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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Os Pioneiros - Capitulo 48, Targa Flório e o Grande Prémio de França

(continuação do capitulo anterior)


TARGA FLÓRIO DE 1914: CEIRANO É O MELHOR


Enquanto que na América as corridas de estrada lutavam contra a imparável ascensão dos circuitos ovais de madeira, na Europa, com o regresso das equipas ao automobilismo, as corridas começam a ter um aumento exponencial dos pilotos inscritos. e a prova disso era a Targa Flório. apesar da mistura entre as Voiturettes e os Carros Pesados, a lista de inscritos é enorme: 36 carros, a esmagadora maioria deles italianos.

Mas apesar de haver essas 36 inscrições, apenas 13 estarão presentes à partida: os SCAT de Ernesto Ceirano e do sr. Colombo; os Nazzaro do próprio Felice Nazarro, de Mário Cortese e do sr. Lucca; os Alfa de Eraldo Fracassi, Giuseppe Campari e Nino Franchini; os De Vecchi de Mariano di Gloria e um jovem chamado Ugo Sivocchi; os Fiat de Antonio Trombetta e Luigi Lopez e o Diatto do sr. Rigoletti.

Como em 1913, a corrida iria ser uma volta inteira à volta da Sicilia, e a 31 de maio, um dia depois de, no outro lado do Atlântico, se terem realizado as 500 Milhas de Indianápolis, começava uma corrida exaustiva para máquinas e pilotos. Felice Nazzaro era o favorito, mas uma quebra na transmissão o viu obrigado a abandonar a competição.

isso foi a ocasião ideal para que Ernesto Ceirano, no seu SCAT, acelerasse para a vitória, conseguindo fazer a volta da ilha em 16 horas (!), com um avanço de quase duas horas sobre o De Vecchi de Mariano di Gloria e três horas sobre o Fiat de Luigi Lopez, numa prova onde oito carros chegaram até ao fim.


GRANDE PRÉMIO DE FRANÇA E AS FORÇAS EM PRESENÇA 


Enquanto que acontecem algumas destas corridas, todos se preparam para a grande corrida dessa temporada, que era o Grande Prémio de França. Com o sucesso da corrida em Dieppe, nos dois anos anteriores, dezenas de cidades queriam acolher a corrida, e após cuidada deliberação, escolheu a cidade de Lyon, que tinha prometido, em caso de acolhimento, mais de dez mil libras em ouro em subsidios. Com a cidade escolhida, o circuito foi delineado nas estradas nos arredores da cidade, e a data marcada para o dia 4 de julho.

O ACF acolheu 36 inscrições de equipas francesas e estrangeiras. Dos franceses, a grande destaque era a Peugeot, a campeã, que ia correr com Georges Boillot, Jules Goux e Victor Rigal, acompanhada por outras duas marcas, a Delage (que tinha Albert Guyot e Paul Bablot, bem como o belga Arthur Duray) e a Alda, com Ferenc Szisz, Maurice Taubeteau e Petro Bordino. A Fiat tinha três carros, para os italianos Alessandro Cagno e Antonio Fangnano, bem como o inglês John Scales. Outra italiana, a Nazzaro, tinha Jean Poporato e Felice Nazzaro, enquanto que a inglesa Sunbeam colocava três carros, para Kelheim Lee Guiness, Jean Chassaigne e o americano Ralph De Palma. Outra marca inglesa, a Vauxhall, tinha dois carros, para W. Watson e John Hancock.

A Alemanha representava-se pela Opel, que tinha Franz Breckheimer, Carl Jörns e Emile Erndtmann, mas o maior perigo vinha da Mercedes. De regresso à competição, depois de alguns anos ausentes, decidiram que iriam investir tudo nesta corrida, no sentido de repetir o feito de 1908. Inscreveram cinco carros, quatro oficiais, para os alemães Max Sailer, Christian Lautenschlager e Otto Salzer, bem como o francês Louis Wagner, e um não oficial para o belga Theodore Pilette, que era o representante da marca no seu país.

Os carros eram montados em Estugarda e enquanto eram construídos, durante a Primavera, decidiram visitar o local da corrida e estudar em detalhe o circuito. Montaram o seu quartel-general na cidade e usaram profusamente os dois dias de treinos para afinar a melhor estratégia possível. Tinham até uma arma secreta: os novos pneus Continental, que eram bem mais resistentes do que os da concorrência, especialmente os Peugeot, que tinham pneus Dunlop. Chegou-se até a noticiar que a Mercedes colocou este aviso na ordem do dia: “Por razões de propaganda, a Mercedes decidiu ganhar este ano o Grande Prémio”. Para a marca alemã, a vitória em terras francesas era fundamental, especialmente contra os Peugeot dominantes.


A PRIMEIRA BATALHA DE UMA FUTURA GUERRA EUROPEIA


Como já foi dito, o “Grand Prix de France” estava marcado para o dia 4 de Julho. Contudo, poucos dias antes, a 28 de Junho, a politica entra em cena: o Arquiduque herdeiro da Áustria, Francisco Fernando, é morto na cidade de Sarajevo pelo anarquista sérvio Gavrilo Princip. A partir de então, a crise instala-se na Europa e todos sabiam que caso o sistema de alianças então vigente entrasse em vigor, milhões de pessoas pegariam em armas numa questão de dias… Agora, já não era mais uma corrida, mas sim a primeira batalha de uma futura guerra europeia.

Na alvorada do dia da corrida, já mais de 300 mil espectadores espalhavam-se ao longo do circuito, esperando pela partida, que se iria verificar às oito da manhã. Os carros iriam partir de dois lado a lado, com intervalos de 30 segundos. O primeiro carro a passar foi o Peugeot de Boillot, mas quando se somaram os tempos, verificou-se que o líder era… o Mercedes de Max Sailer, com 18 segundos de avanço. A táctica da Mercedes era simples: iriam lançar um dos seus carros para a frente, levando-o ao limite das suas capacidades, como um “isco” para que os Peugeot pudessem morder, já que ali, com a fama que tinham, iriam correr com o orgulho nacional presente. E eles morderam!

Sailer imprimiu um ritmo alucinante durante cinco voltas, até que os rolamentos da cambota do seu carro griparam. Com isto, Jules Goux e Georges Boillot ficaram então na frente, mas logo atrás de si tinham os outros Mercedes, de Lautenschlager e de Wagner, que andavam perto dos Peugeot, mas sem forçar muito o ritmo. Na sexta volta, era Boillot que estava na frente, mas o segundo, a menos de um minuto, era Lautenschlager, que já tinha passado Jules Goux. Otto Saltzer e Louis Wagner não estavam muito atrás, na quarta e quinta posições, respectivamente.

A partir dali, foi um duelo épico: nas onze voltas seguintes, Boillot tentou se distanciar de Lautenschlager, mas este não se descolava. Para piorar as coisas, sempre que se distanciava, isso fazia com que os pneus se desgastassem, obrigando-o a trocá-los. Boillot fez oito paragens, em contraste com uma única por parte de Lautenschlager. Na volta 18, a duas do fim, uma nova paragem fez com que perdesse o comando para o piloto alemão, e a partir dali, tentou fazer a recuperação da sua vida. Tinha que ser: a honra da França estava em jogo.


RECEBIDOS EM SILÊNCIO


Por essa altura, a Mercedes deu ordem para Lautenschlager no sentido de aumentar o ritmo, pois a diferença entre eles tinha caído para 23 segundos, no início da última volta, os últimos 36 quilómetros até à meta. Boillot, nessa altura, estava a levar o carro até ao limite, e para além dele. Toda a França estava de olhos postos nele, como a última esperança contra os alemães, pois todos queriam que os eventos de 1908 não se voltassem a repetir.

Mas tal não aconteceu: a 23 quilómetros da meta, uma das válvulas do motor Peugeot partiu-se e Boillot é obrigado a abandonar. Inconsolável, ele e os espectadores assistem ao triunfo total da Mercedes e de uma estratégia que resultou pleno: os carros alemães monopolizaram o pódio, com Lautenschlager como vencedor, Louis Wagner em segundo e Otto Salzer em terceiro. Jules Goux foi o melhor francês, e o melhor dos Peugeot, no quarto lugar, a nove minutos e meio.


Os vencedores foram recebidos com um silêncio gelado no pódio da corrida, e voltaram para Estugarda para serem recebidos como heróis. Vinte e quatro dias depois, o Império Austro-Húngaro declarava guerra à Sérvia e seis dias mais tarde, a 2 de Agosto, o sistema de alianças estava a funcionar em pleno, mobilizando dezenas de milhões de jovens para uma guerra que parecia ser curta. Na realidade, tinha acabado naquele momento uma era importante, que na vida das pessoas, quer no automobilismo, e enquanto uma geração inteira se matava nas trincheiras da Flandres, as corridas de automóveis ficaram suspensas na Europa até 1919.

(continua no capitulo seguinte) 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Os Pioneiros - Capitulo 45, Targa Florio e o Grande Prémio de 1913

(continuação do capitulo anterior)


AS CORRIDAS EUROPEIAS DE 1913


Enquanto que a Peugeot se preparava para ir a Indianápolis para tentar a sua sorte, na Europa, as corridas voltavam a ser o que era, com as marcas a reentrarem no automobilismo de competição. E prova disso era a lista de inscritos para a Targa Flório, que ocorreu entre 11 e 12 de maio, num circuito de 1050 quilómetros em volta à Sicilia, começando e acabando em Madoine: seis Fiat, o mais relevante aquele que era guiado por Giuseppe Giordano. Havia três Aquila Italiana, guiados por Norman Olsen, Giovani Marsaglia e Beria D'Argentina; dois SCAT, guiados por Ernesto Ceirano e Cyril Snipe; dois Isotta Fraschini, o Storero de Ferdinando Minoia; dois Lancias, um deles o de Pietro Bordino, o carro de Felice Nazzaro, o Minarva de Giovani Stabile, entre outros.

A corrida foi dura, como seria de esperar, mas a arte de Nazzaro, com o seu próprio carro, levou a melhor sobre o Aquila de Giovanni Marsaglia, com uma vantagem superior a hora e meia. Alberto Mariani, no seu De Vecchi, apareceu uma hora mais tarde do que Marsaglia, numa corrida onde acabaram doze dos 33 carros inscritos.

Com o Peugeot vitorioso de Goux de volta de Indianápolis, a equipa começou a preparar-se para a corrida mais importante do ano, que era o Grande Prémio de França. Marcada para o dia 12 de julho, a corrida iria ser disputada na cidade de Amiens, num circuito de 31,62 quilómetros, e do qual iriam ser cumpridas 29 voltas. O ACF decidiu fazer um novo regulamento baseado na formula de consumo, que teria de ser de 20 litros aos cem quilómetros, com um peso mínimo de 800 quilos. Logo, a Peugeot apareceu com um motor de 5,6 litros para os carros de Jules Goux, Georges Boillot e Paolo Zucarelli. 

Contra eles, tinham os Delage de Albert Guyot e Paul Bablot, os Sunbeam de Gustave Callois, Jean Chassagne e dos britânicos Kenelm Lee Guiness e Dario Resta. Do lado italiano, havia os Itala guiados por Felice Nazzaro e Albeto Moriondo.

Contudo, a poucas semanas da corrida, a 19 de junho, a tragédia bate à porta da Peugeot. Quando treinava para o Grande Prémio, Zucarelli estava a acelerar ao máximo quando uma carroça atravessou-se à sua frente. o embate foi inevitável e ele teve morte imediata. Tinha 26 anos. Enlutados, a Peugeot continuou a preparar-se para o Grande Prémio.

A corrida não ocorreu sem incidentes. Logo na primeira volta, o Itala de Moriondo capotou o seu carro, mas quer ele, quer o seu mecânico Giulio Foresti sairam ilesos. Juntos, viraram o carro, trocaram a roda quebrada, apertaram a coluna de direção e regressaram à corrida. Na frente, Boillot tinha atrás de si Goux e o Sunbeam de Chassagne. Mas logo a seguir, Boillot começou a apresentar problemas de ignição, abrandando e com a concorrência a aproximar-se. Quem aproveitou essa situação foi Albert Guyot, que passou para a liderança com o seu Delage.

Contudo, Boillot chegou às boxes e reparou o seu problema, voltando para a pista disposto a recuperar o comando da corrida. Graças a uma condução nos limites, Boillot voltou ao primeiro lugar, mas os problemas de ignição voltaram a afligir o piloto francês e volta a perder o comando para Guyot. Quando volta às boxes, descobre que o problema é um pouco mais grave: um tubo do radiador tinha ficado furado. Feita a troca, Boillot voltou ao ataque, disposto a apanhar Guyot.

Parecia que o piloto do Delage estava fora do seu alcance, mas na nova volta, um pneu do carro rebentou. Guyot desacelerou e o seu mecânico saltou fora do carro antes de este ter parado o seu carro por completo. As coisas correram mal e este foi atropelado, ficando debaixo do carro com as pernas partidas. Guyot tirou o piloto com cuidado e levou-o às boxes, para que fosse prestada assistência médica. Com isto, o grande beneficiado tinha sido Boillot, que sem mais problemas, levou o carro até à vitória final, com um avanço de dois minutos e 25 segundos sobre o seu companheiro de equipa, Jules Goux.

Boillot tinha assim conseguido algo inédito até então: repetir uma vitória no Grande Prémio de França e fê-lo de maneira consecutiva, e mais uma vez, o público coroou-o como o novo herói nacional, transportando-o em ombros.

No final do ano, mais uma vitória da Peugeot na Taça das Pequenas Viaturas, e de novo com Boillot, fazendo dobradinha com Goux. Era o grande ano da Peugeot e os seus feitos orgulhavam a França. Estavam no topo do mundo e para eles, eram imbatíveis, ninguém os conseguiria parar.

(continua no próximo episódio)

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O pioneiro do dia - Giosue Giuppone

Como muitos que apareceram na sua época, começou a carreira como ciclista, mas depois passou para as motos e para os automóveis. Foi um dos pilotos mais importantes da categoria das Pequenas Viaturas, e a sua carreira, embora curta, foi bastante vitoriosa. O seu fim prematuro, quando treinava para a Taça das Pequenas viaturas, em Boulogne, foi sentida e hoje em dia é recordada através de uma estátua no local do seu acidente mortal.

Nascido a 29 de setembro de 1878 em Agnona Sesia, perto de Turim, começou a correr em bicicletas no final do século passado, onde se tornou campeão nacional de pista em 1903 e 1904. Nesse mesmo ano, começa a experimentar as motos, onde se adapta bem. Vence a “Coppa Internazionale Motociclette”, em Pesaro e bate os recordes da Hora e dos cem quilómetros.

Em 1905, Giuppone vai para a França, onde continua a correr em motos contra a concorrência francesa, e consegue ser vitorioso em sítios como no Circuito das Ardenas ou em Ostende, na Bélgica. Os seus feitos fazem com que a Lion-Peugeot o contrate para a temporada de 1906, mas para correr em automóveis. E é isso que faz, e o seu primeiro resultado de relevo será um terceiro lugar na Taça das Pequenas Viaturas, em Rambouillet.

Em 1907, continua a correr quer em motos, quer em automóveis, mas os seus grandes feitos acontecem em 1908, quando vence a corrida das Voiturettes na Targa Florio, na “II Corse Veturette de Madoine” e mais tarde, na Copa Catalunya, numa equipa oficial que contava com dois pilotos franceses: Jules Goux e Georges Boillot.

O ano seguinte vai ser o melhor da sua carreira, pois ele acaba como vencedor na Taça das Pequenas Viaturas, para além de vitórias em Gaillon, Boulogne-Sur-Mer e em Ostende. Para além disso, faz uma aparição em motocicletas, mais concretamente no Tourist Trophy, onde termina na 12ª posição.

A temporada de 1910 irá correr um pouco pior, mas consegue resultados de relevo com o Peugeot: é segundo na Copa Catalunya, é terceiro na subida ao Mont Ventoux e vence em Ostende e em Provence. Outra das grandes realizações desse ano será a corrida de Boulogne, a 18 de setembro, e Giuppone é um dos pilotos (o outro é Jules Goux) que corre no carro com um motor bicilindrico bastante alto, com um curso de 280 milimetros.

Dois dias antes dessa corrida, a 16 de setembro, Giuppone está a efetuar um teste em alta velocidade ao pé da localidade de Wirwignes quando vê um ciclista a atravessar o seu caminho. Giuppone, tentando evitá-lo, realizou uma manobra brusca, causando o capotamento do seu Peugeot. Esmagado pelo seu carro, teve morte imediata, enquanto que seu mecânico ficou ligeiramente ferido. Tinha 32 anos.


Hoje em dia, no local do seu acidente fatal, existe um monumento erguido à memória do piloto, provavelmente um dos melhores do seu tempo na categoria das pequenas viaturas.