por Ewerton B. Tokashiki
A igreja primitiva guardava o sétimo dia?
o imperador
Constantino promulgou um decreto fazendo do domingo uma festividade pública em
todo o Império Romano (ver Apêndice). O dia do sol era reverenciado por seus
súditos pagãos e honrado pelos cristãos. Foi instado a fazer isto pelos bispos
da igreja. Inspirados pela sede de poder, perceberam que, se o mesmo dia fosse
observado tanto por cristãos quanto por pagãos, isto resultaria em maior poder
e glória para a igreja. Mas, conquanto muitos cristãos tementes a Deus fossem,
gradualmente, levados a considerar o domingo como possuindo certo grau de
santidade, ainda mantinham o verdadeiro sábado e o observavam em obediência ao
quarto mandamento.[1]
Ellen White simplesmente menciona um
decreto promulgado por Constantino sem citar a fonte. Talvez, ela não soubesse
que história se escreve com documentos. Entretanto, ela induz o leitor a crer
que este texto foi responsável pela mudança da observância do descanso do
sábado para o domingo. Conforme a sua interpretação histórica, a senhora White
alega que interesses políticos e até evangelísticos fizeram com que os líderes
cristãos contemporâneos do imperador romano, contribuíssem para a transição da
guarda do sétimo para o primeiro dia da semana. Embora a autora não forneça
nenhuma fonte da sua alegação, recentemente os editores do seu livro
adicionaram o suposto documento. Contudo, a bibliografia que mencionada
volta-se contra eles mesmos.[2] O
historiador Albert H. Newman argumenta que a suposta conversão de Constantino
[cerca de 310 d.C.] favorecia socialmente os cristãos no seu império. O
Cristianismo não estava sofrendo mutações para adaptar-se aos romanos, mas o
império pagão estava se moldando ao costumes cristãos.[3]
Newman menciona uma série de favores que o imperador concedia aos cristãos, por
exemplo, como os contidos no Edito de Milão (313 d.C.),[4]
a isenção da liderança cristã do serviço militar e de impostos públicos (313
d.C.),[5] aboliu
práticas e festividades pagãs que fossem públicas (315 d.C.), concedeu o
direito privado às igrejas locais (321 d.C.) e tornou um dever civil o descanso
no domingo, conforme era o costume cristão (321 d.C.).[6]
Assim, o Dies Domini celebrado no primeiro dia da semana passou a ser
descanso estatal.[7] O
historiador Philip Schaff esclarece que Constantino
é o fundador,
de no mínimo, da observância civil do Domingo, em que somente deste modo a sua
observância religiosa na igreja poderia se tornar universal e propriamente assegurada.
No ano de 321, ele editou uma lei proibindo o trabalho manual nas cidades e
todas as transações judiciais, e posteriormente também o exercício militar no
Domingo.[8]
Embora tenha origem metodista, Ellen G.
White (1827-1915) recebeu influência do movimento milenarista e sabatista
procedente de William Miller (1782-1849). Ele atraiu muitos seguidores ao
profetizar a vinda de Cristo para o dia 22 de outubro de 1844, fato que nunca
ocorreu. Após a família White ser excluída da Igreja Metodista, por divergência
doutrinária, associaram-se ao grupo adventista, sendo que ela se tornou
uma das principais líderes e a profetiza
do movimento.[9] Assim,
durante um ministério de aproximadamente setenta anos, alegou ter recebido
cerca de duas mil visões e sonhos proféticos.[10]
Numa de suas profecias ela afirma que a guarda do domingo é a marca da besta.[11] Não
perderei tempo analisando esse seu erro, visto que não há nada na Escritura
Sagrada que autorize interpretar com este significado o texto de Ap 13, como o
faz Ellen White e o movimento adventista.[12]
Evidências históricas anteriores à Constantino
É possível provar documentalmente que os
cristãos guardaram o primeiro dia da semana desde os seus primórdios?
Recordemos que o argumento de Ellen G. White é que o abandono do sétimo dia
para a guarda do domingo somente ocorreu em 321 d.C. quando Constantino
promulgou a “Lei Dominical”. Leiamos o que registraram os pais da Igreja, nos
séculos que antecederam ao imperador romano, e a nossa conclusão poderá
descansar sobre o firme alicerce da verdade.
Didaquê
O mais antigo manual de preparação de
batismo e discipulado da Igreja Cristã (80-90 d.C.) conhecido por Didaquê
instrui como deveria ser a vida comunitária. A orientação era de que “reúnam-se
no dia do Senhor para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os
pecados, para que o sacrifício de vocês seja puro.”[13]
A expressão dia do Senhor, em grego kuriakê heméra e, em latim Dies
Domini tornou-se o termo para indicar o primeiro dia da semana, a que
chamamos de Domingo, o dia em que o Senhor ressuscitou!
Inácio de Antioquia
Inácio de Antioquia em sua Carta aos
Magnésios (110 d.C.) declara que
aqueles que
viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais
o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e
da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a
fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único
Mestre.[14]
A carta a Diogneto
O desconhecido escritor da Carta a
Diogneto afirma que “não creio que tenhas necessidade de que eu te informe
sobre o escrúpulo deles a respeito de certos alimentos, a sua superstição sobre
os sábados...”.[15] Em 120
d.C., o contraste entre cristãos e judeus estava estabelecido, de modo que a
guarda do sétimo dia era visto pelos cristãos como sendo uma superstição
judaica e não como algo normativo para a Igreja.
A carta de Barnabé
Um importante documento histórico
apresenta alguns traços do Cristianismo do século II. A “carta de Barnabé” não
tem autoria certa, mas pelo seu conteúdo a crítica literária especializada em
patrística é de consenso datá-la entre 134-135 d.C. O autor interpreta o
significado do sábado. Ele declara que
vede como ele
diz: não são os sábados atuais que me agradam, mas aquele que eu fiz e no qual,
depois de ter levado todas as coisas ao repouso, farei o início do oitavo dia,
isto é, o começo de outro mundo. Eis por que celebramos como festa alegre o
oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar,
subiu aos céus.[16]
Justino de Roma
O apologista cristão expressou que “no
dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas
cidades ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o permite, as memórias
dos apóstolos ou os escritos dos profetas.” Em outro lugar ele continua
celebramos
essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo e, também, o dia em que Jesus
Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o
crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno,
que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou
essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame.[17]
Irineu de Lião
Enquanto Justino defendia os cristãos
diante dos governadores pagãos, Irineu se dedicava a atacar as heresias que
brotavam dentro do cristianismo. Irineu como apologista analisava os desvios
doutrinários que haviam se infiltrado dentre os cristãos. Especificamente para
o nosso propósito selecionamos os heréticos que se nomeavam ebionitas,[18] que
segundo Irineu eles “praticam a circuncisão e continuam a observar a Lei e os
costumes judaicos da vida e até adoram Jerusalém como se fosse a casa de Deus.”[19] Além de
negar a salvação somente pela graça e a sua suficiência em Cristo, os ebionitas
ensinavam uma redenção por meio da obediência da lei. Dentre os “costumes
judaicos da vida” incluíam a prática de guardar o sétimo dia. Eles não
entenderam a cessação dos aspectos civis da lei, nem o seu cumprimento
cerimonial em Cristo, de modo que, persistiam em exigi-los como complemento da
salvação, e nisto consistia a sua heresia. O livro Contra as Heresias é
datado entre 180 à 190 d.C.
Tertuliano
No início do século III os cristãos
demonstravam desprezo pelos costumes judaizantes. Em seu livro Da Idolatria,
escrito entre os anos 200 e 210 d.C., Tertuliano declara que “não temos
praticado os sabbath ou, outras festividades judaicas, do mesmo modo que
evitamos as práticas pagãs.”[20] A sua
afirmação esclarece que, tanto a idolatria quanto práticas judaicas, eram
evitadas no mesmo pé de igualdade. Não há dúvidas de que o descanso cristão no
fim do século III era marcadamente o domingo, da mesma forma que o exclusivismo
cristão testemunhava contra pagãos e judeus!
As leis promulgadas por Constantino
incentivavam os cidadãos a adotarem a religião cristã. O império romano estava
se adaptando ao Cristianismo e não o contrário. Assim, o primeiro dia da semana
tornou-se descanso civil, por ser tradicionalmente desde o primeiro século um
dia reservado para o culto cristão. Evidências históricas apontam ações do
imperador favoráveis ao Cristianismo. O testemunho da Igreja nos primeiros
séculos não somente evitava a guarda do sétimo dia, mas desprezava-a como sendo
superstição, idolatria e heresia judaizante! Não há no puro Cristianismo nenhum
grupo, em nenhum lugar e período que celebrasse o sábado como o dia de descanso
entre os cristãos.
[1] Ellen G.
White, O Grande Conflito (Tatuí, Casa Publicadora Brasileira, 7ª ed.,
2004), p. 33.
[2] Os editores
no indicado “Apêndice” mencionam a Lei Dominical de Constantino apontam
para a obra do historiador reformado Philip Schaff, History of the Christian
Church, vol. III, cap. 7. Todavia, na mesma seção [75], em seu primeiro
parágrafo Schaff diz “a observância do domingo originou no tempo dos apóstolos,
e as formas básicas da adoração pública, com o seu honrar, santificar e
exultante influência em todas as terras cristãs”, p. 300. É estranho que a
fonte que os editores citam para favorecer a tese de que a mudança era do
período de Constantino (321 d.C.), inicie o texto com esta declaração!
[3] Outra obra
citada no “Apêndice” como evidência a favor da tese da senhora White é o
livro-texto do batista Albert H. Newman, A Manual of Church History.
Mas, a discussão desenvolvida por Newman é contrária à tese sabatista!
[4] O édito
encontra-se na sua íntegra transcrito na obra Eusébio de Cesaréia, História
Eclesiástica in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2000), vol.
15, pp. 491-494.
[5] Veja esse
outro edito em Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, vol. 15, pp.
499-500.
[6] Kenneth S. Latourette, Historia del Cristianismo
(El Paso, Casa Bautista Publicaciones, 1976), vol. 1, pp., 132-133.
[7] Albert H. Newman, A Manual of Church History
(Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1953), vol. 1, pp.
306-307.
[8] Philip Schaff, History of the Christian Church
(Albany, Ages Software, 1997), vol. 3, p. 301.
[9] No livro Crenças
Fundamentais da Igreja Adventista do 7º Dia declara: “18. O Dom de Profecia
- Um dos dons do Espírito Santo é a profecia. Este dom é uma característica da
Igreja remanescente e foi manifestado no ministério de Ellen G. White. Como a
mensageira do Senhor, seus escritos são uma contínua e autorizada fonte de
verdade e proporcionam conforto, orientação, instrução e correção à Igreja. (Jl
2.28 e 29; At 2.14-21; Hb 1.1-3; Ap 12-17; 19.10)” extraído de
http://www.adventistado7dia.org/iasd/crencas-fundamentais acessado em
7/10/2009.
[10] J.D.
Douglas, White, Ellen Gould in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja
Cristã (São Paulo, Edições Vida Nova, 1990), vol. 3, p. 646.
[11] J.K. Van
Baalen, O Caos das Seitas (São Paulo, Imprensa Bíblica Regular, 1970),
p. 155.
[12] Para
maiores detalhes veja A.A. Hoekema, Adventismo del Septimo Dia
(Kalamazoo, SLC, 1990).
[13] Didaquê
in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, p. 357.
[14] Inácio
de Antioquia – Epístola aos Magnésios – Padres Apostólicos in: Patrística
(São Paulo, Editora Paulus, 1995), vol. 1, p. 94.
[15] Carta a
Diogneto – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora
Paulus, 1995), vol. 2, p. 21.
[16] Carta de
Barnabé – Pais Apologistas in: Patrística (São Paulo, Editora
Paulus, 1995), vol. 1, p. 311.
[17] Justino
de Roma, I Apologia in: Patrística (São Paulo, Editora Paulus, 2ª
ed., 1995), vol. 3, pp. 83-84.
[18] Sabe-se que
“eram judeus que aceitavam Jesus como o Messias ao mesmo tempo em que
continuavam a afirmar que Paulo era um apóstata da lei, negavam o nascimento
virginal, praticavam a circuncisão, observavam o Sábado, a Páscoa e outras
festividades judaicas”. Robert G. Clouse, et. al., Dois reinos (São
Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), p. 33.
[19] Irineu
de Lião, Contra as Heresias in: Patrística (São Paulo, Editora
Paulus, 2ª ed., 1995), vol. 4, p. 108.
[20] Tertulian, On Idolatry in: Ante-Nicene
Fathers, vol. 3, p. 70 citado em G.H. Waterman, Sabbath in: The
Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, Zondervan
Publishing, 1977), vol. 5, p. 187. Este pai da Igreja é conhecido por causa
da sua ortodoxia trinitária. O termo “Trindade” foi cunhado por ele, e Philip
Schaff concede-lhe o título de fundador do Cristianismo Latino.