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Agora sim.

















Agora sim. Aquela gradação de Dezembro. A espera. O caminho feito de luzes até ao final de mais um ano. É isso. São as luzes. São mais as luzes. Deve ser um traço infantil, mas sempre o encantamento, face às luzes que se vão disseminando como se fossem coordenadas brilhantes. Um mapa interior que brilha do lado de fora.
Dezembro começa sempre assim. Com luzes. Fazem sentido em todos os contextos da casa e significam um encantamento renovado a cada dia de Dezembro. Porque o primeiro gesto, mal cai o dia, é acender as luzes pequenas e isso ser um percurso silencioso e quotidiano. As luzes lá de fora, à entrada da casa. As luzes nas estantes com coisas misturadas. As luzes derramadas sobre os livros. As luzes no verde-natal que fui buscar ao jardim. Não é preciso muito. Só luz. Tudo o mais surge à luz das luzes. O lume aceso, a mesa para o jantar, vinho tinto e aquela magia da comida. Os contrastes das texturas e das cores e a alegria só por isso, enquanto a comida acontece às minhas mãos.
Neste início de Dezembro, como todos os anos, deixo as luzes. E uma receita que é uma entrada deliciosa e leve, temperada com um vinagrete cor de mel que faz com que tudo seja ainda mais especial. E esta revista. E este livro com lugares cheios de poesia. E dois livros que tinha deixado em suspenso há anos. Durante umas semanas, resolvi acertar contas com livros que ficaram a meio. Estes foram dois desses livros. Da Iris Murdoch que eu adoro desde as minhas aulas de Literatura Inglesa, ainda por cima. Às vezes é assim. Uma escrita sem género, difícil (ou impossível) de mapear. Eu devia saber. Nos livros dela, andamos às aranhas nas primeiras páginas, mas depois, somos apanhados numa teia. Tão bom chegar ao final de um livro. Tão bom chegar ao final de um livro que se tinha deixado em suspenso sem se saber bem porquê. Ficam aqui estes dois, no mês último deste ano. Mesmo a tempo de mais um advento. Vivido com a expectativa que se prepara para a alegria de mais um (re)começo.
Como a luz não precisa das minhas palavras para nada, só a receita e uma música.

Salada de queijo fresco com nozes, passas e vinagrete cor de mel
NB: Esta salada fica maravilhosa servida com uma outra de rúcula selvagem e de tomate de rama, também temperada com o vinagrete da receita.

2 queijos frescos + 8 nozes + um punhado de passas + 3 colheres (de sopa) de azeite + 1 colher (de sopa) de vinagre + 1 colher (de sopa) de mel + 1 colher (de sobremesa de mostarda) + flor de sal q.b.

Primeiro, o vinagrete: numa taça pequena, a flor de sal, o azeite, o vinagre, o mel e a mostarda muito bem mexidos, até que fique meio cremoso. Reserva-se. A seguir, parte-se os queijos frescos às fatias e divide-se essas fatias ao meio, para que fique mais delicado. Espalha-se no fundo de uma taça. Por cima, as nozes previamente partidas com uma faca (é importante que não sejam picadas ao ponto de se transformarem em pó). Depois as passas e, quando toda a gente estiver sentada à mesa, a magia linda do vinagrete cor de mel, a ser derramado sobre a salada:)

A música é esta. Pro procastinator, You can't win, Charlie Brown.


Casa Modesta _ Quatrim do Sul.






























Quando pensamos em ir a um sítio, antecipamos. É inevitável antecipar, naquele gesto primeiro de reservarmos tempo num sítio. Mas essa antecipação nunca é o que será vivido. Umas vezes porque antecipação nenhuma salva. Outra vezes porque antecipação nenhuma consegue ser tão bonita quanto a realidade. Com a Casa Modesta aconteceu da segunda maneira. Li este texto. E mais este. Vi as imagens. Encantei-me com a arquitectura. E com o nome, antes das palavras e das imagens. Mas em momento nenhum consegui antecipar as coisas maravilhosas que vivi na Casa Modesta. Porque nada substitui ou antecipa a vida. E essa é uma das (muitas) verdades sagradas que vamos levando connosco para onde formos.
A arquitectura é uma arte que respira. Porque é uma arte de tocar, de viver. Pelo meio de tudo o que se declina consoante as vidas que a habitam, a poesia contemplativa que pode pressupor. As edificações e tudo o que dizem sem dizer. Este sítio em Quatrim do Sul diz muito e não faz barulho nenhum. A casa fala connosco. Acolhe-nos silenciosamente como se nos conhecesse de há muito e a ela regressássemos muitas e muitas vezes. Assim como se fosse uma figura materna, a casa. Faz sentido que tenha o nome da matriarca da família e que por isso mesmo seja Casa Modesta. Faz mesmo muito sentido que assim seja, porque uma parte da poesia começa depois de dizermos estas duas palavras tão essenciais: Casa Modesta. Como é que uma casa pode ter um nome tão bonito e isso não ser uma coisa de livro ou de filme? Como é que uma casa pode ter uma arquitectura tão sensata e tão parte do sítio onde está? São possíveis as duas coisas, neste lugar especial. Entre muitas coisas que eu não consigo dizer bem, esta casa tem esses dois traços irrepetíveis. Um nome e uma alma. 
No tal momento de antecipar aquilo que viveria ali, não consegui prever aquele horizonte limpo para a Ria Formosa. Nem aquele silêncio verde-seco, só atravessado por umas braçadas mais vigorosas na piscina ou pelas vozes tranquilas das pessoas que habitam a casa. Nem os céus cheios de estrelas que contemplei em silêncio, deitada num almofadão de palha e de trapos, na açoteia do quarto. Nem os pequenos-almoços deliciosos e generosos. Também não sabia das conversas que teria com uma mulher muito bonita, a arquitecta que desenhou este sítio, a partir da casa de família dos anos 40. Mas aquilo que eu não sonhei de todo foi que faria comida na Casa Modesta. Não isso. Por vezes, a vida ultrapassa aquilo que em nós sonha.
A meio de uma das conversas com a Vânia, a excepção muito grata de poder fazer comida numa altura do ano em que isso não é hipótese. Ela leu-me bem, creio. Ligou à mãe para saber o que é que estava disponível no momento e a partir daí, começou a acontecer uma memória muito bonita. Fiquei feliz como eu fico e que é assim como se fosse criança e preparei um gin tónico para o homem alto, com as costas largas de quem nada muito, que até quando está na água lê e sublinha. Depois disso, desapareci, que tinha uns assuntos muito importantes a tratar na cozinha da casa:) Na bancada, um pato generoso, criado ali perto pelo pai da Vânia, o marido da mulher que deu nome à casa. Foi feito com o tempo e com o respeito que merecia e com a ajuda atenta da mulher que é uma parte significativa da alma daquele sítio, a Guida. Ela acolheu-me e esteve perto de mim o tempo todo. Enquanto desfiava o pato previamente cozido num caldo de laranjas e de funcho colhidos ali mesmo. Enquanto fazia o arroz dourado de frutos secos e cortava as amêndoas e os figos e salteava aqueles pedaços de carne densa e escura como eu nunca tinha visto. Aprendi com ela muitas coisas silenciosas que a comida sempre ensina. Entre elas, a receita que será a receita que ficará com o texto e com as imagens da Casa Modesta, a da salada verde-lima-mel que ela fez. O facto de não publicar receitas que não tenha feito (pelo menos) três vezes impede-me de deixar aqui a receita do pato delicioso que fiz neste sul tão especial. A seu tempo, sim. Tudo tem um tempo certo para acontecer. Neste caso, precisarei de reproduzir aquela comida e de ir apontando as coisas, porque fiz tudo de coração, a medir os temperos por ir provando e por ir pedindo coisas à Guida, ao ritmo do que a comida e o fogo pediam. Quando tudo estava pronto, ela pôs a mesa, o homem da Vânia foi à adega buscar um vinho do Algarve e a Dona Modesta tinha feito um doce ligeiramente cítrico e com a densidade boa dos doces do sul. Depois, o jantar. Depois, a graça de chuva numa noite quente de Agosto. Não consigo dizer o cheiro da terra, nesse momento. E não é coisa que se consiga dizer, parece-me. 
O inesquecível é uma arquitectura muito particular e, quanto mais improvável ou imprevisível for, melhor. A única coisa que realmente possuímos é a memória. Tudo bem que isso cessa mal morremos. Hemingway dizia que ele sabia uma coisa que os animais que ele caçava não sabiam. E essa coisa era esta: tudo morre. E é por aí. A noção libertadora que vem, quando olhamos a nossa finitude nos olhos, não desviamos o olhar e fazemos a melhor coisa que podemos fazer: vivermos com tudo, por inteiro. É disso que se trata, na Casa Modesta. De viver de acordo com uma lógica muito solar, que se orienta pela cadência das estações do ano, por aquilo que a terra próxima dá. As minhas memórias deste lugar são maravilhosas. E não são estáticas ou uma coisa anterior e que fica arrumada. São vividas, tal como a arquitectura da casa. A começar por isto: o mel e a lima nas minhas saladas verdes serão sempre a memória da Casa Modesta e das pessoas que a habitam. 
Antes de acabar este capítulo, mais uma coisa que me parece fazer todo o sentido. Há uns meses largos, soube-se que os senhores das petrolíferas se lembraram de ir brincar às prospecções no Algarve. Como sempre, esta gente está muito à frente. E então, quando as economias que têm por base o petróleo estão a afundar-se vertiginosamente, estes senhores que fazem muitos gráficos e muitas previsões que nunca acertam e que só lhes garantem remunerações e prémios de gestão que premeiam a incompetência, acharam que era uma boa irem para o Algarve. Eu disse que esta gente das gestões era muito à frente, não disse? Tão à frente que estão a ficar para trás e não percebem (ou não querem perceber) que o petróleo do Algarve não é aquele que eles pensam e que o futuro não é negro-petróleo. O futuro é verde e o verde não arrasa com o azul do mar. Deixo este texto da Sílvia, que foi através dela que assinei há uns meses a petição que diz que não, que o Algarve não precisa de plataformas petrolíferas. O link está lá, no texto que ela escreveu, mas eu deixo-o também aqui. À consideração. 

E agora, com a benção da Guida, a salada verde feita com as coisas que fomos buscar à horta da casa. 

Salada da Guida da Casa Modesta

As folhas das alfaces que quisermos + rúcula selvagem + figos frescos + raspa de uma lima + flor de sal + azeite + vinagre balsâmico + mel + grãos de pimenta rosa (moídos na hora) + sementes de sésamo + folhas inteiras de hortelã

Espalha-se as coisas verdes numa travessa ou num prato largo. À volta, os figos cortados em quartos. Salpica-se com pimenta rosa e com sementes de sésamo. Numa taça, a flor de sal, o azeite, o vinagre, o mel e a raspa da lima (deve usar-se um raspador fino). Mexe-se e reserva-se. Tempera-se a salada quando toda a gente estiver sentada à mesa. 

A música é esta. Nothing's gonna hurt you baby. Às vezes sentimos assim. Que nada nem ninguém. 


Obrigada, Julho. Por tudo.























Se a vida fosse uma auto-estrada e todos conduzíssemos carros com mudanças automáticas e com GPS, isto até que seria fácil. Eu acho que a vida é mais como uma estrada de montanha, numa analogia roadster. E tudo bem, até porque quem gosta de conduzir, sabe que é assim que se sente melhor o caminho: numa estrada de montanha, sem mudanças automáticas e sem coordenadas dos satélites que parecem monitorizar os nossos caminhos, lá do alto infinito. Aceitamos cada bifurcação como exercício de escolha, sabemos que nuns momentos não vai custar nada, que o caminho se fará por si e que em outros momentos vai ser bem difícil. Tanto, que duvidaremos se valerá a pena fazer a tal estrada. Serão muitas as circunstâncias em que pensaremos que a auto-estrada era bem mais fácil, se teremos tomado a melhor decisão. Nessa estrada, teremos de parar para descansar e muitas vezes sem saber se estaremos a deter-nos no melhor sítio. Hesitaremos outra vez, muito provavelmente. Faz parte de escolher caminhos pouco percorridos. Convém aceitar como fazendo parte e ir seguindo. A parte melhor do caminho não é chegar. É o caminho em si. Não preciso de muitos mais anos de vida para integrar isto. Está aqui. E sou grata por tudo o que fez com que chegasse tão cedo a esta conclusão. Todas as coisas gratas e todas as que são para deixar ir. Dizem que só lá no final, no final do caminho todo. A mim, aconteceu-me um bocadinho antes.
O meu Julho foi como são as estradas de montanha. E, olhando para trás, agora que o bebi até à última gota, agradeço cada dia. Mesmo os dias íngremes, em que olhava lá para baixo, para o abismo. Mas mantive-me na minha estrada, a seguir caminho. É tempo de agradecer, quando as coisas chegam ao fim. Agradeço o caminho de sexta-feira até ao mar da Costa Nova e o sonho íntimo que é cada grão daquela areia. E as cebolas novas, doces como maçãs, que transformo numa salada que é este mês servido num prato generoso e salpicado pelo rosa das beterrabas. Julho é tempo de colheita. Fala-se muito no Outono, mas Julho também é tempo de ir buscar à terra a esperança que se semeou meses antes. Julho é o sabor das vagens de feijão verde, das cebolas e das cenouras e das batatas. Julho não seria o mesmo sem a salada russa que me faz ser criança outra vez, pela mão da minha mãe, a escolher o feijão verde com cuidado e com as minhas mãos pequenas. Como em todos os meses, os ovos que me aparecem aqui. Sacos pendurados na porta sem que eu saiba de quem vieram ou cestos e abraços carinhosos que sei de cor. Sei que gostas, que ficas feliz. Sim. Muito. Tanto como fiquei num dia de trabalho, com um bolo-coração vermelho a dizer Parabéns, Mar. O meu dia de aniversário já não era aquele, mas as minhas pessoas de todos os dias não se importaram e acharam que eu devia ter um bolo da forma do coração que tenho tatuado na pele, que a minha vida devia ser celebrada, mesmo que fora do dia. Obrigada por isso. Muito. E pelas framboesas que a doce Célia, a pessoa que me ajuda em casa, me deixou de presente. E pela tranquilidade da minha gata, a Salomé. Dizem que os gatos fazem bem às pessoas, que ficam com as coisas más e tristes e que as catalizam. Um ponto de vista um bocadinho místico, mas em que gosto de pensar. E pelo pão de todos os dias. E por mais um vinho maravilhoso. Pela luz dos finais de tarde. Pelo pedaço de estrada por onde gosto tanto de passar, mesmo que seja uma coisa de todos os dias. Pela arte da Margarida Fleming. Pelas cerejas que ainda houve. Pela ligeireza das minhas roupas das festas de Julho. E por tudo. 
Este Julho foi também tempo de voltar a um livro que tinha deixado em suspenso. De vez em quando acontece-me. Entre os livros que ainda me faltam e os livros que deixei interrompidos, tanto para ler. Este livro estava na página onde o deixei há cinco anos. Olhava-o sempre como algo inacabado, amputado. Não era esse o tempo de o ler. Foi este. Tão bom, o Somerset Maugham. A vida como o pó que é. Nós e cada uma das nossas conquistas. Nós e cada uma das nossas derrotas. Nós e cada uma das nossas angústias e exaltações. Tudo pó. Tudo sem sentido. Guardei passagens em papéis breves, sublinhei, parei e voltei atrás, li alto para ouvir mesmo como é que um livro pode mudar-nos a vida. E Julho passou. Julho foi até ontem. E foi lindo. Obrigada, doce Julho.

A receita é uma limonada que se faz como um mojito ou como uma caipirinha. Macerada e fresca e Verão de beber. Foi inspirada na que bebi nesta livraria em Madrid. Pedi para que a fizessem à minha frente, para a fazer no regresso a casa. Fica aqui então, tal como a aprendi.

Limonada deliciosa como só no Verão

6 limões + 2 limas + folhas de hortelã + água e açúcar e gelo a gosto

Primeiro, o sumo de quatro limões. A seguir, verte-se o sumo para a jarra onde se vai servir, dois limões e duas limas cortados em pedaços grosseiros, com o açúcar que for da nossa vontade, esmagados com uma colher de pau. Deixa-se macerar uns minutos e acrescenta-se a água, a hortelã e cubos de gelo. 

A música é esta, com um vídeo lindo, que é só uma estrada a ser feita e por isso é que pertence a este post. 


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