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14 março 2014

Do Magistrado Civil e a Igreja - Confissão de Fé de Westminster

CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
CAPÍTULO XXIII - DO MAGISTRADO CIVIL


Comentado por G.I. Williamson

Aqui deixamos uma vez mais a ordem da Confissão de Fé para considerar juntas certas seções da Confissão que são difíceis de considerar em relação umas com as outras. Estes capítulos e estas seções são: o capítulo XXIII, 3 da e o capítulo XXXI, 1, 2. A dificuldade consiste em definir qual é o poder do magistrado civil com respeito aos assuntos eclesiásticos. A partir deste ponto, primeiro, procederemos discutindo as seções do capítulo XXIII que não são problemáticas; e segundo, as seções dos capítulos XXIII e XXXI que apresentam o problema e terceiro, as porções que ficaram do capítulo XXXI, ou seja, as seções 3,4, e 5.
1. Deus o supremo Senhor e Rei de todo o mundo, institui os magistrados civis, para estar abaixo dele e sobre o seu povo, para sua própria gloria e para o bem publico; para cujo fim lhes deu autoridade da espada, para defender e estimulo dos bons, e para castigo dos maus.
2. É licito que os cristãos aceitem e desempenhem o oficio de magistrados quando para isso forem vocacionado por Ele. Na administração deste oficio os cristãos devem manter especialmente a piedade, a justiça e a paz de acordo com as leis saudáveis de cada estado. Para tal fim, podem legalmente a luz do NT, fazer guerra em ocasiões justas e necessárias.
3. [...]
4. O povo tem o dever de orar pelos magistrados, honrar suas pessoas, pagar tributos e outros direito, obedecer aos seus mandamentos legítimos, e estar sujeitos a sua autoridade por causa de sua consciência. A infidelidade, ou a diferencia de religião não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado, nem exime do povo a devida obediência a ele, do qual as pessoas eclesiásticas não estão excluídas, e muito menos tem o papa poder de jurisdição alguma sobre os magistrados, sobre seus domínios, ou sobre algum de seu povo; e muito menos para priva-los de seu domínio, suas vidas, sejam porque os julguem que são hereges, ou por qualquer outro pretexto.

XXIII, 1,2,3

ESTAS SEÇÕES DA CONFISSÃO DE FÉ NOS ENSINAM:
1) Que Deus estabeleceu o governo civil sobre a terra.
2) Que seu propósito e sua glória e o nosso bem.
3) Que nos deu os oficiais civis e o poder da espada.
4) Que os cristãos podem de forma lícita ter cargos civis e exercer o poder da espada em ocasiões necessárias e justas.
5) Que Deus requer que os cristãos exerçam o mandato, orem, se submetam aos que licitamente utilizam o seu cargo no governo civil.
6) Que esta responsabilidade não deixa de existir por causa das diferenças religiosas, e
7) Que o papa de Roma não tem nenhum direito sobre o poder civil.

A passagem clássica das escrituras que trata do estabelecimento do governo civil é:
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a devida condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Rm 13:1-7).

Nesta passagem clássica das Escrituras se estabelece os ensinos desta seção da Confissão. “Todos devem se sujeitar as autoridades publicas” disse o apóstolo. Sem dúvida se requer do cristão que se submetam aos que estão como autoridades pela vontade de Deus. “Porque não há autoridade que não proceda de Deus, e as autoridades que existem foram por ele instituídas.” A. A. Hodge bem disse: “alguns imaginam que o direito e a autoridade legítima do governo humano tem seu fundamento final na aprovação dos governados,” bem como “na vontade da maioria”, ou, em algum pacto social imaginário feito pelos antepassados da raça na origem da vida social. Mas as Escrituras nos ensinam que o governo civil vem de Deus, e que tem sua autoridade pela vontade de Deus, e assim aprovação dos governos. Isto implica claramente que o cristão deve considerar o governo de fato, de qualquer país particular no qual pode residir como jure. Nenhuma forma de governo civil está designada nas Escrituras. O cristão não tem a liberdade de obedecer ou não dependendo do tipo de governo que exista. “Os poderes que existem foram estabelecidos por Deus”, disse Paulo. E se referia ao governo totalitário do Império Romano. Se Paulo e Jesus ensinaram que deveriam se sujeitar a Cesar, é difícil pensar em algum tipo de governo civil que não deveria ser obedecido pelos cristãos em assuntos civis. A luz deste contexto do período apostólico (quando o governo civil era totalitário), não cremos que os cristãos tivessem o direito de apoiar, ou, de participar na derrota violenta de uma autoridade civil, ou, seja uma monarquia ou democracia (ver Rm 13:2, I Pd 2:13-14, Tt 3:1 etc). Se todo o governo de fato é estabelecido por Deus, e a resistência é uma resistência diante do mandato de Deus então, não existe nenhuma outra conclusão.

No entanto, afirmar que a autoridade a autoridade civil é de origem divina não é dizer que a mesma não tenha limites. Toda a autoridade divinamente estabelecida, em assuntos humanos, está limitada pelo decreto divino. O magistrado civil é estabelecido por Deus como “ministro” o servo de Deus “para o bem”. A sua responsabilidade é levar a espada do poder físico como terror contra as obras do mal. A sua responsabilidade é como vingador que demonstra a ira de Deus sobre quem fez o mal. Enquanto o governo civil se contenta restringindo e castigando o crime e a violência, proteger o bem e castigar o mal, o cristão deve apoiar, orar e honrar por esse governo. Mas quando esse governo castiga aos retos e recompensa ao malfeitor, tornando-se agressivo militarista, é a responsabilidade do cristão resistir esse poder porque subverte o mandato de Deus. Em muitos casos é sem dúvida, difícil determinar precisamente quando, até que ponto um cristão deve resistir a um governo civil em particular. Não é nossa intenção fazer que esta decisão pareça fácil. Mas certos princípios são muitos claros, e se aplicados corretamente, tornará possível para que o indivíduo tome a decisão correta em seu caso particular.
1. Devemos sempre obedecer aos “mandatos legítimos” de nosso governo. Em todas e cada uma das instâncias devemos estar “prontos a fazer toda boa obra” (Tt 3:1).
2. Sempre devemos obedecer a Deus antes que ao homem quando existe um conflito entre os dois. “É necessário obedecer a Deus antes que os homens” (At 5:29).
3. Podemos resistir, tanto ativa como passivamente, se for necessário, para obedecer a Deus. Quando uma autoridade civil se mostra um terror quanto às boas obras e não quanto o mal, cremos que os cristãos tem o direito defender–se ativamente. Tanto a “sua vida como a sua propriedade” conforme determina a lei “Salmo 82:4, Provérbios 24:11-12, etc.”. Assim “o fim imediato para o qual Deus instituiu os magistrados é o bem público e o fim último a manifestação de sua própria glória.”

Mas consideremos atentamente certos erros modernos que ganharam um amplo apoio, e que confunde a mente de muitos cristãos.

1. O primeiro que consideraremos é a intenção modernista de descontinuar a prática da pena de morte. Em nossa nação hoje em dia existe uma corrente cada vez mais forte a favor de abolir a pena de morte. E muitos grupos protestantes liberais aprovam esta mudança dizendo que não beneficia a sociedade, não reforma o criminoso nem reflete os ensinos humanitários do Novo Testamento. É dizer, por várias razões, que é muito popular hoje em dia negar ao governo o poder da espada para castigar o mal. Tal posição enquanto autoridade civil está ao menos completamente contra ao ensinamento bíblico. Não pensemos que se possa provar que a pena de morte não seja um beneficio para a sociedade. Cremos que seja, embora a única razão seja que a Escritura declara que o cumprimento fiel da justiça é uma punição para o mal e um alento para o bem. Pode ser possível que a pena de morte não reforme o criminoso. Mas, também é possível que a falta de punição contra a maldade também reforme o criminoso. Mas estamos convencidos de que ela promove a maldade. Sobretudo, nos opomos à ideia de que o poder e a autoridade civil devam refletir as ideias modernas de ensino humanitário do “Novo Testamento”. A justiça não é mais “humanitária” no Novo Testamento que no Antigo Testamento. E a instituição do governo civil não foi estabelecida para ensinar o Novo Testamento: é para castigar o crime e proteger os que fazem o bem. Sem motivos duvidamos que o esquema dos liberais que promovem abolição da pena de morte seja “humanitária”. Cremos que muitos dos crimes da atualidade se devem ao fato de que existe demasiada preocupação não bíblica pelo malfeitor e bem pouca preocupação bíblica pelos justos.

2. Outro ataque moderno contra a instituição do governo civil pode-se observar por aqueles que promovem a corrente pacifista. Os concílios da igreja modernista têm defendido tais coisas:
2.1. O completo desarmamento de nossa nação.
2.2. O desarmamento unilateral [ou seja, somente do cidadão de bem].
2.3. A negociação em vez da defesa armada ao serem confrontados com agressão criminosa.
2.4. O reconhecimento dos que são agressores sem nenhum tipo de castigo justo.

A Confissão de Fé insiste que os magistrados civis (ainda que sejam pessoas cristãs) “podem legitimamente, conforme o Novo Testamento, fazer atualmente guerra em ocasiões justas e necessárias. Os que apoiam a política que basicamente exige que nosso governo nacional renuncie o poder da espada e renuncie os esforços para ser um punidor dos malfeitores, e que renuncie a execução de vingança sobre eles, pedem nada menos que destruição do mandato de Deus em Romanos 13:1-5. É precisamente porque “se opõem a autoridade” então “se rebelam contra o que Deus instituiu”. Este pecado deve ser denunciado como ele realmente é. É um pecado contra Deus, é um pecado contra o nosso governo.

A última parte da seção número 4 deste capítulo trata dos males históricos associados com a Igreja Católica Romana.

3. O primeiro destes males é que lhes outorga um status privilegiado aos oficiais da igreja em assuntos civis. Existem em alguns países que são dominados pela Igreja Romana nos quais os sacerdotes não podem ser julgados nas cortes civis por seus crimes. Existe talvez um pouco de humor nos relatos tradicionais da vergonha da polícia irlandesa quando se deu conta de que havia prendido um sacerdote por excesso de velocidade. No entanto, as Escrituras ensinam que os cristãos, sejam oficiais da igreja ou não, não devem se considerar acima do poder civil. Cremos que a Confissão de Fé concorda com a Escritura quando diz que “as pessoas eclesiásticas não estão excluídas desta autoridade”. E a infidelidade, ou diferença de religião entre os cidadãos cristãos e o governo civil “não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado”.

5. O outro mal que outorga autoridade ao Papa de Roma. Este foi e continua sendo uma reivindicação do Pontífice Romano, ele insiste que exerce tanto a espada espiritual como a temporal do poder e a autoridade. “Segundo a posição ultramontana estritamente lógica, sendo toda nação, em todos seus membros, uma porção da igreja universal, a organização civil está compreendida dentro da igreja para certos fins subordinados para o grande fim para o qual existe a igreja e assim, portanto, finalmente responsável diante dela para execução da autoridade delegada. Quando enfim o Papa se coloca na condição de exigir a sua autoridade, pondo o reino debaixo de edito emitido aos súditos exigindo o seu voto de fidelidade (civil), e demonstrando aos soberanos, baseando-se na suposta heresia da insubordinação dos líderes cívis no país”. (A A.Hodge, Ibid., p. 276). A Escritura anunciou o que a história demonstrou, ou seja, que tal usurpação resulta na perseguição aos verdadeiros crentes (Ap 13; 18:24).


PERGUNTAS PARA ESTUDO

1. Qual o fundamento da autoridade do governo civil? Prove biblicamente.
2. Que tipo de governo vem da autoridade divina?
3. Deve um cristão promover a derrota violenta de um governo civil?
4. Deve um cristão resistir licitamente ao governo?
5. Quando é que os cristãos devem obedecer ao seu governo?
6. Quando é que os cristãos devem desobedecer ao seu governo?
7. Enumere os erros modernos promovidos por cristãos liberais que estão contra a instituição divina do governo civil?
8. Por que estes estão contra a instituição divina do governo civil?
9. Quais são os erros refutados na seção número 4 da Confissão de Fé?


Extraído de G.I. Williamson, La Confesión de Fe de Westminster (Carlisle, El Estandarte de la Verdad, 2003), pp. 355-360.

Traduzido por Rev. Gaspar da Silva
Pastor da Igreja Presbiteriana de Pimenta Bueno
Revisado por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO.

20 janeiro 2013

Pena de morte: o que a Bíblia diz?

A impunidade aumenta a criminalidade. Isto é um fato! Será que as nossas leis são suficientemente duras a ponto de corrigirem, ou inibirem a desordem social? Seria a pena de morte uma punição justa e até necessária em nosso contexto brasileiro? Este é um assunto polêmico que apresenta dificuldades, e algumas questões precisam ser levantadas e respondidas em nosso estudo sobre o assunto. Primeiro, a Bíblia proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Segundo, a pena de morte seria justamente aplicável e promoveria a segurança em nosso contexto social? E terceiro, quem seria responsável pelo julgamento e aplicação da pena capital?

A proposta desta lição é de estudarmos o tema, assumindo que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo, e que ela amenizaria a criminalidade em nossa sociedade.

ESCLARECENDO O FUNDAMENTO

A Bíblia, como nossa única regra de fé e prática proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Mesmo numa leitura superficial do Antigo Testamento encontraremos a ordenança de matar pessoas seguindo alguns critérios da lei civil de Israel entregue por Deus a Moisés. Não há proibição contra a pena de morte na antiga Aliança. Encontramos no Antigo Testamento o 6º mandamento “não matarás”. Todavia, esta lei não significava a proibição de toda morte como sentença penal. Pode-se perceber que a palavra hebraica rasah traduzida por “matar”, não expressa a força e significado do verbo original, seria melhor vertê-la por “não assassinarás”. Assim, deve-se considerar que a proibição do 6º mandamento é contra o assassinato, ou a vingança pessoal, e não uma proibição da execução penal de um criminoso pelo governo instituído por Deus.

O Catecismo Maior de Westminster quanto à significação do 6º mandamento esclarece que a sua proibição envolve “Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras, a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt 25.42,43; Mt 5.22; 1 Jo 3.15; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Mt 6.31,34; Lc 21.34; Êx 20.9.10; 1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18; Is 3.15; Nm 35.16; Pv 28.17).”[1] Assim, desde o suicídio, o assassinato, a guerra justa, a defesa pessoal, a negligência da segurança, sentimentos maus, palavras ferinas, a intemperança e a agressão física são todos aspectos implícitos ordenados ou proibidos no 6º mandamento.

Lemos algumas vezes no Antigo Testamento a ordenança de executar pessoas, famílias, ou os habitantes de Canaã (Êx 21:23-24; Js 7:1-26; Dt 21:18-21). A pena de morte foi socialmente sancionada por Deus nos casos de “assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14); bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12; 21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses (Êx 22:20).”[2] A intenção da pena de morte no Antigo Testamento era de frear pecados sociais de um povo que viveu mais de 400 anos como escravo, influenciado pela cultura pecaminosa egípcia e sem uma referência clara da justiça divina. Deus ordenou a pena de morte na Lei, porque Ele é o soberano sobre tudo e sempre justo juiz em punir.

O processo e a aplicação da pena não era arbitrária, mas criteriosamente estabelecida por Deus. D.W. Van Ness escreve que “lendo o AT revela que se aplicavam proteções evidenciais e processuais para abordar casos que mereceriam a pena de morte. Estas medidas incluem a proporcionalidade (Êx 21:23-35); a certeza da culpa estabelecida por duas testemunhas (Dt 17:6; Nm 35:30); a intencionalidade (Nm 35:22-24); as provisões processuais incluíam as cidades refúgio que protegiam o acusado até o momento do seu julgamento (Nm 35); a responsabilidade individual (Dt 24:16); a justiça do procedimento legal, independentemente do status econômico do acusado dentro da comunidade (Êx 23:6-7); e, a limitação da hora de se aplicar a pena de morte (Ez 33:11).”[3] Aqui vemos Deus estabelecendo a ordem e a sua santidade e justiça no meio do seu povo. Ao matar ou causar dano grave o assassino perderia o direito à vida. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também será morto” (Êx 21:12), e este é o mesmo princípio básico para a aplicação da pena de morte anteriormente ordenado por Deus à Noé após o dilúvio (Gn 9:6).

A lei civil e cerimonial entregue a Israel não é válida para hoje, embora o princípio moral, ou a lei moral tem a sua continuidade no Novo Testamento. Isso significa que não podemos interpretar as ordens de execução como estão no Antigo Testamento e aplicá-las literalmente hoje. As leis civis regularam Israel enquanto nação teocrática, e as leis cerimoniais tiveram validade até a morte de Cristo. Mas, a lei moral que são os Dez Mandamentos tem plena validade para hoje. Assim, os juristas brasileiros poderiam, como no passado o fizeram, se valer dos princípios absolutos da Escritura Sagrada para formular as doutrinas penais, decidindo por um sistema judiciário por princípios bíblicos e menos antropocêntrico. O princípio moral para se criar uma lei que exija a morte do criminoso é atual, e teria autorização tanto no Antigo Testamento, como no Novo Testamento.

No Novo Testamento a pena de morte continua como uma prática comum, no entanto, aplicada pelo império romano e não mais pelos juízes de Israel. O Sinédrio de Jerusalém participava do processo de condenação levantando as provas, fazendo a denúncia e entregando o criminoso às autoridades romanas para a sentença final e execução do criminoso. A partir daí dentro da hierarquia do governo romano, desde a administração municipal até o governador da província, se fosse um nativo julgado a sentença terminaria na opinião do governador. Se o réu fosse cidadão romano poderia recorrer à última instância apelando a César, ou seja, seria julgado pela república, ou pelo próprio imperador. Por exemplo, Jesus valida a pena de morte, com a sua própria morte (At 2:22-24; At 4:26-30), bem como Paulo, em Rm 13:1-5, fala do uso da espada pelo magistrado em punir com morte, e ele mesmo durante o seu julgamento se sujeita à pena capital, caso a merecesse (At 25:8-11). Sabemos pelos relatos históricos que o apóstolo foi executado sob a ordem do imperador Nero. Segundo a tradição todos os apóstolos, com exceção de João, foram executados. A pena de morte produziu os mártires da Igreja, e o seu sangue foi a semente missionária para a expansão do Cristianismo primitivo.

Não há na Escritura Sagrada qualquer proibição ou oposição à pena de morte. Entretanto, ela não exige o seu uso incondicional. A Bíblia autoriza a pena capital, caso algum país queira aprová-la, e sanciona a sua aplicação como legítima diante de Deus.


CONCLUSÃO

Concluímos que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo. Assim, podemos protestar a seu favor, caso entendamos que seja necessário a aplicação de penas mais rígidas, como a pena de morte em nossos tribunais.

A pena de morte promove a vida de quem quer viver. O “não matarás” é uma advertência para quem não quer se tornar um assassino. Isto significa que se o indivíduo matou, perdeu o direito de viver. A autoridade instituída por Deus tem o dever de proteger com a espada, e com este mesmo instrumento punir o criminoso impedindo-o de ser uma possível ameaça aos cidadãos de bem.

A pena capital não é algo realizado por vingança familiar, nem sem critérios objetivos da gravidade do crime em que se dará a condenação. A sentença será dada pelo Estado, um juiz especializado, leis específicas, e sobre um crime doloso e hediondo em que envolve assassinato ou a desonra com dano irreparável do indivíduo, como por exemplo, o estupro.

Talvez, alguém seja contra a pena de morte no Brasil argumentando que sempre é possível um inocente morrer injustamente. De fato, este é a melhor objeção à pena capital. Todavia, a resposta a este argumento é satisfatoriamente dada por Gordon H. Clark quando ele questiona “a pena de morte é inviável pela possibilidade de erro judiciário ou o erro do judiciário deve ser minimizado ao máximo? A continuidade de crimes deve ser garantida por lei?”[4] O sistema legal brasileiro deve ser aperfeiçoado e corrigido e não afrouxar as penas por ter falhas.

Três motivos deveriam nos levar a considerar como necessária a aplicabilidade da pena de morte em nosso sistema judiciário. Primeiro, a influência geral, ou seja, a teoria de que quando uma pessoa é castigada outros criminosos em potencial estariam menos dispostos a cometer os mesmos crimes. Segundo, a influência específica, que é a teoria de que o criminoso castigado não cometerá mais crimes estando morto. E terceiro, a retribuição legal, isto é, a teoria de que o crime exige um castigo com uma pena que lhe seja proporcional. A pena de morte supre perfeitamente a estas exigências. Quando o Estado não castiga o criminoso com uma punição equivalente ao seu crime, ele penaliza a vítima, protege o criminoso, e fomenta a insegurança na sociedade.


PERGUNTAS PARA REFLEXÃO:

1. Se um ladrão entrasse em sua casa, estuprasse e matasse os seus familiares, seria uma pena suficientemente justa a sentença de alguns anos de prisão?
2. Aceitando que o Estado como autoridade é instituído por Deus (Rm 13:1-7) e que ele é portador de espada, isto é, instrumento de pena de morte “pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13:4b), ele não se torna injusto ao negar-se executar a pena capital sobre os que a merecem?
3. Se existisse a aplicação da pena de morte em nosso sistema penal seria possível que houvesse menos grupos de extermínios, execução por parte da polícia, vinganças entre famílias e outros efeitos colaterais causados pela omissão e impunidade?


NOTAS:
[1] Catecismo Maior de Westminster pergunta/resposta 136.
[2] Hans Ulrich Reifler, A ética dos dez mandamentos (São Paulo, Edições Vida Nova, 1992), p. 116.
[3] D.W. Van Ness, “pena capital” in: David J. Atkinson, org., Diccionario de Ética Cristiana y Teologia Pastoral (Barcelona, CLIE, 2004), pp. 894-896.
[4] Gordon H. Clark, “pena de morte” in: Carl F.H. Henry, org., Dicionário de ética cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007), p. 441.

22 dezembro 2010

Reconstrucionismo Cristão

Escrito por J.G. Child

Este movimento pretende em essência, submeter todas as áreas da vida ao senhorio de Cristo.[1] Deve a sua origem a Rousas John Roshdoony (1916-2001), um teólogo americano, cujo livro The Institutes of Biblical Law (1973) promoveu o movimento. Outros importantes pensadores desta tendência são Greg Bahnsen (1949-1995), sobretudo Gary North (1941- ).

O Reconstrucionismo Cristão reuniu algumas característcas teológicas essenciais:
1. A soberania de Deus (na perspectiva do Calvinismo);
2. A importância teológica e sociológica do pacto;
3. A aplicação da lei bíblica à sociedade moderna (Teonomia);
4. A Apologética Pressuposicionalista de Cornelius Van Til (1895-1987);
5. E, o triunfo da causa de Cristo no mundo (Pós-milenismo).

Este movimento está influenciando nos círculos teológicos e politicamente conservadores, se bem que com certa controvérsia. Os críticos têm se concentrado nas questões da Teonomia e o Pós-milenismo. As leis que Deus deu a Israel poderiam ter vigência para as nações que não mantém uma relação de pacto com Deus? Poderiam todas as leis pertencentes ao pacto mosaico sobreviver a sua abolição? Que implicação tem o cumprimento que Cristo fez da lei (Mt 5:17) em sua aplicação contemporânea? As respostas a estas perguntas não foram plenamente satisfatórias e continua necessário um entendimento mais preciso da lei bíblica.

Escatologicamente, a bem vinda ênfase sobre a vitória e o domínio necessita incorporar uma apreciação maior do sofrimento e da debilidade da igreja para ser plenamente bíblico.

Ao forçar que os cristãos aprendam a contribuição que faz o AT para a ética cristão e à justiça social, e ao oferecer refletidas soluções bíblicas aos problemas do mundo moderno, os reconstrucionistas estão enriquecendo a igreja.

Obras de referência:[2]
1. R.J. Rushdoony, The Institutes of Biblical Law (1973).
2. G.L. Banhsen, Theonomy in Christian Ethics (1984).
3. W.S. Barker & W.R. Godfrey, eds., Theonomy: A Reformed Critique (1990).
4. Gary North & D. De Mar, Christian Reconstruction: What it is, what it isn’t (1991).

NOTAS:
[1] O tradutor apesar de perceber aspectos positivos nesta proposta teológica ele não a subscreve.
[2] Para literatura reconstrucionista cristã em português acesse o site Monergismo .

Extraído de David J. Atkinson, ed., Diccionario Ética Cristiana y Teología Pastoral (Editorial CLIE & Publicaciones Andamío, 2004), pág. 832.

Tradução livre:
Rev. Ewerton B. Tokashiki