mais do que o uso linguístico.[1] Tocamos em temas feministas em pontos específicos deste livro, mas não os abordamos diretamente: não há um capítulo sobre teorias especificamente feministas da natureza humana. Esforçamo-nos para evitar linguagem sexista em nossos próprios textos, mas dificilmente a podemos evitar quando se trata de citações.

Concepções diferentes da natureza humana levam a distintas ideias sobre o que devemos fazer e sobre como podemos fazer. Se um Deus todo-poderoso e supremamente bom nos criou, então é Seu propósito que define o que podemos ser e o que devemos fazer, e temos de buscar Sua ajuda. Se, por outro lado, somos produtos da sociedade, e se julgamos nossa vida insatisfatória, não pode haver uma solução real até que a sociedade humana seja transformada. Se somos radicalmente livres e nunca podemos fugir à necessidade da escolha individual, temos de aceitar essa condição e fazer nossas opções com plena consciência do que fazemos. Se nossa natureza biológica nos predispõe ou nos determina a pensar, a sentir e a agir de uma dada maneira, temos de levar isso em conta de forma realista.

Crenças rivais acerca da natureza humana são tipicamente personificadas em diferentes modos de vida individuais, bem como em sistemas políticos e econômicos. A teoria marxista (em alguma de suas versões) dominou a tal ponto os países de regime comunista no século XX que qualquer questionamento dela poderia trazer sérias consequências para seu autor. Podemos facilmente nos esquecer de que, há alguns séculos, o cristianismo exerceu uma posição dominante similar na sociedade ocidental: os hereges e não-crentes eram discriminados, perseguidos e até queimados na fogueira.[2] Mesmo em nossos dias, em alguns países e comunidades há um consenso cristão socialmente estabelecido a que as pessoas só podem se opor pagando algum preço. Na República da Irlanda, por exemplo, a doutrina católica romana tem sido aceita (até recentemente) como uma limitação imposta a políticas relativas a questões sociais como o aborto, a contracepção e o divórcio. A Igreja Católica exerce uma forte influência semelhante na Polônia pós-comunista. Nos Estados Unidos, um ethos cristão protestante informal afeta boa parte das discussões políticas, apesar da separação oficial entre a Igreja e o Estado.

Uma filosofia “existencialista” como a de Sartre pode dar a impressão de ter menos implicações sociais. Mas uma maneira de justificar a moderna democracia “liberal” consiste em recorrer à concepção filosófica segundo a qual não há valores objetivos para a vida humana, mas apenas escolhas individuais subjetivas. Esse pressuposto (que é incompatível tanto com o cristianismo quanto com o marxismo) tem grande influência na sociedade ocidental moderna, indo além de sua manifestação particular na filosofia existencialista francesa da metade do século XX. A democracia liberal se acha entronizada na Declaração de Independência do Estados Unidos, que apresenta uma separação entre política e religião e reconhece o direito de cada pessoa individual no sentido de buscar sua própria concepção de liberdade. (Deve-se, no entanto, observar que alguém que acredita que existem padrões morais objetivos ainda pode dar apoio a um sistema liberal se pensar que não é aconselhável tentar pô-los em prática.)


UMA COMPARAÇÃO ENTRE O CRISTIANISMO E O MARXISMO

Examinemos um pouco mais detalhadamente os cristianismo e o marxismo como teorias rivais da natureza humana. Embora sejam radicalmente diferentes no tocando ao conteúdo, apresentam notáveis semelhanças em termos de estrutura, na maneira como as partes de cada uma das doutrinas se integram entre e si e dão origem a modos de vida.[3] Em primeiro lugar, as suas doutrinas fazem alegações sobre a natureza do universo como um todo. É claro que o cristianismo está comprometido com a crença em Deus, num ser pessoal onipotente, onisciente e perfeitamente bom, o Criador, Dirigente e Juiz de tudo o que existe. Marx condenou a religião como “o ópio do povo”, um sistema de crenças ilusório que desvia as pessoas de seus reais problemas sociais. Ele sustentava que o universo existe sem ninguém por trás ou além dele, e que sua natureza é fundamentalmente material.

Tanto o cristianismo como o marxismo têm crenças acerca da história. Para o cristão, o significado da história é dado pela relação desta com o eterno. Deus usa os eventos da história para concretizar Seus propósitos, revelando-Se ao Seu povo prometido (no Antigo Testamento), mas sobretudo na vida e na morte de Jesus. Marx afirmava ter descoberto um padrão de progresso na história humana que é inteiramente intrínseco a ela. Julgava haver um desenvolvimento inevitável de um estágio econômico para outro, de maneira que, assim como o sistema econômico do feudalismo tinha sido superado pelo capitalismo, este seria substituído pelo comunismo. Ambas as concepções veem na história um padrão e um significado, embora concebam de modos distintos a natureza e a direção da força motriz.

Em segundo lugar, como decorrência das alegações conflitivas acerca do universo, há diferentes descrições da natureza essencial de seres humanos individuais. De acordo com o cristianismo, somos feitos à imagem de Deus, e nosso destino depende de nossa relação com Ele. Todas as pessoas são livres para aceitar ou rejeitar os desígnios de Deus, e serão julgadas de acordo com o modo pelo qual exerceram essa liberdade.[4] Esse juízo ultrapassa tudo o que existe nesta vida, dado que cada um de nós vai sobreviver à morte física. O marxismo nega que exista vida após a morte e qualquer juízo eterno desse gênero. Também descarta a liberdade individual e diz que nossas ideias e atitudes morais são determinadas pelo tipo de sociedade em que vivemos.

Em terceiro lugar, há diferentes diagnósticos sobre o que há de errado com a vida humana e a humanidade. O cristianismo afirma que o mundo não está de acordo com os propósitos de Deus, que nossa relação com Deus se acha desfeita, porque abusamos de nossa liberdade, rejeitamos a vontade de Deus e estamos contaminados pelo pecado. Marx substitui a noção de pecado pelo conceito de “alienação”, que também sugere algum padrão ideal a que a vida humana concreta não atende. A ideia de Marx, porém, parece ser de alienação do homem com relação a si mesmo, de sua verdadeira natureza: ele alega que os seres humanos têm um potencial que as condições socioeconômicas do capitalismo não lhes permite desenvolver.

A prescrição para um problema depende do diagnóstico. Assim, por último, o cristianismo e o marxismo oferecem respostas completamente divergentes aos males da vida humana. O cristão acredita que só o poder do Próprio Deus pode nos salvar de nosso estado de pecado. a declaração surpreendente é a de que, na vida e na morte de Jesus, Deus agiu com vistas a redimir o mundo. Todos precisam aceitar esse perdão divino para então poder iniciar uma nova vida regenerada. A sociedade humana só será de fato redimida quando os indivíduos se transformarem dessa maneira. O marxismo diz o oposto: não pode haver real melhoria das vidas individuais enquanto não ocorrer uma radical mudança da sociedade. O sistema socioeconômico do capitalismo tem de ser substituído pelo comunismo. Afirma o marxismo que essa mudança revolucionária é inevitável como decorrência das leis do desenvolvimento histórico; o que as pessoas têm de fazer é integrar-se ao movimento progressista e ajudar a abreviar as dores do parto da nova era.

Acham-se implícitas nessas prescrições rivais diferentes concepções de um futuro no qual a humanidades estará redimida ou regenerada. A visão cristã é das pessoas restauradas ao estado que Deus lhes destina, amando e obedecendo livremente ao seu Criador. A vida nova começa assim que o indivíduo aceita a salvação de Deus e se integra à comunidade cristã, mas o processo tem de se completar para além da morte, visto que os indivíduos e as comunidades são eternamente imperfeitos nesta vida. A visão marxista é a de um futuro neste mundo, de uma sociedade perfeita em que as pessoas possam ser quem de fato são, já não alienadas pelas condições econômicas, mas livremente ativas na cooperação de umas com as outras. É essa a meta da história, embora não se deva esperar que seja alcançada imediatamente depois da revolução: vai ser necessário um estágio de transição antes que a fase superior da sociedade comunista possa se concretizar.

Temos aqui dois sistemas de crença de alcance total. Tradicionalmente, cristãos e marxistas alegam ser portadores da verdade essencial sobre a totalidade da vida humana: fazem alguma declaração sobre a natureza de todos os seres humanos, em todas as épocas e em todos os lugares. E essas versões de mundo pedem não apenas assentimento intelectual como ação prática; quem de fato acredita em alguma dessas teorias deve aceitar suas implicações no que se refere ao seu próprio modo de viver e agir de acordo com isso.

Como último ponto de comparação, observe-se que, para cada um desses sistemas de crença, tem havido uma organização humana que pede a adesão dos fiéis e afirma ser dotada de uma certa autoridade tanto em termos de doutrina como de prática. Para o cristianismo há a Igreja, e, para o marxismo, o Partido Comunista. Ou, para ser mais preciso, há muito tempo existem igrejas cristãs rivais e uma variedade de partidos marxistas ou comunistas. Cada uma dessas igrejas ou partidos faz declarações concorrentes de que segue a verdadeira doutrina de seu fundador, definindo versões rivais da teoria básica como ortodoxas e seguindo diferentes políticas práticas.


NOTAS:
[1] Quanto à discussão do uso de linguagem sexista tem se tornado comum entre escritores sob a influência do feminismo, o que é lamentável, pois, não há depreciação intencional do valor essencial da mulher no uso tradicional da linguagem comum de dois gêneros.
[2] A diferença básica que os autores deveriam acentuar é que não é essencial à cosmovisão cristã esta postura de totalitarismo político. O marxismo busca o totalitarismo, inclusive pelo extermínio da oposição baseado na premissa básica da luta de classes, agindo coerentemente com a sua ideologia. Algumas facções cristãs, em momentos pontuais na história, exerceram incoerentemente ações políticas [por exemplo, a Inquisição, ou, as Cruzadas] quebrando os dois maiores mandamentos da fé cristã.
[3] É interessante que os autores neste parágrafo apresentem o cristianismo e o marxismo como dois sistemas de cosmovisão diferentes e incompatíveis. Leslie Stevenson e David I. Haberman descrevem neste artigo x forma mais lata de cristianismo abrangendo desde romanistas, ortodoxos, bem como protestantes no seu sentido mais lato. Ainda assim, o essencial da teoria marxista é diametralmente contrário ao essencial à fé cristã. Se levarmos o contraste para o plano de marxismo e calvinismo obviamente a rivalidade acentua mais ainda.
[4] A concepção de liberdade dos autores teologicamente resulta em semipelagianismo.


Extraído de Leslie Stevenson & David I. Haberman, Dez teorias da natureza humana (São Paulo, Editora Martins Fontes, 2005), pp. 5-12.

Os autores:
Leslie Stevenson é professor da University de St. Andrews, Escócia.
David I. Haberman é professor associado na Indiana University, EUA.
Notas de Rev. Ewerton B. Tokashiki.

28 março 2014

A Direita e a Esquerda

por Gene Edward Veith Jr.

Parte da dificuldade em reconhecer o fascismo é o pressuposto de que ele é conservador. Sternhell observou como o estudo da ideologia foi obscurecido pela "interpretação oficial marxista do fascismo". O marxismo define o fascismo como seu extremo oposto. Se o marxismo é progressivo, o fascismo é conservador. Se o marxismo é de esquerda, então o fascismo é de direita. Se o marxismo defende o proletariado, o fascismo defende a burguesia. Se o marxismo é socialista, o fascismo é capitalista.

A influência da escola marxista distorceu seriamente nossa compreensão sobre essa questão. O comunismo e o fascismo foram marcas rivais do socialismo. Enquanto o socialismo marxista pregava a luta de classes internacional, o nacional-socialismo fascista promoveu um socialismo centrado na unidade nacional. Tanto comunistas como fascistas se opunham à burguesia. Ambos atacavam os conservadores. Ambos foram movimentos de massa, que tinham uma simpatia especial pela intelligentsia, pelos estudantes e pelos artistas, assim como pelos trabalhadores. Ambos eram favoráveis a governos fortemente centralizadores e rejeitavam a livre economia e os ideais da liberdade individual. Os fascistas não se viam como de direita nem como de esquerda. Eles acreditavam que constituíam uma terceira força, que sintetizava o melhor dos dois extremos. Há importantes diferenças e amargos antagonismos ideológicos entre o marxismo e o fascismo; mas sua oposição mútua não deveria disfarçar seu parentesco como ideologias socialistas revolucionárias.

Tampouco as figura de linguagem como direita e esquerda ou construções artificiais como reacionários e radical deveriam obscurecer o modo de pensar que permeia um largo espectro de posições políticas e sociais. A metáfora de esquerda e direita que retrata as duas ideologias revolucionárias como opostos extremos é profundamente enganadora. Jaroslav Krejci mostrou a inadequação da "imagem unilinear" de esquerda vs. direita. Ele indica que a metáfora vem da arrumação dos bancos no parlamento francês depois da Revolução. Politicamente, os que ficavam sentados à direita eram favoráveis a um monarca absoluto. Economicamente, eles eram favoráveis aos monopólios do governo e a uma economia controlada. Os que se sentavam à esquerda eram favoráveis à democracia, à economia de livre mercado, e à liberdade individual.

Tal metáfora espacial correspondia bem à geometria cartesiana do Iluminismo e às opções políticas do século 18, mas não funciona como um modelo da política do século 20. Em termos do modelo original, os conservadores norte-americanos que almejavam menos governo e confiavam no livre mercado seriam de esquerda. Os liberais que pretendiam uma economia mais direcionada pelo governo seriam de direita. Liberal e conservador são em si mesmos termos relativos - dependentes do que cada um tem de manter. Os liberais do século 19, com sua economia de livre mercado e resistência aos controles governamentais, são os conservadores do século 20.

Quando pensamos em alternativas socialistas, como Krejci nos mostra, os limites de esquerda e direita se tornam sem sentido. Os marxistas declaram a prática da economia controlada e têm um governo geral forte e autoritário com controles rígidos sobre suas populações. Eles deveriam se sentar na ala direitista do parlamento francês. Por outro lado, os marxistas são revolucionários e assim são certamente anticonservadores. O socialismo fascista, apesar de suas diferenças com o marxismo, é semelhante a este quanto a uma economia controlada, um forte governo central e um controle rígido sobre o populacho e, ao mesmo tempo, cultural e intelectualmente radical. Entretanto, como Krejci, diz "apesar das muitas afinidades entre eles, os comunistas continuam a ser visto como de extrema esquerda e os nazistas como de extrema direita". Como resultados, aqueles que acham que estão sendo esquerdistas "politicamente corretos" acusam os conservadores de "direita" de estar sendo fascistas, mas não se lembram das tendências fascistas que eles mesmos têm.


Extraído de VEITH Jr, Gene Edward, O fascismo moderno (São Paulo: Cultura Cristã, 2010), pp. 24,25
Caso se interesse em adquirir o livro acesse o site da EDITORA CULTURA CRISTÃ

Crédito pela indicação do texto do Blog TEOLOGIA E APOLOGÉTICA [Recomendado]

15 outubro 2013

Maldição hereditária, ou consequência de pecados pessoais?

Há alguns anos o meio evangélico têm se contaminado com uma perniciosa doutrina. Este ensino diz que: "apesar de você ter Jesus como o seu Salvador, e ser salvo, é possível que existam maldições hereditárias, ou seja, maldições por causa dos pecados de algum antepassado que não tenham sido perdoados, e que conseqüentemente, ainda recaem sobre a sua vida". Então, com esta doutrina se conclui que "por isso, você não é abençoado, não prosperá, e por causa disso você tem doenças e males que não consegue se livrar, apesar de ser salvo". Usam como base bíblica, geralmente, a passagem em que Deus declara que "visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem" (Êx 20:5). A Bíblia mal interpretada é a mãe das heresias! Esta ameaça pronunciada por Deus se refere aos que não eram salvos, e permaneciam na idolatria, desprezando ao único Deus vivo e verdadeiro. O Senhor não está declarando que apesar de convertidos Ele ainda assim persistirá em amaldiçoar por causa dos pecados dos pais! A maldição é para aqueles que aborrecem ao Senhor, e não sobre os que o amam; porque sobre os que amam o Senhor, a misericórdia perdurará até mil gerações! (Keil & Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, pp. 117-118).

É verdade que alguns textos nas Escrituras declaram que o pecado dos pais têm influência sobre a vida dos seus filhos (Lv 26:39; Is 55:7; Jr 16:11; Dn 9:16; Am 7:17). Mas, isto deve ser bem entendido, pois não é uma referência à maldição hereditária, mas à persistência dos filhos de não abandonar os pecados dos pais. Sendo fiéis ao contexto histórico de toda a narrativa, perceberemos que estas passagens são exortações ao arrependimento, porque a punição era por pecados que tiveram origem nos pais, ou antepassados mais remotos, mas eram pecados ainda perpetuados e praticados por eles mesmos. Nisto percebemos que o cultivo duma cultura familiar corrompida por vícios, idolatria e imoralidades, pecados que são cometidos em família, ensinados pelos pais aos filhos trará a ausência das bençãos pactuais de Deus, mas, cada um será responsável por si, e enquanto não houver verdadeiro arrependimento não haverá transformação.

Desde o Antigo Testamento esta ideia se fazia presente no meio do povo de Israel. O profeta Ezequiel denuncia o pecado do povo por acreditar "que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?" (Ez 18:2). Entretanto, após a repreensão segue a instrução do Senhor dizendo: "tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá (Ez 18:3-4). A argumentação do profeta continua em todo o contexto posterior, deixando bem claro que cada um é responsável pelos seus próprios pecados, e não será o filho punido por causa do pai, nem o pai por causa do filho (versos 5-22).

Os discípulos de Cristo necessitaram ser corrigidos deste erro. Numa certa ocasião encontraram um jovem cego de nascença, e questionaram: "mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (Jo 9:2). A redundante resposta de Jesus fechou o assunto, ao dizer que: "nem ele pecou, nem os seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus" (vs. 3). Os males físicos e temporais são instrumentos da providência de Deus, para que a Sua glória se manifeste no meio do Seu povo escolhido, e assim, a Sua vontade se torne conhecida (Jo 9:35-39; Rm 8:28).

Quando os verdadeiros crentes caem em pecado, mesmo pecados graves e escandalosos, eles não são abandonados por Deus. Deus nunca desiste deles (Rm 8:31-39). Como um Pai restaura os seus filhos, os disciplina “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos”(Hb 12:6, ARA). O apóstolo Paulo afirma esta mesma verdade dizendo que “quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo” (1 Co 11:32). É possível cair em pecado, mas é impossível cair da graça de Deus. O teólogo inglês J.I. Packer declara que "às vezes, os regenerados apostatam e caem em grave pecado. Mas nisto eles agem fora de seu caráter, violentam sua própria nova natureza e fazem-se profundamente miseráveis, até que finalmente buscam e encontram sua restauração à vida de retidão. Ao rever sua falta, ela lhes parece ter sido loucura."[Teologia Concisa, p. 224]. O pecado é corrigido individualmente.

Como individualmente pecamos, também somos chamados ao arrependimento! Não posso me arrepender por outra pessoa; entretanto, devo interceder por ela, se ela estiver viva. Não é possível pedir perdão pelos pecados dos meus filhos, nem irmãos, pais, avós ou qualquer outro antepassado. Pecado é confessado, e somente é perdoado pessoalmente. A Bíblia diz que as bençãos da Aliança acompanharão os nossos filhos, pois eles são filhos da promessa. Se você é filho de Deus, você é co-herdeiro com Cristo Jesus do amor de Deus (Rm 8:16-17), e esta é uma promessa para os seus filhos (At 2:39). Mas a Palavra de Deus não ensina que os nossos pecados serão cobrados dos nossos descendentes. Deus haveria de puni-los por uma irresponsabilidade nossa? A doutrina da maldição hereditária nega tanto a suficiência de Cristo, em perdoar graciosamente os nossos pecados, como a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas.

Recomendo para uma leitura posterior:
1. David Powlison, Confrontos de Poder (Editora Cultura Cristã).
2. Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual (Editora Cultura Cristã).

07 abril 2013

O caso secular contra o casamento gay



Escritor por ADAM KOLASINSKI

O debate sobre se o estado deve reconhecer o casamento gay tem até agora se concentrado no campo dos direitos civis. Esse tratamento é errôneo porque o reconhecimento estatal do casamento não é um direito universal. Os estados regulam o casamento de muitas formas além de simplesmente negar a homens o direto de casar com outros homens e mulheres o direito de casar com outras mulheres. Aproximadamente metade de todos os estados [dos EUA] proíbem que primos de primeiro grau se casem e todos os estados proíbem o casamento de pessoas com parentesco mais próximo [que o de primo de primeiro grau], mesmo que os indivíduos envolvidos sejam estéreis. Em todos os estados [dos EUA], é ilegal tentar estar casado com mais de uma pessoa ou até mesmo tentar passar alguém como o cônjuge de outro. Alguns estados restringem o casamento de pessoas que sofrem de sífilis ou outras doenças venéreas. Os homossexuais, portanto, não são as únicas pessoas a ter negado o direito de casar com a pessoa de sua escolha.

Não estou dizendo que os outros tipos de casais proibidos de contrair casamento sejam equivalentes aos casais homossexuais. Apenas os cito como exemplo para ilustrar como o casamento é fortemente regulado e é-o por bom motivo. Quando um estado reconhece um casamento, ele outorga ao casal certos benefícios que são custosos tanto ao estado quanto a outros indivíduos. Receber a pensão de um cônjuge falecido, reivindicar uma isenção fiscal extra para o cônjuge e ter o direito de ser coberto pela apólice de seguro do cônjuge são apenas alguns exemplos dos benefícios custosos associados ao casamento. Em certo sentido, um casal casado recebe um subsídio. Por quê? Porque o casamento entre dois heterossexuais sem parentesco provavelmente resultará numa família com filhos e a propagação da sociedade é de grande interesse do estado. Por este motivo, os estados têm restringido, em diferentes graus, um casamento que provavelmente não geraria filhos.

Admito que as restrições não sejam absolutas. Uma pequena minoria de casais é infértil. Contudo, excluir casais estéreis do casamento seria em todas as ocasiões, exceto nos óbvios casos de parentesco sanguíneo, muito caro. Poucos estéreis sabem que o são e os testes de fertilidade são caros e onerosos demais para impor. Seria possível argumentar que a exclusão dos parentes de sangue do casamento seria necessária apenas para prevenir a concepção de filhos geneticamente deficientes, mas não é permitido a parentes assim que se casem mesmo que se submetam à esterilização. Alguns casais não planejam ter filhos, mas sem tecnologia leitora de mente, exclui-los do casamento é impossível. Casais mais idosos podem casar, mas esses casos são tão raros que simplesmente não vale a pena o esforço de restringi-los. As leis de casamento, portanto, asseguram, embora de modo imperfeito, que a grande maioria dos casais que recebem os benefícios do casamento seja aqueles que gerem filhos.

Os relacionamentos homossexuais não fazem nada para servir ao interesse do estado de propagar a sociedade, então não há razão para que o estado lhes conceda os custosos benefícios do casamento, a não ser que sirvam algum outro interesse do estado. O ônus da prova, portanto, está com os defensores do casamento gay para que mostrem a que interesses do estado eles servem. Até agora, o ônus não foi satisfeito.

É possível argumentar que lésbicas são capazes de procriar por meio da inseminação artificial, portanto o estado teria um interesse em reconhecer casamentos lésbicos; contudo, um relacionamento lésbico, estável ou não, não tem qualquer influência sobre sua capacidade de se reproduzir. Talvez sirva ao interesse do estado reconhecer casamentos gays para que facilite a adoção por parte de casais gays. Entretanto, há vasta evidência de que as crianças precisam de tanto um pai e uma mãe para seu desenvolvimento adequado (vejam, por exemplo, Life Without Father [2006], de David Popenoe). Infelizmente, amostras experimentais de pequeno tamanho e outros problemas metodológicos tornam impossível a tarefa de tirar conclusões de estudos que diretamente examinam os efeitos da criação em um lar gay. Contudo, a sabedoria comum empiricamente verificada sobre a importância de uma mãe e pai no desenvolvimento de uma criança deveriam dar uma pausa nos esforços dos advogados da causa da adoção por gays. As diferenças entre homem e mulher estendem-se para além da anatomia, daí ser essencial para a criança ser criada por pais de ambos os sexos para que a criança aprenda a funcionar em uma sociedade formada por gente de ambos os sexos. Seria sábio ter uma política social que encoraja arranjos familiares que negam às crianças essas coisas essenciais? Os gays não são necessariamente pais ruins, nem eles tornarão necessariamente seus filhos em gays, mas eles são incapazes de prover um conjunto de paterno ou materno que inclua tanto um homem e uma mulher.

Alguns já compararam a proibição do casamento homossexual com a proibição do casamento inter-racial. Essa analogia é falha porque a fertilidade não depende da raça, tornando a raça irrelevante para o interesse do estado no casamento. De modo contrário, a homossexualidade é extremamente relevante por impedir a procriação.

Alguns argumentam que casamentos homossexuais servem ao interesse do estado porque permite aos gays viverem em relacionamentos estáveis. Contudo, não há nada que impeça os homossexuais de já hoje viverem relacionamentos assim. Os promotores do casamento gay alegam os casais gays precisarem de casamento a fim de que tenham visitas no hospital e direitos de herança, mas eles podem facilmente obter esses direitos se escreverem um testamento e designar o parceiro como fiduciário e herdeiro. Não há nada impedindo que casais gay assinem em conjunto um arrendamento ou que tenham propriedade conjunta da casa, igual fazem muitos solteiros heterossexuais com seus colegas de quarto. Os únicos benefícios do casamento de que não podem usufruir os homossexuais são justamente aqueles que são custosos para o estado e para a sociedade.

Alguns argumentam, corretamente, que a relação entre casamento e procriação não é mais tão forte como já foi. Até recentemente, o propósito principal do casamento em todas as sociedades do mundo tem sido a procriação. No século XX, as sociedades ocidentais têm, para nosso próprio mal, minimizado o aspecto procriador do casamento. Como resultado, a felicidade dos envolvidos no casamento virou seu propósito principal, e não mais o bem dos filhos ou a ordem social, o que trouxe consequências desastrosas. Quando pessoas casadas se importam mais consigo próprias do que com suas responsabilidades para com os filhos e a sociedade, eles se tornam mais propensos a abandonar essas responsabilidades, levando a lares destruídos, uma taxa de natalidade decadente e incontáveis outras patologias sociais, que têm se tornado excessivas nos últimos 40 anos. O casamento homossexual não é a causa de nenhuma dessas patologias, mas irá exacerbá-las, pois a concessão de benefícios conjugais a uma categoria de relacionamentos sexuais que são necessariamente estéreis só irá alargar a separação entre casamento e procriação.

O maior perigo de um casamento civil homossexual é a consagração legal de que a noção de amor sexual, não importando sua fecundidade, é o único critério para o casamento. Se o estado deve reconhecer o casamento de dois homens simplesmente porque eles se amam, sobre que base poderá negar o reconhecimento conjugal de um grupo de dois e três mulheres, por exemplo, ou de um irmão estéril e uma irmã que alegam se amar? Os ativistas homossexuais protestam dizendo que eles querem apenas que todos os casais sejam tratados de forma igual. Mas porque motivo seria o amor sexual entre duas pessoas mais digna de sanção do estado do que o amor entre três ou cinco? Quando o propósito do casamento é procriação, a resposta é óbvia. Se o amor sexual se torna o propósito principal, a restrição do casamento perde sua base lógica, levando ao caos conjugal.
Adam C. Kolasinski, Ph.D., Financial Economics, MIT Sloan School of Management

O artigo é de 2004 e foi publicado originalmente na The Tech, o maior e mais antigo (1881) jornal do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Traduzido por Natan Cerqueira
São Paulo, 06 de Abril de 2013.

20 janeiro 2013

Pena de morte: o que a Bíblia diz?

A impunidade aumenta a criminalidade. Isto é um fato! Será que as nossas leis são suficientemente duras a ponto de corrigirem, ou inibirem a desordem social? Seria a pena de morte uma punição justa e até necessária em nosso contexto brasileiro? Este é um assunto polêmico que apresenta dificuldades, e algumas questões precisam ser levantadas e respondidas em nosso estudo sobre o assunto. Primeiro, a Bíblia proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Segundo, a pena de morte seria justamente aplicável e promoveria a segurança em nosso contexto social? E terceiro, quem seria responsável pelo julgamento e aplicação da pena capital?

A proposta desta lição é de estudarmos o tema, assumindo que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo, e que ela amenizaria a criminalidade em nossa sociedade.

ESCLARECENDO O FUNDAMENTO

A Bíblia, como nossa única regra de fé e prática proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Mesmo numa leitura superficial do Antigo Testamento encontraremos a ordenança de matar pessoas seguindo alguns critérios da lei civil de Israel entregue por Deus a Moisés. Não há proibição contra a pena de morte na antiga Aliança. Encontramos no Antigo Testamento o 6º mandamento “não matarás”. Todavia, esta lei não significava a proibição de toda morte como sentença penal. Pode-se perceber que a palavra hebraica rasah traduzida por “matar”, não expressa a força e significado do verbo original, seria melhor vertê-la por “não assassinarás”. Assim, deve-se considerar que a proibição do 6º mandamento é contra o assassinato, ou a vingança pessoal, e não uma proibição da execução penal de um criminoso pelo governo instituído por Deus.

O Catecismo Maior de Westminster quanto à significação do 6º mandamento esclarece que a sua proibição envolve “Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras, a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt 25.42,43; Mt 5.22; 1 Jo 3.15; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Mt 6.31,34; Lc 21.34; Êx 20.9.10; 1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18; Is 3.15; Nm 35.16; Pv 28.17).”[1] Assim, desde o suicídio, o assassinato, a guerra justa, a defesa pessoal, a negligência da segurança, sentimentos maus, palavras ferinas, a intemperança e a agressão física são todos aspectos implícitos ordenados ou proibidos no 6º mandamento.

Lemos algumas vezes no Antigo Testamento a ordenança de executar pessoas, famílias, ou os habitantes de Canaã (Êx 21:23-24; Js 7:1-26; Dt 21:18-21). A pena de morte foi socialmente sancionada por Deus nos casos de “assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14); bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12; 21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses (Êx 22:20).”[2] A intenção da pena de morte no Antigo Testamento era de frear pecados sociais de um povo que viveu mais de 400 anos como escravo, influenciado pela cultura pecaminosa egípcia e sem uma referência clara da justiça divina. Deus ordenou a pena de morte na Lei, porque Ele é o soberano sobre tudo e sempre justo juiz em punir.

O processo e a aplicação da pena não era arbitrária, mas criteriosamente estabelecida por Deus. D.W. Van Ness escreve que “lendo o AT revela que se aplicavam proteções evidenciais e processuais para abordar casos que mereceriam a pena de morte. Estas medidas incluem a proporcionalidade (Êx 21:23-35); a certeza da culpa estabelecida por duas testemunhas (Dt 17:6; Nm 35:30); a intencionalidade (Nm 35:22-24); as provisões processuais incluíam as cidades refúgio que protegiam o acusado até o momento do seu julgamento (Nm 35); a responsabilidade individual (Dt 24:16); a justiça do procedimento legal, independentemente do status econômico do acusado dentro da comunidade (Êx 23:6-7); e, a limitação da hora de se aplicar a pena de morte (Ez 33:11).”[3] Aqui vemos Deus estabelecendo a ordem e a sua santidade e justiça no meio do seu povo. Ao matar ou causar dano grave o assassino perderia o direito à vida. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também será morto” (Êx 21:12), e este é o mesmo princípio básico para a aplicação da pena de morte anteriormente ordenado por Deus à Noé após o dilúvio (Gn 9:6).

A lei civil e cerimonial entregue a Israel não é válida para hoje, embora o princípio moral, ou a lei moral tem a sua continuidade no Novo Testamento. Isso significa que não podemos interpretar as ordens de execução como estão no Antigo Testamento e aplicá-las literalmente hoje. As leis civis regularam Israel enquanto nação teocrática, e as leis cerimoniais tiveram validade até a morte de Cristo. Mas, a lei moral que são os Dez Mandamentos tem plena validade para hoje. Assim, os juristas brasileiros poderiam, como no passado o fizeram, se valer dos princípios absolutos da Escritura Sagrada para formular as doutrinas penais, decidindo por um sistema judiciário por princípios bíblicos e menos antropocêntrico. O princípio moral para se criar uma lei que exija a morte do criminoso é atual, e teria autorização tanto no Antigo Testamento, como no Novo Testamento.

No Novo Testamento a pena de morte continua como uma prática comum, no entanto, aplicada pelo império romano e não mais pelos juízes de Israel. O Sinédrio de Jerusalém participava do processo de condenação levantando as provas, fazendo a denúncia e entregando o criminoso às autoridades romanas para a sentença final e execução do criminoso. A partir daí dentro da hierarquia do governo romano, desde a administração municipal até o governador da província, se fosse um nativo julgado a sentença terminaria na opinião do governador. Se o réu fosse cidadão romano poderia recorrer à última instância apelando a César, ou seja, seria julgado pela república, ou pelo próprio imperador. Por exemplo, Jesus valida a pena de morte, com a sua própria morte (At 2:22-24; At 4:26-30), bem como Paulo, em Rm 13:1-5, fala do uso da espada pelo magistrado em punir com morte, e ele mesmo durante o seu julgamento se sujeita à pena capital, caso a merecesse (At 25:8-11). Sabemos pelos relatos históricos que o apóstolo foi executado sob a ordem do imperador Nero. Segundo a tradição todos os apóstolos, com exceção de João, foram executados. A pena de morte produziu os mártires da Igreja, e o seu sangue foi a semente missionária para a expansão do Cristianismo primitivo.

Não há na Escritura Sagrada qualquer proibição ou oposição à pena de morte. Entretanto, ela não exige o seu uso incondicional. A Bíblia autoriza a pena capital, caso algum país queira aprová-la, e sanciona a sua aplicação como legítima diante de Deus.


CONCLUSÃO

Concluímos que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo. Assim, podemos protestar a seu favor, caso entendamos que seja necessário a aplicação de penas mais rígidas, como a pena de morte em nossos tribunais.

A pena de morte promove a vida de quem quer viver. O “não matarás” é uma advertência para quem não quer se tornar um assassino. Isto significa que se o indivíduo matou, perdeu o direito de viver. A autoridade instituída por Deus tem o dever de proteger com a espada, e com este mesmo instrumento punir o criminoso impedindo-o de ser uma possível ameaça aos cidadãos de bem.

A pena capital não é algo realizado por vingança familiar, nem sem critérios objetivos da gravidade do crime em que se dará a condenação. A sentença será dada pelo Estado, um juiz especializado, leis específicas, e sobre um crime doloso e hediondo em que envolve assassinato ou a desonra com dano irreparável do indivíduo, como por exemplo, o estupro.

Talvez, alguém seja contra a pena de morte no Brasil argumentando que sempre é possível um inocente morrer injustamente. De fato, este é a melhor objeção à pena capital. Todavia, a resposta a este argumento é satisfatoriamente dada por Gordon H. Clark quando ele questiona “a pena de morte é inviável pela possibilidade de erro judiciário ou o erro do judiciário deve ser minimizado ao máximo? A continuidade de crimes deve ser garantida por lei?”[4] O sistema legal brasileiro deve ser aperfeiçoado e corrigido e não afrouxar as penas por ter falhas.

Três motivos deveriam nos levar a considerar como necessária a aplicabilidade da pena de morte em nosso sistema judiciário. Primeiro, a influência geral, ou seja, a teoria de que quando uma pessoa é castigada outros criminosos em potencial estariam menos dispostos a cometer os mesmos crimes. Segundo, a influência específica, que é a teoria de que o criminoso castigado não cometerá mais crimes estando morto. E terceiro, a retribuição legal, isto é, a teoria de que o crime exige um castigo com uma pena que lhe seja proporcional. A pena de morte supre perfeitamente a estas exigências. Quando o Estado não castiga o criminoso com uma punição equivalente ao seu crime, ele penaliza a vítima, protege o criminoso, e fomenta a insegurança na sociedade.


PERGUNTAS PARA REFLEXÃO:

1. Se um ladrão entrasse em sua casa, estuprasse e matasse os seus familiares, seria uma pena suficientemente justa a sentença de alguns anos de prisão?
2. Aceitando que o Estado como autoridade é instituído por Deus (Rm 13:1-7) e que ele é portador de espada, isto é, instrumento de pena de morte “pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13:4b), ele não se torna injusto ao negar-se executar a pena capital sobre os que a merecem?
3. Se existisse a aplicação da pena de morte em nosso sistema penal seria possível que houvesse menos grupos de extermínios, execução por parte da polícia, vinganças entre famílias e outros efeitos colaterais causados pela omissão e impunidade?


NOTAS:
[1] Catecismo Maior de Westminster pergunta/resposta 136.
[2] Hans Ulrich Reifler, A ética dos dez mandamentos (São Paulo, Edições Vida Nova, 1992), p. 116.
[3] D.W. Van Ness, “pena capital” in: David J. Atkinson, org., Diccionario de Ética Cristiana y Teologia Pastoral (Barcelona, CLIE, 2004), pp. 894-896.
[4] Gordon H. Clark, “pena de morte” in: Carl F.H. Henry, org., Dicionário de ética cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007), p. 441.

04 junho 2012

Os 5 Artigos do Arminianismo - 1610

Introdução

O documento foi escrito pelo grupo dos remonstrantes, em 1610. O seu título holandês é De Remonstrantie en het Remonstrantisme [O protesto do protestantismo] e o latim trás Articuli Arminiani sive Remonstrantia [Os artigos arminianos com protesto]. Deve-se ter o cuidado de discernir que o termo “protestante” não é usado em seu significado comum. Diferente de como historicamente o termo “protestante” é usado, ou seja, uma reação contra a doutrina da Igreja Católica Romana, o partido arminiano protestava contra a posição teológica oficial do estado holandês, que era o Calvinismo.

Estou disponibilizando a tradução de Os 5 Artigos do Arminianismo para que estudantes de teologia tenham acesso ao conteúdo teológico essencial dos remonstrantes. Estou escrevendo um pequeno livro em que ofereço o contexto histórico e teológico da controvérsia que deu origem aos Arminianismo, se Deus quiser, pretendo publicá-lo. Aos que desejam ler a resposta calvinista que o Sínodo de Dort ofereceu aos remonstrantes acesse aqui.

Segue abaixo o texto dos arminianos traduzido na íntegra.[1]


Artigo 1
A eleição realizada com base na presciência
[2]

Que Deus, pelo propósito eterno e imutável em seu Filho Jesus Cristo, desde antes da fundação do mundo, Ele determinou a respeito da raça humana pecadora e caída, salvar em Cristo, pelo amor de Cristo e, através de Cristo, a quem, pela graça do Espírito Santo, crerão em seu Filho Jesus e perseverarão nesta fé e obediência da fé, por meio desta graça, até o final; e, por outra parte, deixar aos incorrigíveis e incrédulos no pecado e sob a ira, condená-los como alienados de Cristo, de acordo com a palavra no Evangelho de João 3:36: “O que crê no Filho tem a vida eterna; mas, o que se recusa a crer no Filho não verá a vida, senão que a ira de Deus permanece sobre ele”, e, também de acordo com outras passagens das Escrituras.


Artigo 2
A expiação ilimitada


Que, de acordo com isto, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que, por sua morte na cruz, obteve para todos eles a redenção e o perdão dos pecados; ainda que, ninguém que não seja crente na realidade desfruta deste perdão, de acordo com João 3:16: “porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha vida eterna.” E, em 1 João 2:2: “e, é a propiciação por nossos pecados; e, não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo todo.”


Artigo 3
A incapacidade natural


Que o homem não tem a graça salvadora por si mesmo, nem pela energia do seu livre arbítrio, no entanto, como ele, em estado de apostasia e pecado, não é capaz dele e por ele mesmo pensar, desejar, nem mesmo fazer coisa alguma que seja realmente boa (tal como eminentemente é a fé salvadora); mas, que lhe é necessário nascer de novo de Deus em Cristo, por meio do Espírito Santo e, renovar o entendimento, inclinação ou vontade e todos os seus poderes, para que possa entender, pensar, desejar e efetuar corretamente o que é verdadeiramente bom, de acordo com a Palavra de Cristo em João 15:5: “separados de mim, nada podeis fazer.”


Artigo 4
A graça preveniente


Que esta graça de Deus é o princípio, continuidade e alcance de todo o bem, até o ponto em que o homem regenerado, sem a graça preveniente ou assistida, que desperta, continue e coopere, não pode pensar, desejar, nem fazer o bem e muito menos resistir as tentações do mal; de modo que, todas as obras e movimentos que se podem conceber são atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, acerca do modo de como opera esta graça, não é irresistível, pois, está escrito acerca de muitos que resistiram ao Espírito Santo. Atos 7 e, também, em muitos outros lugares.


Artigo 5
A perseverança condicional

Aqueles que são incorporados em Cristo pela fé verdadeira e com ela se fizeram partícipes de seu Espírito doador da vida, tem por essa razão pode completo para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo e sua própria carne e, obter a vitória; entende-se bem que isto é sempre através da graça da assistência do Espírito Santo; e, que Jesus Cristo sempre os assiste em todas as suas tentações por meio de seu Espírito, estendendo-lhes a sua mão, e, se estão preparados para o conflito e, desejam o seu auxílio, e não estão inativos, [Cristo] os guarda de cair, de modo que, nem pela artimanha ou poder de Satanás, eles não se desviem, nem sejam arrebatados das mãos de Cristo, de acordo com a sua Palavra em João 10:28: “ninguém as arrebata de minha mão.” Mas, se eles são capazes por causa de sua negligência de esquecer dos começos de sua vida em Cristo, de retornar a este presente mundo mal, de apostar-se da sã doutrina que os libertou, de perder a boa consciência, de cair desprovidos da graça, e isto pode-se determinar mais particularmente pelas Santas Escrituras, antes do que ensinemos com a persuasão completa de nossas mentes.

Estes artigos que, afirmam e ensinam, os Remonstrantes considerando estar de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edificar, e apreciando este argumento como suficiente para a salvação, de modo que, eles não são necessários ou edificante para um ascensão mais alta, ou mais inferior.


NOTAS:
[1] Para a tradução dos 5 Artigos Arminianos recorri à tradução inglesa de Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 2007), vol. 3, pp. 545-549. Schaff registra em colunas paralelas o texto holandês a partir da primeira edição de 1612, o texto latino da edição de 1616, e numa terceira coluna a sua tradução em inglês. Também revisei a partir de outra tradução de inglês moderno por Peter Y. De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches – Essays in Commemoration of the Great Synod of Dort 1618-1619 (Granville, Reformed Fellowship, Inc., 2008), pp. 243-245. Homer Hoeksema oferece uma tradução do holandês em seu livro The voice of our fathers – an exposition of the Canons of Dordrecht (Grand Rapids, Reformed Free Publishing Association, 1980), pp. 10-14.
[2] Os títulos de cada artigo não fazem parte do texto original, apenas os acrescentei para indicar o seu conteúdo.

04 maio 2012

Resumo: Afeições Religiosas de Jonathan Edwards

Jonathan Edwards (1703-1758) escreveu um tratado com o título The Religious Affections (As Emoções Religiosas). Esta é provavelmente a mais penetrante análise já produzida sobre o assunto da experiência espiritual.

Os títulos dos capítulos, que seguem como citação direta do tratado de Edwards, não apenas revelam o pensamento notável do autor, mas também fornecem um comentário revelador sobre no que consiste a experiência espiritual genuína.


Demonstrando que não há sinais seguros de que as emoções religiosas são verdadeiramente da graça, ou que não sejam, têm-se:

1. Que as emoções religiosas são muito grandes não é sinal
2. Grandes efeitos no corpo não são sinal
3. Fluência e fervor não são sinais
4. Que não são estimulados por nós não é sinal
5. Que vêm com textos da Escritura não é sinal
6. Que há uma aparência de amor não é sinal
7. Que as emoções religiosas são de muitos tipos não é sinal
8. Se a alegria acontece em uma certa ordem não é sinal
9. Muito tempo e muito zelo no dever não são sinal
10. Muita expressão de louvor não é sinal
11. Grande confiança não é sinal seguro
12. Testemunhos comovedores não são sinal


Mostrando quais são os sinais característicos de santas emoções provenientes verdadeiramente da graça, temos:

1. Emoções da graça são de influência divina
2. Seu objetivo é a excelência das coisas divinas
3. São fundadas na excelência moral de objetivos
4. Surgem de iluminação divina
5. São acompanhadas de uma convicção de certeza
6. São acompanhadas de humilhação evangélica
7. São acompanhadas de uma mudança de natureza
8. Geram e promovem o temperamento de Jesus
9. Emoções da graça enternecem o coração
10. Têm linda simetria e proporção
11. Emoções falsas se satisfazem em si mesmas
12. Emoções religiosas têm seus frutos na prática cristã
(i) A prática cristã é o principal sinal para os outros
(ii) A prática cristã é o principal sinal para nós

Resumo extraído de Errol Hulse, O Batismo do Espírito Santo (São José dos Campos: Fiel, 1995), p. 16.

06 abril 2012

A cultura numa perspectiva cristã reformada

Escrito por Leland Ryken


A cultura consiste nas instituições, tecnologias, arte, costumes e pautas sociais que se desenvolvem numa sociedade. A cultura é o contexto dentro do qual toda pessoa vive inevitavelmente a sua vida cotidiana.

O problema de “Cristo e cultura” somente se entende como a relação entre os cristãos e a cultura em que vivem. Mas esta ênfase obscurece uma importante questão: inclusive quando os cristãos rejeitam a cultura que os cerca, esta continua sendo o meio de sua existência, enquanto criam uma subcultura cristã. O Cristianismo acultural não existe.


AS POSTURAS HISTÓRICAS

O clássico livro de H. Richard Niebuhr com o título Christ and Culture[1] relata as cinco atitudes que os cristãos adotam historicamente frente à questão da cultura. Tanto na história como na vida individual do cristão, não existe uma resposta única frente à cultura.

A postura mais radical sustenta que Cristo está contra a cultura. Aqui se entende a cultura como um elemento hostil ao Cristianismo, tanto em teoria como na prática. Independentemente da sociedade em que se encontrem imersos os cristãos, são chamados a opor-se aos costumes e traços desta. A entrega a Cristo requer uma decisão entre ambas as coisas.

Uma segunda postura é a atitude de ver a Cristo na cultura, que permite a harmonia fundamental entre Cristo e a cultura. O próprio Cristo é considerado como um herói supremo da cultura. A sua vida e ensino é o maior benefício humano da história. Portanto, os seguidores de Cristo podem confiar que a cultural é essencialmente congruente com os seus próprios ideais, e não tem porque renunciar àquela em que se estão imersos.

Uma terceira possibilidade é a de que Cristo está por cima da cultura. Esta postura de síntese afirma tanto a Cristo como a cultura, mas mantendo a distinção entre eles. Cristo é algo mais que um simples herói cultural. Ele é superior e maior que a cultural e digno de uma fidelidade maior. Ma a cultura também exige a participação cristã. Como cidadãos de dois reinos, os cristãos podem viver com uma consciência limpa em ambos os mundos, do mesmo modo que fez Jesus, o Deus Homem.

Em quarto lugar, os teólogos como o apóstolo Paulo, ou Lutero enfatizaram a Cristo e a cultura de mundo paradoxo. Esta postura se baseia na dualidade que aceita a autoridade tanto de Cristo como da cultura. Consequentemente, os cristãos vivem experimentando uma desagradável tensão, tentando satisfazer as exigências de ambas autoridades, e desejando uma salvação eventual e meta-histórica que resolva essa situação.

Por último, se pode entender a Cristo como o transformador da cultura. A tradição de Agostinho e Calvino afirma que, considerando a condição da queda da cultura humana, o compromisso com Cristo permite à pessoa converter a cultura num objetivo santo. Devido ao fato de que Cristo converte as pessoas e as instituições sociais, os cristãos podem seguir com a obra de Deus mediante as suas atividades culturais ordinárias.


FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS

O respaldo cristão da cultura começa com a doutrina da criação. Isto obriga aos cristãos a reivindicar o mundo para Deus, e fomenta a sua ira ao ver o grau em que o mundo de Deus foi dominado por Satanás e o mal. Os cristãos têm um chamado criacional e outro missionário.

Uma segunda doutrina chave é a Queda e o mal consequente que incide na natureza humana e as instituições sociais. Para um cristão a cultura é sempre uma prova, com tendências para a depravação (se bem que com mais em certas épocas e lugares que em outros). Como tudo o mais dentro de um mundo caído a cultura possui uma tendência permanente de cruzar a linha entre o bem e o mal.

Todavia, a Bíblia não localiza o mal em algumas formas externas per si. O mundo e a cultura humana são capazes de ser usados bem ou mal. O abuso que se faz de algo, não o invalida. O resultado é a necessidade da responsabilidade moral na busca da cultura.

O aforismo de Cristo que ordenou aos seus seguidores a “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22:21), resume o tema bíblico que diz que as instituições da sociedade formam parte do design que Deus fez da vida humana e, como tal são dignas de sua sinceridade legítima. Mas no centro do Cristianismo achamos a convicção de que o “que é de Deus” merece um maior respeito que o que é de César. A cultura é sempre um bem secundário.

A doutrina da vocação (crença de que Deus chama as pessoas para desempenhar trabalhos específicos e lhes concede a capacidade necessária para realizá-las) contribui igualmente para a afirmação cristã da cultura. A Bíblia aceita como fato (por exemplo: Gn 4:20-22) que Deus chama a certas pessoas a serem agricultores, outros para serem músicos, outras a serem arquitetos, chamamentos que todos eles tem conexões culturais.

A convicção cristã de que para uma pessoa redimida toda a vida pertence a Deus permanece resumida na frase do NT que diz: “assim, pois, quer comais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10:31). Para um cristão, inclusive o projeto cultural mais corrente pode formar parte de uma vida centrada em Deus.


NOTA:
[1] H. Richard Niebuhr, Christ and Culture (New York, 1951).

Extraído de David J. Atkinson & David H. Field, orgs., Diccionario de ética Cristiana y teologia pastoral (Terrassa, CLIE, 2004), pp. 403-405.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
6 de Abril de 2012.