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Advento.


























A palavra "advento" vem de outra palavra anterior, da palavra "adventus", que significa "chegada". E significa também este tempo que precede. O caminho até. Como acontece com todas as palavras, podemos sempre dar-lhe um sentido íntimo, profundamente individual. A mim, a palavra advento faz-me sempre pensar em como é importante, o caminho. Saber que, como em todos os caminhos, não sabemos bem o que nos espera, o que nos cansará e fará ter vontade de parar, se teremos de escolher um sentido, numa bifurcação qualquer. Preparamo-nos, então. Fazemos a primeira coisa que um caminhante deve fazer, que é libertar-se de pesos, reduzir ao essencial o que segue caminho consigo. E esperar pelo melhor, mesmo que às vezes seja só difícil e nos sintamos perdidos, sem bússola ou norte que nos salve. É aí que pode acontecer a graça de uma luz. E é nesses momentos de escuridão profunda que ela é mais bonita.   
O dia um. O dia primeiro do advento. O dia de fazer a árvore. O dia de ir ao jardim buscar ramos verdes e de ficar com as mãos a cheirar a pinho. Aquela enumeração que nunca deixa de me encantar. A coroa grande à entrada de casa. O centro da mesa que vou reformulando a cada jantar deste tempo que começa. Até ao jantar do Solstício de Inverno, até à noite de Natal. Já deixei um registo mais imediato aqui, logo no dia. Mas nestas páginas, fica a cronologia inteira. O dia um é também o dia do jantar da árvore, que é o jantar que celebra sempre o início do último mês de mais um ano. Uma e outra vez assim. E isso nunca perder densidade, sentido. A mesa amplia-se ainda mais e as coisas que sempre acontecem, voltam a acontecer. Pelo meio, luz quente pela casa toda. 
E os livros. Andei longe outra vez e a viver um tempo de silêncio necessário, por isso terei de deixar mais do que um livro em cada post. Hoje, dois livros últimos de Tolstói. Ressurreição e Os últimos escritos. E há muitas, muitas coisas a dizer e a escrever sobre estes dois livros. Sei que conseguiria escrever páginas e páginas sobre eles. Mas vou ficar-me por dizer que sinto sempre o mesmo paradoxo, quando leio Tolstói: quero chegar ao fim, mas não quero chegar ao fim. Poupo as páginas, para demorar mais. Sinto saudades das personagens e o processo de passar para outro livro é um processo que obedece a uma série de cuidados. Tolstói é uma categoria à parte.  
E na mesma página da luz deste advento e de dois livros de Tolstói, esta receita. Os campos estão cheios de nabiças, por esta altura. Podem ser só cozidas e servidas com um fio de azeite, mas transformá-las num esparregado é tão melhor. E a cada dia, pequenas surpresas, coisas de estações a cruzar-se. Ainda haver tomate em Novembro. E receber de presente espécies de cogumelos com nomes que eu nem sei, mas que foram servidos num daqueles jantares marcados de impulso, a seu pretexto, de um momento para o outro. Dia de semana e tudo o mais, mas também é tão bonito assim. Acordarmos num dia qualquer e não sabermos que vamos acabar esse tal dia qualquer a uma mesa que tarda em desfazer-se. 

Esparregado de nabiças

1 molho (grande) de nabiças + 3 dentes de alho + 2 colheres de farinha + azeite, sal, vinagre, leite e noz moscada q.b. 

Coloca-se água num tacho, com um pouco de sal e deixa-se ferver. Junta-se as nabiças, depois de lavadas e deixa-se cozer durante uns dez minutos. Não mais, para que o verde não perca propriedades e beleza. Retira-se para um escorredor. No mesmo tacho em que as nabiças foram cozidas, um fio de azeite generoso e alhos picados. Só uns segundos, até que os alhos comecem a estalar ligeiramente. Retiram-se com uma escumadeira e reservam-se. Acrescenta-se as nabiças, a farinha e envolve-se bem. Depois o leite e volta-se a mexer. Entretanto, passa-se com uma varinha mágica. Depois, é só temperar a gosto. Sal, noz-moscada, vinagre e os alhos. Envolve-se bem, prova-se e serve-se. 

A música é dos Wolf Alice. Don't delete the kisses. 

Casa do Miradouro | Santar.































Há lugares onde a respiração das estações se sente mais. Lugares onde as estações não são uma coisa de calendário, uma imposição exterior. Tem que ver com a luz. Tem que ver com os aromas que se sentem à nossa volta. Tem que ver com rituais. Com os sons que são os sons de cada estação. Nos lugares onde nas vinhas vive a alma das pessoas que as cultivam, ainda mais. Santar é um desses lugares sagrados. Santar é um dos meus lugares sagrados. Quando nos sentimos habitar um lugar, é assim. Quando sentimos que um determinado lugar, para nós, nunca será só um lugar de passagem, é assim. 
E nos lugares, as pessoas. Em Santar, a minha amiga Xandi, nome pequenino para Alexandrina. Em Santar, uma casa onde me sinto em casa. A Casa do Miradouro. A casa cor-de-rosa da família da Xandi. Bem no coração da vila e com a alma muito bonita da minha amiga em cada pigmento rosa. A pessoa que cuida das memórias e das respirações da casa. A pessoa que transforma coisas que vêm da terra fértil e quente de Santar em coisas deliciosas que nos fazem sentir ligados àquele lugar. Um ciclo natural, nesses gestos ancestrais que a Xandi reproduz tão bem. As árvores dão os frutos. Ela dá o tempo e o açúcar e o amor. E tudo isso depois, frascos delicados onde as estações ficam guardadas. As estações de Santar preservadas pelas mãos carinhosas de uma mulher-guardiã. Estação após estação. As compotas, as geleias, os chutneys, as terrinas. Inesquecíveis, todos. Tudo feito ali, com matéria-prima e com métodos livres de conservantes artificiais. A maneira ancestral de fazer as coisas é sábia. Não precisa de artifícios e de químicos de laboratório, nem de rótulos indecifráveis. E a comida deliciosa da Xandi, à mesa da cozinha beirã da casa. O mármore rosa da mesa onde descansam as coisas vindas da terra que abraça a casa cor de rosa. Não sei dizer o que se sente, ao pegar nos pimentos de final de Verão e sentir-lhes o aroma. Também não sei dizer a leveza de ir à terra buscar ramas de tomate-cereja e trazer tudo com aquela urgência boa de fazer a tempo do jantar. No coração da casa. Na cozinha. Comer perto do fogão. Perto dos temperos. Abrir um dos vinhos portentosos do Dão e adorar cada segundo desse agora. E olhar para o fogão a lenha e querer muito que a chuva e que o frio venham sem se demorarem mais. Que as estações se cumpram em pleno, que aconteça tudo o que sempre acontece. Por ser Outono. Depois Inverno. Depois Primavera. Depois Verão. E tudo outra vez, num eterno retorno que nos faz perceber que mesmo que antecipemos a melodia de cada estação, nada é sempre igual. 
Deixar aqui um sítio significa sempre deixar um sítio onde fui/sou feliz. Não há outra lógica que não essa lógica de verdade. Santar é um desses sítios. A Casa do Miradouro é um desses sítios. Foi a primeira vez que escrevi aqui sobre Santar. Não será a última. Mas queria muito que o primeiro registo fosse este. Estava escrito há muito, creio. Com o sítio, esta receita. Com o tomate-cereja da quinta da casa cor-de-rosa. No espírito da casa, da alma do lugar. Tinha de ser esta a receita. Também isso estava escrito. 

Tomate-cereja em rama assado 
NB: O facto de dizer "em rama" não é um detalhe nem mania. Há uma diferença considerável no sabor, pelo facto de o tomate se conservar com a rama. Sente-se isso, no que colhemos directamente da terra. Sente-se isso também no de compra. 

Tomate-cereja em rama + dentes de alho (esmagados, com um pouco da casca) + flor de sal + orégãos secos + azeite 

Coloca-se as hastes de tomate numa assadeira, depois os alhos esmagados, depois a flor de sal, depois o azeite, depois os orégãos. Leva-se ao forno a 180ºC, durante cerca de 10 minutos. Leva-se assim à mesa e coloca-se as hastes nos pratos, a acompanhar o que quisermos. Fica lindo e delicioso. Na altura de comer, basta pressionar um bocadinho, a casca liberta a polpa e é uma espécie de magia. Na sequência, pode e deve usar-se para outros fins o azeite aromático que ficar na assadeira. 

A música é esta. Vai bem com o caminho até Santar. Um caminho bem lindo, a atravessar as vinhas do Dão. 

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