Não obstante todas as efervescências contemporâneas, deixar que o tempo seja tão-só o balanço bom entre aquilo que tiver de ser e aquilo que quisermos fazer dele. É isso. E não é tão fácil como devia ser. É preciso mesmo ganhar distância. Desaparecer dos caminhos habituais. Existir (quase) sem deixar lastro. E isto: um instante ser só aquilo que é naquele instante. Não lhe pedir mais nada que não o oxigénio suficiente para o viver.
Num dos dias primeiros deste ano a começar, a vontade de uma coisa simples: pegar numa sandes, numa garrafa de limonada, no livro que estava a ler na altura e ir almoçar à serra. Querer fazer uma coisa e perceber que pode ser feita. Que o momento certo é aquele e não outro. Sem planos nem ponderações. A liberdade e a beleza das pequenas coisas. Mesmo que a esta distância e depois de já ter ouvido longos e criativos relatos a propósito de todas as coisas más que podiam ter-me acontecido, me aperceba (um bocadinho:) da imprudência de ir conduzir em estradas que dão vertigens, sem dizer nada a ninguém. Mas foi ainda mais bonito também por isso mesmo: estar tão a sós. Só com o silêncio atravessado pelos ventos daquelas montanhas. Com o sol que foi o sol irrepetível daquele dia. Mais as nuvens soltas, fragmentadas no azul. E ir sem ir em busca de outra coisa que não isso de almoçar sozinha num sítio muito lá em cima. E depois disso, seguir caminho. Ainda que (muito) sinuoso e a dar para abismos que alteram o respirar e a cadência interior que pulsa dentro.
Cá em baixo, na vida de todos os dias, adorar chegar a casa e todos os pequenos gestos que isso significa. Saber que há comida de verdade para fazer, com aquele tempero terno, de quem sabe que haja as ondas que houver, aquele tempero será sempre um lugar a que se regressa. Nas imagens, o meu frango com mostarda e ervilhas, numa versão que experimentei há uns dias e que terei de fazer mais algumas vezes, antes de deixar aqui a receita. E este crumble. E a salada fria desta estação. O verde a frio destes dias é o verde dos agriões. Salpicados com nozes e com lascas de Parmesão. No final, o meu vinagrete infalível de mel e de mostarda. E amar cada uma destas coisas como uma estrada a começar. Há uns dias coincidi com este fragmento de um poema de Mário Cesariny e não o entendi logo. Parei a ler. Guardei. Mas não fiquei logo com o sentido. A poesia diz-nos tudo o que de importante há a saber sobre o mundo, mas não é compêndio que se consulte ou página que se pesquise em busca de respostas. A maior parte das vezes, acontece-nos. Temos a graça de ela nos acontecer. Podemos é às vezes não dar conta da dádiva. Mas está lá tudo o que importa. E a esse propósito, esta página que é, para mim, uma das páginas mais bonitas. Adoro o carácter fragmentário. De as palavras acontecerem como se não fossem nada. Poesia sem aquela gravitas bafienta e pedagógica. Poesia sublinhada nos livros. Poesia na rua, fotografada por quem passa. E nesta minha página, a poesia de T.S. Eliot. Numa edição que faz as coisas como deve ser e é bilingue. Na medida do possível, a poesia deve ser lida no original, sabendo antecipadamente que há dimensões a que não conseguiremos aceder e pronto. Mas a poesia da poesia está também nisso, creio.
Com a poesia, duas narrativas. Esta, de Javier Marías. E aquilo que sinto sempre, é que não se trata bem da história em si. Não é isso, embora as narrativas sejam sempre de prender. O ponto está na maneira como ele descreve os estados, as passagens, as evoluções e as circunstâncias das personagens. Como me acontece com outros escritores, estive sempre entre a pulsão de ler com a urgência de chegar à última página e a vontade de ser parcimoniosa e de me administrar o número suficiente de páginas, para não chegar logo ao fim. E este livro, de John Banville. Uma espécie de sequência assumida do Retrato de uma senhora, de Henry James e que eu terminei com a sensação áspera da desilusão. Nada daquilo que eu adoro na escrita de John Banville está ali. Pareceu-me o tipo de livro que um escritor escreveu para calar urgências editoriais, para cumprir uma obrigação qualquer, para constar. Não sei muito bem. Mas sei que acompanhar a Isabel Osmond nas suas viagens erráticas e nas suas hesitações e ingenuidades, não foi particularmente interessante. Mas cheguei à última página, para não ficar a pensar que devia ter continuado. A parte boa é que fiquei com vontade de reler o Retrato de uma senhora. Não se perde tudo. Não deixo aqui livros (ou seja o que for) de que não gostei, mas creio que também faz sentido este exercício. E, no limite, a experiência individual das coisas é o que é. Vale o que vale. Deixo ao critério, então. Enquanto não leio o novo livro de Michel Houellebecq, esta revista que lhe é completamente dedicada e que é do género de se ler e de se guardar como a um livro.
E ficar (muito) feliz por haver mimosas outra vez. Ou por ir apanhar laranjas e limões e o perfume que fica nas mãos ser uma espécie de poema. E por escrever. Todos os dias. E pelo tanto que não é de dizer por ser de viver.
A música é para o meu filho. Que sabe porquê.
Cá em baixo, na vida de todos os dias, adorar chegar a casa e todos os pequenos gestos que isso significa. Saber que há comida de verdade para fazer, com aquele tempero terno, de quem sabe que haja as ondas que houver, aquele tempero será sempre um lugar a que se regressa. Nas imagens, o meu frango com mostarda e ervilhas, numa versão que experimentei há uns dias e que terei de fazer mais algumas vezes, antes de deixar aqui a receita. E este crumble. E a salada fria desta estação. O verde a frio destes dias é o verde dos agriões. Salpicados com nozes e com lascas de Parmesão. No final, o meu vinagrete infalível de mel e de mostarda. E amar cada uma destas coisas como uma estrada a começar. Há uns dias coincidi com este fragmento de um poema de Mário Cesariny e não o entendi logo. Parei a ler. Guardei. Mas não fiquei logo com o sentido. A poesia diz-nos tudo o que de importante há a saber sobre o mundo, mas não é compêndio que se consulte ou página que se pesquise em busca de respostas. A maior parte das vezes, acontece-nos. Temos a graça de ela nos acontecer. Podemos é às vezes não dar conta da dádiva. Mas está lá tudo o que importa. E a esse propósito, esta página que é, para mim, uma das páginas mais bonitas. Adoro o carácter fragmentário. De as palavras acontecerem como se não fossem nada. Poesia sem aquela gravitas bafienta e pedagógica. Poesia sublinhada nos livros. Poesia na rua, fotografada por quem passa. E nesta minha página, a poesia de T.S. Eliot. Numa edição que faz as coisas como deve ser e é bilingue. Na medida do possível, a poesia deve ser lida no original, sabendo antecipadamente que há dimensões a que não conseguiremos aceder e pronto. Mas a poesia da poesia está também nisso, creio.
Com a poesia, duas narrativas. Esta, de Javier Marías. E aquilo que sinto sempre, é que não se trata bem da história em si. Não é isso, embora as narrativas sejam sempre de prender. O ponto está na maneira como ele descreve os estados, as passagens, as evoluções e as circunstâncias das personagens. Como me acontece com outros escritores, estive sempre entre a pulsão de ler com a urgência de chegar à última página e a vontade de ser parcimoniosa e de me administrar o número suficiente de páginas, para não chegar logo ao fim. E este livro, de John Banville. Uma espécie de sequência assumida do Retrato de uma senhora, de Henry James e que eu terminei com a sensação áspera da desilusão. Nada daquilo que eu adoro na escrita de John Banville está ali. Pareceu-me o tipo de livro que um escritor escreveu para calar urgências editoriais, para cumprir uma obrigação qualquer, para constar. Não sei muito bem. Mas sei que acompanhar a Isabel Osmond nas suas viagens erráticas e nas suas hesitações e ingenuidades, não foi particularmente interessante. Mas cheguei à última página, para não ficar a pensar que devia ter continuado. A parte boa é que fiquei com vontade de reler o Retrato de uma senhora. Não se perde tudo. Não deixo aqui livros (ou seja o que for) de que não gostei, mas creio que também faz sentido este exercício. E, no limite, a experiência individual das coisas é o que é. Vale o que vale. Deixo ao critério, então. Enquanto não leio o novo livro de Michel Houellebecq, esta revista que lhe é completamente dedicada e que é do género de se ler e de se guardar como a um livro.
E ficar (muito) feliz por haver mimosas outra vez. Ou por ir apanhar laranjas e limões e o perfume que fica nas mãos ser uma espécie de poema. E por escrever. Todos os dias. E pelo tanto que não é de dizer por ser de viver.
A música é para o meu filho. Que sabe porquê.